Primeiro Seminário Psicanálise e Atualidade ocorre dia 20/04

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O grupo de estudos FaLA – Percurso de Freud à Lacan, criado em Palmas-TO, comemora o seu aniversário de 7 (sete) anos de criação organizando o 1º Simpósio Psicanálise e Atualidade. O evento será iniciado no dia 20 de abril de 2022, às 19h30minh com encontro temático virtual com a psicanalista Ruskaya Maia, Membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP).

Nessa ocasião, a psicanalista convidada discorrerá sobre o tema “psicanálise e atualidade” para estudantes de psicanálise e participantes do Grupo FaLA. Há vagas destinadas ao público em geral.

Inscreva-se pelo Instagram: @falapercurso.

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As quatro etapas da psicoterapia junguiana

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Em 1929, Carl Gustav Jung publicou o texto “Os problemas da psicoterapia moderna”, para o Anuário Médico Suíço o texto. Nele, que mais tarde veio compor o quinto capítulo do décimo sexto livro de suas obras completas: “A prática da psicoterapia”, Jung fala sobre as etapas do processo terapêutico, que em seu modelo teórico, teriam quatro fases. O presente texto é um resumo deste trabalho.

Na tentativa de englobar a psicanálise de Freud, a psicologia individual de Adler e outras tendências no campo da psicologia complexa, Jung entende o processo psicoterapêutico como um percurso que passa por diferentes momentos, e que em cada um deles, os diversos campos da psicologia podem contribuir para o processo.

“Devido à extrema diversidade das tendências da nossa psicologia, é imenso o esforço que temos que fazer para sintetizar os pontos de vista. Faço, portanto, esta tentativa de dividir as propostas e o trabalho, em classes, ou melhor, em etapas” (JUNG, 2013, § 122).

Segundo Jung (Ibid., § 123), “As origens de qualquer tratamento analítico da alma estão no modelo do sacramento da confissão.” Essa etapa passa pelo processo do sujeito se ver com seus segredos, que, diante do surgimento da parte oculta do psiquismo, devido à invenção da ideia do pecado, o segredo, a “coisa recalcada”, passa a ter um efeito deletério para a alma.

“O possuir um segredo tem o mesmo efeito do veneno, de um veneno psíquico que torna o portador do segredo estranho à comunidade” (Ibid., §124).

Fonte: encurtador.com.br/ajuNQ

Apesar do segredo, em doses baixas, ser salutar, por fazer um serviço à construção da individualidade, aquele que fica por demais restrito ao indivíduo, sem compartilhamento, pode ser destrutivo. Para Jung (Ibid., § 125), “este tem o mesmo efeito da culpa, segregando seu infeliz portador do convívio com os demais seres humanos.” Quando elevado a um nível radical, ele pode se tornar oculto até ao próprio sujeito. O conteúdo secreto já não é conscientemente encoberto, mas é oculto até perante si mesmo, e com isso separa-se da consciência na forma de um complexo autônomo, formando uma espécie de psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria, perturbando a atividade consciente.

Outra forma de contenção deletéria exercida é a dos afetos:

“O afeto contido, do mesmo modo que o segredo inconsciente atua como fator de isolamento e perturbação, e provoca sentimento de culpa. A natureza não nos perdoa, por assim dizer, quando, ao guardarmos um segredo, passamos a perna na humanidade. Do mesmo modo, ela nos leva a mal, quando ocultamos as nossas emoções aos nossos semelhantes” (Ibid., § 130).

Sendo o segredo e a contenção de ordem exclusivamente pessoal danosos para a alma, a natureza reage, enfim, por meio da doença.

“Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciência da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da autoafirmação e não confessaram sua falibilidade humana. Se não o fizerem, um muro intransponível segregá-los-á, impedindo-os de se sentirem vivos, de se sentirem homens no meio de outros homens” (Ibid., § 132).

Esta etapa da confissão, dá ensejo para as primeiras descobertas da psicanálise. A catarse, que visa à confissão completa, não se limita a uma constatação intelectual dos fatos pelo pensamento, como também à liberação dos afetos contidos, “à constatação dos fatos pelo coração” (Ibid., 134).

Devido ao fato de que nem sempre é possível promover uma aproximação do paciente ao seu inconsciente, ao ponto de eles conseguirem perceber sua sombra através do método catártico, a prática da psicoterapia não pode se limitar a esse método. São muitos os indivíduos que são fervorosamente ligados ao seu consciente, não cedendo ao recuo dela e, portanto, não recorrem ao inconsciente. Nesse caso, se exige uma técnica toda especial para a aproximação do inconsciente (Ibid.).

Também há o fato de a catarse promover uma diminuição dos sintomas, porém não oferecer uma compreensão por parte do paciente dos processos que ocorrem em sua dinâmica psíquica, podendo gerar outras situações adversas, como o apego do paciente em relação ao psicoterapeuta, necessitando sempre do seu auxílio com o mesmo método, ou o apego ao seu próprio inconsciente, gerando uma fixação nociva em relação a ele (Ibid.).

Por isso, torna-se necessária a segunda etapa da psicoterapia: a compreensão. Para tanto, se dá atenção primeiramente às fixações, seguindo o método psicanalítico de Freud. Nos casos de dependência do terapeuta, se constata que esse vínculo corresponde, em sua natureza, à relação pai-filho, ou seja, um tipo de relação infantil que não se consegue evitar. Tratando-se de uma formação neurótica, um novo sintoma desencadeado pelo próprio tratamento, “FREUD acertou ao batizar esse sintoma de transferência (Ibid., § 139).

Fonte: encurtador.com.br/yMOP0

“Enquanto o método catártico, em sua essência, devolve ao eu conteúdos que normalmente deveriam fazer parte do consciente, o esclarecimento da transferência faz com que venham à tona conteúdos que, naquela forma, jamais teriam tido condições de se tornarem conscientes. Em princípio, é esta a diferença entre as etapas da confissão e do esclarecimento” (Ibid., § 141).

Já em outros casos, o sujeito, ao invés de se fixar ao terapeuta, se fixa às representações das fantasias do próprio inconsciente, e nele se emaranham. Este fato, revela que ele ainda se encontra em estado de identificação com os pais, lhe conferindo autoridade, independência e espírito crítico, o que lhe faz opor resistência à catarse.

“Aquilo que o paciente transfere para o médico tem que ser interpretado, isto é, deve ser esclarecido. Uma vez que o próprio paciente nem sabe o que está transferindo, o médico é obrigado a submeter a uma análise interpretativa todos os fragmentos disponíveis da fantasia do paciente” (Ibid., § 144).

Com o processo de esclarecimento das origens da fixação, o paciente, se deparando com a infantilidade e inutilidade de sua posição, desce a um nível mais modesto e de relativa insegurança, podendo gerar efeitos salutares. Pode também o fazer perceber que sua necessidade de fazer exigências ao outro é produto de um comodismo infantil, que deve ser substituído por uma maior responsabilidade pessoal (Ibid.).

“Armado da convicção de sua própria insuficiência, lançar-se-á à luta pela existência, a fim de ir consumindo em trabalhos e experiências progressivas todas aquelas forças e aspirações que até agora o tinham levado a agarrar-se obstinadamente ao paraíso da infância ou, pelo menos, a recordá-lo com saudades. As ideias que o nortearão moralmente daqui para a frente serão: adaptar-se normalmente e ter paciência com a própria incapacidade, eliminando as emoções e ilusões, na medida do possível” (Ibid., § 149).

Nesse novo estágio, o indivíduo com forte sensibilidade moral pode, devido sua elaboração, reunir um ímpeto mobilizador suficiente para fazer do processo terapêutico vivenciado um êxito. Isso pode despertar nele forças adormecidas, que poderão intervir favoravelmente em seu desenvolvimento. Porém, em pessoas com parca fantasia moral, tal insight em si pode de nada adiantar. “O método do esclarecimento ou elucidação sempre pressupõe índoles sensíveis, aptas a tirarem conclusões morais, independentes de seus conhecimentos” (Ibid., § 150).

Além disso, nem todas as pessoas podem ser analisadas sobre o espectro unilateral causalista freudiano, “Sem dúvida, todos têm esse aspecto, mas nem sempre é ele que predomina.” (Ibid., § 150). Aqui, adentramos na terceira fase do processo terapêutico: a educação para o ser social.

Há inúmeras neuroses que podem ser mais bem explicados sob o prisma do instinto do poder, idealizado por Alfred Adler, onde o indivíduo “arranja” sintomas para conseguir prestígio fictício, explorando sua neurose. Até mesmo sua transferência e demais fixações servem a sua vontade de poder. Por essa via, Adler visa a psicologia do oprimido ou do fracassado na sociedade, cuja única paixão é a necessidade de prestígio. “Estes casos são neuróticos, porque continuam achando que estão sendo oprimidos, e combatem moinhos de vento com as suas fixações, impossibilitando sistematicamente a consecução dos objetivos que mais almejam” (Ibid., § 151).

Fonte: encurtador.com.br/fivD7

A via Adleriana, segue onde para a última etapa. Para além do insight, se faz necessária a educação social, tentando tornar a pessoa normalmente ajustada, mediante todos os recursos da educação. Nessa parte, é possível que haja um certo distanciamento do inconsciente, visto que, visando o ajustamento em vias de adaptação e cura, é desejável que se aparte do lado que carrega as características sombrias e más da natureza humana.

“A educação vem por fim, e mostra que uma árvore que cresceu torta não endireita com uma confissão, nem com o esclarecimento, mas que ela só pode ser aprumada pela arte e técnica de um jardineiro. Só agora é que se consegue a adaptação normal” (Ibid., § 153).

Para satisfazer uma necessidade a mais, transcendendo tudo o que foi feito até então, Jung desenvolveu a quarta fase, e denomina-a como transformação. A finalidade dessa etapa passa pela exigência da alma de alguns sujeitos a tornar-se mais do que simplesmente socialmente ajustados.

“A simples noção de “normal” ou “ajustado” já implica limitar-se à média, que só pode ser sentido como progresso por aquele que, por si, já tem dificuldade em dar conta da sua vida dentro do mundo que o cerca, como, por exemplo aquele que, devido à sua neurose, é incapaz de levar uma existência normal” (Ibid., § 161).

Porém, para as pessoas cuja capacidade é superior ao homem médio, e suas realizações sempre foram mais do que satisfatórias, a ideia da normalidade pode não significar algo satisfatório.

“[…] significa o próprio leito de Procusto, isto é, o tédio mortal, insuportável, um inferno estéril sem esperança. Consequentemente, existem dois tipos de neuróticos: uns que adoecem porque são apenas normais e outros, que estão doentes porque não, conseguem tornar-se normais. (…) a necessidade mais profunda dessas pessoas é, na verdade, poder levar uma vida extranormal” (Ibid., § 161).

O confronto das personalidades do terapeuta e paciente, propicia o encontro de duas realidades irracionais, que, como a mistura de duas substâncias químicas diferentes, geram uma reação transformadora. Tais fenômenos são conhecidos por transferência e contratransferência, onde Jung defende a tese de que:

“De nada adianta ao médico esquivar-se à influência do paciente e envolver-se num halo de profissionalismo e autoridade paternais. Assim, ele apenas se priva de usar um dos órgãos cognitivos mais essenciais de que dispõe. De todo jeito, o paciente vai exercer sua influência, inconscientemente, sobre o médico, e provocar mudanças em seu inconsciente” (Ibid, § 163).

Nessa relação terapeuta-paciente, fatores irracionais promovem uma transformação mútua, sendo decisiva a personalidade do psicólogo ser aquela mais estável e forte. Ele acaba por ser parte integrante do processo psíquico do tratamento tanto quanto o paciente, estando também exposto a influências transformadoras. Segundo o autor, se o terapeuta se fecha a essa influência, ele também perde sua influência – que é inconsciente – sobre o paciente, abrindo uma lacuna em seu campo de consciência, impedindo-o de vê-lo corretamente.  É daí que se dá a necessidade de o terapeuta ser obrigatoriamente analisado, exigência feita por Jung e aderida por Freud quando ainda mantinham parceria (Ibid.).

Para Carl Jung, mais importa a personalidade e as condições psíquicas do terapeuta do que, propriamente, as linhas teóricas que ele utilizará no percurso terapêutico. “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente” (Ibid., § 167).

Ao longo de todo o percurso terapêutico, a relação psicoterapeuta-paciente será aquilo que norteará o tratamento. Dessa forma, para além desse ou daquele constructo teórico, bem como o que o psicólogo acredita ser o método adequado – catarse, educação ou seja lá o que for –, o que promoverá o tratamento será o encontro de duas almas, e, portanto, é muito mais importante preocupar-se com a convicção que o terapeuta tem acerca daquilo que acredita e segue como linha teórica.

Referência:

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).

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Chicken little (1943) e a psicologia das massas

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O desenho de Walt Disney criado durante a segunda guerra mundial, inspirado por um conto de Henny  Penny (1843) O Céu Está Caindo” (ou, no original, “The Sky if Falling”) se passa em uma fazenda pequena e pacata, na qual encontra-se  uma granja, povoada por  galinhas, gansos, perus e pintinhos, um lugar protegido por uma cerca alta, um grande portão com cadeado e a espingarda de um fazendeiro. Uma raposa inteligente e faminta percebe que pular a cerca não é uma boa opção, com a percepção de que em vez de comer um poderia comer todos, resolve então  pôr um plano em ação, com ajuda de seu livro de ideias intitulado ‘’psicologia’’.

O primeiro fato curioso são os perfis dos personagens inseridos nessa pequena sociedade. De começo vemos o Dr Galo inspetor chefe dos galinheiros e diretor da produção de ovos, o narrador o descreve como um sujeito calmo, pacato e burguês. Logo após vemos a dona galinha e sua comadre, que sempre estão ‘’metendo o bico na vida dos outros’’ juntas fazem parte de um pequeno grupo de jogadoras de cartas onde se juntam para espalhar ainda mais  as fofocas. Tem também o conselheiro Peru e a turma granfina, que passam o dia inteiro discutindo como reformar o mundo.

 Encontramos também nessa sociedade uma escola de dança com a turma do abafa que vive se esbaldando. Gansos e patos são vistos sempre perto da água, em estado decadente  ou  em botequins de esquinas fumando, bebendo e  conversando. Por último a quem o narrador chama de herói um pintinho ingênuo, direito, de ‘’cabeça mole’’ porém um rapaz de família. Se bem observado personagens comuns ao nosso dia, uma sociedade funcional, ainda que antiquada e conservadora, vivendo rotineiramente os seus hobbies e afazeres,  de forma tranquila sem demais preocupações, despercebidos  com o que pode acontecer além da  cerca, o que facilita a aproximação da raposa. O plano da raposa de acordo com seu  livro, se divide em quatro passos;

 

1- “Para influenciar as massas dirija-se, primeiro, ao menos inteligente”

A raposa então acha no galinheiro, o pintinho inocente como a vítima principal do seu plano. Segundo Le Bon o indivíduo na massa, se dissolve, tendo assim uma diminuição da sua capacidade intelectual. Em paralelo a  nossa sociedade podemos ser as presas fáceis de diferentes notícias, ainda mais com a facilidade tecnológica da exposição de dados em redes sociais, aplicativos e afins. Tudo pode ser manipulável e alterado. Em 2013 isso ficou evidente com o escândalo da  Cambridge Analytica, que se utilizava de todas as informações que os usuários postavam, espalhando elas para terceiros, projetando dados de personalidade para manipulação  de uma eleição presidencial. Sobre isso, Carissa Veraz (2020) nos alerta ‘’Por meio das nossas redes, expomos nossa privacidade a essa indústria digital. Sem nossa permissão, conhecem nossos segredos e traçam formas de manipular nosso comportamento. A tecnologia digital usa nossos dados para exercer poder sobre nossas escolhas. Para retomar o poder da nossa privacidade, precisamos proteger nossos dados.’’

Fonte: encurtador.com.br/hxS29

2- “Se tiveres que contar uma mentira, não conte uma pequena, conte uma grande”

Escolhida a vítima, a raposa, então elabora uma situação, derruba uma estrela de madeira na cabeça do pintinho e em forma de boletim de notícias, conta   que o céu está caindo. Logo o pintinho sai desesperado, em um momento de histeria, gritando a todos que o céu está caindo, esperando que alguém faça alguma coisa. Para Freud (1920) ‘’Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa’’. Todos começam a questionar a realidade por trás dos fatos, logo chega o Dr. Galo dizendo que o céu não está caindo, que aquilo é apenas um pedaço de madeira, tranquilizando a todos, sugerindo que voltem para seus trabalhos.

Fonte: encurtador.com.br/dmyAT

3- “Destrua a confiança do povo em seus chefes”

Como podemos ver, Dr Galo, era um líder influente, logo normalizou toda a situação, mas a raposa indignada não desistiu do seu plano. Colocou a palavra do líder na prova, espalhando para os diferentes grupos o que eles queriam ouvir. Para as  galinhas disse: “Escuta meninas, mas e se ele estiver errado? Errar é humano, não é? E se ele estiver enganado, todos nós morremos, não é?”. Para os Perus: “Na minha opinião, o Doutor Galo tem tendências totalitárias definidas, está querendo se impor, nós podemos decidir se o céu está caindo ou não.” e para os gansos:  “Ei pessoal, ouvir dizer que o Doutor Galo deu pra beber agora, anda meio maluco.” Os boatos correm pelo galinheiro até o Dr Galo perder todo seu prestígio. Lebon (1895)  acredita que ‘’O prestígio pessoal existe em poucas pessoas que através dele se tornam líderes, e faz com que todos a elas obedeçam, como sob o efeito de um encanto magnético. Mas todo prestígio depende também do sucesso, e é perdido com o fracasso’’.

Freud (1923) nos mostra que: ‘’ Numa massa todo sentimento, todo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo […] A influência de uma sugestão o levará, com irresistível impetuosidade,* à realização de certos atos. Impetuosidade ainda mais irresistível nas massas que no sujeito hipnotizado, pois a sugestão, sendo a mesma para todos os indivíduos, exacerba-se pela reciprocidade” [pp. 13-4]. Todos chegam ao acordo de que o  Dr Galo não está em sua plena função mental, logo a sua palavra não tem mais credibilidade e volta-se para  a dúvida; o céu está caindo ou não está?

Fonte: encurtador.com.br/fisO3

4- “Pelo uso da bajulação, uma pessoa insignificante acaba-se convencendo-se das suas qualidades de chefe”

A psicanálise conhece a identificação como a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa. Para Freud (1943):

“O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente .Numa massa* todo sentimento, todo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo’’

A Raposa coloca na cabeça do pintinho que ele deve liderar, já que o mesmo percebeu antes de todos que o céu estava ‘’caindo’’, convencido disso o pintinho, reafirma que o céu está caindo, Dr Galo pergunta então porque o céu não caiu na sua cabeça, logo a raposa manipulando os fatos, derruba um pedaço de madeira do que seria o céu em sua cabeça, na frente de todos, que começam a implorar para que o pintinho os salve. O pintinho perdido é mais uma vez influenciado pela raposa, pedindo então para que todos se escondam  na gruta.  Para Freud (1943) A massa é um rebanho dócil, que não pode jamais viver sem um senhor. Ela tem tamanha sede de obediência, que instintivamente se submete a qualquer um que se apresente como seu senhor.

Maquiavel (1532) em seu livro o príncipe já dizia ‘’ Aqueles que apenas adotam a personalidade do leão, isto é força e retidão, não entendem o risco que correm e dificilmente chegaram a se consagrar no poder, para obter êxito na busca pelo poder, você deve também de ser astuto como uma raposa’’. Se enxergarmos por um contexto não literal, Maquiavel pode ser compatível com a democracia no que se refere aos conceitos políticos de influência, popularidade,  e relações.

O final dessa história você pode ou não imaginar, porém a maior lição que fica, em paralelo a realidade é a importância da veracidade dos fatos. Sabemos que a  vivência em sociedade, numa era tecnológica não torna a nossa realidade muito distante, deixamos por muitas vezes sermos influenciados pelo sentimento contagioso da massa, pelas fortes convicções e ilusões, pelos líderes idealizados, e pelas ideias salvadoras. Deixando de refletir, sobre as fontes, e as motivações por tais ideais, devemos sempre pensar além dos muros do galinheiro, além do cadeado das nossas convicções. Entendendo que a espingarda do lado de fora tanto pode ferir a raposa quanto nos ferir. A Busca por fatos, por conhecimento, e pela ciência são formas de nos resguardar de diferentes raposas.

 

Ficha técnica

Título: Chicken Little ( original)

Ano de produção: 1943

Dirigido por: Clyde Geronimi

Estreia: 17 de dezembro de 1943 (mundial)

Duração: 8 minutos

Classificação: livre

Gênero: animação

País de origem: Estados unidos

Referências

Chicken little, Clyde  Geronimi, Disney, EUA, 17 de dezembro de 1943. especificação de suporte por youtube. Disponível em ( https://www.youtube.com/watch?v=AILy4KHBIEE) acesso em 17 de março de 2022

FERRAZ, Francisco . Adiministração municipal .O político: leão e raposa. Portal Política para Políticosl, Rio de janeiro, 06 de janeiro de 2009, s Disponível em: (http://www.oim.tmunicipal.org.br/?pagina=detalhe_noticia&noticia_id=1279). Acesso em dia 22 de março de 2022

MENEZES, Angelo O que podemos aprender com chiken little Uma reposta ludica (ou lucida) ao panorama brasileiro. Pragmatismo Politico, São paulo, 03 de nov de 2014,  Disponível em: (https://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/11/o-que-podemos-aprender-com-chicken-little-uma-resposta-ludica-ou-lucida-ao-atual-panorama-brasileiro.html). Acesso em dia 17 de março de 2022

SIGMUND, Freud. Psicologia das massas: e análise do eu e outros textos. 1ª edição. Rio de janeiro: companhia das letras, 7 de junho de 2011.

Um desenho explica perfeitamente o momento tenebroso que o Brasil vive. História no paint, setembro de 2018, . Disponível em: (https://www.historianopaint.com/2018/09/um-desenho-explica-perfeitamente-o.html). Acesso em dia 17 de março de 2022

VÉLIZ, Carissa. Privacidade é poder. 1ª edição. editora contracorrente , 30 de agosto de 2021.

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Blink, de Olhos Bem Fechados

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O filme Blink, de Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, trata sobre a vida do médico Bill Harford (Tom Cruise) e sua esposa Alice (Nicole Kidman), curadora de arte. O casal vive o casamento perfeito até que, logo após a festa, Alice confessa que sentiu atração por outro homem e que seria capaz de deixar Bill e sua filha por ele.

O filme começa com uma cena bem peculiar: casal está se arrumando para uma festa e a câmera foca em Alice levantando do vaso e se limpando, enquanto o marido Bill se olha no espelho. A cena mostra como a relação do casal se tornou banal e carente de erotismo.

Em seguida, o casal vai a uma festa onde só há estranhos e Alice questiona o motivo de estarem ali e de serem convidados para aquele lugar anualmente. Visivelmente entediada, Alice sai de perto de Bill e embebeda-se. Um Húngaro se aproxima dela e desde o início dá indícios de seu interesse sexual por Alice. Ela aproveita, brinca e entrega-se ao jogo do flerte em que nada acontece, mas tudo é possível. O mesmo acontece com Bill, que flerta com duas modelos. Essas mesmas modelos convidam Bill para ir “onde o arco-íris termina”.

É importante observar que em uma conversa entre eles, no quarto do casal, ao ser questionado se sentia desejo sexual por suas pacientes, Bill demonstra, de forma pretensiosa, sua opinião sobe as mulheres, dando a entender que a natureza das mulheres faz com que elas não traiam ou sintam desejo fora do casamento. Alice fica ofendida por essa convicção do marido e tem uma crise de riso. Embora Alice pareça chocada com a própria revelação ao contar para Bill sobre seu desejo por outro homem, é como se ela desafiasse a constatação do marido, mostrando a ignorância dos homens ao acreditar que sabem como as mulheres pensam.

Quando Alice admite ter fantasias sexuais com um homem que conheceu ao acaso, Bill fica desnorteado e sai pelas ruas de Nova York assombrado com a imagem da mulher nos braços de outro. Ele encontra um velho amigo de faculdade que se tornou pianista e descobre uma sociedade secreta que pratica cultos sexuais. Ele iria tocar numa festa orgiástica, no entanto, teria que usar uma venda nos olhos, para não saber onde essa festa ocorreria.

Fonte: encurtador.com.br/ilBE0

Ele mostra a senha fornecida para adentrar o local ao colega e Bill acaba comparecendo a um dos encontros, em uma mansão afastada da cidade, e se envolvendo naquela trama mais do que esperava.

Há algo de ritualístico no baile. Algumas mulheres estão nuas, mas mascaradas, e se juntam aos homens, que estão fantasiados. Bill fica deslumbrado, ao mesmo tempo em que vê aquilo como uma brincadeira. Por algum motivo, logo ele se torna o centro das atenções.

Na cena, todos os personagens estão usando máscaras, mulheres nuas correm pela mansão, ao mesmo tempo em que os participantes se escondem uns dos outros para instigar ainda mais o prazer.

Durante o ritual, Bill se depara com uma série de situações peculiares na tentativa de atender a seus desejos de forma inconsequente, mas sua presença nos espaços acaba sendo sempre de um espectador deslocado que não consegue se entregar-se às experiências e afeta a vida de pessoas desconhecidas que buscam protegê-lo de suas próprias atitudes.

Na frente de todos os convidados, ele é exposto como um intruso. Os demais mascarados se colocam em volta dele, as portas de ambos lados se fecham e Bill é obrigado a tirar a máscara. Uma mulher se ofereceu em “sacrifício” para poupar o protagonista, entretanto, não é possível saber o que realmente houve com ela. O sacerdote então diz para Bill nunca mais voltar e nem falar nada a ninguém sobre o estranho evento. Caso contrário, as consequências seriam terríveis para ele e sua família.

Fonte: encurtador.com.br/oFHS8

No dia seguinte, ao ler o jornal, Bill se depara com a notícia da morte de uma mulher e descobre mais tarde que ela é a prostituta a quem ele prestou atendimento médico após ela ter uma overdose na casa do seu amigo Victor, a mesma que arriscou sua vida para salvar a pele do protagonista.

Bill estranha a situação e começa a achar que aquilo tem algo a ver com o episódio da noite anterior e tenta encontrar o amigo músico em sua pobre pensão, mas o recepcionista diz que ele chegou de manhã com dois senhores, fez as malas e se dirigiu à estação de trem e que parecia estar sendo vigiado pelos homens.

Ele tenta ir à casa onde tudo aconteceu, mas é impedido pelo porteiro com uma carta, avisando que, caso ele persista com a investigação, coisas ruins podem acontecer.

Confuso, ele volta para casa e encontra a máscara que estava usando na noite anterior ao lado de Alice, em seu travesseiro. Ele conta com remorso sobre os eventos da noite passada. Ela diz que os dois finalmente acordaram de um sonho.

Nesse sentido, é como se a memória e o sonho que Alice conta a Bill se afigurasse de forma mais real do que a experiência real de Bill, que acontece diante de nossos olhos. O que Bill vê com os olhos bem abertos é mais fantasioso do que o que Alice vê de olhos bem fechados. Enquanto Alice confessa abertamente seu desejo, Bill está mergulhado na sua confusão sexual. Alice tem desejos reais e está consciente deles, ao passo que Bill não sabe muito bem o que sente, a não ser a certeza de que ele, como homem, tem direito a estes desejos.

Fonte: encurtador.com.br/rwY57

Apesar da atitude ousada de Alice no início da narrativa, vemos muito presente a culpa católica, quando, perturbada, ela relata ao marido um sonho em que ela estava nua cercada por muitas pessoas e todos riem dela. Ela se sente invadida e tenta fugir, quando o tal húngaro sai sem roupa de uma floresta e o marido a encontra e diz que vai buscar suas roupas, momento em que ela se sente reconfortada. É importante observar que esse mal-estar, expresso pelo choro da personagem, está relacionado ao fato de o sujeito desejante buscar liberdade, ao mesmo tempo em que precisa abrir mão do seu desejo para manter seu casamento e a vida estável.

A fala de Bill também reflete uma culpa pelo que teria acontecido com ele diante dessa busca de atender aos seus desejos sexuais e o castigo iminente. Ele passa a ser perseguido por investigar a morte da moça que aceitou ser punida pela aventura na qual ele se envolve, a prostituta com quem ele não chega a manter contato sexual morre de aids, seu amigo é levado embora por pessoas que ele desconhece, sua vida é posta em perigo e ele se arrepende de ter adentrado um mundo que “não lhe pertence”.

Ao final do filme, ele conta à esposa os eventos da noite passada e eles se reconciliam, o desfecho dá a entender que a respectiva busca caminho do erotismo e do desejo pode provocar um movimento de purificação.

O filme Blink, de Olhos Bem Fechados, é baseado no livro Breve romance de Sonho, de Arthur Schinitzler, autor que teve forte influência de Freud, Lacan e Nietzsche.  O vazio da sociedade contemporânea, a solidão existencial e a interdição do desejo estão fortemente presentes na última obra de Stanley Kubrick.

FICHA TÉCNICA

Título: De Olhos Bem Fechados

Título Original: Eyes Wide Shut

Diretor: Stanley Kubrick

Roteiro: Stanley Kubrick e Frederic Raphael baseado em “Dream Story” de Arthur Schnitzler

Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Todd Field, Sydney Pollack

Produção: Stanley Kubrick Productions, Warner Bros., Hobby Films

Distribuição: Warner Bros.

Ano: 1999

País: Reino Unido, EUA

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Quando bonecos substituem pessoas: o que está por trás desse fenômeno?

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Já pensou ter um filho que não chora e que você só precisa limpar a fralda quando bem quer? Ter um namorado/namorada que não discute a relação com você, mas pode realizar todas as suas fantasias sexuais? Graças à fabricação de bonecas hiperrealistas, isso tem se tornado um desejo possível, mas muito além de uma mera satisfação, existem fenômenos relacionais que permeiam o tema.

Bonecas hiper-realistas são objetos customizados por artistas ou empresas, que se parecem o máximo possível com pessoas reais; entre a febre do mercado temos os bebês reborns que costumam ser feito artesanalmente de forma minuciosa, onde se adicionam atributos físicos como cabelos, cor dos olhos, cílios e unhas, de acordo com gostos e critérios do cliente. O público majoritário que adquire esses produtos costuma serem crianças. Quanto a isso Barry Kaufman, PhD em psicologia cognitiva pela Universidade de Yale, acredita que: brincadeiras de “faz de conta” melhoram a comunicação, criatividade e empatia, além de serem fundamentais para o desenvolvimento do senso de responsabilidade das crianças. Podendo essas bonecas ser um importante instrumento no desenvolvimento infantil.

Era apenas brincadeira de criança até os adultos começarem a optar por reborns em vez de bebês reais. No documentário MOV.doc “Pais de bebê reborn: a rotina de quem formou uma família com bonecas realistas“, podemos ver detalhadamente o dia a dia de quem faz essa escolha, formando famílias com as bonecas inanimadas.

Fonte: encurtador.com.br/rL013

Outra realidade que vemos crescer, no ramo de bonecas hiper-realistas, são as bonecas sexuais, usadas para satisfazer desejos e fantasias, por muitas vezes suprindo a solidão de quem não tem uma companheira. Colocando em destaque uma situação problemática sobre a distorção da realidade e o ideal da mulher perfeita, sendo responsável pelo fortalecimento de padrões inalcançáveis e a objetificação do corpo feminino.

O que motiva as pessoas a buscarem por relações com bonecas ao invés de cultivar relações com pessoas reais? O Sociólogo Zygmunt Bauman nos traz a ideia de modernidade líquida, onde o desejo parte do acúmulo de bens em quantidade, sendo assim algo superficial, que acompanha a moda e o pensamento da época. A ciência, a técnica, a educação, a saúde, as relações humanas, tudo que foi criado pelo ser humano, são submetidos à lógica capitalista de consumo. Vemos cada vez mais a indústria investindo recursos para esses objetos, legitimando as idealizações criadas pelos seus clientes, ao mesmo tempo incentivando um mecanismo desejoso de consumo, fortalecendo o imperativo da modernidade líquida; prazer a qualquer custo.

Freud diz que “o princípio do prazer é caracterizado pela procura do mesmo, ao mesmo tempo em que se evita a dor, sofrimento ou tensão”. Se relacionar com uma boneca, seja criando uma família ou seja de forma sexual, nos permite o distanciamento dessa realidade, não precisamos lidar com emoções, sejam elas positivas ou negativas, apenas com o prazer em sua forma pura ou fetichista, onde imperam fantasias e ideias do id. Freud (1920 p.20) também nos alerta que:  ‘’O princípio de prazer é próprio de um método primário de funcionamento por parte do aparelho mental, mas que, do ponto de vista da autopreservação do organismo entre as dificuldades do mundo externo, ele é, desde o início, ineficaz e até mesmo altamente perigoso‘’. Ou seja, estar preso em um mundo idealizado onde tudo parece perfeito, pode em um primeiro momento te afastar dos problemas, mas logo acaba por evidenciar dificuldades em lidar com eles, mantendo um despreparo da vivência real e o reforçamento de comportamentos delirantes ou infantis.

Faz-se necessário a busca pelo princípio da realidade o qual Laplanche e Pontalis (1988) “consideram-no como um princípio regulador, já que ele modifica o princípio do prazer no que diz respeito aos caminhos percorridos para se atingir a satisfação”. É a busca de um equilíbrio para que o sujeito não se distancie ou distorça a realidade, gerando assim um sofrimento psíquico, de difícil reconhecimento pelo mesmo, esse princípio ainda permite o enfrentamento de frustrações e questões internalizadas. Cabe ao texto reflexões de até que ponto o  relacionamento com essas bonecas faz com que seus usuários  se distanciam das emoções, tanto as suas como a do outro, fortalecendo o conceito de amor líquido, onde se destaca a fragilidade dos laços humanos. Enxergando por uma ótica positiva, algumas dessas bonecas podem ser de grande representação ao que engloba a elaboração do luto ou as questões relacionadas à solidão ,podendo se tornar um mecanismo benéfico se usado de maneira adequada.

Fonte: Documentário ”Os bordéis de bonecas sexuais na Europa”
Fonte: Documentário ”Os bordéis de bonecas sexuais na Europa”
Fonte: Documentário ”Os bordéis de bonecas sexuais na Europa”

Referências

Modernidade liquida – Francisco Porfirio

Princípio do prazer versus princípio da realidade em contos infantis.

Estud. psicanalista. [online]. 2015, n.43, pp. 139-144. ISSN 0100-3437.-

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Breaking Bad: a evolução do declínio humano

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O universo cinematográfico tem investido pesadamente em séries que narram histórias reais de personagens de índole, no mínimo, duvidosas. Cada vez mais as séries e filmes em que se têm os vilões como protagonistas caíram no gosto dos telespectadores.

Uma série de televisão que deixou sua marca na história, por glamourizar o estilo de vida criminoso foi Breaking Bad. Lançada em 2008, contando com 05 (cinco) temporadas, a série de Vince Gilligan narra momentos da vida de um brilhante professor de química de uma escola de Albuquerque, Novo México, que se envolve com tráfico de Metanfetamina.

Walter White (Bryan Cranston), pai de família, um brilhante químico, conhecido por seus princípios éticos profissionais, sempre trabalhou honestamente para conseguir seu sustento. No início da história, White possui uma dupla jornada de trabalho, como professor e funcionário de uma empresa de Lava Jato, para garantir a subsistências de seus familiares.

Acontece que White já não dispõe de boa saúde, descobre que possui câncer de pulmão e que teria somente 18 meses de vida. Essa descoberta o leva a ter diversas preocupações, principalmente em como ficaria a vida de seus familiares após sua partida.

Fonte: encurtador.com.br/loAKT

Consciente de sua morte iminente, White busca encontrar meios de garantir renda para sua família e, certo dia, em uma confraternização de familiares, enxerga a oportunidade de levantar uma grande quantia em um curto espaço de tempo: traficando uma droga que possui um poder destrutivo e viciante gigantesco, a metanfetamina.

Apesar de ser um brilhante químico, Walter não conhecia o submundo do crime, mas sua inexperiência não o impediu de seguir com seu plano. Com a ajuda de um ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), White começa a construir um império e passa a se intitular de Heisenberg – uma homenagem a Werner Karl Heisenberg, físico alemão ganhador do Nobel Física de 1932 “pela criação da mecânica quântica, cujas aplicações levaram à descoberta, entre outras, das formas alotrópicas do hidrogênio”.

Heisenberg atraiu muito dinheiro e muitos problemas. Os espectadores acompanharam a transformação de um humilde professor que tinha certeza de sua morte em um traficante extremamente perigoso que passa a ter prazer naquilo que faz.

Essa transformação do personagem pode ser observada, nos ensinos de Carl Gustav Jung (Psicologia Analítica), como uma aproximação sucessiva com o lado destrutivo da sombra. Para essa abordagem, a sombra faz parte de todos os indivíduos, faz parte dos instintos que mais desejamos controlar (raiva, medo, ódio, luxúria, inveja etc.). Pode ser interpretada como a parte obscura da psiquê, entendida como o lado negativo de cada indivíduo, algo complexo e dotado de vitalidade autônoma.

Fonte: encurtador.com.br/qFIO3

Com Heisenberg a história não é diferente, momentos decisivos de conflito interno vão dando indícios de sua personalidade oculta se aflorando. Sua ambição financeira, seu desejo pelo poder, sua arrogância e complexo de superioridade. Todas essas características são apresentadas de forma sutil, até que somos surpreendidos com um diálogo do personagem com sua esposa, Skyler White (Anna Gunn), que estava preocupada com sua segurança e de sua família:

“Não estou em perigo, Skyler, eu sou o próprio perigo. Se baterem na porta de um homem e derem um tiro nele, vocês irão pensar que eu sou este homem? Não! Eu sou o que bate na porta.” (Episódio 06, Temporada 04).

O personagem nos traz diversas reflexões sociais, algumas interpretadas de forma errônea, mas, para o estudo psicológico, percebe-se não só a mudança comportamental, mas a exposição daquilo que o próprio indivíduo ocultava de seus pares.

Na Psicologia Analítica, semelhante à psicanálise, há subdivisões do inconsciente. Entre elas, há o inconsciente coletivo, no qual pode-se afirmar que “habita” as sombras, pois essa parte representa os instintos e desejos de que todo ser humano tem e que são observados por sonhos, alucinações ou outras manifestações humanas. Esse processo culmina no termo arquétipo, no qual representa uma figura simbólica sobre um dado grupo ou comportamento humano.

Fonte: encurtador.com.br/zEVX1

Walter White, nos primeiros momentos da série, demonstra e apresenta controle emocional e um contato mínimo do self, como um cidadão americano exemplar em todos os aspectos.

Contudo, no decorrer dos episódios, percebe-se que ele estava aos poucos dominado pela Sombra, apenas vivia a mercê de seus desejos, sem controle ou algum tipo de critério regulador. Isso culminou na manifestação de contravenções, fruto de comportamentos muitas vezes reprimidos e guardados no inconsciente que desafiam leis moras e que perturbam o indivíduo.

Nesse contexto, é possível inferir também que o protagonista vivenciou vários complexos, pois no decorrer da série foi possível observar profundos conflitos entre dilemas morais e desejos reprimidos do inconsciente.

REFERÊNCIAS

NORONHA, Heloisa. Todos temos um “lado sombra” da personalidade: o que é e como lidar com ele. Portal de Divulgação Científica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Publicado em 15 set 2020. Disponível em: < https://sites.usp.br/psicousp/todos-temos-um-lado-sombra-da-personalidade-o-que-e-e-como-lidar-com-ele/>, Acesso em 22 ago 2021.

LEVY Edna G. Sombra. Disponível em: < https://www.jogodeareia.com.br/psicologia-analitica/sombra/>, Acesso Em: 22 ago 2021.

LUIS, Alexandre Fernandes Ogasawara. A sombra na contemporaneidade: o impacto dos conteúdos sombrios no processo criativo na disciplina de Projeto de Produto do curso de Design. São Paulo, 2014. 43p. Monografia (Especialização em Psicologia Junguiana). Faculdade de Ciências da Saúde- FACIS.

PERIPOLLI, Monica Silveira. A química de Walter White: construção do anti-herói na narrativa de Breaking Bad. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Departamento de Comunicação Social. 2015. Disponível em < https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/1778/Peripolli_Monica_Silveira.pdf?sequence=1&isAllowed=y>, Acesso em 22 ago 2021.

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Sessão de Terapia – Nando: impotência sexual como inibição

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Sessão de Terapia é uma série brasileira, um drama televisivo original da Globo Play, dirigida e estrelada por Selton Melo. A produção lançada em 2012, ilustra bem o que seria um consultório de psicanálise e acompanha a rotina de um analista e seus analisandos.

A série tem relevante valor pedagógico para os estudantes de psicologia e psicanálise pois as histórias descritas descrevem, muitas vezes, os abstratos e desafiadores conceitos e institutos da obra freudiana entre os quais: transferência; complexo de édipo; inibição sintoma e angústia.

No presente texto apresentaremos uma proposta de como o caso Nando, retratado na 4ª temporada da série, pode ser utilizado para facilitar a compreensão da inibição sexual em Freud.

Nando é um personagem complexo que traz ao telespectador diversos conteúdos relevantes para o estudo e o tratamento dos sofrimentos emocionais na atualidade.

O analisando/paciente é apresentado como sendo um executivo de multinacional, muito bem-sucedido na carreira, que vem apresentando um curioso problema de disfunção erétil, impotência sexual, que por meses o impedira de manter relações sexuais com sua esposa Maria Lúcia.

Para esclarecer a queixa ilustrada, a série indica que as dificuldades de ereção estariam limitadas à específica relação com a esposa, apontando que Nando haveria afastado sintomas físicos após consulta a um urologista, bem como, que este estava apto para outras formas de satisfação sexual (masturbação e até sexo com outras mulheres).

Fonte: encurtador.com.br/cpCH6

Não havendo causas físicas, ou patológicas, coube a ele buscar apoio profissional para um possível sofrimento psicológico que levava a uma limitação na sua função sexual.

O caso Nando ilustra o conceito freudiano de inibição e, ainda, a distinção proposta pelo autor entre inibição, sintoma e angústia no seu texto de 1926.

Ao propor a psicanálise como cura pela fala, Freud, tinha a linguagem como instrumento e a livre associação como metodologia. Para o autor, deste modo, era relevante indicar as distinções conceituais entre significantes próximos que pudessem gerar confusão acerca de fenômenos parecidos, porém distintos.

Deste modo, a teoria freudiana trata a inibição como a restrição de uma função do corpo, mas que não significa necessariamente algo patológico. Deixando os conteúdos patológicos ligados ao conceito de sintoma (FREUD, p.14).

No texto de 1926, Freud esclarece que “a função sexual está sujeita a muitos transtornos, a maioria dos quais tem o caráter de inibições simples”. (FREUD, p.14). Estas inibições são classificadas como impotência psíquica e, no homem, seria possível identificar os seguintes estágios, além dos distúrbios de natureza perversa ou fetichista:

O afastamento da libido no início do processo (desprazer psíquico), a ausência da preparação física (falta de ereção), a abreviação do ato (ejaculatio praecox), que também pode ser descrita como sintoma, a interrupção do mesmo antes do desfecho natural (ausência de ejaculação), a não ocorrência do efeito psíquico (da sensação de prazer do orgasmo) (FREUD, p.14).

Fonte: encurtador.com.br/bcfFI

O pai da psicanálise inova ao apontar a ligação entre a inibição, falha da função e a angústia, sofrimento emocional de ordem inconsciente. Para ele, “várias inibições são claramente renúncias à função, pois o exercício desta produziria angústia”.

No seu texto, Freud nota que procedimentos bastante diversos podem perturbar a função, inclusive a função sexual e destaca dentre eles: o afastamento da libido; a piora no cumprimento da função; a dificuldade desta pelo desvio para outras metas; sua prevenção através de medidas de segurança; sua interrupção mediante o desenvolvimento da angústia, quando seu começo não pode mais ser impedido; e, por fim, uma reação a posteriori, que protesta e busca desfazer o acontecido, se a função foi mesmo realizada (FREUD, p.16).

No caso do personagem Nando, em Sessão de Terapia, o desenrolar dos episódios leva a audiência a constatar que uma causa inconsciente para a queixa inicial. A mudança de status de Maria Lúcia no contexto do casamento, que deixou de ocupar o ideal de esposa e mãe submissa muito associada à memória que Nando tinha da própria mãe dele, passando a ganhar mais do que ele, tornando-se uma palestrante e escritora famosa internacionalmente e, ainda, respeitada militante pelo direito das pessoas negras, haveria dado causa a um desejo inconsciente de não fazer sexo com ela e, com isso puni-la, além de ter provocado crise de masculinidade.

Durante as 6 sessões programadas para o personagem, o público vai acompanhando os esforços do analista de promover espaços de fala e livre associação que oportunizassem a Nando reconhecer sua angústia de ser superado por sua esposa em termos profissionais e ressignificar sua posição de masculino construída à luz dos exemplos obtidos ao observar a relação conjugal dos pais na infância, para, com isso, recuperar a funcionalidade plena da sua atividade sexual.

Por fim, vale destacar a relevância deste personagem para os estudos da influência de questões raciais na prática da psicologia e psicanálise. Isso porque, Nando é um homem negro cuja angústia passa pela necessidade de ressignificar o que é ser homem, revisando conceitos machistas, e o que é ser negro, revisando a reverberação inconsciente de experiências de racismo na psique do sujeito e, na construção da sua expressão de masculinidade.

Fonte: encurtador.com.br/cpCH6

FICHA TÉCNICA

Sessão de Terapia

Ano produção: 2012
Dirigido por: Selton Melo
Gênero: Drama

Referência:

FREUD, Sigmund. Obras Completas Volume 17, Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos. (1926/1929). Tradução Paulo Cesar de Souza. 1ª Edição. Companhia das Letras. 2014.

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O processo de individuação representado na simbologia dos chakras: uma visão analítica

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Ao longo de seus anos de estudo e após um vasto investimento financeiro, o psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961) adquiriu poderoso e extenso conhecimentos antropológicos acerca de uma variedade imensa de culturas espalhadas pelo mundo. Tudo isso contribui para fomentar a base do trabalho de sua vida, que viria a se tornar a Psicologia Analítica. Para além do Inconsciente pessoal Freudiano, Jung (2018a) acreditava que havia uma instância psíquica em comum a todos os seres humanos, em nosso DNA, e que isso trazia a cada indivíduo, embutido no que tange de mais profundo em cada um, resquícios psíquicos simbólicos do passado mais longínquo e primitivo do ser humano.

Ao esmiuçar a prática analítica clínica, é possível constatar como os variados estudos do autor influenciaram sua percepção de mundo. Em seu livro “Jung e o caminho da individuação: Uma Introdução concisa”, Murray Stein (2020) expõe claramente que Jung não propunha apenas mais um tipo de tratamento, mas na verdade uma jornada de autoconhecimento que muitas vezes, a depender da vida pessoal e conflitos do indivíduo que a busca, pode ter proporções homéricas. E o final dessa jornada analítica culmina no que foi denominado pelo autor de Individuação, que é o mais próximo do autoconhecimento máximo que se poderia chegar.

Os povos indianos em sua ancestralidade carregam consigo o conceito da reencarnação natural e cíclica. O hinduísmo acredita que ao morrer a Roda de Samsara te mantém no ciclo quase infinito de nascimento, envelhecimento e morte – e é dito quase porque existe uma maneira de escapar de tal roda, através da Iluminação do espírito; o aprendizado máximo com cada vida vivida (ANDRADE; APOLLONI, 2010).

Essa crença se estende aos Budistas, Hinduístas e Jainistas, e curiosamente viria a ser inspiração para diversas vertentes filosóficas e teóricas, incluindo o próprio Jung. A maneira como a Individuação e a Iluminação se constituem é análoga, e é nesse ponto em comum que a relação de Jung com as mais diversas culturas mostram que sua compreensão acerca do ser humano é única (STEIN, 2020). Sua inserção nas mais variadas culturas e práticas possibilitou adquirir uma visão de homem ser humano plural.

Neste trabalho, outros pontos da cultura indiana estarão frente a frente com aspectos da psicologia analítica – mais especificamente o que diz respeito a meditação e os chakras corporais, outro elemento fundamental na vida do indivíduo que está imerso por essa parte da cultura hindu. A intenção desta dissertação é trazer luz sobre a intersecção adequada entre a psicologia analítica, a prática clínica e seus elementos, com a cultura dos chakras e da meditação.

Fonte: encurtador.com.br/wWYZ9

BREVE CONCEITUAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

Uma personalidade unificada e ao mesmo tempo única, a qual parte de um desenvolvimento psíquico, é o que Jung chamaria de processo de individuação (STEIN, 2000). Neste, o indivíduo “torna/realiza o si-mesmo”, ou seja, a porção mais singular, íntima e indivisível de si. O que difere de ser “egoísta” ou “individualista’’, como alguém ensimesmado, onde não há consideração ou interesse em outras pessoas. Pois, na individuação, as qualidades únicas acessadas são, necessariamente, convidadas a serem integradas no mundo externo (JUNG, 2008).

Este processo ocorre de forma inconsciente e espontânea, pois faz parte de um impulso inato do ser humano. Porém, só é concretizado se vivido de maneira consciente e se  o indivíduo tiver uma ligação ativa com esse desenvolvimento (FRANZ, 2019). Por isso, é possível e comum não alcançar esse processo. Muitas pessoas, inclusive, aparentam ter uma vida social e profissional de sucesso, porém sem a profundidade e integração que o processo de individuação proporciona (STEIN, 2000).

No pior dos casos nesse caminho de tornar-se si-mesmo, o indivíduo conseguirá aceitar sua neurose e encontrar o sentido à partir do sintoma, ou seja, o que adoece contém em si a própria cura, pois o sintoma é uma tentativa inconsciente de mostrar que a pessoa desviou-se do seu processo de individuação (JUNG, 1998). Já a individuação completa carrega o atributo de durabilidade, imortalidade e de atemporalidade. Essa experiência era o que os místicos denominavam como uma experiência com Deus ou com o Divino (JUNG, 2017).

Então, no decorrer desse processo e para que ele ocorra, o arquétipo do Self ou Si-mesmo se manifesta ao ego (SCHWARTZ-SALANT, 1982). O Self é então o centro unificador da personalidade, ele abrange tanto o inconsciente (pessoal e coletivo) quanto o consciente, ou seja, ocupa de forma total a estrutura da psique (SAMUELS; SHORTER; PLAUT, 1988). Esses conteúdos podem despontar no ego de forma organizada e processual como também podem irromper de maneira a desestruturar o centro regulador da consciência (SCHWARTZ-SALANT, 1982).

No entanto, por mais que seja preciso que o ego faça uma aproximação com o Self para que ocorra o processo de individuação, não é possível incorporar por completo este arquétipo, pelo fato de ter conteúdos vastos, os quais a consciência humana não consegue abarcar. Então, essa aproximação e do ego ao Self, ou seja, a tentativa de integrar e reconhecer o Si-mesmo na consciência ocorre de forma contínua, durante uma vida inteira (SAMUELS; SHORTER; PLAUT, 1988).

Para tanto, além da extensão espiritual do Self, este também é presente na matéria, ou seja, no próprio corpo. Assim como Jung (1998) amplia o conceito no Seminário 4 de Zarathustra, o espírito é delimitado pelo corpo e só pode ser expresso por este também. O próprio significado da matéria/corpo é a terra, isto é, aquilo que é palpável e concreto. A pessoa que se distancia do próprio corpo, perde contato com esse “chão” e se perde no espírito. As consequências disso, podem ocasionar em negligências às necessidades corporais e a perda da identidade, uma vez que, um espírito sem delimitações (o corpo), pode ser qualquer coisa. É isso que ocorre, por exemplo, nas “participações místicas” ou efeito de massa, ou seja, quando a pessoa se perde da consciência do próprio corpo e se dissolve no coletivo.

Portanto, a realização do Self e em consequência, do processo de individuação, não ocorre fora do espírito e da matéria. Sendo assim, vê-se necessário ampliar as concepções do cuidado e percepção do corpo na prática clínica, uma vez que, vemos uma grande atenção voltada para o espírito e pouca para a matéria. Posto isso, no próximo tópico trataremos de expandir o entendimento sobre o corpo e seu simbolismo que é muito presente na cultura oriental.

Fonte: encurtador.com.br/rEGI6

CULTURA HINDU E OS CHAKRAS

Originada na língua sânscrita, a palavra chakra quer dizer “roda”, estes seriam pontos de concentração e convergência da energia vital nos seres humanos, sendo sete no total. Por meio de muita disciplina, treino intenso e através da meditação o indivíduo seria capaz de dominar o fluxo da energia vital através do seu corpo, canalizando-a nos chakras (COSTA; BASTOS, 2020). Seus nomes e localizações na tradição indiana são:

1 – Muladhara (Final da espinha dorsal, entre o anus e a genitália, na área do períneo), 2 – SvadhistHana (4-6 cm abaixo do umbigo, ao nível do osso púbico), 3 – Manipura (5-7 cm acima do umbigo, plexo solar), 4 – Anahata (no centro do thorax), 5 – Vishuddha (base do pescoço, timo), 6 – Ajna (no centro do cérebro, epífise), 7 – Sahasrara (topo da cabeça, vértex). (PRIYA; RAJESH, 2011, p. 78-79, tradução livre)[1]

Pode-se dizer então que seriam os pontos de concentração do que se entende por energia vital – é o deslocamento, a concentração e a maneira como o indivíduo faz a gestão desta que vai determinar alguns aspectos de sua vida. Essa energia pode ter vários nomes a depender da cultura, “na Índia, esta força tem a designação de prana, na China, de chi; os pitagóricos chamam-lhe luz corporal brilhante; e, na Idade Média, Paracelso falava do illiaster, a força vital” (MARTIN, 2020, p.780). Entretanto, esse conceito de energia é familiar para as psicologias profundas e a Psicanálise.

Tudo isso poderia ser visto como uma metáfora para o inconsciente, observe o caso da Psicologia Analítica em seus apontamentos para com a alquimia. Na concepção do método analítico funciona como uma alegoria no que se refere aos conteúdos psíquicos do alquimista; este que, como o terapeuta no setting, aquece com o fogo transformador o vaso alquímico – representado ali na figura do paciente – e provoca neste a mudança do estado físico do que quer que haja dentro, movimentando assim a libido (JUNG, 2018b).

Os chakras como pontos de convergência concentram a prana que passa, num movimento ascendente, da base da coluna em direção a parte superior do sistema nervoso central (SNC). Quem medita tem a intenção de se colocar em um estado alterado da consciência (EAC) e estimular a passagem dessa energia por seu corpo; na alegoria hindu para a meditação Kundalini:

é uma deusa serpente que dorme na base da coluna vertebral enrolada 3 vezes ao redor do primeiro chakra, aguardando a expansão. Quando ela é acordada, (…) ela se desenrola e sobe através do centro do corpo, espetando e despertando cada chakra conforme ela sobe. Quando ela alcança o topo, ou o chakra Coronário, então todos os chakras foram abertos e diz-se que a pessoa atingiu a iluminação. (JUDITH, 2004, p.12)

Em ambas as representações podemos notar que em um ponto comum está a movimentação da energia psíquica interna – a libido, em linguagem moderna – se direcionando a um processo que se embasa na autopercepção e no autoconhecimento; para o artífice alquimista, o estado de rubedo, o ouro, o elixir; para o praticante da meditação, a iluminação, representada pela Lótus em imagens ancestrais orientais. Em ambos os casos o indivíduo trabalha seus conteúdos internos de uma maneira a facilitar e promover a sua cura interna, e é aí onde a psicologia pode vir de encontro a sabedoria oriental.

Fonte: encurtador.com.br/ftFU4

RELAÇÃO DOS CHAKRAS COM O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO E O CORPO NA CLÍNICA ANALÍTICA

Em busca de explicações para sonhos que uma paciente de vivência oriental tinha, Jung passou a se aprofundar na cultura oriental e se deparou com o livro O Poder da Serpente de Arthur Avalon. Este levanta, de forma detalhada, a simbologia dos chakras e seus significados para o oriente. Foi então que Jung percebeu a riqueza de simbolismos e o quanto a teoria do despertar da kundalini, pela ativação dos chakras, se aproximava do seu conceito de processo de individuação (WACKER, 2010).

Este paralelo começa a ser destrinchado pelo primeiro chakra, o Muladhara, ou seja, onde inicia-se o processo para o contato com o transcendente. Neste, contém em si o contato com o ego e a segurança com as causalidades terrestres. O indivíduo que tem a energia concentrada nesse chakra, não expande para além das percepções do ego e se torna submisso ao inconsciente, aos instintos, aos impulsos e à “participação mística” ou comportamento de massa. Ao despertar a energia da Kundalini, que se concentra nesse chakra, o ego tem a oportunidade de começar a se relacionar com o Self, o que dá início ao próprio processo de individuação. Pois, com esse enraizamento pessoal, o ego percebe que há forças ou propósitos dentro de si maiores que seu conhecimento consciente (MEDEIROS,2017).

Se o primeiro chakra é um despertar para uma consciência mais profunda, o segundo – SvadhistHana, para Jung (1996) é a continuidade desse processo através da entrada no inconsciente. Então, nesse chakra que, simbolicamente, representa o elemento água, o autor faz uma comparação com o mar que também é uma representação do inconsciente. Então, o despertar, necessariamente, passa pelo caminho das profundezas da água (ou inconsciente) e, desse batismo, o indivíduo pode ser engolido pelo monstro que ali habita, pode se afogar mas, também pode renascer desse mergulho.

Caso a pessoa passe pelas profundezas e renasça das águas do inconsciente, ela entra no próximo chakra, o Manipura, também chamado de “plexo solar”, o qual representa o elemento fogo, este simboliza a energia criadora da luz solar e também o fogo destruidor. Após o contato com o inconsciente ambienta-se com as características que habitam nesse terceiro chakra, que são: as emoções, desejos, paixões, poder, impulsos e até os demônios internos. O indivíduo, então, passa a conhecer sua “nova” identidade, simbolizando uma mudança de consciência (JUNG, 1996).

Após passar pela intensidade das emoções, o próximo chakra – Anahata – é atingido. Nele, o indivíduo não se identifica mais com as emoções e desejos, o que o leva a um olhar mais apurado, um olhar que consegue enxergar o Eu por de trás da explosão das emoções e dos objetos externos, aqui, se tem mais contato com a realidade interna através da razão, mas também dos sentimentos. Sendo assim, o elemento que o representa é o ar, o qual também simboliza o pensamento. Então, na região do tórax, o que inclui o coração e os pulmões, marca o primeiro encontro com o Self, ou seja, o verdadeiro Eu (JUNG, 1996).

No quinto chakra, o Vishuddha, é onde começa a ficar mais complexo o entendimento para a cultura oriental, pois ele representa a segurança de se confiar em uma realidade não material. É o ponto onde atinge-se o corte entre as polaridades, ou seja, da realidade interna e externa. Na saída de Anahata para Vishuddha, o indivíduo desaprende que seus pensamentos e emoções devem ter uma base em objetos concretos e passa a entender que eles existem por si sós, que tudo faz parte de uma unidade psíquica, de um todo. Já no sexto chakra, o Ajna, é estar de fato nesse todo, já não existe dualidade, pois os dois lados viraram uma coisa apenas, pode-se dizer que, aqui, a pessoa já age de acordo com a força do Self. E, por fim, o último chakra, o Sahasrara, é o mais alto estado de gratitude, onde atinge-se o nirvana, não é necessário elaborar as questões inconscientes, pois tudo já está integrado (WACKER, 2010).

Jung ao elaborar todo esse estudo comparativo, percebeu que seria perigoso para o mundo Ocidental se apropriar das práticas orientais de iluminação, uma vez que, esta filosofia estava muito distante da vivência e de difícil assimilação para o ocidental. Na sua concepção, o ocidental se aproximaria dessas práticas através do cristianismo, por conter a raiz filosófica desse lado do mundo para o transcendente, sendo assim, Jung, em sua época, não recomendava a prática do Ioga Kundalini para a população Ocidental (JUNG, 2013).

No entanto, principalmente devido a globalização, hoje já é possível o ocidental se aproximar das práticas orientais, sendo mais comum o conhecimento e prática sobre a Ioga e meditação. Pensadores como Wacker (2010) defendem que as ferramentas do Ioga Kundalini podem ajudar o ocidental a acessar partes do seu inconsciente antes inacessadas e iniciá-lo ao seu processo de individuação, a eficácia dependerá de vários fatores como a estrutura do ego, os mecanismos de defesa, os traumas vividos e etc.

Na clínica analítica, o corpo também tem uma dimensão simbólica, onde os sintomas físicos revelam por si mesmos a cura e o mito pessoal que o indivíduo está vivenciando (ROTHENBERG, 2004). Pois, além da base psíquica, o Self tem sua dimensão corporal, então a expressão de complexos, além de dialogarem com a estrutura psíquica, também se expressam no corpo, através de mudanças sutis ou sintomas mais profundos (RAMOS, 2006).

Fonte: encurtador.com.br/mnHL1

CONCLUSÃO

Portanto, pode-se dizer que as doenças e mudanças corporais são sinais do Self de que o indivíduo se distanciou ou está fixado em uma etapa do processo de individuação. Sendo assim, na experiência clínica, também pode ser de preocupação do psicólogo/a o olhar sob o corpo e os sintomas físicos, além de que, pode-se usar de práticas corporais como ferramentas no processo terapêutico e de individuação.

A interpretação de Jung sobre os chakras dentro da filosofia do Ioga Kundalini nos remete a uma interpretação que se assemelha ao processo de individuação e uma possibilidade de pensar o corpo como um agente de transformação. Vale ressaltar, também, a utilidade da psicossomática para inserir o corpo na clínica analítica e das novas visões de autores ocidentais que defendem a aproximação, a certa medida, das práticas orientais como mais uma opção de alcançar a iniciação no processo de individuação.

Referências

ANDRADE, Joachim; APOLLONI, Rodrigo Wolff. Dos ciclos da natureza à roda de Samsara: a geografia na raiz do budismo. Interações: Cultura e Comunidade, v. 5, n. 8, p. 63-78, 2010.

COSTA, Daniel Lula; BASTOS, Rodolpho Alexandre Santos Melo. Usos do passado nos animes japoneses: a presença de imagens míticas das deusas da destruição e do mito dos irmãos, em Naruto Shippuden. Tempos Históricos, v. 24, n. 2, p. 487-510, 2020.

JUNG, Carl Gustav. A Prática da Psicoterapia. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

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[1] Texto original: 1-Muladhara (Spine ending between anus and genitals, perineum area), 2-Svadhisthana (4-6 cm below the navel, at pubic bone level), 3-Manipura (5-7 cm above the navel, solar plexus), 4-Anahata (thorax centre), 5- Vishuddha (base of neck, thymus), 6-Ajna (the centre of brain, epiphysis), 7-Sahasrara (top of the head, vertex). (PRIYA; RAJESH, 2011, p. 78-79)

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Caso pequeno Hans – Sintoma ou Inibição?

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A inibição é considerada um processo relativo às funções do ego, e isso não é necessariamente algo patológico,logo, podemos dar o nome de uma função a uma restrição normal da mesma. Ao contrário do sintoma que apresenta essa conotação relacionada a doença, o que define assim a diferença entre sintoma e inibição. O sintoma é um “fenômeno subjetivo que constitui, para a psicanálise, não o sinal de uma doença mas a expressão de um conflito inconsciente” (Meira, 2004, p.1 apud Chemama, p.203). É algo mais complexo, ele pode se manifestar em ações indesejadas e que acabam gerando angústia ou desprazer, podendo afetar o indivíduo durante toda a vida.

No caso do pequeno Hans, Freud explica que a criança possui conflitos psíquicos, as relações do processo de recalcamento e da castração, auxiliaram na aquisição de sua fobia. A incapacidade de sair de casa para outros ambientes externos, é uma demonstração de inibição. Já o medo de Hans, em ser mordido por cavalos, é uma demonstração do sintoma fóbico.

Fonte: encurtador.com.br/qzFV6

Dessarte, a autora traz um axioma sobre a forma como a Psicanálise discute o sintoma, o que é basicamente um conceito, sob as evidências da linha teórica de Freud, expressamente argumentado através do caso da fobia do pequeno Hans. Assim, segundo escreveu Meira (2004), Freud evidencia que o sintoma é tecido pelos processos de deslocamento e condensação, sendo a escolha do cavalo um traço decorrente das brincadeiras de Hans com o pai e ao mesmo tempo relacionado à pulsão reprimida de hostilidade contra este.

Logo, há uma enfatização sobre o fato de o deslocamento refere-se ao processo metonímico, enquanto a condensação se refere ao processo metafórico.

Dessa forma, o artigo também faz entender-se a conceituação de sintoma sob a ótica da teoria Lacaniana, como sendo linha metafórica e subjetivante, seja como formação clínica ou estrutural. Por isso, cabe ao indivíduo estabelecer um caminho para guiá-lo para uma existência que coexiste harmonicamente com seus sintomas. Com a dor, seu motor criativo, transbordando, descobrimos os sintomas psicopatológicos e, diante dela, a clínica se mostra como possibilidade de intervenção. Não fazendo com que o sintoma desapareça, mas dando lugar à palavra, uma vez que a própria Psicanálise atribui poder terapêutico às palavras, chamando essa prática de associação livre.

Referências

Inibição, sintoma e Angústia – S.Freud – Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Espanha, 1973.

Análise da Fobia de uma criança de quatro anos – S.Freud Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Espanha, 1973.

MAIA, Aline Borba; MEDEIROS, Cynthia Pereira de; FONTES, Flávio. O conceito de sintoma na psicanálise: uma introdução. Estilos clin.,  São Paulo ,  v. 17, n. 1, p. 44-61, jun.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  04  jun.  2021.

MEIRA, Ana Marta. Reflexões sobre o sintoma na psicanálise. Disponível em: https://www.ufrgs.br/psicopatologia/anamartameira.pdf. Acesso em: 04 jun. 2021.

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