“Um divã para dois” – um toque sutil para olhos que querem ver e corpos que não querem se perder

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Cinema, a fantástica simbiose do enredo para com o imaginário dos espectadores.  Estes, com certeza, inserem-se nas teias da estória e tornam-se parte dessa ficção, e, não muito raro, descobrem não ser tanta ficção assim, os reflexos da tela está mais próximo do “eu de mim” do que possa imaginar. Toda essa fabulação é parte da vida de quem delicia-se da arte do cinema, tal qual as palavras de Ingmar Bergman

“Cinema é como um sonho, como uma música. Nenhuma arte perpassa a nossa consciência da forma como um filme faz; vai diretamente até nossos sentimentos, atingindo a profundidade dos quartos escuros de nossa alma.” 

Assim, a psicologia e o cinema se afinam. No filme, um divã para dois, cujo enredo versa sobre uma relação terapêutica, sexualidade, conflito familiar, relações afetivas, familiares, desejos reprimidos e terapia de casal. Retrata o cotidiano de Kay -Meryl Streep (cônjuge virago) e Arnold Soames- Tommy Lee Jones (cônjuge varão), os quais estão em uma relação matrimonial há 30 (trinta) anos. Relação esta, em que os espectadores, vejam- na como um espelho, seja para os casais mais atentos ou, mais perceptível e identificadas pelo público feminino, coadunando perfeitamente, dentro do contexto psicossocial, à frase inversamente à original: qualquer semelhança, não é mera coincidência

Fonte: AdoroCinema

Como era praxe, em tempos pretéritos, não tão pretéritos assim, Kay, após consorciar-se, dedicou-se à família, abandonou o seu eu ideal para vislumbrar o futuro dos “outros eus”, seus tutelados, temendo o julgamento (complexo paterno), tanto o seu, quanto ao familiar e ao social. Sendo esposa e mãe exemplar, escutava-se para superar o medo da lei do outro.

Após o casamento dos filhos, Kay, sem as responsabilidades de outrora, sente a falta de diálogo e, concomitantemente, a falta de cumplicidade entre o casal. Apesar de estar experienciando a Síndrome do ninho vazio, caracterizado por quadro depressivo ao lidar com a ausência dos filhos. Contudo, Kay, sente-o às “avessas”, como se ela dissesse: filhos criados! Vida, cá estou eu! Ela sente falta de sua identidade e começa, então, a sair em busca de seu resgate. Perceber-se como mulher, bem como, que seu casamento está de mal a pior, seu desejo é reinventar-se e (re)encontrar-se. Onde, quando e como ela se perdeu dentro da geografia doméstica e familiar? 

Nessa busca de seu (re)encontro, ela também (re)descobre a mulher adormecida, eivada de desejos sensuais e sexuais. Quer recuperar e (re)acender a paixão de quando consorciou -se, quando então, vislumbra dias melhores com a terapia de casais, sob a assistência de um especialista no assunto. 

Enquanto Kay, outra tarefa pontuada pelo público feminino, tenta recuperar o casamento e (re)acender a paixão que os uniu, Arnold,  mantém-se em um estado de introjeção e resistência, travando um duelo interior no campo da verdade, o desejo humano x campo da autoridade, quedar-se aos encantos desejados de Kay, estava fora de cogitação, seria o mesmo que dizer: “ onde já se viu dois idosos se envolverem sexualmente, como dois jovens depois de 30 anos?  

Arnold, apresentava a estagnação do registro imaginário do seu eu, paralisado em questionar-se. Contudo, Kay não desiste de seu intento e Arnold acaba cedendo. O Dr. Feld (Steve Carell) o terapeuta, em uma tarefa hercúlea, atuando como um detetive psicológico, querendo desvendar os mistérios dos recônditos das almas desse casal, ou seja, com um olhar reducionista sobre as causas do afastamento, procura instigar as memórias onde o desejo era crível.

Na cena que apresenta a segunda sessão de terapia, é a cena mais emblemática do filme, nela revela-se resistência do esposo a ceder e procurar ajuda. Norteia-se quão distante está o casal. Perceptível a ausência de diálogo entre os cônjuges, haja vista, iniciam uma narrativa tímida e discreta de como se conheceram, depois, sobre o noivado encadeando o passado e, em seguida, falam sobre as questões sexuais. Neste último, o tempo entumece, estão desconfortáveis ao falar do e no assunto. 

Arnold busca evitar o desprazer, isto é, evita e irrita-se às evidências de quaisquer eventos que venham a despertar o que fora recalcado. A proposta do terapeuta é oposta a Arnold, Feld, quer que o casal resgate suas memórias prazerosas e tragam -as para o consciente e deixá-las fluir naturalmente. 

Arnold não se incomoda com a situação, sua estagnação é visível, não se importa ou valora o que a esposa sente ou pensa. Quando do exercício do tocarem-se, evita essas preliminares. Em suas crenças limitantes, ceder seria o mesmo que fraquejar como homem. O medo do julgamento do outro. 

Aparentemente apresentando características neuróticas, ao ser tocado, ele não a toca. Seu corpo está inerte, pulsos cerrados. Todavia, seu ego o trai, o prazer flui, mas, pede abruptamente que ela pare, o medo do julgamento suplantar o desejo. A Raiva que ora diz sentir, é exatamente o medo do SENTIR e, de se jogar, entregar-se aos sentimentos de outrora. Em seu monólogo interior, sua rigidez comportamental, demonstra o apego em não querer abandonar a transferência herdada de seus familiares, seria o mesmo que enfraquecer a linhagem hereditária.

Fonte: AdoroCinema

Notório o sintoma da insatisfação em Kay, os sentimentos dela estão em erupção, contrapondo a resistência de Arnold, ele repudia e desqualifica qualquer assunto que versa sobre a relação marital. Para ele, tudo está perfeito, para quê investir energia em algo que já está agradável? Somente ela está realmente determinada nesse resgate, dificultando sobremaneira o processo terapêutico. 

O interesse mútuo facilita uma colheita proficiente, uma vez que a psicanálise cuida do investimento, da reconstrução dos liames subjetivos do sentimento que encontra -se desalinhado por falta de ser alimentado, mas, que está apenas adormecido. Porém, para reconstruir, faz-se necessário desconstruir e, não raro, essa desconstrução causa sofrimento ao trazer à baila, sentimentos, desejos reprimidos e (re)encontros com seus medos.

O terapeuta, usando a ferramenta da associação livre, esteve atento também às linguagens não verbais, elas estão carregadas de informações sobre os pacientes, tais como os olhares, tanto de reprovação quanto de satisfação entre eles. Ateve-se tanto à transferência quanto à contratransferência. Observou o distanciamento entre eles no sofá, quando caminham lado a lado e pelo fato de dormirem em quartos separados. O silêncio também fora seu alvo, pois este, também estava repleto de significado e significante, um agente revelador para o terapeuta, um coadjuvante na construção do processo terapêutico.  

A partir dessa premissa, quando notava dificuldades na execução das tarefas, o terapeuta, já selado o vínculo de confiança e empatia para com os cônjuges, determinantes que facilitaram a promoção da terapia, flexibilizava-as, facilitando aos pacientes expressarem suas emoções durante as atividades, faz uso de metáforas tal qual a do nariz quebrado, não se quebra o nariz aos pouco,  pois, o casal estava diante de situações dolorosas, desconstruir algumas e (re)inventar outras.     

Na devolutiva, o terapeuta percebendo que ainda havia potencial para o casal melhorar a qualidade de vida conjugal, orientou-os a continuarem com a terapia de casal quando retornassem para casa. 

REFERÊNCIAS

Artigo- Uma Leitura Psicanalítica do Laço Conjugal- Lídia Levy de Alvarenga. 

Albangela C. Machado fala sobre a psicanálise no tratamento de casais.

Bate-papo | “Psicanálise de Casal e Família”, de Rosely Pennacchi e Sonia Thorstensen

Filme “Um Divã Para Dois 2012 – Comédia Romântica”. Youtube.1.abr de 2020. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=UnTuyt_JA3Q&ab_channel=MikaelGuntherFilmes>.Acesso em 31março de 2023.

FICHA TÉCNICA DO FILME

FILME:Um Divã para Dois- Hope Springs 

DIREÇÃO:David Frankel

ROTEIRO:Vanessa Taylor

ELENCO:Meryl Streep, Steve Carell, Tommy Lee Jones, Jean Smart, Marin Ireland, en Rappaport, Susan Misner, Daniel Flaherty, Patch Darragh, Anita Storr, Lee Cunningham, John Franchi, Elisabeth Shue.

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Um Divã para Dois: os cavaleiros do apocalipse no casamento

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Um Divã para Dois é um filme de 2012 dirigido por David Frankel, que conta a história do casal Kay e Arnold, interpretado por Maryl Streep e Tommy Lee Jones. Com um casamento de 31 anos, Kay se percebe insatisfeita com sua dinâmica conjugal, ela e seu marido mantêm um relacionamento de pouco contato, com pouca comunicação, e como a primeira cena do filme denota, sem sexo, ou sem conseguir dormir no mesmo quarto. Ao ter suas investidas rejeitadas por seu marido, Kay tenta buscar ajuda em uma biblioteca e encontra um livro do Dr. Bernard Feld (Steve Carell), um terapeuta de casais. A mulher de postura conservadora se encontra determinada a arriscar tudo agendando uma terapia intensiva com Feld, que mora em uma cidade provinciana.

Fonte: https://bit.ly/2Q0rjJW

Arnold, que costuma ter postura agressiva, nega veementemente a proposta, mas se surpreende com a investida de Kay.

Kay: Quero voltar a ter um casamento de verdade.
Arnold: Casamento de verdade… depois de 31 anos, esse não é de verdade.
Kay: Quando foi a última vez que tocou em mim, que não tenha sido para foto? Quando foi a última vez que me beijou?
Arnold: Te beijo todo dia… não temos mais 22 anos, as coisas mudam. Eu poderia ser mais… Você sabe, eu poderia… Isso é loucura.
Kay: O vôo sai às 10:02, eu vou estar nele […]

Na manhã seguinte, Arnold se espanta ao ver sua esposa indo sozinha ao aeroporto, e depois de resolver seu impasse a surpreende embarcando no avião. Apesar de ter aceitado a viajem, apresenta grande resistência e sarcasmo.

Fonte: https://bit.ly/2oxB5Xb

Um casal que evita conflitos

O psicólogo John Gottman passou 20 anos estudando as dinâmicas de casamentos. Em seu livro “Por que os Casamentos Fracassam ou Dão Certo”, conceitua através de suas pesquisas, três tipos de relacionamentos: os passionais, que tem um grande nível de envolvimento em discussões acaloradas; os conciliadores, que tem maiores habilidades de comunicação e procuram ouvir e conciliar opiniões; e os relacionamentos como o de Kay e Arnold, que evitam conflitos.

Para Gottman (1995), esses casais costumam ser minimizadores de conflitos, aceitando as diferenças e atribuindo a elas pouca importância, evitando discussões que possam vir a se tornar impasses; compreendem, portanto, que discordam, mas minimizam essa diferença sem examinar a natureza do problema.

Essa dinâmica é claramente percebida na postura de Arnold em resposta aos questionamentos do terapeuta, diminuindo os sentimentos de Kay, a chamando de doida. Kay, agora revoltada e disposta a enfrentar as agressões constantes de seu marido, aparentemente esteve em uma posição passiva durante vários anos do relacionamento, o que pode ser visualizado claramente na surpresa de Arnold com suas novas atitudes.

Kay: Parece que vivemos juntos na casa como dois… dois trabalhadores que dividem o mesmo quarto. É! Só que não… não estamos no mesmo quarto, mas parece que não há nada que nos mantêm juntos a não ser a casa…
Arnold: Nada nos mantêm juntos exceto 31 anos de…
Dr. Feld: Do quê, Arnold?
Arnold: Casamento!

Fonte: https://bit.ly/2wB1SWl

Arnold resiste em sair do modelo de comunicação estabelecido com sua esposa ao longo dos anos. De acordo com Gottman (1995), nesse modelo de relação, o casal conclui junto que o conflito não deve ser explorado, cada um fala do seu caso e um dos parceiros acaba agindo de forma semelhante ao outro, ou deixam que o tempo resolva; porém, os sintomas colaterais dessas posturas seriam a solidão e o sentimento de que com o tempo um não reconheça mais o outro.

Dr. Feld: Os dois vieram aqui resgatar a intimidade no casamento, então esse será o objetivo das nossas sessões juntos: achar formas de comunicar suas necessidades um ao outro, cultivar a intimidade e desenvolver meios para manter essa intimidade fluindo.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Apesar de Kay e Arnold serem um casal “que evita conflitos” e estarem em crise, os três modelos de relacionamento citados podem ser funcionais. Porém, a má adaptação na comunicação pode levar à desintegração conjugal. Gottman (1995) deu o nome de “Quatro Cavaleiros do Apocalipse” aos tipos de comunicação ruins usados por casais com comunicações disfuncionais, são eles: a crítica, o desprezo, a defensividade e a falta de comunicação.

A crítica significa atacar não só um comportamento específico de alguém, mas também sua personalidade ou caráter com acusação, envolvendo culpar e acusar. No filme, esse comportamento crítico pode ser observado principalmente em Arnold, que quando tirado de sua zona de conforto pela terapia passa a atacar as escolhas de Kay constantemente, fugindo de queixas quanto ao casamento, se restringindo a acusações pessoais. Diferente da crítica, a queixa é a descrição de um sentimento de raiva, desconforto ou qualquer sentimento negativo de maneira específica, comportamento que foi parabenizado pelo terapeuta quanto Arnold falou como se sentia.

O desprezo difere-se da crítica à medida que se tem a intenção de insultar o parceiro psicologicamente, normalmente associado a pensamentos negativos sobre a pessoa. Os parceiros comumente se tornam incapazes de se admirar entre si ou mesmo de recordar as qualidades um do outro. Arnold, por estar com raiva, agride Kay a chamando de doida, e não consegue atribuir qualidades específicas a seu casamento quando questionado, isso é um bom exemplo de comportamento de desprezo.

Fonte: https://bit.ly/2PwLazb

Kay por sua vez, assume constantemente postura defensiva. “Quando um dos dois agia com desprezo, o outro respondia de maneira defensiva, o que só piorava as coisas. Agora ambos se sentiam vítimas – e nenhum dos dois estava disposto a assumir a responsabilidade de consertar as coisas. Na realidade, os dois constantemente se declaravam inocentes.” (GOTTMAN, 1995, p. 79). Kay, se sentindo inteiramente correta em sua posição, não vê nada de errado em sua postura defensiva. Negar as responsabilidades se considerando inocente, dar desculpas de que coisas fora do seu controle a fizeram agir de tal maneira, discordar com leitura mental negativa, ou reclamar com tom de autopiedade são características comuns de quem age defensivamente, e podem ser notadas nos comportamentos de Kay constantemente como uma maneira de lidar as atitudes de seu marido.

O bloqueio na comunicação normalmente ocorre durante uma discussão, quando alguém se omite do diálogo não emitindo nenhum tipo de verbalização, tornando-o impossível. Um ato radical, que transmite descontentamento e desdém, que pode ser percebido com afastamentos repentinos e mudanças de assunto. A falta de comunicação entre Arnold e Kay é nítida, hora por ser um mecanismo de defesa contra piores conflitos, hora por haver uma grande insatisfação.

Fonte: https://bit.ly/2NJHMAG

O desafio

“O que é muito mais importante do que solucionar uma questão ou um problema é sentir-se bem com a interação em si, e cada um desses tipos de casais tem sua maneira própria de fazer isso.” (GOTTMAN, 1995, p. 43).  

O grande desafio de Kay e Arnold, antes de resolverem as questões que impedem seu casamento de prosperar, é recuperar a interação entre si reconstruindo sua intimidade e (re)conhecendo o outro na sua personalidade e fantasias, realizando o caminho contrário dos Cavaleiros do Apocalipse.

Um Divã para Dois é um filme com atores consagrados que conseguem exprimir as minúcias da personalidade de seus personagens com naturalidade. O drama recheado de tensões demonstra a verdadeira face das reais histórias de amor, e se torna especial à medida que desconstrói conceitos e preconceitos sobre tempo e paixão.

Fonte: https://bit.ly/2C70h0t

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

UM DIVÃ PARA DOIS

Diretor: David Frankel
Elenco: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carell;
País: EUA
Ano: 2012
Classificação: 12

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