Transição para a terceira idade e o estresse de minorias de mulheres LGBTQIA+

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  O estresse em grupos minoritários é específico, único e crônico, afetando especificamente aqueles que enfrentam múltiplas camadas de discriminação. Mulheres LGBTQIA+ idosas podem vivenciar uma sobrecarga emocional tripla, derivada da interseção entre gênero, idade e orientação sexual. 

 O envelhecimento saudável é um processo contínuo de otimização da habilidade funcional e de oportunidades para manter e melhorar a saúde física e mental, promovendo independência e bem-estar ao longo da vida (OPAS). Entretanto, em muitos casos, esse processo pode ser prejudicado por estar inserido num cotidiano carregado de violência, insegurança e discriminação, enfrentado, em suma, por mulheres LGBTQIA+, que, encontrando-se numa posição subordinada socialmente, passam por um estresse capaz de prejudicar a passagem para a terceira idade. Nesse sentido, o presente estudo foi feito para desmistificar como esses eventos ocorrem e a maneira como afetam essas mulheres, focando no envelhecimento que acaba sendo prejudicado no caso desses indivíduos. 

 Atualmente, mulheres de minorias sexuais (lésbicas, bissexuais, transexuais, assexuais etc) são mais propensas a experimentar a solidão após passarem por eventos estressantes durante a vida (Lam & Campbell, 2023). Nesse sentido, a ocupação de posições minoritárias socioeconômicas, por pessoas plurisexuais pode ser um evento que dificulta o processo de envelhescência, essencialmente quando está associado a aspectos como a solidão e estresse minoritário, pois o ambiente em que os idosos residem também moldam esses sentimentos (Lam & Wang, 2022), podendo ser provocadas pelas experiências enfrentadas em razão da orientação sexual dessas pessoas. E fatores como a resiliência diante desses aspectos também são afetados pelo contexto em que mulheres mais velhas estão inseridas, como níveis de estresse crônico pré-existentes, autoconceitos deturpados e qualidade/presença dos apoios sociais disponíveis (Lam & Campbell, 2023). O apoio para mulheres de minorias sexuais pode ser amplamente afetado pela discriminação, em quantidade e qualidade, e uma boa rede de apoio por um grupo de amigos, por exemplo, é significativa para enfrentar eventos relacionados a passagem pra terceira idade, como perdas, acidentes, viuvez, doenças etc. A qualidade das relações interpessoais é um viés para a felicidade, sentimento esse que, quando presente na envelhecência, pode tornar o fenômeno facilitado e fluído. Outras fontes de apoio social são parceiros e filhos (Chen & Feeley, 2014), em suma na passagem para a terceira idade, sendo visto assim, novamente, a desigualdade em que muitas mulheres plurisexuais se encontram, se comparado a mulheres heterosexuais, pois a legislação brasileira impede que mulheres de sexualidades diversas tenham acesso a processos como barriga de aluguel ou adoção, tornando estressante o desejo de filhos em sua instituição familiar, filhos esses que poderiam ser de suma importância no processo de envelhecer, em razão do suporte significativo. Além disso, tal estresse vivenciado na tentativa de ampliar a família pode tornar esse processo ainda mais difícil.

                                                                                                                                                                               Fonte: freepink

  Aliado a esses aspectos, as características individuais podem moldar os níveis e a formação de solidão (Hoang et al, 2022), como oportunidades, restrições sociais e transições de vida. Mulheres LGBT no cotidiano brasileiro estão sujeitas a opressão, violência, depressão, vulnerabilidade, e ainda, se feito um recorte etnico-racial, fatores como a falta de oportunidades e marginalização são potencializados, sendo esses os maiores símbolos do estresse de minorias. Nesse sentido, características que podem reduzir esse ambiente de solidão são uma boa rede de apoio, segurança a que muitas mulheres, dependendo do local de moradia e trabalho, são privadas e atenção aos aspectos psicológicos num meio violento, fomentando uma deturpação na autoeficácia

  O envelhecimento traz à tona desafios de dependência (Mortenson, Sixsmith & Beringer, 2017), exacerbados por elementos como a cultura do overwork, a mesologia, papéis impostos e falso conceito de sucesso, ou seja, a sobreposição do sucesso financeiro pela felicidade (Shawn Ancor, 2010; Renata Abreu, 2016). Essa pressão resulta na “Síndrome da Mulher Maravilha”, onde a busca pela alta performance e multitarefas afeta principalmente mulheres, que enfrentam dificuldade, ao envelhecer, em aceitar a inércia. Nesse sentido, muitas mulheres que passaram a vida sendo autônomas em razão das características do meio a sua volta, que, por vezes, exigia esse tipo de estilo de vida, podem enfrentar dificuldades em aceitar essa inércia. 

  Quando pensamos na difícil realidade vivenciada por pessoas idosas LGBT’s, esse cenário controverso também se integra ao setting terapêutico, que exige uma postura diferente do terapeuta quando recebe esse tipo de demanda de um paciente, pois é evidente que esse grupo enfrenta necessidades e barreiras específicas no cuidado com a saúde mental. Tem-se, portanto, que as mulheres idosas pertencentes à comunidade LGBTQIA+ são mais propensas ao estresse, em razão, além da vivência do ‘estresse cotidiano’, tal qual todos os ser humanos são suscetíveis, dos estressores específicos dos grupos minoritários envolvidos: a misoginia, etarismo e homofobia, por exemplo, que afetam todos os aspectos da vida desses indivíduos (Pachankis, Hatzenbuehler, Rendina, Safren & Parsons, 2015).

                                                                                                                                                            Fonte: freepink

 Os prejuízos na saúde mental de grupos estigmatizados são inegáveis, vitimizações constantes, físicas ou verbais, levam a população ao ininterrupto estado de alerta e consequentemente, a maior propensão a depressão, ideações suicidas, abuso de substâncias e ansiedade, isto é, os desfechos negativos em relação à saúde de grupos estigmatizados são, em sua maioria, fruto do acúmulo constante de estresse (Paveltchuk, Fernanda de Oliveira; Borsa, Juliane Callegaro, 2020). Ademais, é indispensável o reconhecimento dos grupos marginalizados para que seja possível um maior nível de adaptação desses, visto que as etapas serão específicas para cada tipo de comunidade (Meyer, 2003).

  Dessa maneira, é possível concluir que fatores como homofobia, etarismo e misoginia associados trazem desafios consideráveis para a vida de mulheres idosas LGBT’s, que acabam por ter sua trajetória de vida, essencialmente, a transição para a velhice, dificultada. Além disso, torna-se clara a necessidade e a importância de uma rede de apoio eficaz e o acesso a saúde mental e física de qualidade, responsáveis por proporcionar bem-estar, uma vida tranquila e respeitada, boas relações interpessoais e por potencializar a qualidade da autoeficácia e autoestima dessas mulheres, reduzindo níveis de estresse, ansiedade, depressão e sentimento de constante solidão que são problemáticas associadas a essa marginalização enfrentada.

 

Autoria: Beatriz Soares Azevedo Rocha, Gabrielle de Oliveira Ramos Sobreira e Sophia Maria de Sousa Alves

         

REFERÊNCIAS

Mortenson WB, Sixsmith A, Beringer R. No Place Like Home? Surveillance and What Home Means in Old Age. Can J Aging. 2016 Mar;35(1):103-14. doi: 10.1017/S0714980815000549. Epub 2016 Jan 8. PMID: 26742899; PMCID: PMC5567666.

Lam, J., & Wang, S. (2022). Ambiente construído e solidão entre idosos no sudeste de Queensland, Austrália. Jornal de Gerontologia Aplicada, 41(11), 2382-2391. https://doi.org/10.1177/07334648221114345 

Lam, J., & Campbell, A. (2023). Eventos de vida e solidão entre mulheres idosas de diversas identidades sexuais: aplicação do modelo de processo de estresse. Pesquisa sobre Envelhecimento, 45(2), 239-254. https://doi.org/10.1177/01640275221090681 

Chen, Y., & Feeley, T. H. (2014). Social support, social strain, loneliness, and well-being among older adults: An analysis of the Health and Retirement Study. Journal of Social and Personal Relationships, 31(2), 141-161. https://doi.org/10.1177/0265407513488728 

Hoang P, King JA, Moore S, Moore K, Reich K, Sidhu H, Tan CV, Whaley C, McMillan J. Intervenções associadas à redução da solidão e isolamento social em idosos: uma revisão sistemática e meta-análise. JAMA Netw Aberto. 3 de outubro de 2022; 5(10):e2236676. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2022.36676. PMID: 36251294; PMCID: PMC9577679.JULIANE CALLEGARO BORSA, F. DE O. P. A teoria do estresse de minoria em lésbicas, gays e bissexuais. Revista da SPAGESP, p. 41–54, 2020.

ABREU, Renata. Síndrome da Mulher Maravilha: Autodiagnóstico e Autossuperação. Reposicons, [S. l.], p. 1-7, 1 jul. 2016. Disponível em: http://reposicons.org/jspui/handle/123456789/234. Acesso em: 23 set. 2024.

Brasil – OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org)

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Avaliação neuropsicológica precoce pode evitar o aparecimento de Alzheimer em idosos

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No Brasil, cerca de 1,2 milhão vivem com a doença

Segundo o Fundo da População das Nações Unidas – UNFPA, a população acima dos 30 anos, especialmente os idosos, vem aumentando em relação a novos nascimentos. Por conta desse  contexto demográfico se faz necessária a avaliação neuropsicológica constante de idosos para evitar problemas como Alzheimer. A Neuropsicóloga, Pós Graduada em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Marcella Bianca, dedica – se ao processo de envelhecimento humano. A neuropsicologia trata com atenção as necessidades físicas, emocionais e sociais que surgem com a idade. “A avaliação neuropsicológica é um processo que avalia as funções cognitivas e emocionais dos idosos, com o objetivo de detalhar lesões com comprometimento neurológico. A utilização de avaliações neuropsicológicas tem se mostrado eficiente na confirmação de diagnóstico precoce. ” relata Marcella Bianca.

Os idosos são propícios a desenvolverem doenças neurológicas, pois as conexões das células cerebrais e as próprias células se degeneram e morrem, eventualmente destruindo a memória e outras funções mentais importantes. Alguns sintomas analisados são a perda de memória e confusão em ações do dia a dia.  As avaliações neuropsicológica são imprescindíveis para a mudança de hábitos, alterações de comportamentos para que ajudem a retardar o estado crítico das doenças neurológicas.

Fonte: https://goo.gl/J5ytf8

Idosos com Alzheimer que contam com acompanhamento das terapias neuropsicológicas possuem grandes relatos de melhorias do modo interdisciplinar, trazendo um conjunto de mudanças ao indivíduo, que são neuropsicológicas, morfológicas, fisiológicas, bioquímicas, psicológicas/psiquiátricas, sociais e culturais.

Sobre a Neuropsicóloga Marcella Bianca:

Graduada em 2012 na faculdade Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP  em Ribeirão Preto, Pós graduada em Gerontologia, entre outras especializações em Psicologia, a Dra. Marcela atende em um conceituado consultório, na cidade de São Paulo.

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Cosmética pós-moderna: Velhice ou Terceira Idade?

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A velhice é um assunto que demanda delicadeza ao ser tratado atualmente, pois pensar no que tange a ser velho não é algo tão simples quanto se imagina.  Um ser humano é considerado idoso, de forma geral, ao atingir seus 60 anos de idade, independentemente de seu estado biológico, psicológico e social (SCHNEIDER, 2008). Desse modo fica nítido que, para a maior parte das pessoas, existe um momento para envelhecer, o momento em que se adquire uma idade determinada, como uma espécie de prazo a ser atingido.

No mundo, a quantidade de pessoas com a faixa etária superior a 60 anos vem crescendo rápido, e estatísticas do final do século XX ao início dos anos 2000 provam isso. O contingente de idosos, pessoas com 60 anos ou mais, cresceu 7,3 milhões entre 1980 e 2000, gerando um total de mais de 14,5 milhões em 2000 (World Health Organization – WHO, 2005). Os motivos para tais aumentos são vastos, entre eles: aumentos no custo de vida nas cidades, êxodo rural e políticas de controle de natalidade, que permeiam as grandes nações e começaram a ser cada vez mais comuns – por exemplo, o governo chinês que adotou a chamada política do filho único entre 1970 e 2015.

Para uma parcela considerável da sociedade, o sujeito que se encontra em estado de velhice é associado a uma sucessão de características negativas, como invalidez e a fragilidade, além das doenças que supostamente sucedem esse período da vida (SCHNEIDER, 2008). E dependendo do país, toda uma aura de respeito ainda se mantém sob os idosos, o conhecimento daquilo considerado antigo e a experiência deles tem seu lugar ao sol. Isso reflete diretamente na maneira como a sociedade os trata, sendo respeito a palavra chave para entender como se dá essa relação; as pessoas respeitam a vivência do idoso, ouvem seus conselhos, mas os mesmos ocupam um papel secundário, pois seriam obsoletos às dinâmicas contemporâneas.

Mas será isso mesmo? Seriam os idosos tão obsoletos e excluídos assim? A mídia parece ter vindo com força para provar que não. Analisando o aumento da população idosa, surgiu-se um novo público de mercado, e consequentemente um novo jeito de se ver a velhice. Agora sendo chamada de Terceira Idade, os que pertencem a ela não estariam condenados a cadeiras de rodas ou camas, mas sim buscar a tão sonhada qualidade de vida e saúde. Com isso, toda uma sucessão de acontecimentos para esse período da vida se estabeleceu; agora idosos também se exercitam, cuidam da pele e saem para se divertir.

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Fonte: http://migre.me/vmMNi

Velhice x Terceira Idade

O vocábulo velhice vem gradualmente sendo substituído pela expressão terceira idade, e isso é devido a uma série de fatores. Palacios (2004) analisou e verificou essa relação conflitante dos dois termos em uma pesquisa com 247 anúncios publicitários de cosméticos, que circularam na década de 1990. Percebeu que os anúncios gradualmente amenizavam o tratamento para com os idosos; antes usando termos como velhice, que remetem a algo desgastado e decrépito, e ao longo do tempo, sendo atingidos pelas mudanças de valores e de atitudes relacionadas a pós-modernidade, os anúncios ficam mais amenos, tratando como terceira idade esse período mais avançado da vida. Tudo isso acarretando mudanças nas práticas de consumo também.

As transformações e mudanças nessas práticas de consumo ocorridas na sociedade não são invisíveis à publicidade, pois a mesma é responsável por influenciar e muitas vezes moldar tais práticas. Para entender o mundo que nos cerca, temos que o olhar para a forma que as mercadorias são consumidas, pois muitas vezes os sentidos são conferidos a vida via consumo onde o indivíduo vai construindo seu estilo de vida. Com os idosos desse estudo não foi diferente: o jeito como eles consumiam havia mudado. Novas necessidades surgiam naquele meio social (dos indivíduos mais velhos, próximos a velhice) e os publicitários enxergaram ali uma oportunidade.

Com os anúncios podemos dizer que foi estabelecido um novo marco biológico preconizando os cuidados com o corpo, trazendo essa preocupação para pessoas mais jovens, entre 20 a 30 anos de idade, sendo que tal cuidado teria o início somente décadas no futuro. A publicidade vem mudando aos poucos a sociedade, influenciando o indivíduo na maneira de ser e ver o mundo a sua volta; as identidades sociais são estabelecidas pelos discursos publicitários mesmo que muitas vezes isso vá contra o real significado do ser e se denominar algo, ou em algum estágio do ciclo vital.

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Fonte: http://migre.me/vmN5d

O termo terceira idade se mostra mais ameno no trato dessas pessoas, trazendo mais conforto ao ouvinte e participante. Ele também é mais abrangente e permite uma análise mais profunda do indivíduo inserido nele.

Atualmente, os especialistas no estudo do envelhecimento referem-se a três grupos de pessoas mais velhas: os idosos jovens, os idosos velhos e os idosos mais velhos. O termo idosos jovens geralmente se refere a pessoas de 65 a 74 anos, que costumam estar ativas, cheias de vida e vigorosas. Os idosos velhos, de 75 a 84 anos, e os idosos mais velhos, de 85 anos ou mais, são aqueles que têm maior tendência para a fraqueza e para a enfermidade, e podem ter dificuldade para desempenhar algumas atividades da vida diária. (SCHNEIDER, 2008)

Essa divisão mais ampla é para os indivíduos, uma fonte de ânimo e autoestima, e dá mais ênfase no caráter heterogêneo do fator envelhecimento; se analisar profundamente, não é a idade – o tempo decorrido do nascimento até o ponto atual na vida – que determina se o ser humano está ou não velho, mas sim todo o contexto de vida dele e como ele está aplicado nesse contexto. Seu corpo como fator biológico também é determinante, levando em conta que cada um evolui e envelhece de modo único, a seu próprio ritmo.

Ao descrever sobre o termo velhice e a palavra terceira idade, Palacios (2004) enfatizou a relação que há entre tais conceitos e ao mesmo tempo discorreu sobre a ideia de mudança discursiva observada em anúncios publicitários. Com esta pesquisa, Palácios observou a existência de duas percepções opostas de velhice. A primeira, mais tradicional, entende o processo de envelhecimento como um período sombrio, no qual predomina o medo da morte, o desencadeamento de doenças, tendo como consequência o isolamento social.

Fonte: http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/fragilidade-aumenta-risco-de-morte-em-idosos/

A segunda visão retrata a existência de uma terceira idade, a qual faz-nos pensar na possibilidade de outras fases anteriores, como a primeira e a segunda, ou seja, infância e a maturidade, “a terceira idade é postulada como o ponto culminante de uma linha abstrata, convencionalmente instituída como condutora da vida. Estaria posicionada subsequentemente a uma segunda idade, que compreende a maturidade, e uma primeira idade, que compreende a infância.”(PALACIOS, 2004, p. 4).

Na esteira de seus argumentos, Palacios também afirma que os anúncios publicitários permitiram identificar a presença de dois pensamentos divergentes. Por um lado, a velhice é vista como algo que deve ser combatida. Por outro lado, a juventude emerge como o ideal a ser percorrido, mesmo na velhice. Desta forma, “[…] a busca pela juventude resulta em um comportamento ativo de combate à velhice e/ou que o estado de ser velho deve ser sempre acompanhado da busca pela conservação da juventude.” (PALACIOS, 2004, p. 20).

Entretanto, é importante ressaltar o apontamento que Amaral (2015) faz, no artigo sobre as “representações sociais”. A autora deixa claro que envelhecer torna-se algo cada vez mais difícil numa sociedade que prega e valoriza o visual, na qual se ocultam as rugas e os cabelos brancos. Amaral (2015) destaca que, nas sociedades atuais, a idade cronológica se apresenta como marcador para dividir o ciclo de vida das pessoas em três momentos, sendo que o primeiro se refere a preparação para o trabalho; o segundo momento diz respeito a atividade profissional e o último tempo relaciona-se com a reforma.

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Fonte: http://migre.me/vmO9K

A autora apresenta que há um consenso em afirmar a existência de preconceito e discriminação envolvendo as faixas etárias, incluindo a velhice e a juventude.  Para Amaral,

O termo ageism, idadismo em português, refere-se tanto à discriminação etária que os jovens como os mais velhos podem ser objeto. Quantas vezes ouviram jovens a verbalizar que são atendidos de forma diferente dos seus congéneres de idades mais avançadas nos locais de comércio? Quantas vezes presenciaram atitudes de incompreensão relativas a congéneres com gestos lentificados em filas do comércio?. (AMARAL, 2015, p. 294)

Na Contemporaneidade

O atual grupo da terceira idade representa uma “velhice” muito distinta da que era predominante até a década de 30. Ao falar sobre as visões conflitantes que se tem dessa fase, Annamaria Palacios coloca que “o processo de envelhecimento representa uma época sombria, decrépita, repleta de temores da morte, de acontecimentos de doenças, que culmina no isolamento do indivíduo dos processos de socialização em sua fase final da vida.” (PALACIOS, 2004, p. 90).

Diante disso, as formas de representação desse idoso na mídia estavam ligados a produtos farmacêuticos e prevenção de doenças, tendo esse grupo sempre papel secundário. O ato de associar o idoso a tais produtos de embelezamento, traz o estigma negativo que gira em torno desse pensamento pessimista sobre eles à tona, como se algo estivesse errado em se conformar com as mudanças que o tempo acarreta e que se o indivíduo não lutar contra isso, está agindo de maneira errada.

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Fonte: http://migre.me/vmPyq

É perceptível que essa imagem negativa foi substituída por outra muito mais ativa e saudável. Isso se dá pelas mudanças políticas e culturais advindas da pós-modernidade, como o direito a aposentadoria e a oferta de oportunidades para o autodesenvolvimento, aliado aos dados demográficas que apontam o crescente número de idosos desde o final do século XX. Todo esse contexto social foi acompanhado pela mídia, uma forte influenciadora de opiniões e comportamentos. Assim, ela se tornou uma grande colaboradora, não só na construção da nova imagem da terceira idade, mas também na maneira como a convivência de diferentes gerações.

Quando falamos de produtos e serviços destinados a esse grupo, assunto de grande destaque no artigo Velhice, palavra quase proibida; Terceira idade, expressão quase hegemônica, a mídia possui papel fundamental na disseminação da ideia e no despertar do interesse de consumo. Ada Bezerra pontua:

No espaço midiático então, o velho é incitado a adquirir novos hábitos para manterem o corpo saudável e um espírito jovem, com participação social e valores modernos. Para isso, um arsenal de produtos e serviços de rejuvenescimento, cosméticos, eletrodomésticos modernos, centros de lazer, agências específicas de turismo, serviços bancários, e outros produtos são criados e direcionados ao consumo desse gênero. (BEZERRA, 2006, p. 6)

Nessa perspectiva, torna-se claro que a imagem do idoso de espírito jovem não representa a realidade da terceira geração do século XXI, e existe apenas para atender a lógica de mercado vigente que supervaloriza a juventude e a torna uma conquista possível em qualquer momento da vida através de produtos e estilos de vida adequados.

REFERÊNCIAS:

BEZERRA, Ada Kesea Guedes. A construção e reconstrução da imagem do idoso pela mídia televisiva. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Campina Grande, jan. 2006.

DANIEL, Fernanda; ANTUNES, Anna; AMARAL, Inês. Representações Sociais da Velhice. Análise Psicológica, [s.l.], v. 33, n. 3, p.294-294, 23 set. 2015. ISPA – Instituto Universitário. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.14417/ap.972>.

PALACIOS, A. R. J. P. Velhice, palavra quase proibida; terceira idade, expressão quase hegemônica: apontamentos sobre o conceito de mudança discursiva na publicidade contemporânea. Comunicação apresentada no XX Encontro da Associação Portuguesa de Linguística (APL). Lisboa, 2004.

PALACIOS, A. R. J. As múltiplas idades e os múltiplos usos: cultura, consumo e segmentação de público em anúncios de cosméticos. Comunicação, Mídia e Consumo/Escola Superior de Propaganda e Marketing. v. 3, n. 6, São Paulo, 2006.

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O Exótico Hotel Marigold: vida que pulsa na Terceira Idade

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Muita gente ainda não se deu conta de que o avanço da idade e, em alguns casos, as limitações físicas impostas pelos anos, não são fatores que necessariamente limitam a vontade de viver, viver intensamente uma vida que pulsa e que ainda tem muito a oferecer. E é essa a abordagem do filme “O Exótico Hotel Marigold” (2011), dirigido por John Madden (Shakespeare Apaixonado e A Grande Mentira) e que contou com as belíssimas atuações de Judi Dench (personagem de Evelyn Greenslade), Tom Wilkinson (que faz Graham Dashwood) e Dev Patel (Sonny), entre outros.

 

A narrativa é baseada no livro “These Foolish Things” da inglesa Deborah Moggach, e apesar de os personagens viajarem à Índia por motivos pessoais diferentes – que variam de uma busca por tratamento médico a uma oportunidade de resolver problemas amorosos -, no fundo acaba por retratar que os sonhos, as paixões e as perspectivas não se exaurem com o avançar da idade.

No Hotel Marigold, os hóspedes “deslancham” uma série de tramas que, em alguma medida, se transformam numa espécie de acerto de contas com o passado, um “desanuviar” da mente ao estilo “Comer, Rezar e Amar” cujo objetivo é fazer “ritos de passagem” que, em outras circunstâncias e perto da parentela, certamente não seriam executados. Aos poucos os personagens vão “tirando os pesos de suas costas”, tomando decisões que já deviam ter sido tomadas e, por fim, optando pelo valioso momento presente.

 

 

Mas as mudanças cobram o seu preço. Nos prós e contras de cada escolha, alguns preferiram o conforto de suas rotinas na Inglaterra a ter que enfrentar o esforço da adaptação na Índia. Outros viviam das lembranças do passado. Nestas circunstâncias, desistir é a alternativa aparentemente menos assustadora. De forma geral, no entanto, e para aqueles que persistiram no “domínio do desconhecido”, que perceberam a grande aventura que é a própria vida, o longa mostra que esta busca genuína pela felicidade pode ser um combustível poderoso para ampliar a visão de mundo, abrir-se para o diferente e, por que não, dar espaço para que o coração amoroso receba alento.

Apesar de alguns críticos apontarem a ausência de profundidade nas estórias (o que o livro, comentam, faz com maestria), “O Exótico Hotel Marigold” é um filme muito simpático, sobretudo pela atuação de Dev Patel (estrela de dois outros conhecidos longas: “Quem Quer Ser Um Milionário? [2008]” e “O Último Mestre do Ar” [2010]), que incorpora o visionário Sonny, idealizador do hotel para a terceira idade, e que mesmo fazendo uma propaganda nada verossímil do local, acaba por conquistar boa parte dos hóspedes ao demonstrar uma incomum sensibilidade no trato com as pessoas.

Por evidenciar uma vontade de fazer a coisa certa, e ao enfrentar os crescentes problemas de estrutura do hotel, que ocupa uma antiga construção da sua família, a atuação de Sonny, de certa forma, representa uma analogia à própria reinvenção da vida dos idosos/hóspedes, ainda efervescentemente ativos “em suas construções internas/mentais”, mas que veem seus corpos gradativamente perderem o ritmo de outrora. No entanto, é possível fazer muito com o “pouco” que lhes resta. O próprio romance de Sonny com uma jovem de sua região, e os desafios que tem de enfrentar para levar os projetos pessoais e o relacionamento amoroso à frente, também se apresenta como síntese dos encontros e desencontros da longa existência daqueles hóspedes que se aproximam do fim da “jornada”, mas que nem por isso se eximem de viver, de amar.

 

 

O filme, dentre outras coisas, mostra uma tendência já comum na Europa, que é a existência de hotéis especializados em lidar com pessoas da terceira idade que se prepararam para passar a aposentadoria longe dos familiares (isso quando têm família). São lugares que procuram ao máximo preservar a autonomia e privacidade dos idosos, tratando-os com dignidade e respeitando suas demandas, algumas delas não muito diferentes daquelas apresentadas em suas tenras idades. Afinal, quem disse que idoso não pode se apaixonar?

Esta tendência, aos poucos, também aparece no Brasil. No interior de São Paulo, em Balneário Camboriú (SC) e em alguns bairros do Rio de Janeiro, como Copacabana, por exemplo, já existem muitos locais específicos para que os idosos possam passar a aposentadoria. E capitais do Nordeste como Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB) já são apontadas por algumas publicações especializadas do exterior (Internacional Living) como lugares apropriados para se viver a terceira idade.

Os preços e as condições físicas de cada local são os mais variados possíveis, para atender a todas as condições sociais. Provavelmente esta é uma tendência irreversível para um país que envelhece a passos largos e que, de acordo com os últimos dados do IBGE, conta com aproximadamente 3 milhões de idosos que moram sozinhos, num universo de 14,9 milhões nesta faixa etária em 2013. E o mesmo IBGE projeta que, até 2060 esta população irá quadruplicar, chegando à casa dos 58,4 milhões de pessoas, ou 26,7% da população total.

“O Exótico Hotel Marigold” é um convite para que se observe a pessoa além da sua idade, já que também há na velhice uma efusiva construção de subjetividade que não pode se tornar objeto de preconceito e/ou discriminação, que não pode ser negligenciada. Afinal, não existem barreiras para quem quer apossar-se da felicidade, seja em qual idade estiver.

REFERÊNCIAS:

João Pessoa e Fortaleza entre as melhores cidades do mundo para desfrutar aposentadoria. Disponível em:<http://ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/nordeste/noticia/2012/08/01/joao-pessoa-e-fortaleza-entre-as-melhores-cidades-do-mundo-para-desfrutar-aposentadoria-358580.php  >. Acesso em 25/01/2014.

Velhice sem tabus: quase 3 milhões de idosos moram sozinhos no Brasil – Disponível em: <http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/01/11/noticia_saudeplena,147017/velhice-sem-tabus-quase-3-milhoes-de-idosos-moram-sozinhos-no-brasil.shtml >. Acesso em: 25/01/2014.

Número de idosos no Brasil vai quadruplicar até 2060, diz IBGE – Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/08/130829_demografia_ibge_populacao_brasil_lgb.shtml>. Acesso em: 25/01/2014.

O Exótico Hotel Marigold – Disponível em: < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-186338/ >. Acesso em: 25/01/2014.

 

FICHA TÉCNICA:

O EXÓTICO HOTEL MARIGOLD

Título Original:The Best Exotic Marigold Hotel
Dirigido por:John Madden
Elenco: Judi Dench, Maggie Smith, Bill Nighy, Penelope Wilton, Tom Wilkinson, Ronald Pickup, Celia Imrie
Duração: 124 minutos
Classificação: 10
Gênero: Comédia/Drama
Ano: 2012
País: Reino Unido

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