Processo de adicção a nível celular e o vício em pornografia

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Vamos falar sobre vício? Quando se trata de vício vem logo a nossa mente algo relacionado a álcool, cigarro, maconha, crack, LSD, morfina, entre outras drogas; porém não nos lembramos somente da existência destes tipos de drogas com as quais indivíduos dia após dia se viciam, e degradam sua dignidade humana e outros que reconhecendo os estragos causados em seus corpos, mentes e relacionamentos, tentam desesperadamente desistir destes vícios. Temos sempre alguém próximo que passou ou passa por este processo de adoecimento, e por vezes são nossos pais, mães, tios, irmãos, sobrinhos, parceiros, amigos, e quão desafiante é para estas pessoas e para os que estão próximos delas, de permanecerem próximos e os ajudarem a vencer este vício.

            Mas o quê explica estes homens, mulheres, jovens e até mesmo crianças, terem contato com drogas se viciarem e não conseguirem largar com a mesma facilidade com que iniciam em um vício? Para isto precisamos entender um pouco do funcionamento do nosso cérebro e o que estes mais diversos tipos de drogas causam no nosso cérebro. O nosso sistema nervoso central é um sistema complexo cheio de funções e sistemas de feedback que regulam a forma como experimentamos a vida. Para compreender o comportamento de adicção (vício), é necessário compreender um sistema muito importante no nosso dia a dia, que faz com que continuemos a fazer coisas que reconhecemos como apetitosas e prazerosas nas nossas vidas.

            Este sistema importantíssimo é chamado de sistema de recompensa. Mas como assim sistema de recompensa? Sim, existe uma parte do nosso cérebro que foca exatamente em reconhecer experiências que para nós foram marcantes positivamente e gerar aquela sensação prazerosa, gostosa das coisas, por exemplo uma ida ao parque, ver uma bela paisagem ou obra de arte, experimentar uma comida muito boa, ver um bom programa de TV, uma série preferida, no sexo, etc.

Imagem do sistema/circuito de recompensa em destaque.

Este circuito de recompensa é composto por três áreas muito importantes do nosso cérebro que são responsáveis também pela tomada de decisão, que são o córtex Pré-Frontal, o Núcleo da Accumbens e a Área Tegmentar, e há pouco tempo foi descoberto que o Núcleo Caudato também integra este sistema, sendo seu papel ajudar na detecção e percepção de uma recompensa, discernir entre recompensas e escolher uma recompensa particular a outra, além de antecipar uma recompensa e esperar uma recompensa (BORGES, 2015).

Já vimos onde ele fica no nosso cérebro e o que ele faz, mas como ele funciona e como as pessoas se viciam? O circuito de recompensa como todo o nosso cérebro é formado por uma quantidade enorme de neurônios que se comunicam a partir de sinapses, que são impulsos elétricos, que são produzidos pela comunicação destes neurônios, que se de diversas formas, mas nesta área específica os neurônios comunicam a outros neurônios um neurotransmissor chamado Dopamina, que é o responsável por sentirmos o prazer e a satisfação.

Imagem de uma sinapse dopaminérgica.

               Então toda vez que fazemos algo agradável estas sinapses dopaminérgicas acontecem no nosso cérebro, e aqui entra o fator chave para o comportamento de adicção, estas mesmas sinapses de dopamina acontecem em pessoas que entram em contato com drogas, o que acontece no cérebro quando entra em contato com esse tipo de estimulação, é que essa quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica, aumenta em níveis altíssimos, gerando uma sensação de prazer muito grande no indivíduo. Mas há um grande problema neste volume elevado de neurotransmissores, pois o excesso de dopamina gera uma maior flexibilidade no córtex pré-frontal, e prejudicar a capacidade de concentração (HUBNER, 2022).

            O cérebro humano é sistema muito complexo e inteligente, e traz em si sistemas de feedback para a manutenção de suas funções, logo ao perceber que está acontecendo uma irregularidade na quantidade de dopamina lançada nas fendas sinápticas, ele age diminuindo a produção do neurotransmissor e o neurônio que iria receber este neurotransmissor também diminui a quantidade de receptores, que são como janelas abertas onde os neurotransmissores se ligam e geram as sinapses. Este processo natural do cérebro produz duas grandes consequências, uma a curto e a outra a longo prazo, a curto prazo, ainda que o indivíduo faça a ingestão da mesma quantidade de droga ela não produzirá mais o mesmo efeito no cérebro.

            Então, em resumo a pessoa entra em contato com a droga e a partir deste momento o cérebro imediatamente começa a tomar medidas para se proteger de outra descarga tão grande de dopamina. Não aprofundaremos aqui as motivações que levam uma pessoa a entrar no uso de drogas, mas por muitas vezes as motivações que levam a usar pela primeira vez, podem levar a pessoa a procurar uma segunda, ainda não como um comportamento de vício, mas por vezes como comportamento de fuga dos seus sofrimentos, por incentivo de seus grupos sociais, etc.
No entanto, o que acontece nesta segunda vez não chega nem perto do que aconteceu na primeira, o cérebro em modo de sobrevivência, não permite uma sobrecarga novamente e a sensação de prazer e recompensa diminuem drasticamente, para que tenha uma sensação de prazer maior será necessária uma ingestão ainda maior, ou de uma droga mais pesada, o que explica o comportamento de muitas pessoas que começam com o álcool, cigarro, maconha e podem gradativamente fazendo o uso de drogas cada vez mais pesadas.

            A longo prazo, precisamos lembrar que o neurotransmissor que gera esse efeito de prazer e recompensa no uso das drogas, é o mesmo neurotransmissor do dia a dia, das coisas prazerosas da vida, como uma boa comida, uma bela paisagem, uma convivência com a família ou amigos, porém o cérebro neste momento está focado em continuar mantendo as suas funções, sem sofrer sobrecargas de dopamina, já diminuiu a produção e já fechou algumas “janelas”, então atividades simples como estas não terão mais o mesmo sabor, passarão a ser consideradas “chatas” ou tediosas, pois elas normalmente já não produziam tanta dopamina, e agora produzem menos e geram muito menos sinapses.

Pessoa em sofrimento pela adicção

Um pessoa inserida na adicção já está vivendo em profundo sofrimento, e esta mesma pessoa que por muitas vezes busca na droga uma forma de esquecer, de fugir um pouco do seu sofrimento, começa não sentir prazer nenhum na vida exceto no momento em que entra em contato com a droga a qual está viciado, e cada vez mais procurando drogas cada vez mais fortes. E aqui entra todo sofrimento familiar, perda de relações afetivas, perda de trabalho e vida desta pessoa é reduzida ao seu sofrimento.
Como foi visto no início é possível se viciar em drogas lícitas, ilícitas de diversas formas, mas há um tipo de vício que a nossa sociedade incentiva e se utiliza para enriquecimento de algumas classes, que é o vício em pornografia, ele acontece da mesma forma que todas as outras drogas, este mesmo processo de adicção que acontece em todos os tipos de droga também acontece na pessoa viciada em pornografia, a única diferença é que a “droga” a qual os homens e mulheres se viciam na atualidade com grande frequência é que é de graça, de fácil acesso e amplamente estimulado pelas novelas, filmes, séries e até mesmo propagandas de produtos de consumo, como carros, cerveja e etc., onde o sensualismo é lançado como fetiche para induzir o desejo de consumo de homens e mulheres.

Este problema social que afeta uma quantidade incontável de pessoas, alguns em grau mais leve e em outros muito elevado, tem ganhado um pouco mais de atenção porém ainda forma tímida, em 2019 o CID adota uma novo diagnóstico de transtorno que é o 6C72 Transtorno de comportamento sexual compulsivo que consiste principalmente na incapacidade persistente de controlar impulsos sexuais, sendo eles ligados ao sexo de fato, ou comportamentos como sexo virtual, pornografia e masturbação.
Um problema muito grave no processo de vício em pornografia é que a pessoa é bombardeada por estímulos que servem como “gatilhos” para que ela consuma mais e mais pornografia, e uma grande dificuldade relacionada é a naturalização deste tipo de comportamento, certamente ou você, ou algum conhecido seu já recebeu em algum grupo de Whatsapp um conteúdo pornográfico, quantas notícias já vimos de pessoas que foram demitidas por enviarem este tipo de conteúdo em grupos de trabalho, e entre os jovens é reforçado ingressar neste tipo de comportamento.
É muito importante lembrar que temos campanhas contra o uso abusivo de drogas, tanto as ilícitas como as licitas, como o álcool, o tabaco, no tabaco por exemplo temos na caixa do cigarro o que o vício nele pode causar, com imagens reais de casos gravíssimos que aconteceram por causa do uso de cigarro, mas e quanto à pornografia? Você é capaz de contar a quantidade de vezes que teve acesso a conteúdo de cunho sexual nesse mês, por meio de propagandas, séries, filmes, novelas, músicas? Há uma naturalização deste tipo de produtos sociais.

Propagandas utilizadas para venda de bens de consumo, reflexo da hipersexualização.

            Umas das consequências desta naturalização e de não informarmos às pessoas os riscos de ingressarem em consumo de pornografia, é que a pessoa vive esse processo achando que está vivendo algo saudável e quando se percebe já não está mais conseguindo conter impulsos sexuais em seus mais diversos ambientes, já não está tendo mais prazer nas suas relações familiares e afetivas, no seu trabalho, passa a viver desanimado e tomado pelo tédio, por que nada mais é capaz de motivá-lo de fazer com que se sinta vivo, a não ser entrar em contato mais um vez com conteúdo pornográfico, e da mesma forma que com outras drogas passa a precisar de estímulos mais poderosos para que sinta aquele pico de dopamina, pois o cérebro já foi se protegendo fechando receptores e produzindo menos dopamina.
Logo esta pessoa pode passar a procurar tipos de sexo diferentes, com animais, mais violentos, com crianças, com cadáveres, etc. E assim a nossa sociedade estimula a produção deste tipo de conteúdo, em sua grande maioria proibidos por lei. Temos uma sociedade que incentiva o desejo sexual a todo tempo, somos bombardeados por este tipo de conteúdo, e como ficam as pessoas que tentam deixar este comportamento abusivo? Sofrem constantemente com recaídas e vão se sentindo cada vez mais incapazes de ter controle de seus impulsos sexuais.

Aqui temos o relato de uma pessoa que não quis se identificar que passou por este sofrimento, segue na íntegra o relato:

            “ Tive contato pela primeira vez com conteúdo pornográfico, aos 11 ou 12 anos, por meio de um amigo que chamei para jogar no computador da minha casa, e em um dado momento da brincadeira este amigo me falou que queria me mostrar um tipo de jogos ‘diferentes’, foi quando ele abriu um site de jogos pornográficos, e ao me deparar com aquilo eu percebia que havia algo errado, mas ao mesmo tempo não fazia ideia da existência do tipo de coisas que eu estava vendo ali pela primeira vez, e até hoje tenho dificuldade de me perdoar por ter me deparado com aquilo e não ter fugido, mandado fechar, saindo dali, ou ter dito que não queria ver aquilo.
Ainda hoje, depois de passar mais de metade da minha vida tendo vivido como um viciado, é difícil olhar pra trás e acolher que eu era uma criança, que não entendia nada do que eu estava sentindo ao ver aquelas coisas. Depois desse dia não me lembro de quando foi a segunda vez em que tive contato a final fazem muitos anos, só me lembro que pornografia e masturbação fizeram parte da minha vida constantemente ano após ano, tempos com menos frequência e outros com muito mais frequência, eu não sei dizer hoje quando foi a primeira vez em que tentei parar e que não durou muito tempo, mas ao longo tempo comecei a perceber que sempre que me frustrava eu acabava mais uma vez buscando a pornografia.
Via sempre meus colegas falando sobre vídeos pornográficos que tinham visto, e algumas vezes até abrindo sites assim na escola, e então parecia algo cada vez mais natural, que todo mundo vivia, e cada vez mais via mais vídeos, fotos, e como foram anos vivendo assim, cada vez mais foi se tornando mais frequente, mas fui me percebendo cada vez mais mal, as coisas começavam a perder a cor, eu não conseguia mais me sentir tão bem quando estava com os amigos, não me sentia feliz, comecei a pesquisar e descobrir que tantas pessoas haviam ficado muito mal também por causa deste vício, e comecei a tentar sair mas sempre vinha alguma coisa, que me lembrava de algo que eu tinha visto, as vezes nas conversas, em séries que assistia, me faziam ter recaídas, não conseguia de forma alguma conter os impulsos, por mais que tentasse, por vezes corria pra lugares da casa onde tinha gente pra não ir ver pornografia, ajudava mas quando ficava sozinho recai de novo, e de novo e de novo…
Você não sabe o quanto é difícil viver assim, se sentindo incapaz de se controlar, de não fazer algo que você sabe que faz mal pra você mesmo, que cada vez mais vai te tirando a graça de viver bem com as pessoas que você tá perto. E cada vez que recaía me sentia cada vez mais culpado e envergonhado por não conseguir. Procurei ajuda mas mesmo assim tive muitas dificuldades de conseguir enfim parar, mas ainda hoje é muito difícil permanecer sem recaídas, porque direto aparece alguma coisa que me lembra, que me faz querer voltar pra aquelas coisas. As vezes só penso o que eu não daria para mudar aquele primeiro dia, o quanto minha vida poderia ter sido melhor se eu não tivesse sido apresentado a pornografia, me tornando como que um prisioneiro de mim mesmo, mesmo vivendo limpo as vezes acho que nunca voltarei aquele normal da infância que não sentia vontade de ver aquelas coisas.”

Precisamos repensar o que estamos fazendo com as nossas crianças, com nossos adolescentes e jovens, e conosco, com essa hipersexualização da vida, é primordial que questionemos este padrão social de pegar qualquer que seja o produto e colocar uma pessoa ali sensualizando como forma de vender aquele produto. E conscientizarmos que há riscos seríssimos a saúde mental e física de cada indivíduo, como em qualquer outro tipo de adicção, ainda que pareça em grau menor que outras drogas, é tão possível que uma pessoa que inicia o vício em pornografia possa acabar se viciando em drogas ainda mais pesadas.

Referências

BORGES, Maria. O amor no cérebro. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), v. 22, n. 38, p. 125-135, 2015.

HUBNER, Luiza Johanna et al. Papel da Dopamina e Motivação para o Esforço e Fadiga Mental. 2022.

 

 

 

 

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“A invenção da Psicanálise”: entre o documentário e algumas curiosidades

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Este documentário nos traz a rara oportunidade de ouvirmos a voz de Freud.  Para quem admira tanto a obra, quanto o homem, é quase como uma catarse. Deparamo-nos com fotos e vídeos, tais como o depoimento de Carl Jung descrevendo seu encontro com Freud. Curiosidades: Neste encontro épico, eles tiveram 13 horas de conversa sem intervalos, se afinaram sobremaneira, e Freud viu em Jung um sucessor em seus estudos, porém como todos sabem, as divergências os afastaram.

Sigmund Freud, Stanley Hall, Carl Gustav Jung; Abraham Brill, Ernest Jones, Sandor Ferenczi. Encontro de Titãs. Fonte: encurtador.com. br/ouCHZ

Foi um episódio digno de nota acompanhar momentos tão significativos para nossa história, e além de tudo isso, sabermos a fundo toda a trajetória deste homem ímpar e conhecermos mais a cerca do nascimento da psicanálise e seus desdobramentos posteriores.

O documentário “A invenção da Psicanálise” é um filme que visa compreender os primórdios criativos da psicanálise e da vida e morte de seu autor e criador Sigmund Freud. Todo o contexto do documentário chama muito a atenção, todos os acontecimentos são dignos de nota, porém vamos nos ater aos acontecimentos mais relevantes, embora, toda esta história seja de grande valia para todos que se debruçam a esta obra tão significativa em todos os seus seguimentos.

Freud, um neurologista judeu, relatou pela primeira vez em seu discurso seu interesse pelos pacientes neuróticos, fazendo com que surgissem algumas descobertas a respeito do inconsciente, aliado a isto sua curiosidade em descobrir a cura para uma psicose chamada histeria. Histeria na época era considerada uma doença nervosa, supostamente originada no útero, era marcada por convulsões, identificada em mulheres.

Curiosidades: Não poderia deixar de levar ao leitor uns apontamentos que fiz a cerca da histeria, que muitos julgam ter vindo à tona com estudos de Freud, no entanto, é bem relevante que se saiba que o termo histeria vem de longa data, mais precisamente no século IV a.C, com Hipócrates, que também dizia que esta doença, ou mal era causado através do útero, logo, (hystéra, útero em grego).

Para Platão, a mulher  tinha no útero um ser de autonomia, assim como um animalzinho que pode ir de um lado para o outro do corpo, sendo desta forma, dependendo do lugar que ele se aloja,  pode  reprimir o órgão, e a partir daí  gerar uma histeria, ou outros males tais como desmaios, falta de ar, entre outros. Aqui existe muita similaridade com a repressão em Freud. Para os médicos Galeno e Sorano, na Roma antiga era a falta de sexo que causava a histeria nas mulheres (faz sentido). Já na idade média, a histeria era o domínio do mal que possuía as mulheres. Na renascença, a culpa era dos vapores que chegavam ao cérebro (apenas no cérebro das mulheres. Pobre de nós.)

Com Charcot e Freud a história da histeria tomou outros rumos.

Freud e Charcot. Fonte: encurtador.com.br/oyE48

Freud então vai para Paris e lá conhece Jean-Martin Charcot, um grande neurologista que vinha conseguindo resultados positivos com o tratamento da histeria usando métodos hipnóticos. Charcot acredita que durante a hipnose os sintomas de histerias deixavam de existir e que não estavam relacionadas ao útero, mas a uma neurose funcional. A partir de Charcot, Freud faz novas descobertas sobre histeria e sexualidade. Através desta descoberta ele associa o homem a suas feridas, ele acredita serem geradas desde a infância.

Freud conhece Josh Breuer em Viena, médico judeu que é especialista em doenças nervosas. Breuer tinha uma paciente, Anna O. e Freud se interessou demais pelo caso de Anna O., uma jovem mulher que apresentava histeria aguda. Os estudos de Breuer foram bastante significativos para Freud, ele se atentava a tudo que o médico desenvolvia e a partir disso ele desenvolve sua teoria psicanalítica sobre sexualidade, e deste encontro nasce o livro Método cartático” que narrava métodos sobre como tratar a histeria.

Quando Freud abandona a hipnose e em 1889 inventa o divã, para que o método terapêutico tivesse como interesse e fosse focado nas palavras, no que o paciente tinha a narrar. Ao deixar os pacientes livres para falarem o que quiser, Freud atribui a sexualidade um lugar crucial para definir a vida psíquica e suas conexões com o passado.

Foi em sua relação com Wilhelm Fliess que nasce a psicanálise, junto com teorias da bissexualidade, teoria da sedução e sua primeira teoria do aparelho psíquico. Fliess teve grande influência na vida de Freud, neste ínterim ele já atestava que atrás de todo trauma, existe uma neurose. Mais tarde ele cria a teoria das fantasias, ele acredita que o inconsciente carregaria lembranças e fantasias na qual o indivíduo inventa seduções do seu imaginário, e isso faz com o indivíduo sofra.

Fonte: encurtador.com.br/hsBLW.

Curiosidades: Freud e Fliess trocaram cartas que vão de 1887 a 1904, período que se inicia o início e desenvolvimento da psicanálise. Foram 17 anos de correspondências. 133 documentos nunca trazidos a público anteriormente, e mais 139 publicados apenas em parte.

Segundo Sulloway os amigos partilhavam de crenças similares, e entre elas estavam a idealização das ciências da natureza e das explicações de cunho reducionista, o caráter determinista dos fenômenos naturais e psíquicos, a importância primordial do domínio da sexualidade e, também, a expectativa no uso benéfico da cocaína (Sulloway, 1981, p. 129-130).

Diante de todos estes acontecimentos e encontros fez com que ele, Freud se concentrasse no sujeito; então nestes episódios se dá a revolução Freudiana e o surgimento da psicanálise de Sigmund Freud.

A psicanálise traz a tona uma nova forma de tratar pacientes neuróticos, abandonando métodos de cura por banhos, eletro choques entre outros, dando lugar a um tratamento humano através da fala. “A qualidade de ser consciente… permanece sendo a única luz que ilumina nosso caminho e nos conduz através da obscuridade da vida mental” (1938/ 1964, p. 286)

Referências:

DRAWIN, Carlos Roberto, et.al. 2020. Freud e Fliess: considerações sobre uma supervisão imaginária. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/347454466_Freud_e_Fliess_consideracoes_sobre_uma_supervisao_imaginaria. Acesso em 01/09/2022.

GOMES, Gilberto. 2003. A Teoria Freudiana da Consciência. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ptp/a/jdXnRPyk9NFzfRSf9fHtQYS/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 01/09/2022

LOPES Liliana. Canal Meditacinco. A invenção da Psicanálise – documentário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7JabKzJZXZ0. Acesso em 01/09/2022

Masson, Jeffrey Moussaieff A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess — 1887-1904 / Jeffrey Moussaieff Masson; tradução de Vera Ribeiro. — Rio de Janeiro: Imago, 1986.

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Ambiente de trabalho caótico: oficina de transtornos físicos e mentais

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Com o avançar da sociedade, as mutações presenciadas no setor industrial e de serviços, o crescimento exponencial das demandas em serviços necessários e voluptuários (supérfluos) tem criado um cenário profissional extremamente agitado de competição comercial para entregar o melhor produto e o mais eficiente para o consumidor.

Essa visão de produtividade e comprometimento com público-alvo é algo vem, como dito, se intensificando através dos anos, algumas empresas adotam a postura de aperfeiçoar o serviço desempenhado por seus colaboradores através de novas contratações ou supressões de etapas não essenciais na construção do seu objetivo.

Serviços e produtos que possuem grande demanda são encontrados em todos os seguimentos, por exemplo, automobilístico, aplicativos virtuais, suporte técnico, logística, até mesmo o delivery pode ser observado nesta ótica.

Mas nem tudo são rosas, uma das principais contrapartidas desse grande crescimento e até mesmo pressão dos consumidores em ter o melhor produto, na maior rapidez possível, com o custo-benefício extraordinário faz com que muitos empresários criem um cenário caótico entre seus colaboradores.

Obviamente que um cenário desordenado não é derivado somente da pressão causada pela sociedade em geral, muitas vezes o despreparo do gestor, a falta de uma equipe multidisciplinar que tenha ênfase em psicologia organizacional acaba por não conseguir evitar os atritos e pressões vivenciadas pelos trabalhadores.

As consequências dessa grande pressão, metas profissionais inalcançáveis torna um ambiente crítico que repercute diretamente na vida do indivíduo que exerce aquela atividade essencial para a satisfação direta ou indireta do público.

Fonte: Imagem no Freepik

Quem não se recorda, por exemplo, da comoção nacional para conscientização sobre os riscos dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho – DORT, popularmente conhecida como Lesão por Esforço Repetitivo – LER, que é resultante exatamente da grande “mecanização” do corpo humano na execução de uma atividade profissional. O DORT é apenas um dos riscos que já foram amplamente discutidos na mídia nacional. Contudo, outras situações também atingem a estima dos colaboradores, um ambiente de competitividade e cobrança desregulada cria na psique do indivíduo.

Excesso de cobrança, exaustão extrema, esgotamento físico são características da Síndrome de Burnout, uma condição que tem ganhado grande destaque em razão do grande risco à saúde dos profissionais no mercado de trabalho.

Fonte: Imagem no Freepik

De acordo com o próprio site governamental, a síndrome de Burnout causa depressão, exaustão física e mental, falta de vontade e energia, sentimentos de incompetência, priorização das necessidades de terceiros, alterações de humor, etc.

É uma condição que merece ser tratada com zelo e profissionalismo, vez que sua existência prejudica demasiadamente a vida íntima, pessoal e profissional do seu portador.

Medidas alternativas para construção de um ambiente de trabalho engajado e que entregue excelentes resultados da forma mais célere e eficiente possível já estão sendo estudados. Empresas que incentivam o desenvolvimento pessoal e trabalham de forma digna com a compensação de seus colaboradores já vem demonstrando sinais de melhor qualidade de vida organizacional.

Desta forma, o caos pode ser tratado, desestimulado e até mesmo transformado positivamente para o bem-estar daquele ambiente de trabalho.

REFERÊNCIAS

DESCONHECIDO. LER/DORT são as síndromes que mais acometem trabalhadores brasileiros. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. INFORME ENSP. Disponível em <https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/52793> acesso em 26 ago 2022.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Síndrome de Burnout. disponível em<https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout> acesso em 26 ago 2022.

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Álcool, o frágil limite entre prazer e destruição

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Todos os anos o dia 20 de fevereiro é dedicado ao combate e conscientização da dependência do álcool, e é de suma importância que haja uma reflexão individual sobre o papel que a bebida exerce em nossas vidas e como ela pode impactar nossa realidade.

O álcool, diferente de outras drogas, pode estar presente desde muito cedo na vida das pessoas e a dependência que ele muitas vezes causa afeta milhões mundialmente. Socialmente muito bem aceito, e proposto em quase qualquer ocasião, a falta de controle no seu consumo às vezes está relacionado à busca de alívio da tensão e do estresse do dia a dia, entre outras razões. Seja para ser bem aceito num grupo, seja para perder a timidez, ou tantos outros motivos, a bebida é muitas vezes vista como uma boa alternativa.

O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), na sua última edição (DSM-5) atualizou o abuso e dependência de álcool que antes era chamado de alcoolismo, para Transtorno por Uso de Álcool (TUA), sendo uma condição na qual uma pessoa tem desejo ou necessidade física de consumir bebidas alcóolicas, mesmo que isso tenha um impacto negativo e traga consideráveis prejuízos em sua vida. É uma forma de extrema dependência em que a pessoa tem uma necessidade compulsiva de ingerir álcool para ser funcional nas suas atividades diárias.

Atualmente são identificados quatro padrões de consumo de álcool: o consumo moderado, sem risco; o consumo arriscado, que tem o potencial de produzir danos; o consumo nocivo, que se define por um padrão constante de uso já associado a danos à saúde; e o consumo em binge, que diz respeito ao uso eventual de álcool em grande quantidade.

Fonte: encurtador.com.br/syCT0

Alguns autores trazem este abuso como uma doença crônica, com fatores genéticos, psicossociais e ambientais influenciando seu desenvolvimento e suas manifestações, ou seja, as teorias levam em conta a complexidade do transtorno e reconhecem que geralmente é causado por uma combinação de fatores.

Mas porque referir-se a este assunto como um frágil limite entre prazer e destruição?

O álcool atua sobre o sistema de recompensa do cérebro, através da liberação de dopamina (entre outros neurotransmissores), trazendo a sensação de prazer e recompensa. Por ser uma droga lícita, difundida e muito usada até mesmo como ferramenta de aceitação e desenvoltura social, entender o mecanismo por trás deste sistema de gratificação que o cérebro produz e as consequências deste tipo de condicionamento, nos fazem perceber quão tênue é esta linha entre o prazer e o perigo.

Segundo o psiquiatra Dr. André Gordilho, “o paciente pode desenvolver tolerância, precisando de uma quantidade cada vez maior da bebida para sentir os efeitos que ele busca. Às vezes ocorrem sintomas físicos, como insônia, irritabilidade, e outros sintomas de abstinência”, completa.

Para um diagnóstico eficaz, ele traz que a atenção ao histórico do paciente é essencial. Normalmente a pessoa começa a estreitar o intervalo dos dias em que bebe, passando a consumir álcool de forma cada vez mais frequente. Também pode passar a ter comportamentos inadequados, como beber em locais em que não deveria, como no trabalho.

Fonte: encurtador.com.br/ckmwN

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o abuso de álcool é responsável por 3,3 milhões de mortes todos os anos no mundo. Dentre outras consequências podemos listar algumas patologias como: cirrose e outras doenças do fígado, depressão, crises de ansiedade, tremores e etc.

O álcool pode piorar os sintomas de depressão e ansiedade já existentes, além de aumentar as explosões emocionais. Muitas vezes, os alcoólatras têm uma falta de controle emocional (autoregulação) e às vezes podem causar perturbação nos contextos onde estão inseridos se estiverem altamente intoxicados.

O vício em álcool é perigoso, e ele vai aumentando gradativamente sem que o indivíduo perceba. O usuário não pensa que tem um problema, e quando vai se dar conta já não consegue assumir o controle em relação ao comportamento de beber ou à quantidade consumida.

Esta prática, além de conduzir o indivíduo a sérios malefícios para a saúde, contribui para a deterioração das relações sócio familiares e de trabalho, causando sérios prejuízos para a pessoa tanto fisicamente, quanto psicológico, emocional e socialmente.

Fonte: encurtador.com.br/rvQX9

Alguns sinais e sintomas do transtorno incluem:

  • beber sozinho ou em segredo;
  • não ser capaz de limitar a quantidade de álcool consumida;
  • não ser capaz de lembrar alguns espaços de tempo;
  • ter rituais e ficar irritado se alguém comentar sobre esses rituais, por exemplo, bebe antes, durante ou depois das refeições ou depois do trabalho;
  • perder o interesse em hobbies que eram apreciados anteriormente;
  • sentir muita vontade de beber;
  • sentir-se irritado quando os horários de beber se aproximam, especialmente se o álcool não estiver disponível;
  • armazenamento de álcool em lugares improváveis;
  • bebe para se sentir bem;
  • adquire problemas com relacionamentos, leis, finanças ou trabalho que resultam da bebida;
  • precisa cada vez mais de mais álcool para sentir seu efeito;
  • sente náuseas, sudorese ou tremor quando não está bebendo;

O tratamento da dependência possui algumas características particulares, visto que o indivíduo precisa de um programa bem personalizado, específico para ele. As perspectivas trabalhadas são medicação, abstinência, psicoeducação e responsabilização, dentro de uma visão multidisciplinar, envolvendo profissionais como psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e quaisquer outras especialidades como hepatologistas por exemplo. Para cada uma dessas abordagens é realizado um tratamento específico que vai depender do estágio que o paciente se encontra.

O primeiro passo deve partir da pessoa e o desejo de mudar aquele comportamento, reconhecendo que o consumo excessivo, progressivo e abusivo de bebidas alcoólicas está causando problemas em sua vida. A rede de apoio (familiares, amigos) é essencial para o sucesso da restauração da saúde e bem estar do usuário.

Um retorno ao consumo normal de álcool é muitas vezes possível para indivíduos que abusaram do álcool por menos de um ano, mas, se a dependência persiste por mais de cinco anos, os esforços para retornar ao consumo social geralmente levam à recaída.

Fonte: encurtador.com.br/bjIO3

Existe uma negação muito grande em reconhecer a doença por causa do estigma que ela carrega. E por ser tão bem socialmente aceito, as pessoas demoram a reconhecer e a procurar tratamento. Existe também muita vergonha envolvida nesse processo, e acaba sendo em alguns casos uma situação velada, e muitas vezes nem os próprios familiares conseguem se mobilizar para ajudar a pessoa que sofre com isso, às vezes por falta de informação ou por falta de acesso a estes meios de assistência.

Algumas formas de abordar e reduzir os níveis de consumo nocivo de álcool podem vir da promoção de conhecimento sobre saúde na população, fornecendo evidências da relação do consumo de álcool e os danos causados pelo abuso. A conscientização precisa ser mais bem trabalhada na sociedade como um todo, e precisa haver uma quebra de paradigmas, e buscarmos desmistificar o processo de tratamento, para a não normalização da doença e como qualquer outro transtorno ou patologia, procurando ajuda, pois é possível com tratamento superar e melhorar a qualidade de vida significativamente dos indivíduos prejudicados, tanto o portador do transtorno quanto seus familiares, amigos e colegas de trabalho.

O mais importante (e na verdade essencial) neste processo é que não se abra mão de um olhar psicossocial do indivíduo, que esteja ampliado e atento às relações deste sujeito, que ele seja protagonista nesta trajetória, e que haja este olhar nas interações entre os profissionais de saúde e o usuário e a sua rede de apoio, para um tratamento humanizado, que respeite as vontades do sujeito e busque sua melhora gradativa, de acordo com o seu caso e seu contexto.

REFERÊNCIAS

Transtorno do Uso de Álcool: uma comparação entre o DSM IV e o DSM – 5, NIH – National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism, outubro de 2021. Disponível em:  <https://www.niaaa.nih.gov/sites/default/files/publications/AUD-A_Comparison_Portuguese.pdf> . Acesso em: 15/02/2022.

O que é Transtorno por abuso de Álcool e qual é o Tratamento?, Seu Amigo Farmacêutico, 2019. Disponível em: < https://www.seuamigofarmaceutico.com.br/artigos-e-variedades/o-que-e-transtorno-por-abuso-de-alcool-e-qual-e-o-tratamento-/404#:~:text=O%20alcoolismo%2C%20agora%20conhecido%20como,era%20chamada%20de%20%22alco%C3%B3latra%22 >. Acesso em 15/02/2022.

Alcoolismo pode ser um inimigo invisível, Holiste, 27/05/2019. Disponível em: <https://holiste.com.br/alcoolismo-pode-ser-um-inimigo-invisivel/>. Acesso em: 15/02/2022.

Os cinco tipos de problemas com a bebida são mais comuns em diferentes idades, Third Age, 2019. Disponível em: < https://thirdage.com/the-five-types-of-problem-drinking-are-more-common-at-different-ages/>. Acesso em 16/02/2022.

Alcoolismo, Rede D’or, 2021. Disponível em: <https://www.rededorsaoluiz.com.br/doencas/alcoolismo>. Acesso em 16/02/2022.

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Comportamento agressivo e os transtornos psicopatológicos em crianças e adolescentes

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O comportamento agressivo pode ser expresso fisicamente por meio de luta e fuga; emocionalmente por raiva e ódio; fisiologicamente com taquicardia, face rubra; cognitivamente através da crença na conquista independentemente dos meios, também envolve manipulação; e verbalmente com o uso da palavra para controle expresso. A agressão apresenta uma função dentro do ambiente em que está sendo utilizada e a raiz do comportamento ofensivo pode ser ligada por fatores neurobiológicos, mas também pode ser fornecida e mantida pelo meio ambiente.

É comum que crianças e adolescentes apresentem comportamentos agressivos no decorrer de seu desenvolvimento, porém deve-se atentar a condutas frequentes e intensas, pois podem indicar sinais de psicopatologia. Dois aspectos importantes foram observados em relação a esses sinais de psicopatologia, a percepção que esses indivíduos têm do ambiente, se mostrando hipervigilantes e hiporresponsivos consigo mesmo e com os outros; e alteração no processo de solução de problemas, apresentando menos soluções verbais e mais respostas não-verbais.

O desenvolvimento sócio-emocional diz respeito à construção das habilidades sociais, em relação a agressividade tem-se por base o temperamento humano. O estudo de Cloninger, Svrakic e Przybeck (1993) aponta as seguintes dimensões para o temperamento: busca por novidades e sensações; evitação de dano e perigo; necessidade de contato e aprovação social; persistência. Chegou-se à conclusão de que os tipos de temperamento não constitui comportamento como bom ou ruim, é necessário entender todos os temperamentos, se são adaptativos ou desadaptativos e a situação/ ambiente que se apresentam.

O Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH) é caracterizado pelos sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Os sintomas de desatenção são descritos pelo DSM-IV-TR (APA, 2002) como dificuldades de prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido; dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas.

Fonte: encurtador.com.br/kqESU

Os sintomas de hiperatividade resumem-se à agitação das mãos ou dos pés; abandonar a cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; correr ou escalar em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado. O DSM-IV-TR (APA, 2002) divide o TDAH em três subtipos: predominantemente desatento, em que predominam os sintomas da desatenção (seis ou mais deles), predominantemente hiperativo/impulsivo, destacando-se os sintomas de hiperatividade e impulsividade.

Barkley (2002) afirma que TDAH não é sinônimo de conduta agressiva e que a presença desse tipo de comportamento está mais vinculada às condutas parentais do que necessariamente ao transtorno. Em um de seus estudos ele dividiu a amostra em dois grupos: crianças com TDAH (subdivididas em crianças com e sem comportamento agressivo) e crianças normais, fazendo com que cada uma delas interage com seus pais. Os resultados apontaram que as interações de crianças TDAH não agressivas com suas famílias eram bastante parecidas com as de crianças normais. Em contrapartida, no grupo TDAH agressivo, as interações eram mais negativas, com a presença de insultos e respostas impertinentes uns contra os outros.

O comportamento agressivo e as condutas anti sociais costumam estar profundamente relacionados. A definição de comportamento anti social compreende qualquer conduta que reflita a violação das regras sociais ou atos contra os outros, incluindo comportamentos como roubo, mentiras, vandalismo e fugas. Desta forma, pode-se sugerir que uma criança que apresenta comportamentos agressivos, tenderá, com maior probabilidade, a evoluir para práticas antissociais.

Os principais transtornos envolvidos com a expressão de comportamentos antissociais ou desafiadores são o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). O TOD caracteriza-se especialmente pela presença de condutas de oposição, desobediência e desafio. Os comportamentos opositivos e desobedientes podem ser “passivos”, uma vez que a criança pode não responder ao pedido, mas pode apenas permanecer inativa.

Fonte: encurtador.com.br/rvyBM

O Transtorno Opositivo Desafiador em geral se manifesta antes dos oito anos de idade e tem pouca probabilidade de se iniciar depois do início da adolescência. Os sinais positivos frequentemente emergem no contexto doméstico, mas é comum estender-se a outras situações (APA, 2002). Um terceiro fator diz respeito às características de frequência, intensidade e diversidade dos comportamentos antissociais. Quanto maior o número, a gravidade e a complexidade dos atos, maior é a chance do Transtorno evoluir para a idade adulta (Robbins, Tipp & Przybeck, 1991).

Transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis e comportamento agressivo geralmente ocorrem por razões muito afastadas da esfera dos transtornos psicológicos. Porém alguns comportamentos agressivos estão associados a uma série de transtornos neuropsiquiátricos. Tais problemas dessa natureza envolvem a agressividade física e/ou verbal, comportamentos opositores, desafiadores e anti-sociais, além de condutas de risco e impulsivas, podendo ser considerado como diagnósticos de Transtorno Bipolar do Humor (TBH), no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e nos Transtornos de Conduta (TC) na infância e adolescência.

O Transtorno Bipolar do Humor (TBH) caracteriza-se pela alternância de duas fases distintas:a maníaca (ou hipomaníaca) e a depressiva. Os critérios diagnósticos para um episódio maníaco incluem um período distinto de humor anormalmente elevado, expansivo ou irritável acompanhado de pelo menos três dos seguintes sintomas: auto-estima inflada, necessidade de sono diminuída, pressão para falar, fuga de idéias, distração, aumento de atividade dirigida ao objetivo e excessivo envolvimento em atividades prazerosas que tenham conseqüências negativas (APA, 2002).

O Transtorno de Conduta (TC) na infância e adolescência, é comportamento anti-social que compreende qualquer conduta que reflita a violação das regras sociais ou atos contra os outros, incluindo comportamentos como roubo, mentiras, vandalismo e fugas. Os principais transtornos envolvidos com a expressão de comportamentos anti-sociais ou desafiadores são o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC).

Fonte: encurtador.com.br/oqvyJ

TBH, TDAH e Transtornos de Conduta têm pontos comuns entre eles, presença de comportamento agressivo, e outros sintomas comuns dentre eles. Apesar de considerarem a possibilidade do diagnóstico diferencial entre tais transtornos, alguns estudos sugerem que a equação TBH + TDAH + Transtornos de Conduta pode formar uma entidade diagnóstica com fenótipo específico (Papolos & Papolos, 1999; Papolos, 2003).

O comportamento agressivo constitui-se de uma gama de atitudes sociais inábeis, a expressão agressiva frequente e intensa na infância e na adolescência apresenta inúmeras consequências desfavoráveis a curto, médio e longo prazo. Desta forma a compreensão do desenvolvimento infanto-juvenil parece conceder padrões mais amplos para o entendimento do comportamento agressivo. Devendo ser uma investigação mais criteriosa e com mais estudos, especialmente aqueles que se detenham às questões sobre classificação nosológica na infância e adolescência.

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais . Porto Alegre: ArtMed, 2014.

Barkley, R. (2002). Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade. Porto Alegre: Artmed

Cloninger, C. R.; Svrakic, D. M. & Przybeck, T. R. (1993). A psychological model of temperament and character. Archives General Psychiatry, 50 (12), 975-990

Robbins, L. N.; Tipp, J. & Przybeck, T. (1991). Antisocial personality. Em: L. N. Robins & D. A. Reegier (Orgs.). Psychiatric disorders in America (pp.51-59). Nova York: The Free Press.

Papolos, D. & Papolos, J. (1999). The bipolar child: the definitive and reassuring guide to childhood’s most misunderstood disorder. New York: Broadway Books.

Papolos, D. (2003). Bipolar disorder and comorbid disorders: the case for a dimensional nosology. Em: B. Geller& M. DelBelo (Orgs.). Bipolar Disorder in Childhood and early adolescence (pp. 76-106). New York: The Guildford Press.

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“Por lugares incríveis”: uma proposta de intervenção com adolescentes

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“Por Lugares Incríveis” é um filme de drama romântico adolescente americano de 2020, dirigido por Brett Haley, a partir de um roteiro de Jennifer Niven e Liz Hannah. É apresentada a história de dois adolescentes, Violet Markey e Theodore Finch, ambos possuem transtornos mentais porém se diferenciam com a forma de lidar com os mesmos.

Sabe-se que a adolescência é um marco onde ocorrem mudanças biológicas e psicológicas. De acordo com Einsenstein (2005) a adolescência é a transição da infância para a vida adulta, onde o sujeito passa por desenvolvimentos físicos, mentais, emocionais, sexuais e sociais, nos quais o indivíduo se esforça para conseguir alcançar as expectativas culturais. Além de passar por todas essas mudanças que a adolescência exige, Violet precisa aprender a viver com o luto da morte de sua irmã e Theodore, que vive altos e baixos, possui traumas e episódios depressivos. Os dois, por fim, acabam se unindo para fazer um trabalho de escola, na qual vivem momentos bons e engatam um relacionamento.

O filme “Por lugares incríveis” vai além de um típico filme para adolescentes pois retrata uma dura realidade vivida entre os jovens do século XXI. “Aliás, por baixo da aparência de normalidade dos adolescentes de Indiana, há bulimia, automutilação e aqueles transtornos cheios de letrinhas (TDAH, TOC, TOD), ‘tratados’ com Ritalina e drogas tarja-preta”. (FARIA, 2020).

Fonte: encurtador.com.br/bjX23

Tudo isso implica muito na forma como os adolescentes reagem ao mundo e na formação de suas personalidades. É importante mencionar que nessa fase é onde o adolescente constrói encontros e relações, onde questiona valores e começa a construir seus projetos de vida. Nesse processo de desenvolvimento é onde o adolescente busca sua individualidade e autonomia, e é onde começa os conflitos, não é mais criança, e se ver a frente de uma série de descobertas, problemas e escolhas.

A Revista de Psicologia da UNESP (2013) levantou dados em que afirmam que um dos principais problemas enfrentados na fase da adolescência é “dificuldade no âmbito escolar decorrente de problemas da aprendizagem e/ou de comportamento, transtornos alimentares, mau comportamento, depressão, insegurança, retração, problemas de relacionamento familiar, falta de higiene pessoal, hetero e auto agressão, comportamentos antissociais, como furtos, mentiras, uso de drogas, comportamento sexual exacerbado.”

Sobre o filme, a narrativa gira em torno da adolescente Violet, que vive um momento de depressão, devido o trauma que sofreu sobre a morte de sua irmã em um acidente de carro. Enfrenta a depressão se isolando do mundo e de seus amigos da escola. Também conta a história de Finch, um garoto egocêntrico, problemático e inteligente. O mesmo também tem uma vida difícil e marcada por histórias que o perturbam até sua vida atual.

Fonte: encurtador.com.br/BHSZ5

Segundo Zimerman (2008), “o natural no adolescente é a existência de dúvidas existenciais e ideológicas…” . Nessa fase da vida, há muitas queixas e dúvidas sobre, por exemplo, se estão traçando um caminho correto. Isso se mostra muito presente na vida dos dois personagens. Várias queixas, dúvidas sobre o morrer e o viver assombram a vida desses dois adolescentes.

Diante desses desafios vividos na adolescência, os programas de atenção aos adolescentes são voltados para essas problemáticas vividas por eles. “As intervenções podem ter melhores resultados para os adolescentes quando os aspectos afetivos, cognitivos e sociais são inter-relacionados e as informações repassadas de maneira abrangente.”(Minto, Elaine; Pedro, Cristiane; col. 2006).

É importante trabalhar os problemas com os adolescentes, abrindo possibilidades para que eles possam ter condições e habilidades de trabalhar os desafios que lhe são impostos no decorrer da vida. “As habilidades de vida sugeridas pela OMS são: autoconhecimento, relacionamento interpessoal, empatia, lidar com os sentimentos, lidar com o estresse, comunicação eficaz, pensamento crítico, pensamento criativo, tomada de decisão e resolução de problemas” (WHO, 1997).

Fonte: encurtador.com.br/krA29

Segundo Minto e Col, 2006 essas habilidades permitem que:

“os adolescentes relatam aumento da capacidade de reflexão em situações de resolução de problemas, melhora dos relacionamentos interpessoais e da comunicação, da qualidade de vida física e mental… Acredita-se que a descrição detalhada das estratégias empregadas para a apresentação e discussão de cada uma das habilidades de vida poderá auxiliar os psicólogos ou profissionais que tenham interesse em implementar programas de saúde integral para os adolescentes, fornecendo-lhes um modelo bem-sucedido.”

Essas habilidades podem servir de base para que profissionais possam trabalhar com adolescentes, promovendo assim uma mudança de vida dos indivíduos que passam por momentos delicados no decorrer da vida e não sabem como lidar.

 FICHA TÉCNICA

Título Original: All the Bright Places
Direção: Brett Haley
Elenco:  Elle FanningJustice SmithAlexandra Shipp
Ano: 2020
País: Estados Unidos da América
Gênero: Drama, Romance

REFERÊNCIAS

EISENSTEIN, Evelyn. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolescência e Saúde, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-1, jun./2005.

FARIA, Ângela. Filme ‘Por lugares incríveis’ faz um tocante retrato da adolescência. Estado de Minas. Cultura. 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2020/03/28/interna_cultura,1133274/filme-por-lugares-incriveis-faz-um-tocante-retrato-da-adolescencia.shtml. Acesso em 14 de julho de 2020.

ZIMERMAN, D. E. Manual de técnica psicanalítica. Porto Alegre : Artmed, 2008

VERCESE F. A; SEI M.B; BRAGA C. M. L; A demanda por psicoterapia na adolescência: a visão dos pais e dos filhos . Revista de Psicologia da UNESP 12(2), 2013.

MINTO, Elaine Cristina; PEDRO, Cristiane Pereira e col. Ensino de habilidades de vida na escola: uma experiência com adolescentes. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 3, p. 561-568, set./dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pe/v11n3/v11n3a11. Acesso em 14 de julho de 2020.

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Identidade: a neuropsicologia e o Transtorno Dissociativo de Identidade

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Identidade (Identity, 2003), filme dirigido por James Mangold, baseado no romance de Agatha Christie, Ten Little Niggers, desenvolve seu enredo em um motel de rodovia no qual dez pessoas se abrigam durante uma forte tempestade e, misteriosamente, começam a ser assassinadas tendo um número como elo perturbador entre eles. O que parecia desgraça coletiva se revelou uma trama sinistra de suspense e emoções fortes envolvendo a IDENTIDADE patológica de um homem que provoca a imaginação ao mostrar as várias faces da dor.

A busca pela gênese da violência é tema recorrente, não se chegando a uma resposta ainda que pesquisas apontem para fatores biológicos e, para citar algumas, os processos disfuncionais nas regiões sobcortial e cortical, além de lesões morfológicas de certos centros cerebrais, particularmente o sistema límbico, lobos temporais e frontais que se destacam no presente estudo. A maior parte do lobo frontal está reunida sob o termo “funções executivas”, designando o lobo frontal como responsável por controlar antecipadamente as ações de planejamento, seleção de respostas, inibição, atenção no acompanhamento enquanto a ação se desenrola, verificando o resultado posterior. O resultado do funcionamento normal das funções executivas permite ao sujeito instrumentalizar, neurologicamente, o processamento de suas ações através da memória operacional, parte da cognição que o leva a análise, planejamento, tendo presente as consequências do que vai fazer. Caso contrário, fica à mercê da satisfação imediata por lhe faltar a atuação dessa função.

Transtorno Dissociativo de Identidade

 De acordo com Junior, Negro e Louzã (1999, s/p) os Transtornos Dissociativos, apresentam como características centrais o “distúrbio das funções integradas de consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente”. No caso do personagem principal, o Transtorno é Dissociativo de Identidade (TDI), que segundo o DSM V (p. 292) tem como característica essencial “a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou a experiência de possessão”. É o que se passa com o protagonista da trama, que exibe personalidades distintas, com sexos opostos, faixas etárias diversificadas, apesar de histórias de vida com traços semelhantes, no caso, a data de aniversário e o nome que faz apologia a cidades americanas.

Segundo Freud (1910, 1909/1996, p. 35 apud Faria, 2008) “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro”. Isso era bastante perceptível no filme, uma vez que mesmo uma personalidade sendo assassinada a outra continuava ilesa e sem consciência de quem era o verdadeiro assassino. A morte das pessoas/personalidades se dá pelo fato do condenado estar submetido a um tratamento psiquiátrico que visa destruir as personalidades secundárias e isolar a personalidade primária, que no geral apresenta aspectos contrastantes com as ideacionais.

Ono e Yamashiro (s/d) apontam a relação causal entre patologia e um evento traumático, no qual o sujeito não vê mais solução além de “abandonar” sua mente, para preservá-la. Os autores falam ainda, que crianças utilizam muito esse mecanismo a fim de se defenderem contra a dor física e emocional, o que consta também no DSM V (p. 294), que diz que o TDI “está associado a experiências devastadoras, eventos traumáticos e/ou abuso ocorrido na infância”. Podemos, mais uma vez, perceber um vínculo entre a história pessoal do paciente/protagonista e a patologia atual, uma vez que ele foi abandonado por sua mãe em um hotel, quando criança, sendo essa uma experiência extremamente dolorosa e que possivelmente desencadeou o transtorno.

Quando a alternância dos estados de personalidade não é percebida diretamente, dois conjuntos de sintomas auxiliam no diagnóstico sendo eles “alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações e amnésias dissociativas recorrentes” (DSM V, p. 292 e 293). No longo metragem o personagem não apresentava recordações acerca de suas outras personalidades. Percebendo-se, portanto, a alteração na memória de curto prazo. Para Gonçalves (2014) a consolidação temporal da memória de curto prazo é composta pelo hipocampo, amígdala, o giro para-hipocampal e pelo córtex entorrinal, em seguida as informações são encaminhas para áreas de associação do neocórtex parietal e temporal.

Em paralelo com o descrito a cima, a película demonstra as diferentes identidades interagindo entre si através das personagens: Policial Rhodes (Ray Liotta), Ed Dakota (John Cusack), motorista particular de uma artista Caroline Suzanne; um casal em viagem, Ginny e Lou; Robert Maine o prisioneiro escoltado e uma família com filho. Ainda sobre memória de curto prazo , vê-se que o hipocampo intervém no reconhecimento de determinado estímulo, configuração de estímulos, ambiente ou situação, se são novos ou não, e, portanto, se merecem ou não ser memorizados” (GRAY (1982, apud Gonçalves, 2014, s/p). Já a amígdala, para Gonçalves (2014) tem participação nos processos de seleção, e como consequência, sua função é de modular a consolidação da memória em situações estressantes.

Vermetten et al (2006) apresenta em seu estudo a relação direta do volume hipocampal e amigdalar com o TDI, esses autores examinaram o volume do hipocampo e da amígdala em pacientes com TDI. O transtorno tem sido associado com a história da terre infância, e traumas ocorridos nesse período. Como resultado o volume hipocampal foi 19,2% menor e a amígdala foi 31,6% menor em pacientes com TDI, comparado com sujeitos saudáveis (sem o diagnóstico).  A relação desses volumes foi significativamente diferente entre os grupos como exemplifica o gráfico 1.

Gráfico 1 – Volume hipocampal e amigdalar em pacientes com TDI comparado com sujeitos saudáveis

Alguns neurotransmissores também podem contribuir para o processo de memorização, exemplo deste, é a substância P que pode reforçar ou prejudicar a memória, isso dependerá do local onde ela se encontra, destaca Gonçalves (2014). Vermetten et al (2006) apresenta um estudo de Riscoll et al. (2003), o qual afirma que neurotransmissores como o glutamato e a serotonina poderiam ter efeitos no volume do hipocampo e da amígdala.

O Glutamato é o neurotransmissor mais abundante e excitatório no cérebro e atua também no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado, na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão.  Ele também possui mecanismos que fazem parte da base fisiológica de processos comportamentais como cognição e memória. Além disso, pode funcionar como toxina poderosa capaz de produzir doenças neurodegenerativas quando em elevadas concentrações (Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson, e Doença de Huntington) e quando em baixas concentrações pode levar a esquizofrenia (VALLITI; SOBRINHO, 2014).

Já a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica. Assim como Vermetten, Sancar (1999) comenta que está determinado que o estado de extremo estresse (também presente no TDI) está relacionado com aumento na produção de neurotransmissores como norepinefrina (noradrenalina), dopamina e serotonina.

Fonte: http://zip.net/bktJ1n

Nesse sentido a noradrenalina, também conhecida como norepinefrina, é definida como o hormônio precursor da adrenalina ou como o neurotransmissor que aumenta a pressão sanguínea através da vasoconstrição periférica generalizada. Também é usada no sistema de alerta e na memória.  Ela é liberada em resposta a modificações no meio e em resposta a stress, e ajuda na organização de respostas a estes desafios. O desequilíbrio entre ela e outras substâncias pode causar diversas doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, ansiedade e recuperação após lesão cerebral traumática (SCHERER, 2008; ANDRADE et al, 2003).

A dopamina, por sua vez, faz parte da família das catecolaminas de neurotransmissores, juntamente com a norepinefrina e epinefrina. Trata-se de um inibidor e possui diferentes funções em diferentes, dependendo de sua localização. Junto com a endorfina é responsável pelo sentimento de euforia, é capaz de acalmar a dor e aumentar o prazer.  Esse neurotransmissor é essencial para execução de movimentos suaves e controlados e sua falta é a causa da doença de Parkinson, a qual faz a pessoa perder a habilidade de controlar seus movimentos (Andrade et al, 2003).

E a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica.

Fonte: http://zip.net/bqtKYq

Além destes, outro neurotransmissor importante é o hipotálamo, que atua em praticamente todos os processos comportamentais humanos, entre eles a alimentação, comportamento sexual, sono, regulação da temperatura corporal, comportamento emocional e movimentos corporais. Além disso, vale ressaltar a importância do hipotálamo no controle da produção de diversos hormônios do corpo, por meio de sua interação com a hipófise, apontam Kolb e Whishaw (2002). De acordo com Meneses (2006) o hipotálamo é responsável por controlar e harmonizar funções metabólicas, endócrinas e viscerais, agindo como uma interface entre meio externo e o meio interno. Além de exercer controle sobre a produção de diversos hormônios do corpo, por meio de interação com a hipófise.

O longa metragem Identidade expõe ao telespectador contemporâneo a realidade vivenciada pela pessoa que é acometida pelo TDI. A realidade fictícia permito o espectador vivenciar a conturbada experiência subjetiva do TDI. Esse transtorno está no grupo daqueles que, por enquanto, não há pesquisas conclusas; no sentido que não se tem comum acordo quanto sua etiologia e ainda seu tratamento. O tratamento para tal desordem é feito de forma sintomatológica e a busca de minimizar os prejuízos, por exemplo, tratar o estresse e a depressão, fatores que já se sabe estarem ligados na manutenção do TDI (NATHAN e GORMAN, 2002). Dessa forma, o filme provoca ao profissional da saúde a necessidade de compreender os transtornos em seus fatores biopsicossociais.

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (Arlington). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p.

Driscoll I, Hamilton DA, Petropoulos H, Yeo RA, Brooks WM, Baumgartner RN, Sutherland RJ. The aging hippocampus: cognitive, biochemical and structural findings. Cereb Cortex.2003;13:1344–1351.

ANDRADE, R. V. SILVA, A. F. MOREIRA, F. N. SANTOS, H. P. DANTAS, H. F ;  ALMEIDA, I. F. LOBO, L. P. NASCIMENTO, M. A. .Atuação dos Neurotransmissores na Depressão. Revista das Ciências Farmacêuticas, Brasília, v1. nº 1, 2003.

FARIA, M. A.. O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade. 2008. Disponível em: <http://migre.me/wGEp0>. Acesso em: 18 de Março de 2016.

GONÇALVES, M. Psiquiatria na prática médica, 2014. Acesso em: 17 de Março de 2016 Disponível em: http://www.polbr.med.br/ano14/prat0114.php.

IDENTIDADE. Direção de James Mangold. Produção de Cathy Konrad. Roteiro: Michael Cooney. Música: Alan Silvestri. 2003. (91 min.), son., color. Legendado.

JUNIOR; NEGRO; LOUZÃ. Dissociação e transtornos dissociativos: modelos teóricos, 1999. Disponível em: http://migre.me/wGEjR Acesso em: 17 de Março de 2016.

KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. Barueri: Editora Manole Ltda, 2002.

MENESES, M. S. Neuroanatomia Aplicada. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2006

NATHAN, P. E.; GORMAN, J. M.. A guide to treatments that worl. 2. ed. New York: Oxford University Press, 2002. 680 p. Disponível em: <http://migre.me/wGEm8>. Acesso em: 19 mar. 2016.

ONO, M. K.; YAMASHIRO, F. M. Múltiplas personalidades: o distúrbio dissociativo da identidade. Disponível em: <http://migre.me/wGEmm>. Acesso em: 18 de Março de 2016.

SANCAR, F. Exploring Multiple Personality Disorder. 1999. Disponível em: <http://migre.me/wGEoe>. Acesso em: 13 mar. 2016.

SCHERER, E. A. Estudo de Neurotransmissores Relacionados à depressão e psicose em amostras de cérebro humano de pacientes submetidos á cirurgia por epilepsia de lobo frontal. Ribeirão Preto, 2008. 117 f. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

VALLITI, L. G. SOBRINHO, J. A. Mecanismo de Ação do Glutamato no Sistema Nervoso Central e a relação com Doenças Neurodegenerativas. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria. 2014.Disponível em: <http://migre.me/wGEkDf>. Acesso em: 15 mar 2016.

VERMETTEN, E. et al. Hippocampal and Amygdalar Volumes in Dissociative Identity Disorder. The American Journal Of Psychiatry. Rockville, p. 630-636. 4 abr. 2006.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

IDENTIDADE

Diretor: James Mangold
Elenco: John Cusack, Ray Liotta, Amanda Peet, Alfred Molina;
País: USA 
A
no: 2003
Classificação: 16

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Rain Man: Um olhar sobre o Autismo e a Síndrome de Savant

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Rain Man estreou em 1988. Nessa época, o transtorno do autismo era pouco divulgado na mídia, o que fez com que o personagem de Dustin Hoffman (Raymond) se transformasse em uma espécie de referência no que tange aos sintomas desse transtorno. Algumas pessoas (e a mídia em geral) associavam as características do personagem ao transtorno, o que poderia produzir uma equivalência perigosa. O filme foi extremamente relevante para a apresentação do autismo, mas também contribuiu para provocar erros de interpretação, já que reduzia, aos olhos do grande público, os sintomas desse transtorno à imagem do personagem.

Raymond é o irmão mais velho de Charles Babbit (Tom Cruise). Viveu grande parte de sua vida em uma instituição para pessoas com transtornos mentais. A história inicia-se com a morte do pai e a leitura do seu testamento. Enquanto Charles ganhou apenas um velho carro e as roseiras da casa, Raymond foi beneficiado com todos os recursos dos investimentos do pai.

Aos poucos descobrimos que essa família é totalmente desestruturada. A mãe de Charles morreu quando ele tinha três anos e Raymond foi mandado para a clínica, pois representava (segundo o pai) um perigo para o irmão. Charles deixou de falar com o pai aos 17 anos depois de uma tentativa fracassada em ser notado por ele. Assim, o distanciamento que Raymond tem das pessoas parece ser um traço presente (em um dado nível) em todos os membros de sua família.

Charles, que até então não se lembrava da existência do irmão, apenas que um amigo imaginário cantava música para acalmá-lo quando tinha 3 anos, foi procurá-lo na clínica e tirou-o de lá sem o consentimento dos médicos. Era a forma que ele havia encontrado de recuperar a herança.

O que ele não esperava era que Raymond, mais do que repetir determinadas sentenças insistentemente, de gostar de determinadas produtos, locais e programas de TV de forma obsessiva, poderia ter fortes crises se vivenciasse mudanças bruscas em sua rotina ou se fosse impelido a fazer algo que não quisesse.

Segundo o DSM IV,

as características essenciais do Transtorno Autista são a presença de um desenvolvimento acentuadamente anormal ou prejudicado na interação social e comunicação e um repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e idade cronológica do indivíduo […]. Os indivíduos com Transtorno Autista têm padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades.

Uma das grandes complexidades desse transtorno reside no entendimento das variações dessas manifestações e a fase em que são identificadas. Quanto mais tarde é feito o diagnóstico, mais difíceis são as possibilidades de tratamento. No caso de Raymond, a questão ainda tem um diferencial, pois ele também sofre da Síndrome de Savant. ParaTreffert (2009), essa síndrome “é uma condição rara, em que pessoas com graves deficiências mentais, incluindo o transtorno autista, possuem algum tipo de talento ou habilidade extraordinária”.

Segundo pesquisas apresentadas em Treffert (2009), em cada 10 pessoas autistas, uma tem habilidades notáveis em algum grau. Logo ter autismo não implica ter a Síndrome de Savant. Há outras variações de autismo, como é apresentado no DSM IV, em que “o prejuízo na comunicação é marcante e persistente, afetando as habilidades tanto verbais quanto não-verbais; podendo haver atraso ou falta total de desenvolvimento da linguagem falada”.

Ter a Síndrome de Savant também não implica ser autista.  Segundo Treffert (2009), essa síndrome pode ocorrer através de outras deficiências de desenvolvimento ou em outros tipos de lesões do sistema nervoso central. Seja qual for a habilidade apresentada pelo portador da síndrome, ela tem uma base única: a memória. São habilidades intrinsicamente relacionadas à capacidade surpreendente de memorização.

Apesar de a personagem Raymond Babbit ter ambos os transtornos, Kim Peek, que foi a inspiração para os roteiristas desenvolverem o filme, não tinha autismo, mas era mentalmente incapacitado, precisava do auxílio do pai para realizar as tarefas mais básicas (como se vestir ou barbear), apesar de ter uma capacidade de memorização extrema. Até a sua morte em 2009, aos 58 anos, Kim havia memorizado cerca de 12.000 livros (inclusive a Bíblia). Mesmo sem compreender aquilo que memorizava, era capaz de citar palavra por palavra o texto de cada um dos livros.

Ter que passar um tempo com o irmão fez Charles aprender mais sobre as suas próprias fragilidades. Quando estavam em Las Vegas, ele usou as habilidades de Raymond para ganhar no jogo de cartas, entendendo, apenas posteriormente, o que aquela ação refletia, ou melhor, o tipo de homem que ele se tornara. Essa proximidade com o irmão, principalmente, fez com que ele trouxesse à tona passagens de sua infância, assim, ele pôde perceber que aquela pessoa tão distante, que vivia em um mundo particular e, aparentemente, inacessível, um dia foi seu protetor. O “Rain Man” que dá título ao filme é a forma com que Charles, aos três anos, se referia ao irmão, que, dentro de sua rotina de tarefas, protegia-o da solidão.

Mais do que a herança, o que Charles buscava ao fim da viagem que fez com Raymond, era recuperar sua família. Buscava um afeto que Raymond não conseguia retribuir. Mas, como as nuances do autismo ainda são complexas demais para o nosso entendimento, talvez, em algum nível, na mente de Raymond essa proximidade provocou alguma modificação. Mesmo que tal fato não seja expresso de uma forma que, no momento, tenhamos condição de identificar.

O estudo da mente tem várias vertentes, que refletem nas mais diversas situações. Doenças como a Síndrome de Savant podem contribuir para um melhor entendimento de como se dá o processo de aprendizagem, mais especificamente a parte do processo relacionado à memorização. Que diferenças estruturais existem nos cérebros dessas pessoas? O que possibilita a execução de ações extraordinárias, como a memorização de uma sinfonia de Beethoven ou de uma obra de Shakespeare? Por que a execução de algo extraordinário é feita de forma tão fácil enquanto ações simples, como amarrar o cadarço do sapato, não?

Para Treffert (2009),

nenhum modelo da função cerebral, incluindo a memória, estará completo até que se possa explicar e incorporar plenamente a condição rara, mas espetacular, da Síndrome de Savant. Na última década, particularmente, muito progresso tem sido feito para explicar esta justaposição dissonante de capacidade e incapacidade, mas muitas perguntas continuam sem resposta.

Para ele, as inovações tecnológicas no campo da tomografia computadorizada e da ressonância magnética serão cruciais nessas investigações. Pois, elas fornecem imagens de alta resolução de toda a arquitetura do cérebro (superfície e profundidade), o que permite uma inspeção detalhada da sua estrutura. Treffert (2009) acrescenta ainda que “estudos das funções do cérebro, tais como a tomografia por emissão de pósitrons (PET), tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT – sigla da expressão em inglês) ou a ressonância magnética funcional, são técnicas muito mais informativas sobre a Síndrome de Savant e, inclusive, do próprio autismo, uma vez que estas novas técnicas fornecem informações sobre o cérebro em funcionamento, ao invés de simplesmente visualizar a arquitetura do cérebro”.

O autismo colocou Raymond em um mundo à parte enquanto que a Síndrome de Savanttransformou-o em um prodígio no uso da memória. Em alguns estudos, busca-se no reforço desses talentos, uma forma de inclusão social, já que a pessoa passa a se sentir útil em um dado contexto. Uma dessas pesquisas foi relatada em Treffert (2009):

Clark (2001) desenvolveu um currículo de habilidade savant usando uma combinação de estratégias bem-sucedidas e atualmente empregadas na educação de crianças superdotadas (enriquecimento, aceleração e orientação) e educação de autistas (suportes visuais e histórias sociais) em uma tentativa de canalizar e aplicar, de forma útil, as habilidades, muitas vezes pouco funcionais e obsessivas, de um portador da Síndrome de Savant. Este currículo especial foi muito bem sucedido na aplicação funcional das habilidades Savant e produziu uma redução global do nível dos comportamentos autistas em muitos aspectos. Melhorias no comportamento, nas habilidades sociais e acadêmicas foram observadas, juntamente com o ganho nas habilidades de comunicação em dados contextos.

A expressão “fazer do mundo um lugar melhor”, nesse contexto, deixa seu sentido macro e volta-se para o interior do indivíduo. Talvez possamos usar a ciência para construir pontes entre os universos que compõem a natureza de cada um de nós.

Referências:

DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Disponível em:http://www.psicologia.pt/instrumentos/dsm_cid/dsm.php

TREFFERT, D. A. The savant syndrome: An extraordinary condition. A synopsis: Past, present, future. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences 364 (1522): 1351–7, 2009. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2677584/


FICHA TÉCNICA DO FILME

RAIN MAN

Título Original: Rain Man
Direção: Barry Levinson
Roteiro: Barry Levinson, Barry Morrow, Ronald Bass
Elenco Principal: Dustin Hoffman, Tom Cruise
Ano: 1988

Prêmios:

Oscar: Melhor Ator (Dustin Hoffman), Direção, Melhor Filme, Roteiro Original.
Globo de Ouro: Melhor Filme de Drama e Ator em Filme de Drama (Dustin Hoffman).
Urso de Ouro e o Reader Juryofthe “Berliner Morgenpost” no Festival Internacional de Cinema de Berlin

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Diagnóstico e Classificação em Psiquiatria: uma travessia

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Em minha iniciação no campo da saúde mental de forma mais intensa este ano, na figura de médico residente em psiquiatria, sinto-me compelido a tecer algumas considerações sobre esta temática nebulosa e essencial que é o debate com relação ao diagnóstico e as classificações empreitados na clínica psiquiátrica, árdua tarefa que visa efetivar uma prática médica consistente e engajada com a vida.

A divergência nesta área é indubitável, facilmente observável quando se nota o reinado de duas grandes classificações (a CID 10 e o DSM IV que será transmutado em DSM 5 este ano) no trono dos esforços imperiais de abranger toda a vastidão e complexidade que emanam dos esforços da compreensão humana frente aos transtornos mentais.

 

Para que serve um diagnóstico? Para muitas coisas. Além de ser uma atividade cognitiva de investigação, discriminação e reconhecimento das condições mórbidas de um sujeito histórico e cultural numa determinada temporalidade (Banzato & Pereira, 2008), o diagnóstico pode também se reduzir a finalidade de um processo investigativo, a uma nomeação ou, em última análise, a um rótulo. Pior do que um “eu-etiqueta”, o diagnóstico pode tornar-se um modismo que impregna a riqueza das expressões humanas de ridículas simplificações, como tem-se visto corriqueiramente nos estados de tristeza que são encarados como episódios de depressão e os sofredores do “Mal da bipolaridade”.

Particularmente à psiquiatria, o diagnóstico traz por si alguns constrangimentos: tem seus limites borrados, tem repercussões além da corporeidade por incidir em agentes corporificados que resistem às apreensões categóricas pré-determinadas. E, por conseguinte, é fonte interminável de novos processos interpretativos e intersubjetivos. Ou seja, um retrato que não é estático!

Portanto, o diagnóstico psiquiátrico traz consigo uma zona de tensão, em que as diversas fronteiras que alinhavam a tessitura humana se colocam nuas e cruas: sua constituição biológica, suas influências morais, históricas e culturais; os desejos e as sensações; a interpretação e a intersubjetividade dos fenômenos envolvidos na compreensão do pathos. (Canguilhem, 1943)

Trocando em miúdos: a busca de um diagnóstico não é neutra. O modo como esta ferramenta é implementada na Clínica balizará uma série de interesses e intencionalidades, variando em escalas espectrais onde os pólos extremos do “ode ao cérebro” ou do “ode à mente” (Eisenberg, 2000) digladiam entre si em uma posição dialética que gestará compreensões mais ou menos reducionistas destinadas à compreensão da densidade do sofrimento psíquico.

Cabe ressaltar também a relação entre o diagnóstico e os sistemas classificatórios. Nesta interlocução carece de se dar ênfase ao fato de que as classificações devem ser subservientes ao diagnóstico (Banzato & Pereira, 2008). Do contrário, nós, clínicos, nos tornaremos reféns de nossos próprios instrumentos, ou pior, meros “copiadores” como dizia Estamira, no sentido de que toda a clínica perde sua potência e sua “ética dos encontros” ao se limitar ao enquadramento em critérios rígidos e intensamente reificados que perdem o status quo de representações e se empombam na figura de verdades indubitáveis.

Dito isto, cabe apontar que a classificação que funcionalmente visa diferir características mórbidas e dar subsídios mínimos para gerar critérios diagnósticos numa tentativa aproximativa de garantir ao transtorno mental uma roupagem próxima a de uma doença-entidade, tal como ocorre nas demais áreas médicas. Embora o aspecto arbitrário seja evidente na definição de entidades classificatórias, o reconhecimento de alguns padrões podem trazer alguns ganhos, sobretudo no que tange às estratégias terapêuticas e às avaliações prognósticas. Porém, é necessário sublinhar que os modelos classificatórios vigentes (CID 10 e o neo-DSM, o quinto) são ferramentas essencialistas, predominantemente empíricas e fundamentalmente politéticas, uma nova “Babel”, que permite ambivalências que migram das visões estigmatizantes das elaborações diagnósticas à banalização e aos modismos de alguns diagnósticos psiquiátricos da atualidade. (Banzato & Pereira, 2008)

Em síntese, os diagnósticos dos transtornos psiquiátricos bem como os esforços científicos hercúleos canalizados ao nascimento de modelos classificatórios a eles destinados mostram oquanto esta prática social é parecida com o sertão roseano: ao se adentrar à caatinga, às rotas tortuosas e espinhentas do sertão, o primordial não é a chegada (o diagnóstico nosológico, a “doença-entidade”) nem a saída (o enquadramento classificatório), mas a travessia que se dá a cada encontro com o paciente, no processo de escuta, que transborda as margens que o cerceiam.

Referências:

Banzato CEM & Costa, MEC. Diagnóstico psiquiátrico. Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM-UNICAMP 2008. Capítulo de livro no prelo. p. 1-20.

Banzato CEM. Classification in psychiatry: the move towards ICD-11 and DSM-V. Current Opinion in Psychiatry 2004; 17(6): 497-591.

Banzato CEM & Pereira MEC. Eyes and years wide open: values in the clinical setting. World Psychiatry 2005; 4(2): 90-91.

Canguilhem G. O Normal e o Patológico (1943). Tradução de Maria Thereza RG Barrocas. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

Eisenberg L. Is psychiatry more mindful or brainier than it was a decade ago? British Journal of Psychiatry 2000; 176: 1-5.

Fulford KWM. ‘What is (mental) disease?’: an open letter to Christopher Boorse. Journalof Medical Ethics 2001; 27: 80-85.

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