A terapeuta da terapeuta

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Desde o início do ano tenho vivido a experiência de atender online no estágio em clínica psicanalítica uma estudante de psicologia de uma faculdade de Brasília. De estudante para estudante e de futura terapeuta para futura terapeuta nossa relação tem sido rica e amistosa, colecionando valiosos episódios de transferência positiva a despeito das inegáveis adversidades.

É preciso lembrar que em A Dinâmica da Transferência de 1912, Freud explica “como surge necessariamente a transferência numa terapia analítica e como ela chega a desempenhar seu conhecido papel no tratamento” (FREUD, 2010, p. 101).

Todo ser humano teria um modo característico de conduzir a vida amorosa, no que tange: às condições que estabelece para o amor, aos instintos que satisfaz e aos objetivos que coloca. E esse padrão é repetido diversas vezes em diferentes relacionamentos experimentados pelo sujeito. Contudo, somente parte do mencionado padrão, “impulsos que determinam a vida amorosa”, estaria acessível à personalidade consciente daquele que o pratica, outra parte está inconsciente. Ou seja, “foi detida em seu desenvolvimento, está separada tanto da personalidade consciente como da realidade, pôde expandir-se apenas na fantasia ou permaneceu de todo no inconsciente, de forma que é desconhecida da consciência da personalidade”  (FREUD, 2010, p. 101).

A teoria freudiana identifica tipos de transferência de ocorreriam no contexto da análise e deveriam ser manejados com destreza pois seriam significativamente capazes de interferir nos resultados dela.

Fonte: encurtador.com.br/emyNP

Contudo, o desafio não para por aí, no manejo dos investimentos libidinais que a colega, potencialmente conhecedora dos conceitos e teorias de psicologia e psicanálise, endereçaria a minha pessoa. Mas, acima de tudo, a angústia gerada pela responsabilidade de conhecer o papel e os efeitos da minha contratransferência na relação com ela.

Confesso que este componente, terapeuta da terapeuta, não tem impedido nosso trabalho de alcançar alguns frutos valorosos, colhidos do relato pessoal da paciente nas sessões. E, acima de tudo, da permanência dela nas sessões validando o desejo da futura analista que vos fala acerca da continuidade da análise.

Mas, não é possível ignorar que o mencionado componente caracteriza nossa relação terapêutica e causa repercussões nas relações transferenciais e contratransferências num esforço conjunto de medir as palavras, acertar os conceitos e demonstrar uma segurança teórica e técnica no decorrer das sessões.

Destaco especialmente a sessão em que a paciente dedicou-se a uma fala longa e detida para explicar como tinha compreendido parte dos apontamentos que eu fizera nas sessões, bem como o uso de algumas técnicas de pontuação do discurso dela a partir do texto as “Cinco lições de psicanálise” escrito por Freud em 1909.

Fonte: encurtador.com.br/nKL58

Noutro momento, ainda, foi marcante para mim, enquanto terapeuta em formação, as precisas observações que a colega fizera sobre meu hábito, nada correto de anotar as falas dela na sessão e das minhas notas coletar apontamentos. De tal modo que ela confessou fixar sua atenção nas minhas expressões e no que eu poderia estar anotando para antever aquilo que poderia ser pontuado e, defender-se ou preparar-se para aquilo.

De pronto devo dizer que, após o choque da fala da paciente e do coerente feedback da minha orientadora/supervisora, abandonei o hábito de anotar nas sessões. Passei a dedicar meus esforços ao exercício da atenção flutuante.  

Tal situação, de fato, consiste em verdade na mais pura resistência da minha parte a ser vencida ou ressignificada em cada nova sessão como terapeuta em formação. E a ser trabalhada tanto na supervisão técnica quanto em minha análise pessoal de modo a garantir a qualidade mínima exigida pelo tripé psicanalítico.

Fonte: encurtador.com.br/cjwzJ

Porém, a despeito do caráter especialmente desafiador de atender uma futura colega de profissão que conhece bem as técnicas que estão sendo utilizadas no setting e que aponta na minha fala a percepção que teve sobre o manejo destas durante a sessão, trata-se de uma experiência riquíssima e um exercício ímpar que tem me permitido experimentar e treinar, sob qualificada supervisão, a arte de estar no lugar de objeto resto a despeito de quem seja aquele que ocupa a poltrona à minha frente.

Referências:

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia: (“O caso Schreber”): artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913) / Sigmund Freud ; tradução e notas Paulo César de Souza. — São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos (1909) / Sigmund Freud ; file:///C:/Users/User/AppData/Local/Temp/freud11.pdf.

Santos, Manoel Antônio. A transferência na clínica psicanalítica: a abordagem freudiana. Temas psicol. vol.2 no.2 Ribeirão Preto ago. 1994.

ISOLAN, Luciano Ransier. Transferência erótica uma breve revisão. 189. Transferência erótica – Isolan Rev Psiquiatr RS maio/ago 2005;27(2):188-195

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Como lidar com a tristeza das crianças na pandemia

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Uma coisa que a pandemia nos mostrou é o quanto estamos não só preocupados com o risco de contaminação, mas também estressados, cansados e tantos outros deprimidos. Mas esse problema não atinge só adultos. As crianças estão sendo muito afetadas. Algumas se tornaram mais agressivas, outras ficaram mais tristes ou com variações de humor. 

Sabemos o quanto os pais estão transtornados com a demanda de trabalho em casa. O home office pode ter deixada as famílias no mesmo recinto, com a sensação de que estão mais próximos. No entanto, nem sempre isso significa que os pais estão dando a atenção na qual as crianças acham necessárias. Com isso, os filhos confundem a presença do adulto com a atenção em que gostariam de receber, afetando suas emoções na pandemia.

Família, amigos e colegas são fatores fundamentais que formam a sociedade, mas têm sido atravessadas pelo momento atual. Com as crianças, não são diferentes. Elas não sabem como lidar com algo que não se tem entendimento. Ainda é muito confuso para nós, adultos, imagina para eles?

Fonte: Freepik

Por exemplo, uma pesquisa conduzida, recentemente, pelo Children’s Hospital of Chicago, nos Estados Unidos, veiculada na revista médica JAMA Network Open, mostrou dados preocupantes sobre a saúde mental das crianças e adolescentes americanas e como foram afetadas pelo ensino à distância na pandemia. 

Das consultadas, uma parte, cerca de 25%, mostrou-se estressada, ansiosa e irritada. Outras, cerca de 33%, sentiram-se solitárias. Além disso, uma outra parte das crianças, cerca de 30%, que antes mostravam-se felizes, começaram a desenvolver sentimentos como raiva, ficaram deprimidas, sentindo-se solitárias ou estressadas no período em que suas escolas não recebiam os alunos fisicamente.

Isso confirma o quanto as crianças e adolescentes necessitam de uma troca afetiva entre amigos e professores. Vale lembrar que esse contato físico na primeira infância está ligado às funções emocionais cognitivas do cérebro. É nesse “ambiente família” que a escola constrói a identidade social do ser humano.

Fonte: Getty Images

O fato delas estarem isoladas dentro de casa colabora para que a criança passe a não interagir com outras crianças, nem mesmo com os adultos. Isso ainda gera comportamento agressivo, birras intensas, timidez exagerada, redução no desempenho escolar entre outros conflitos emocionais.

Portanto, pais e professores, mesmo que à distância, precisam prestar atenção na forma como os jovens se expressam e algumas atitudes que possam manifestar, pois podem ser sinalizações ou respostas de como estão se sentindo. Sempre que puderem, tirem um tempo de qualidade para conversar com eles, deem atenção e mostrem o quanto eles são importantes para vocês. Isso pode fazer toda a diferença!

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Eu Desapego, quem pega?

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Quanto tempo você demora para desapegar das suas coisas? Ou você é daquelas pessoas que não desapegam nunca? Adam Smith não se enganou quando afirmou que o homem é um animal que faz barganhas. Ele afirmava que a troca de coisas é uma característica humana. Smith nasceu em 1723, foi filósofo, economista e em suas pesquisas notou que cães nunca são observados trocando ossos, e que, se um animal deseja algo, a única maneira de conseguir é conquistando o favor daqueles cujos préstimos ele necessita. De fato, apenas hoje em dia podemos apreciar completamente sua alegação mais visionária, a de que um mercado é mais do que um lugar, o mercado é um conceito e, como tal, pode existir em qualquer lugar, não necessariamente apenas em um local físico.

O mercado virtual só se tornou possível com o advento da tecnologia das telecomunicações. É fato que os mercados existem há muito tempo, mas a internet potencializou e modificou algumas formas de compra e venda.

Se você procurar sobre desapegos na internet, vai encontrar muitos textos referentes aos desapegos materiais, à espiritualização, a importância de saber lidar com os sentimentos e com a morte. Acontece que a internet potencializou uma nova forma de desapegos baseado em bens e trocas materiais. São dezenas de sites e grupos em redes sociais que fazem trocas de tudo, sapatos, vestidos, calças, maquiagem, bolsas, acessórios e até ingressos de shows. Considerando que o homem sempre teve o hábito da troca, não há nada de surpreendente nesses sites. O que chama atenção é perceber como, cada vez mais, as pessoas estão praticando o desapego. E é ai que a gente se pergunta: será que, com a influência e o ativismo da geração Y, estamos desapegamos cada vez mais? E, como consequência, nos tornando mais consumistas? Além disso, é importante ressaltar que, cada vez mais esses sites e comunidades estão fortalecendo essa modalidade de comércio. Por exemplo, existe no Facebook um grupo fechado chamado Loucas por Antix’, nesse espaço, as participantes possuem um álbum chamado ‘desapegos’, nesse álbum elas comercializam e fazem trocas, por um valor mais baixo, das peças da marca de roupas Antix. Na maioria das vezes, esses participantes compram pela internet e, por algum motivo, não querem ficar com o produto. A peça que é comercializada dentro do álbum ‘desapegos’ custa um valor mais acessível do que na loja, mas se você não quer comprar, também pode sugerir uma troca. No grupo, também do Facebook, Adoro Farm, as usuárias costumam usar a peça, em média, duas vezes e já colocam no desapego. É muito comum, dentro desses álbuns, encontrar nas legendas: ‘usado apenas uma vez, troco por outra peça no mesmo tamanho’.

O consumidor também está se reinventando, existem pessoas que preferem comprar nesses sites e comunidades a comprar uma peça nova na loja. É o caso da nutricionista Angelina Ferreira, toda vez que uma marca que ela gosta lança uma coleção, ele diz que seleciona os modelos favoritos e publica nos grupos que participa uma lista com os ‘desejos’ que ela aguarda alguém desapegar. “Atualmente, raramente compro uma roupa na loja, sei que, dentro de dois ou três meses, o mesmo modelo vai estar disponível para desapego. Compro por um valor mais acessível. É uma forma de ter as roupas que eu quero pagando um preço menor”, afirma.

Além de grupos, há diversos sites dedicados a trocas e vendas de desapegos.  Ganhei do ex é um site interessante para quem quer se desfazer de peças que já contiveram algum apelo sentimental. Mas administradoras cobram uma taxa de 15% sobre o valor de cada peça que você vender. O site mais conhecido de desapegos é o Enjoei, com design mais sofisticado, há uma variedade extensa de produtos. Lá você encontra desde cosméticos até vestidos de noivas. Além de ser mais abrangente em relação ao que se restringe o site a vender. Por exemplo: eles não aceitam réplicas de peças. E caso não queira pechincha nos seus produtos é o site mais adequado, as pessoas estão geralmente dispostas a pagar mais caro do que no ganhei do ex. E não para por aí, tem também o Peguei Bode, as peça, que entre elas estão bolsas, sapatos, acessórios, joias, relógios e roupas, são de luxo e com um preço bem abaixo do mercado. As bolsas da Louis Vuitton, por exemplo, são em média mil reais e as Chanel que custam em média 13 mil, saem por 4 ou 5 mil, muitas vezes, até por menos. As peças estão sempre em boas condições, e tem muita coisa atual.

O mercado de luxo tem muito espaço para desapegos. No site Desapego chic tem bolsas como Birkin Hermes, Kelly Hermes, Chanel, Balenciaga, Prada, e sapatos como Louboutin entre outras marcas. Todos os produtos são seminovos, autênticos e em bom estado.

Mas, se seu desapego trata-se de um ingresso para um show que você comprou e, por algum novo compromisso, não vai poder ir, saiba que também tem espaço pra você nesse mundo de trocas e vendas online. O site Comprei e não vou faz desapegos de ingressos para diversos tipos de eventos. Um site simples, focado em facilitar o encontro de quem procura ingresso com quem comprou, mas não vai poder ir, da mesma forma que um mural de anúncios ou um classificado de jornal. É prático e está se popularizando muito.

A psicoterapeuta Carolina Andrade, acredita que a facilidade de desapegar sempre existiu, mas que está mais intensa devido ao novo perfil e o novo estilo de vida que as tecnologias nos condicionam. Como temos mais acesso, temos mais possibilidades e com elas, queremos experimentar um maior número de coisas num espaço curto de tempo. Por isso, não vale a pena, para muitos, ficar com uma mesma coisa por muito tempo. “O desapego é a habilidade de não apegar-se a algo ou a alguém, entendendo a natureza das posses e das relações. É importante saber desapegar, mas é importante entender que algumas coisas possuem valor, não é um valor comercial, mas sim sentimental. A geração Y e o novo estilo de vida conectado das pessoas estão configurando uma população que se importa cada vez menos. É uma espécie de banalização. Compramos e adquirimos bens, de roupas a coisas maiores, para uso imediato. E, como na tecnologia, tudo se torna obsoleto muito rápido. Com isso, o consumismo aumenta, porque queremos mais e mais. Mas, se nunca estivermos satisfeitos, onde vamos parar? É preciso refletir o modo como consumismo e o que nos satisfaz e porque queremos sempre mais. As pessoas estão perdendo a noção do consumo. Mas também estão aprendendo que trocar pode ser melhor do que acumular. Desapegar não é ruim, mas como tudo na vida, é preciso ter equilíbrio”, explica.

Mas, há quem acredita que desapegar as coisas com facilidade significa viver melhor. “De um modo geral, podemos dizer que as pessoas desapegadas são tranquilas. Já as pessoas apegadas podem apresentar diversos sintomas como ansiedade, fobia, depressão, ou seja, ou têm medo de perder ou perderam e não souberam lidar bem com a perda”, conta a universalista Ana Cláudia Perez.

E se você se perguntar: Mas qual a diferença desses sites para um e-commerce? São três diferenças básicas: alguns desses sites aceitam trocas, as pessoas já entram sabendo que não vão encontrar produtos novos, mas usados com preços bem mais acessíveis. Devido a essa política, não há garantias, não há um SAC para reclamações, geralmente você negocia com uma pessoa física e não jurídica.

É interessante observar que o desapego remete a uma forma antiga de trocas, daquele tempo em que os mercados eram assim, baseados em trocas de produtos. O criador de ovelha trocava sua lã com o plantador de batatas, o plantador de batatas trocava seu produto por leite e assim sucessivamente. Nesse contexto, sai de cena a empresa, a figura centralizadora de uma corporação e entra em jogo apenas os usuários que vão, sem intermediários, negociar aquele produto. Mas agora, eles fazem isso de qualquer lugar do mundo, basta estar conectado.

Ao mesmo tempo, toda essa história reflete um pouco no consumo exagerado que vivemos hoje. Zygmunt Bauman, importante escritor contemporâneo, diz em seu livro ‘Modernidade Líquida’, que em uma sociedade onde tudo é fluido, as pessoas buscam sua identidade não naquilo que são, mas no que consomem e exibem, esse fenômeno faz parte da fluidez na sociedade de consumo, na medida em que nada é sólido ou conserva a forma por muito tempo.

Muitas pessoas enchem o guarda roupa de coisas mais por uma questão de status. Mas lembre-se, você não é mais legal só porque tem a bolsa da moda, ou mais divertida porque comprou o sapato que é a tendência da estação. Comprar demais pode se transformar em um problema. Quer comprar aquele vestido de renda no qual você está economizando há meses? Tudo bem, desde que esteja fazendo isso por você e não pelos outros.

Por isso, desapegar pode ser muito interessante, mas doar pode ser uma ótima opção também. Não faz mal separar coisas que você não usa e doar para quem precisa. Desapegar é uma maneira de devolver para mundo as coisas que a gente não usa. Existe uma frase que diz que apego mesmo só devemos ter pelas pessoas e pelos animais. Coisas e objetos só têm valor enquanto são úteis para nós de alguma forma. Se você pensar bem, ficar acumulando tanta coisa nos armários e gavetas é uma maneira de ocupar espaço, é o mesmo que pagar aluguel, um dinheiro que não volta! Se algo já não tem utilidade, é chegada a hora de praticar o “desapego”. Afinal, o que não nos serve mais, ainda pode ser bastante útil para outra pessoa.

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