O amor narcísico no contexto familiar

 

Nossa sociedade cresceu cognitivamente de tal forma, que diferentemente dos nossos ancestrais, a família passou de uma configuração para sobrevivência a instituição geradora de desejos.

 

Precisamos falar sobre família e, sobretudo, temos de reavaliar os títulos que damos as nossas instituições enraizadas. Somos a princípio ‘pequenos sapiens’ em extrema necessidade de cuidados básicos, e nosso primeiro contato social, é o olhar da mãe juntamente com as carícias e segurança do cenário materno; claro, nos casos em que esse indivíduo é desejado. E sobre as mãos dessas pessoas que nos prestam as boas vindas, somos como reais massinhas de modelar, já que de fato, somos novatos no mundo, e tudo que nos é mostrado durante a infância poderá influenciar diretamente nas próximas fases da vida.    

 

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Nossa sociedade cresceu cognitivamente de tal forma, que diferentemente dos nossos ancestrais, a família passou de uma configuração para sobrevivência a instituição geradora de desejos. E como massinhas que somos, moldando-se dia pós dia, nem sempre as mãos que nos lapida são as de nossos pais ou cuidadores, logo, todo o contexto nos influencia e por vezes nos tira da projeção que nos foi dada desde o concebimento.   

Quem somos, ou quem queriam que nós fôssemos, tal qual o desejo de nossas famílias, é um processo que se inicia antes mesmo do nascimento da criança, que carrega o sexo e ‘as caixas de gênero’, assim como outras necessidades completamente particulares, que muitas vezes refletem alguma frustração dos pais que os influenciará, nas áreas como a profissão, hobbies, educação, e seus desejos exacerbados de sucesso e uma inteligência acima da média. Um ser humano de fato idealizado.   

Não seria problema o desejo, se não houvesse por vezes uma pressão sobre essa criança que cresce em sua maioria sobre olhares e comandos que os apertam de todos os lados. Parte da infância e da leveza única desta etapa é cortada ou dividida em curtos tempos, para que o pequeno prodígio possa ser construído, saciando dessa forma, o sonho que esses pais desejaram um dia para si. Aquele velho arrependimento “se eu tivesse começado mais cedo, eu poderia ser o que eu sonhava” passa ser projetado nesse filho, logo, uma segunda chance daqueles que nos concebem surte, sobre uma negligência devastadora.  

 

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É comum que a obsessão pelo projeto mirabolante e falho chegue a um patamar pelo qual pais (ou cuidadores), entendendo que seus filhos não atingiram o grau de rendimento esperado, os levam aos psicólogos em busca que sejam indicados urgentemente a um psiquiatra, pois constata-se por si só que se tem Déficit de atenção ou TDH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), quando na verdade esses pequenos só estão distraídos observando o novo mundo que os cerca ou agitados em suas aventuras que são de fato cruciais para seu desenvolvimento. Mas a busca incessante da perfeição e a quebra das etapas desses indivíduos leva essas mães tomarem drásticas decisões, medicando sem que haja real necessidade, já que não se tem compreensão do mal que os fazem. 

 

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O espelho que os pais projetam sobre os filhos, notoriamente, boa parte das vezes não condiz com a imagem que lhes veste, logo inicia-se por consequência uma vida familiar com atritos sobre a personalidade do indivíduo que se criou sobre e longe de seus olhares. A contingência desproporcional ao almejado se mostra, a frustração e o estresse juntamente com as consequências psicológicas desses indivíduos que agora crescem por si só e desejam suas vidas com objetivos diferentes, chocam e quebram toda a expectativa planejada. É como se os pais tivessem aprendido a amar seus desejos, voltando-se para si, e por consequência usando a criança como objeto de amor, que se classifica como amor narcísico. 

Quando os filhos se mostram com traços vindo de seus próprios erros, herdados pela convivência e aprendizado, assim como a expressão da personalidade individual, esse amor se quebra, e o luto inicia-se, pois, a projeção morre e tudo que resta é frustração e atrito.   

 

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A saída para boa parte dos problemas vem da compreensão. Os pais que aqui existem também tem suas histórias de vida. Se analisássemos profundamente cada caso veríamos que há motivos pelos quais esses são como são. Há sempre algo a se desvendar e revelar dentro de nossas ações e relações com o outro, e parte delas se justifica ou se entende levando-se em conta a trajetória anterior do sujeito. Se olharmos de forma micro para qualquer indivíduo, dificilmente entenderemos suas motivações internas que se exterioriza em ação; a busca de reavaliar e compreender faz parte das interações bem-sucedidas.   

Pertence ao crescer, o rompimento dos laços de simbiose que se inicia na amamentação, assim como é do processo que as pessoas sejam únicas dentro de seus contextos e realidades. Ser adulto é entender que de fato, não seremos agradáveis a todo instante; é preciso seguir caminhos em busca de nós mesmos. Tal momento acontece de forma muito dolorosa quando os filhos se tornam objeto de desejo. O sentimento de fracasso e de desafeto acomete os adultos que se formam, pois não podem ser por toda uma vida um projeto, afinal, são pessoas, e têm o direito de viverem sua liberdade. 

É preciso quebrar o paradigma de que família é um laço saudável necessariamente, pois nem sempre essa é a realidade. Não é justo desejar que se tenha uma relação abusiva e que esse indivíduo ali se mantenha só porque há laços consanguíneos. Mais que dar a vida, é necessário que a família dê condições psicológicas para que eles tenham uma boa vida.  

 

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Os pais precisam urgentemente compreender que cedo ou tarde o cordão umbilical se desfaz, e tudo que restará são os alicerces que os deram durante a infância quando ainda eram um andaime. Se essa base não for bem formada e alimentada, dificilmente será possível dizer as frases clichês sobre a importância da família, pois serão nada mais que sombras ou lembranças negativas para seus filhos, cuja tendência é o afastamento, caso não haja a compreensão das falhas de seus pais por sua parte. 

Aqueles que alimentam seus filhos com seus melhores aprendizados, respeitam o seu espaço, e entendem suas fases, terão mais segurança e verão de perto seus filhos crescerem, não se sentirão tão amedrontados com seu afastamento pois tem em si a clareza que todos seus ensinamentos estarão gravados em suas memórias e os influenciarão por toda a vida; e caso precisem, esses filhos se sentirão gratos em retornar, e os titular de família.

 

Acadêmica de Psicologia no Centro Universitário Luterano de Palmas CEULP/ULBRA. Voluntária no Portal (En)Cena - A Saúde Mental em Movimento.