Processo de adicção a nível celular e o vício em pornografia

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Vamos falar sobre vício? Quando se trata de vício vem logo a nossa mente algo relacionado a álcool, cigarro, maconha, crack, LSD, morfina, entre outras drogas; porém não nos lembramos somente da existência destes tipos de drogas com as quais indivíduos dia após dia se viciam, e degradam sua dignidade humana e outros que reconhecendo os estragos causados em seus corpos, mentes e relacionamentos, tentam desesperadamente desistir destes vícios. Temos sempre alguém próximo que passou ou passa por este processo de adoecimento, e por vezes são nossos pais, mães, tios, irmãos, sobrinhos, parceiros, amigos, e quão desafiante é para estas pessoas e para os que estão próximos delas, de permanecerem próximos e os ajudarem a vencer este vício.

            Mas o quê explica estes homens, mulheres, jovens e até mesmo crianças, terem contato com drogas se viciarem e não conseguirem largar com a mesma facilidade com que iniciam em um vício? Para isto precisamos entender um pouco do funcionamento do nosso cérebro e o que estes mais diversos tipos de drogas causam no nosso cérebro. O nosso sistema nervoso central é um sistema complexo cheio de funções e sistemas de feedback que regulam a forma como experimentamos a vida. Para compreender o comportamento de adicção (vício), é necessário compreender um sistema muito importante no nosso dia a dia, que faz com que continuemos a fazer coisas que reconhecemos como apetitosas e prazerosas nas nossas vidas.

            Este sistema importantíssimo é chamado de sistema de recompensa. Mas como assim sistema de recompensa? Sim, existe uma parte do nosso cérebro que foca exatamente em reconhecer experiências que para nós foram marcantes positivamente e gerar aquela sensação prazerosa, gostosa das coisas, por exemplo uma ida ao parque, ver uma bela paisagem ou obra de arte, experimentar uma comida muito boa, ver um bom programa de TV, uma série preferida, no sexo, etc.

Imagem do sistema/circuito de recompensa em destaque.

Este circuito de recompensa é composto por três áreas muito importantes do nosso cérebro que são responsáveis também pela tomada de decisão, que são o córtex Pré-Frontal, o Núcleo da Accumbens e a Área Tegmentar, e há pouco tempo foi descoberto que o Núcleo Caudato também integra este sistema, sendo seu papel ajudar na detecção e percepção de uma recompensa, discernir entre recompensas e escolher uma recompensa particular a outra, além de antecipar uma recompensa e esperar uma recompensa (BORGES, 2015).

Já vimos onde ele fica no nosso cérebro e o que ele faz, mas como ele funciona e como as pessoas se viciam? O circuito de recompensa como todo o nosso cérebro é formado por uma quantidade enorme de neurônios que se comunicam a partir de sinapses, que são impulsos elétricos, que são produzidos pela comunicação destes neurônios, que se de diversas formas, mas nesta área específica os neurônios comunicam a outros neurônios um neurotransmissor chamado Dopamina, que é o responsável por sentirmos o prazer e a satisfação.

Imagem de uma sinapse dopaminérgica.

               Então toda vez que fazemos algo agradável estas sinapses dopaminérgicas acontecem no nosso cérebro, e aqui entra o fator chave para o comportamento de adicção, estas mesmas sinapses de dopamina acontecem em pessoas que entram em contato com drogas, o que acontece no cérebro quando entra em contato com esse tipo de estimulação, é que essa quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica, aumenta em níveis altíssimos, gerando uma sensação de prazer muito grande no indivíduo. Mas há um grande problema neste volume elevado de neurotransmissores, pois o excesso de dopamina gera uma maior flexibilidade no córtex pré-frontal, e prejudicar a capacidade de concentração (HUBNER, 2022).

            O cérebro humano é sistema muito complexo e inteligente, e traz em si sistemas de feedback para a manutenção de suas funções, logo ao perceber que está acontecendo uma irregularidade na quantidade de dopamina lançada nas fendas sinápticas, ele age diminuindo a produção do neurotransmissor e o neurônio que iria receber este neurotransmissor também diminui a quantidade de receptores, que são como janelas abertas onde os neurotransmissores se ligam e geram as sinapses. Este processo natural do cérebro produz duas grandes consequências, uma a curto e a outra a longo prazo, a curto prazo, ainda que o indivíduo faça a ingestão da mesma quantidade de droga ela não produzirá mais o mesmo efeito no cérebro.

            Então, em resumo a pessoa entra em contato com a droga e a partir deste momento o cérebro imediatamente começa a tomar medidas para se proteger de outra descarga tão grande de dopamina. Não aprofundaremos aqui as motivações que levam uma pessoa a entrar no uso de drogas, mas por muitas vezes as motivações que levam a usar pela primeira vez, podem levar a pessoa a procurar uma segunda, ainda não como um comportamento de vício, mas por vezes como comportamento de fuga dos seus sofrimentos, por incentivo de seus grupos sociais, etc.
No entanto, o que acontece nesta segunda vez não chega nem perto do que aconteceu na primeira, o cérebro em modo de sobrevivência, não permite uma sobrecarga novamente e a sensação de prazer e recompensa diminuem drasticamente, para que tenha uma sensação de prazer maior será necessária uma ingestão ainda maior, ou de uma droga mais pesada, o que explica o comportamento de muitas pessoas que começam com o álcool, cigarro, maconha e podem gradativamente fazendo o uso de drogas cada vez mais pesadas.

            A longo prazo, precisamos lembrar que o neurotransmissor que gera esse efeito de prazer e recompensa no uso das drogas, é o mesmo neurotransmissor do dia a dia, das coisas prazerosas da vida, como uma boa comida, uma bela paisagem, uma convivência com a família ou amigos, porém o cérebro neste momento está focado em continuar mantendo as suas funções, sem sofrer sobrecargas de dopamina, já diminuiu a produção e já fechou algumas “janelas”, então atividades simples como estas não terão mais o mesmo sabor, passarão a ser consideradas “chatas” ou tediosas, pois elas normalmente já não produziam tanta dopamina, e agora produzem menos e geram muito menos sinapses.

Pessoa em sofrimento pela adicção

Um pessoa inserida na adicção já está vivendo em profundo sofrimento, e esta mesma pessoa que por muitas vezes busca na droga uma forma de esquecer, de fugir um pouco do seu sofrimento, começa não sentir prazer nenhum na vida exceto no momento em que entra em contato com a droga a qual está viciado, e cada vez mais procurando drogas cada vez mais fortes. E aqui entra todo sofrimento familiar, perda de relações afetivas, perda de trabalho e vida desta pessoa é reduzida ao seu sofrimento.
Como foi visto no início é possível se viciar em drogas lícitas, ilícitas de diversas formas, mas há um tipo de vício que a nossa sociedade incentiva e se utiliza para enriquecimento de algumas classes, que é o vício em pornografia, ele acontece da mesma forma que todas as outras drogas, este mesmo processo de adicção que acontece em todos os tipos de droga também acontece na pessoa viciada em pornografia, a única diferença é que a “droga” a qual os homens e mulheres se viciam na atualidade com grande frequência é que é de graça, de fácil acesso e amplamente estimulado pelas novelas, filmes, séries e até mesmo propagandas de produtos de consumo, como carros, cerveja e etc., onde o sensualismo é lançado como fetiche para induzir o desejo de consumo de homens e mulheres.

Este problema social que afeta uma quantidade incontável de pessoas, alguns em grau mais leve e em outros muito elevado, tem ganhado um pouco mais de atenção porém ainda forma tímida, em 2019 o CID adota uma novo diagnóstico de transtorno que é o 6C72 Transtorno de comportamento sexual compulsivo que consiste principalmente na incapacidade persistente de controlar impulsos sexuais, sendo eles ligados ao sexo de fato, ou comportamentos como sexo virtual, pornografia e masturbação.
Um problema muito grave no processo de vício em pornografia é que a pessoa é bombardeada por estímulos que servem como “gatilhos” para que ela consuma mais e mais pornografia, e uma grande dificuldade relacionada é a naturalização deste tipo de comportamento, certamente ou você, ou algum conhecido seu já recebeu em algum grupo de Whatsapp um conteúdo pornográfico, quantas notícias já vimos de pessoas que foram demitidas por enviarem este tipo de conteúdo em grupos de trabalho, e entre os jovens é reforçado ingressar neste tipo de comportamento.
É muito importante lembrar que temos campanhas contra o uso abusivo de drogas, tanto as ilícitas como as licitas, como o álcool, o tabaco, no tabaco por exemplo temos na caixa do cigarro o que o vício nele pode causar, com imagens reais de casos gravíssimos que aconteceram por causa do uso de cigarro, mas e quanto à pornografia? Você é capaz de contar a quantidade de vezes que teve acesso a conteúdo de cunho sexual nesse mês, por meio de propagandas, séries, filmes, novelas, músicas? Há uma naturalização deste tipo de produtos sociais.

Propagandas utilizadas para venda de bens de consumo, reflexo da hipersexualização.

            Umas das consequências desta naturalização e de não informarmos às pessoas os riscos de ingressarem em consumo de pornografia, é que a pessoa vive esse processo achando que está vivendo algo saudável e quando se percebe já não está mais conseguindo conter impulsos sexuais em seus mais diversos ambientes, já não está tendo mais prazer nas suas relações familiares e afetivas, no seu trabalho, passa a viver desanimado e tomado pelo tédio, por que nada mais é capaz de motivá-lo de fazer com que se sinta vivo, a não ser entrar em contato mais um vez com conteúdo pornográfico, e da mesma forma que com outras drogas passa a precisar de estímulos mais poderosos para que sinta aquele pico de dopamina, pois o cérebro já foi se protegendo fechando receptores e produzindo menos dopamina.
Logo esta pessoa pode passar a procurar tipos de sexo diferentes, com animais, mais violentos, com crianças, com cadáveres, etc. E assim a nossa sociedade estimula a produção deste tipo de conteúdo, em sua grande maioria proibidos por lei. Temos uma sociedade que incentiva o desejo sexual a todo tempo, somos bombardeados por este tipo de conteúdo, e como ficam as pessoas que tentam deixar este comportamento abusivo? Sofrem constantemente com recaídas e vão se sentindo cada vez mais incapazes de ter controle de seus impulsos sexuais.

Aqui temos o relato de uma pessoa que não quis se identificar que passou por este sofrimento, segue na íntegra o relato:

            “ Tive contato pela primeira vez com conteúdo pornográfico, aos 11 ou 12 anos, por meio de um amigo que chamei para jogar no computador da minha casa, e em um dado momento da brincadeira este amigo me falou que queria me mostrar um tipo de jogos ‘diferentes’, foi quando ele abriu um site de jogos pornográficos, e ao me deparar com aquilo eu percebia que havia algo errado, mas ao mesmo tempo não fazia ideia da existência do tipo de coisas que eu estava vendo ali pela primeira vez, e até hoje tenho dificuldade de me perdoar por ter me deparado com aquilo e não ter fugido, mandado fechar, saindo dali, ou ter dito que não queria ver aquilo.
Ainda hoje, depois de passar mais de metade da minha vida tendo vivido como um viciado, é difícil olhar pra trás e acolher que eu era uma criança, que não entendia nada do que eu estava sentindo ao ver aquelas coisas. Depois desse dia não me lembro de quando foi a segunda vez em que tive contato a final fazem muitos anos, só me lembro que pornografia e masturbação fizeram parte da minha vida constantemente ano após ano, tempos com menos frequência e outros com muito mais frequência, eu não sei dizer hoje quando foi a primeira vez em que tentei parar e que não durou muito tempo, mas ao longo tempo comecei a perceber que sempre que me frustrava eu acabava mais uma vez buscando a pornografia.
Via sempre meus colegas falando sobre vídeos pornográficos que tinham visto, e algumas vezes até abrindo sites assim na escola, e então parecia algo cada vez mais natural, que todo mundo vivia, e cada vez mais via mais vídeos, fotos, e como foram anos vivendo assim, cada vez mais foi se tornando mais frequente, mas fui me percebendo cada vez mais mal, as coisas começavam a perder a cor, eu não conseguia mais me sentir tão bem quando estava com os amigos, não me sentia feliz, comecei a pesquisar e descobrir que tantas pessoas haviam ficado muito mal também por causa deste vício, e comecei a tentar sair mas sempre vinha alguma coisa, que me lembrava de algo que eu tinha visto, as vezes nas conversas, em séries que assistia, me faziam ter recaídas, não conseguia de forma alguma conter os impulsos, por mais que tentasse, por vezes corria pra lugares da casa onde tinha gente pra não ir ver pornografia, ajudava mas quando ficava sozinho recai de novo, e de novo e de novo…
Você não sabe o quanto é difícil viver assim, se sentindo incapaz de se controlar, de não fazer algo que você sabe que faz mal pra você mesmo, que cada vez mais vai te tirando a graça de viver bem com as pessoas que você tá perto. E cada vez que recaía me sentia cada vez mais culpado e envergonhado por não conseguir. Procurei ajuda mas mesmo assim tive muitas dificuldades de conseguir enfim parar, mas ainda hoje é muito difícil permanecer sem recaídas, porque direto aparece alguma coisa que me lembra, que me faz querer voltar pra aquelas coisas. As vezes só penso o que eu não daria para mudar aquele primeiro dia, o quanto minha vida poderia ter sido melhor se eu não tivesse sido apresentado a pornografia, me tornando como que um prisioneiro de mim mesmo, mesmo vivendo limpo as vezes acho que nunca voltarei aquele normal da infância que não sentia vontade de ver aquelas coisas.”

Precisamos repensar o que estamos fazendo com as nossas crianças, com nossos adolescentes e jovens, e conosco, com essa hipersexualização da vida, é primordial que questionemos este padrão social de pegar qualquer que seja o produto e colocar uma pessoa ali sensualizando como forma de vender aquele produto. E conscientizarmos que há riscos seríssimos a saúde mental e física de cada indivíduo, como em qualquer outro tipo de adicção, ainda que pareça em grau menor que outras drogas, é tão possível que uma pessoa que inicia o vício em pornografia possa acabar se viciando em drogas ainda mais pesadas.

Referências

BORGES, Maria. O amor no cérebro. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), v. 22, n. 38, p. 125-135, 2015.

HUBNER, Luiza Johanna et al. Papel da Dopamina e Motivação para o Esforço e Fadiga Mental. 2022.

 

 

 

 

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Vício em pornografia: o impacto na saúde mental e nas relações sociais

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O ato sexual, a lascívia, são situações que acompanham a humanidade desde seus primórdios. As reações químicas desencadeadas pelo ato libidinoso fazem com que os indivíduos envolvidos nesta prática fiquem conectados de uma forma única.

Ocorre que, assim como a necessidade em satisfazer os desejos carnais, o interesse em consumir conteúdos eróticos não é recente. Nos tempos antigos, eram comuns as expressões artísticas com nudez, como, por exemplo a Vênus de Willendorf, ou até mesmo do próprio ato sexual.

Desta forma, percebe-se que os interesses sociais relacionados ao consumo de conteúdos adultos transcendem os tempos modernos.

Mas o avanço tecnológico, a globalização, a miscigenação cultural, principalmente após a proliferação da internet e a criação de conteúdos inteiramente virtuais, fez com que houvesse um crescimento exponencial e silencioso que facilitou o acesso a vídeos, imagens e, até mesmo, a comercialização da exposição do corpo ao vivo.

Era de se esperar que este mercado movimentasse grandes fortunas, mas, além do dinheiro, traz consigo vícios e complicações no desenvolvimento das relações interpessoais, sociais e familiares, de modo que a objetificação da mulher se torna mais intensa, depravada, agressiva e, até mesmo, obsessiva.

O vício em pornografia é um mal presente, principalmente, na vida dos homens, não sendo limitado a estes, que causa um retardamento cognitivo, além de desencadear depressão e outros problemas psicológicos na vida das pessoas que são dependentes e que buscam uma melhoria de vida.

Ante o exposto, busca-se compreender como funciona os aspectos da pornografia, sua evolução histórica, e os comportamentos mais comuns entre aqueles que se encontram em estado de dependência nestes casos.

A PORNOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

Etimologicamente, a palavra pornografia tem sua origem do grego pornographôs, que, em sentido literal pode ser traduzido como escritos sobre prostitutas. Neste sentido, Érica Cristina Procópio Campos (2006), nos brinda com a seguinte compreensão do significado da palavra:

A palavra pornografia origina-se do grego pornographos, que significa, literalmente, “escritos sobre prostitutas”, referindo-se à descrição dos costumes das prostitutas
de seus clientes. Além de ser “escrita acerca do comércio sexual”, seu significado nos dicionários indica a expressão ou sugestão de assuntos obscenos na arte, capazes de motivar ou explorar o lado sexual do indivíduo. Devassidão. Libertinagem.

Não obstante, o interesse por temas do gênero é tão antigo quanto a civilização. Estátuas, gravuras, obras de artes, escritas, diversos meios de comunicação do mundo antigo explora as mais diversas formas de satisfação da lascívia, desde imagens representando a felação, até mesmo orgias e rituais sexuais ou até mesmo homoafetivos como eram comuns na Grécia antiga.

A revista Super Interessante, em 2017, publicou artigo falando sobre “os 30 mil anos de erotismo na arte”, com representações sexuais que remontam os tempos mais antigos da sociedade, como a obra de arte pré-colombiana que se encontra no museu Larco Herrera, em que há um nítido ato de felação entre dois indivíduos.

Fonte: Freepik

No livro A Prostituta Sagrada: a face eterna do feminino, Nancy Qualls-Corbett (1988), aborda a história da prostituta através dos milênios e com a intervenção das religiões na profissão:

Embora houvesse algumas restrições na vida das prostitutas sagradas, a maioria delas gozava de maiores privilégios do que as mulheres que levavam uma vida comum.

As prostitutas profanas, no entanto, tinham vida difícil. Durante milênios, a prostituição profana foi predominante, como eram os bordéis, tavernas e lugares de entretenimento. Quando Pompéia foi escavada, algumas casas foram encontradas com o símbolo fálico acima da entrada principal e dentro de algumas alcovas com pinturas sensuais nas paredes; acredita-se que esses eram os lugares para onde “meninas escravas das prostitutas” atraíam homens que buscavam entretenimento sexual.

Percebe-se que a pornografia exploratória não é novidade para humanidade, porém, ainda que antiga, era contida e limitada a determinados ambientes.

Na contemporaneidade, a pornografia e os conteúdos eróticos tornaram-se um produto comercial, como por exemplo o texto de Georges Bataille, a História do Olho (1928) que explora a literatura erótica através de jogos sexuais.

A indústria pornográfica, hoje, explora os mais diversos temas para “satisfazer” os mais doentios interesses da sociedade. Os temas vão de sutis, até abordagens bizarras e doentias como zoofilia e necrofilia[1]. Em sua maioria, os vídeos são voltados para a satisfação dos interesses mais obscuros e íntimos da sociedade, principalmente do grupo masculino que é facilmente estimulado pelo conteúdo explícito que, normalmente, acompanha estes materiais.

A internet se tornou o maior local de consumo de conteúdo adulto, com sites, fóruns, páginas em redes sociais, blogs, todos voltados para a exploração sexual como “entretenimento”.

Fonte: Imagem de Christian Dorn por Pixabay

No artigo Webcamming erótico comercial: nova face dos mercados do sexo nacionais, Lorena Caminhas aponta em seus tópicos as novas vertentes deste comércio, mulheres independentes, comumente denominadas de Camgirls que vivem da exploração de seus corpos:

Tanto em cenário nacional quanto internacional, as camgirls utilizam amplamente redes sociais (sobretudo o Twitter25 e o Instagram) para divulgação de seus shows e para ampliar a comunicação com a audiência. Horários e dias de apresentação, bem como fotografias e vídeos são postados diariamente junto às rifas e listas de desejos. As mídias sociais são também espaços para troca de informação e configuram uma rede de ajuda mútua impossível através dos websites.

Em Consumo de pornografía y su impacto em actitudes y conductas en estudiantes universitarios ecuatorianos (2020), o tema também é amplamente discutido, resumindo, brevemente, os conteúdos explorados nesta indústria.

Seja o que for que você pensa, a pornografia constitui material sexual explícito que transmite informações sobre relações sexuais: tipos de relacionamentos, cenários e roteiros de copulação, potenciais parceiros, posturas. Também transmite modelos do masculino, do feminino, ideais sobre o corpo, desempenho sexual, desejável, permitido, deixando de lado a afetividade da sexualidade e impondo um modelo do que o sexo ‘deveria ser’, a partir de representações tradicionais, criando discursos sobre o ‘normal’, ‘saudável’, ‘permitido’, ‘satisfatório’, entre outros (Rodríguez, González, & Paulini, 2018). (Tradução nossa).

Desta feita, é cediço que o universo virtual que explora a sexualidade como produto comercial busca sempre se adequar as demandas e interesses de seus públicos.

As consequências, porém, de explorar tão abruptamente os instintos sexuais e libidinosos da população é a inclinação viciosa que este tipo de conteúdo pode acarretar, tendo repercussões sociais tão degenerativas quanto substâncias ilícitas.

O VÍCIO E A SAÚDE MENTAL

Antes de adentrar a temática deste artigo, é importante a conceituação do que vem a ser o vício e como este age no cérebro humano.

A língua portuguesa define o vício “dependência física ou psicológica que faz alguém buscar o consumo excessivo de algo, de uma substância, geralmente alcoólica ou entorpecente[2].

É necessário, também, a distinção entre o que vem a ser um vício e um hábito disfuncional. Apesar de parecidos, o hábito disfuncional está mais ligado a um comportamento não saudável adquirido pela reiteração de um ato, voluntário ou condicional, que resultará em prejuízo físico ou social para o indivíduo.

O vício, por sua vez, é mais intenso. Há, como dito, uma dependência física e/ou psicológica que impulsiona um comportamento prejudicial para o consumo de algum alimento, conteúdo ou substância.

Outro fator importante de ser observado, principalmente quando se delimita o vício em pornografia é como são seus efeitos no cérebro humano. Por que alguém se torna viciado em conteúdo adulto?

Para isto, é necessário conhecer a Dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de recompensa cerebral, também conhecida como “molécula do vício” dado sua grande capacidade de viciar o indivíduo naquela sensação.

Fonte: Freepik

Por exemplo, uma pessoa, ao assistir uma cena de copulação que lhe levou a altos níveis de excitação (dopamina), estará tendencioso a buscar alcançar os mesmos níveis de dopamina anteriormente experimentado, de modo que continuará se aprofundando neste universo e buscando temas cada vez mais peculiares para que seu cérebro libere a mesma quantidade de dopamina.

A mesma situação é observada em uma pessoa que tem a dependência em uma droga, lícita ou ilícita, vez que para alcançar os efeitos pretendidos, com o passar do tempo, será necessário o aumento gradativo das doses tomadas ou injetadas.

Com esta fórmula, temos a criação do vício disfuncional em consumir conteúdos pornográficos, desde os “convencionais” aos mais “bizarros”.

Como exposto no tópico anterior, a pornografia comercial vem, cada vez mais, buscando se aprimorar e levar a “melhor experiência” para seu espectador. Com isto, cita-se a exemplo notícia veiculada pelo portal UOL, que divulgou nova produção que busca alcançar novos patamares de dopamina pelos assinantes de uma determinada empresa de conteúdos adultos[3]. Na notícia, a psicóloga Tati Presser ainda diz:

“Um dos maiores auxílios para que isso aconteça são as novidades, e isso inclui filmes, brinquedos ou qualquer novidade que o casal possa trazer para dentro da sua relação. Certamente vai desencadear uma alta desses hormônios. Sem a dopamina, não tem prazer no sexo”, explica Presser.

Pela informação acima, fica cristalino que as grandes empresas não só possuem conhecimento desta condição, como também a usam para atrair mais pessoas para este universo paralelo.

Outro questionamento importante a ser feito é, por que o vício em pornografia é prejudicial à saúde física e mental de uma pessoa?

Primeiramente, tem que ser observado que os níveis de dopamina obtidos em cenas coreografadas, realizadas por profissionais, em posições ou situações que, normalmente, não são convencionais para uma pessoa comum, faz com que este se frustre ao ter uma relação real com uma parceira ou parceiro.

O desejo frustrado de alcançar o nível máximo de dopamina experimentado causa sentimentos de fúria, indignação, depressão, além de fazer com que o indivíduo retorne para o conteúdo visual para satisfazer-se, criando assim um ciclo extremamente vicioso e destrutivo. Outra situação que pode vir a ocorrer é a necessidade da pessoa em tentar reprisar aquelas mesmas condições na realidade, contudo, como dito, as cenas nestes tipos de filmagem são realizadas por profissionais que são aptos para executarem cada movimento e estão dispostos a passarem por cada uma das situações, o que não ocorre na vida real.

Ocorre que, por não serem situações que um homem comum ou mulher comum estejam dispostos a fazer, os popularmente chamados fetiches e fantasias, acaba ocorrendo brigas e intrigas entre casais, ou, em casos extremos, a situação de abuso sexual e estupro marital.

O IMPACTO NAS RELAÇÕES SOCIAIS

Pelo exposto alhures, torna-se cristalino que a dependência no consumo de conteúdos pornográficos é demasiadamente prejudicial à saúde do indivíduo.

Uma pessoa que consome quantidades absurdas de pornografia tem seu psicológico totalmente afetado, posto que sempre buscará satisfazer seus impulsos de uma forma não convencional.

Essa situação muito se espelha nas relações líquidas de Zygmunt Bauman (2000), onde todas as relações são descartáveis e retornáveis, em suas palavras:

A liberdade de tratar o conjunto da vida como uma festa de compras adiadas significa conceber o mundo como um depósito abarrotado de mercadorias. Dada a profusão de ofertas tentadoras, o potencial gerador de prazeres de qualquer mercadoria tende a se exaurir rapidamente. Felizmente para os consumidores com recursos, estes os garantem contra consequências desagradáveis como a mercantilização. Podem descartar as posses que não mais querem com a mesma facilidade com que podem adquirir as que desejam. Estão protegidos contra o rápido envelhecimento e contra a obsolescência planejada dos desejos e sua satisfação transitória.

Ora, a liquidez dos relacionamentos pessoais e interpessoais destas pessoas é característico.

Famosos que falam abertamente sobre o quão tenebroso é o vício neste tipo de conteúdo alertam que a objetificação do corpo feminino é uma pequena fração da real situação que ocorre no dia a dia dos viciados em pornografia.

Terry Crews, renomado ator norte-americano, já falou abertamente sobre como era sua vida durante a dependência nestes vídeos. Em um podcast[4] com o também famoso Mike Tyson, ambos falam com propriedade de como é a vivência de alguém insensível para as relações humanas.

Em determinados trechos da conversa entre os famosos, são levantadas questões importantíssimas que refletem diretamente nos impactos negativos que este vício pode acarretar. Tyson, inicialmente fala sobre o desejo masculino de querer realizar coisas estranhas com sua esposa e esta não compreender e, tampouco, ter o interesse em realizá-las. Crews, por sua vez, inicia sua fala afirmando “there will never be enough porn to satisfy you”, em tradução literal seria o equivalente a “nunca haverá pornô suficiente para te satisfazer”.

Noutro ponto, Crews explica que em sua juventude, frequentando boates de strip-tease, este se sentia incomodado com as dançarinas que começavam a falar de suas vidas particulares, pois aquilo “tirava a mágica” do momento, e tornava aquela pessoa, altamente objetificada em um ser humano.

O vídeo é rico em informações que podem demonstrar os mais tenebrosos campos da psiquê de um viciado em conteúdo explícito e intenso no campo sexual.

Isto posto, a facilidade de se consumir conteúdos adultos atualmente, corroborada com a liquidez moderna que permeia a sociedade, impulsiona a proliferação deste vício silencioso que tem a capacidade de destruir lares e pessoas, sejam famosas (os) ou anônimas (os).

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a elaboração deste trabalho, utilizou do método científico de pesquisa bibliográfica, colhendo o máximo possível de materiais existentes que pudessem abordar a temática de vício em pornografia, além das repercussões que esta dependência poderia vir a acarretar na saúde mental e nas relações sociais do indivíduo.

Para tanto, através das palavras chaves Pornografia; Vício; Saúde Mental e Relações pessoais, encontrou-se diversos materiais de suporte, na modalidade documental e visual como vídeos na plataforma Youtube.

Na construção do presente artigo não houve limitação da língua portuguesa para exclusão dos artigos, posto que a problemática abordada assola todos os povos do globo terrestre.

Portanto, o colhimento de informações e materiais de apoio foi estritamente bibliográfico, não sendo adotado outros métodos de pesquisa científica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base em todo o material colhido e apresentado, é possível observar que a sexualidade é um tema íntimo dos seres humanos, abordados desde muito antes da escrita moderna, de modo que indica que este continuará sendo um tema muito explorado pelas gerações futuras.

A dependência neste tipo de conteúdo é extremamente prejudicial pois reduz a capacidade cognitiva do indivíduo de discernir entre o que é fantasioso, atos coreografados e executados por pessoas altamente profissionais daquilo que é real, do convencional.

O impacto negativo que tais condições podem ofertar é a dependência irracional no consumo de conteúdos e materiais pornográficos, que pode acarretar no cometimento de crimes sexuais, inclusive pedofilia, bem como no aspecto psicológico, pode resultar em distúrbios mentais e quadros de depressão profunda, sendo necessária uma intervenção agressiva para o tratamento do paciente que se encontrar nestas condições.

CONSIDERAÇÕES

O vício em pornografia é uma situação mais presente na sociedade do que se imagina. O fácil acesso à sites pornográficos, revistas, vídeos, imagens, áudios, gravações amadoras, abre portas para que haja a exploração da lascívia de uma forma que nem mesmo os gregos pensariam ser capaz de ocorrer.

A desconexão entre a realidade e o mundo pornô causa níveis de frustração imensuráveis naqueles que buscam reproduzir suas cenas e posições favoritas, além de criar um submundo obscuro de profanação ao corpo, com abusos sexuais e estupros, além de movimentar fortunas absurdas cada dia.

Quem se encontra nestas condições é uma pessoa extremamente depressiva, dependente de um impulso selvagem, não muito diferente de um animal em busca de reprodução, reduzindo sua capacidade cognitiva a um estado ancestral, e que necessita de tratamento psicoterápico com urgência, pois, do contrário, poderá se afundar em um universo cruel dentro de sua própria psiquê.

REFERÊNCIAS

MORETA-HERRERA, Rodrigo; ORTIZ, Doris; MERLYN, Marie-France. Consumo de pornografia y su impacto en actitudes y conductas en estudiantes universitarios ecuatorianos. Psicodebate, Vol. 20, nº 2, Dec. 2020.

DECLERCQ, Marie. A ‘uberização’ do pornô: influencers do sexo estão mudando o mercado adulto. Brasil. TAB. 2020. Disponível em: < https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/04/a-uberizacao-do-porno-os-influenceres-estao-mudando-o-mercado-adulto.htm>. Acesso em 20 nov. 2021.

TYSON, Myke. Terry Crews, Part 1 | Hotboxin’ with Mike Tyson | Ep 11. Youtube. 2019. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=mhRmXHQXb7o&t=359s>. Acesso em 25 nov. 2021.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida; tradução, Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Ed., 2001.

QUALLS-CORBETT, Nancy. A prostituta sagrada: a face eterna do feminino; Tradução Isa F. Leal Ferreira; revisão Ivo Storniolo. São Paulo. PAULUS, 1990.

[1] FRANCO, Marcella. Estupradores de cadáveres têm “sexualidade monstruosa”, diz especialista. Disponível em: https://noticias.r7.com/saude/estupradores-de-cadaveres-tem-sexualidade-monstruosa-diz-especialista-20062015. Acesso em 20 nov. 2021.

[2] Disponível em: <https://www.dicio.com.br/vicio/>

[3] Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/noticias/2021/05/21/dopamina-novo-longa-do-sexy-hot-producoes-aborda-a-sensacao-de-prazer.htm>

[4] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uVFwYcpkMyY

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