Um Divã para Dois: os cavaleiros do apocalipse no casamento

Um Divã para Dois é um filme de 2012 dirigido por David Frankel, que conta a história do casal Kay e Arnold, interpretado por Maryl Streep e Tommy Lee Jones. Com um casamento de 31 anos, Kay se percebe insatisfeita com sua dinâmica conjugal, ela e seu marido mantêm um relacionamento de pouco contato, com pouca comunicação, e como a primeira cena do filme denota, sem sexo, ou sem conseguir dormir no mesmo quarto. Ao ter suas investidas rejeitadas por seu marido, Kay tenta buscar ajuda em uma biblioteca e encontra um livro do Dr. Bernard Feld (Steve Carell), um terapeuta de casais. A mulher de postura conservadora se encontra determinada a arriscar tudo agendando uma terapia intensiva com Feld, que mora em uma cidade provinciana.

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Arnold, que costuma ter postura agressiva, nega veementemente a proposta, mas se surpreende com a investida de Kay.

Kay: Quero voltar a ter um casamento de verdade.
Arnold: Casamento de verdade… depois de 31 anos, esse não é de verdade.
Kay: Quando foi a última vez que tocou em mim, que não tenha sido para foto? Quando foi a última vez que me beijou?
Arnold: Te beijo todo dia… não temos mais 22 anos, as coisas mudam. Eu poderia ser mais… Você sabe, eu poderia… Isso é loucura.
Kay: O vôo sai às 10:02, eu vou estar nele […]

Na manhã seguinte, Arnold se espanta ao ver sua esposa indo sozinha ao aeroporto, e depois de resolver seu impasse a surpreende embarcando no avião. Apesar de ter aceitado a viajem, apresenta grande resistência e sarcasmo.

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Um casal que evita conflitos

O psicólogo John Gottman passou 20 anos estudando as dinâmicas de casamentos. Em seu livro “Por que os Casamentos Fracassam ou Dão Certo”, conceitua através de suas pesquisas, três tipos de relacionamentos: os passionais, que tem um grande nível de envolvimento em discussões acaloradas; os conciliadores, que tem maiores habilidades de comunicação e procuram ouvir e conciliar opiniões; e os relacionamentos como o de Kay e Arnold, que evitam conflitos.

Para Gottman (1995), esses casais costumam ser minimizadores de conflitos, aceitando as diferenças e atribuindo a elas pouca importância, evitando discussões que possam vir a se tornar impasses; compreendem, portanto, que discordam, mas minimizam essa diferença sem examinar a natureza do problema.

Essa dinâmica é claramente percebida na postura de Arnold em resposta aos questionamentos do terapeuta, diminuindo os sentimentos de Kay, a chamando de doida. Kay, agora revoltada e disposta a enfrentar as agressões constantes de seu marido, aparentemente esteve em uma posição passiva durante vários anos do relacionamento, o que pode ser visualizado claramente na surpresa de Arnold com suas novas atitudes.

Kay: Parece que vivemos juntos na casa como dois… dois trabalhadores que dividem o mesmo quarto. É! Só que não… não estamos no mesmo quarto, mas parece que não há nada que nos mantêm juntos a não ser a casa…
Arnold: Nada nos mantêm juntos exceto 31 anos de…
Dr. Feld: Do quê, Arnold?
Arnold: Casamento!

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Arnold resiste em sair do modelo de comunicação estabelecido com sua esposa ao longo dos anos. De acordo com Gottman (1995), nesse modelo de relação, o casal conclui junto que o conflito não deve ser explorado, cada um fala do seu caso e um dos parceiros acaba agindo de forma semelhante ao outro, ou deixam que o tempo resolva; porém, os sintomas colaterais dessas posturas seriam a solidão e o sentimento de que com o tempo um não reconheça mais o outro.

Dr. Feld: Os dois vieram aqui resgatar a intimidade no casamento, então esse será o objetivo das nossas sessões juntos: achar formas de comunicar suas necessidades um ao outro, cultivar a intimidade e desenvolver meios para manter essa intimidade fluindo.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Apesar de Kay e Arnold serem um casal “que evita conflitos” e estarem em crise, os três modelos de relacionamento citados podem ser funcionais. Porém, a má adaptação na comunicação pode levar à desintegração conjugal. Gottman (1995) deu o nome de “Quatro Cavaleiros do Apocalipse” aos tipos de comunicação ruins usados por casais com comunicações disfuncionais, são eles: a crítica, o desprezo, a defensividade e a falta de comunicação.

A crítica significa atacar não só um comportamento específico de alguém, mas também sua personalidade ou caráter com acusação, envolvendo culpar e acusar. No filme, esse comportamento crítico pode ser observado principalmente em Arnold, que quando tirado de sua zona de conforto pela terapia passa a atacar as escolhas de Kay constantemente, fugindo de queixas quanto ao casamento, se restringindo a acusações pessoais. Diferente da crítica, a queixa é a descrição de um sentimento de raiva, desconforto ou qualquer sentimento negativo de maneira específica, comportamento que foi parabenizado pelo terapeuta quanto Arnold falou como se sentia.

O desprezo difere-se da crítica à medida que se tem a intenção de insultar o parceiro psicologicamente, normalmente associado a pensamentos negativos sobre a pessoa. Os parceiros comumente se tornam incapazes de se admirar entre si ou mesmo de recordar as qualidades um do outro. Arnold, por estar com raiva, agride Kay a chamando de doida, e não consegue atribuir qualidades específicas a seu casamento quando questionado, isso é um bom exemplo de comportamento de desprezo.

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Kay por sua vez, assume constantemente postura defensiva. “Quando um dos dois agia com desprezo, o outro respondia de maneira defensiva, o que só piorava as coisas. Agora ambos se sentiam vítimas – e nenhum dos dois estava disposto a assumir a responsabilidade de consertar as coisas. Na realidade, os dois constantemente se declaravam inocentes.” (GOTTMAN, 1995, p. 79). Kay, se sentindo inteiramente correta em sua posição, não vê nada de errado em sua postura defensiva. Negar as responsabilidades se considerando inocente, dar desculpas de que coisas fora do seu controle a fizeram agir de tal maneira, discordar com leitura mental negativa, ou reclamar com tom de autopiedade são características comuns de quem age defensivamente, e podem ser notadas nos comportamentos de Kay constantemente como uma maneira de lidar as atitudes de seu marido.

O bloqueio na comunicação normalmente ocorre durante uma discussão, quando alguém se omite do diálogo não emitindo nenhum tipo de verbalização, tornando-o impossível. Um ato radical, que transmite descontentamento e desdém, que pode ser percebido com afastamentos repentinos e mudanças de assunto. A falta de comunicação entre Arnold e Kay é nítida, hora por ser um mecanismo de defesa contra piores conflitos, hora por haver uma grande insatisfação.

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O desafio

“O que é muito mais importante do que solucionar uma questão ou um problema é sentir-se bem com a interação em si, e cada um desses tipos de casais tem sua maneira própria de fazer isso.” (GOTTMAN, 1995, p. 43).  

O grande desafio de Kay e Arnold, antes de resolverem as questões que impedem seu casamento de prosperar, é recuperar a interação entre si reconstruindo sua intimidade e (re)conhecendo o outro na sua personalidade e fantasias, realizando o caminho contrário dos Cavaleiros do Apocalipse.

Um Divã para Dois é um filme com atores consagrados que conseguem exprimir as minúcias da personalidade de seus personagens com naturalidade. O drama recheado de tensões demonstra a verdadeira face das reais histórias de amor, e se torna especial à medida que desconstrói conceitos e preconceitos sobre tempo e paixão.

Fonte: https://bit.ly/2C70h0t

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

UM DIVÃ PARA DOIS

Diretor: David Frankel
Elenco: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carell;
País: EUA
Ano: 2012
Classificação: 12