Masculinidade: um debate iminente

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Recentemente o cantor Tiago Iorc lançou uma música intitulada “Masculinidade”. A letra traz confissões e desafios impostos a ele como homem na cultura e sociedade ocidental contemporânea. A letra levantou temas muito relevantes e pertinentes a discussões, como o consumo da pornografia, o machismo enraizado nas relações afetivas, assim como o patriarcado como estrutura de poder para marginalização de grupos já excluídos socialmente, como as mulheres, e a supremacia masculina.

Contudo, o público feminino destacou o agravo e “erros” contidos na música, pois o artista, segundo o público feminino, converte o abusador em potencial em uma suposta vítima, se esvaziando de toda e qualquer responsabilidade sobre seus atos. Dessa forma, é importante salientar que, para discorrer sobre masculinidade, é preciso discutir paralelamente sobre feminilidade e o movimento feminista.

Durante muitos séculos, a referência anatômica masculina serviu de parâmetro para referenciar as mulheres, que eram consideradas “homens invertidos”, pois no lugar do órgão genital peniano estava a vagina e os ovários seriam os testículos. Logo, a existência feminina não existia se não fosse a referência masculina. Isso foi denominado como monismo sexual, que é um só modelo de identidade e gênero sexual e vigorou até uns séculos atrás (SILVA, 2000).

Fonte: Rafael Trindade / Divulgação Tiago Iorc

A partir disso a referência da perfeição estava na anatomia masculina e em sua estrutura fálica, que era a principal característica que o diferenciava dos demais corpos. Inversamente a isso, a anatomia feminina era algo frágil e inferior, o que era considerado muitas vezes profano e funcionava como uma espécie de “bode expiatório” dos desvios de conduta dos homens. Com isso, qualquer outra forma de manifestação e relacional estava atrelada ao modelo masculino, como o orgasmo, as formas de reprodução e o sexo (SILVA, 2000).

Uma sensível mudança começou a acontecer a partir do século XIX, que apresentou outro modelo sexual, não sendo apenas o masculino como molde de referência. Ou seja, a mulher não era apenas um homem invertido, mas um corpo diferente do homem que carregava responsabilidades, deveres e papéis sociais a serem cumpridos com a solidificação da burguesia capitalista e europeia (BOTTON, 2007).

Contudo, ainda não se tinha igualdade e/ou equidade de direitos e deveres em ambos os gêneros, pois a mulher ainda estava restrita ao ambiente privado, que era o lar e seus cuidados. Toda a estrutura social delimitou rigorosamente esses papéis, que eram muito bem definidos e deveriam ser executados a todo custo (CITELI, 2001).

Fonte: Imagem por rawpixel.com no Freepik

A masculinidade herdada dos séculos anteriores funcionava mais como uma performance sobre como ser homem, que era basicamente não ser mulher e muito menos homossexual. A sua identidade social assim como seu gênero requerem deste mesmo homem uma postura de perfeição em sua conduta na sociedade. Isto é, em meio a problemas e obstáculos do cotidiano, este homem deveria mostrar o melhor de si na melhor das hipóteses, como bravura, agilidade, esperteza, entre outras características que o endeusavam (NADER; CAMINOTI, 2014).

Essa era a concepção construída e mantida pela sociedade burguesa da masculinidade e o papel do homem na sociedade. Por conseguinte, não demorou muito até a conta vir, pois com as adversidades que este homem enfrentava, foi possível concluir que não era tão alcançável assim executar esse papel, de um super-homem. Logo, se tinham dois extremos, a mulher sufocada em suas demandas domésticas e na vida privada, sendo considerada inferior e o homem calcado às responsabilidades públicas sendo visto como o superior de tudo e todos (SILVA 2006).

Contudo, percebeu-se que paralelo a luta feminista e suas reivindicações sociais assim como suas conquistas, havia gradualmente a mudança dessa concepção doentia e tóxica da burguesia sobre a visão do homem. Isto é, este novo homem contemporaneamente já aceitava suas limitações e fragilidades, bem como mudanças na postura e comportamentos, pois já não vigorava mais a conduta de um deus e sim de um ser humano corruptível (BOTTON, 2007).

Fonte: Freepik

Mesmo este novo homem admitindo ser um ser humano falho, frágil assim como a mulher e com limitações, ainda não se sabe ao certo como definir a masculinidade, uma vez que a cultura e condutas sociais se transformam ao decorrer do marco histórico. Logo, a identidade de uma masculinidade homogênea fica ainda vaga e ao mesmo tempo em aberto recebendo novos conceitos e mutações, mas sem chegar a um consenso definitivo (SILVA, 2000).

Entretanto, mesmo havendo esta mudança profunda, ainda prevalece a visão burguesa na maioria das condutas sociais masculinas, de um homem forte, intocável e superpoderoso, além de esperar da figura feminina uma postura de submissão e servidão. Isso dá margens a comportamentos de desvio de conduta, como o feminicídio, pois quando um homem não aceita certa decisão vinda de uma mulher, é capaz até mesmo de matá-la (SCHARAIBER, 2012).

Isso notadamente provém de uma cultura que cultua o falo, e não a subjetividade, e alicerçada pelo patriarcado e machismo, o produto nada mais seria que um homem com a certeza de que pode tudo, principalmente no corpo e atitudes da mulher. E muitas vezes esse homem é reforçado e amparado socialmente, desde às instituições sociais até aos seus pares comuns (SCHARAIBER, 2012).

O que fica de reflexão é: como esse homem na sociedade se vê e o que pode ser feito para enfim reafirmar sua identidade sem ser de forma doentia e/ou violenta? Sabe-se que espaços terapêuticos desempenham uma ótima função na escuta ativa e na melhora de problemas, mas até a busca por aderência do público masculino pode encontrar dificuldades, pois “falar demais” é considerado uma característica feminina e consequentemente, inferior.

Fonte: Divulgação campanha contra a violência do governo do estado.

REFERÊNCIAS

BOTTON, F. B. As masculinidades em questão: uma perspectiva de construção teórica. Revista Vernáculo, n. 19 e. 20, 2007.

CITELI, M. T. Fazendo diferenças: teorias sobre gênero, corpo e comportamento. Revista Estudos Feministas, v. 9, n.1, pp-1-15, 2001.

NADER, M. B.; CAMINOTI, J. M. Gênero e poder: a construção da masculinidade e o exercício do poder masculino na esfera doméstica. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH-RIO: SABERES E PRÁTICAS CIENTÍFICAS. XVI, 2014, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro: Apuh-Rio, 2014. Disponível em: http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400262820_ARQUIVO_Generoepoderaconstrucaodamasculinidadeeoexerciciodopodermasculinonaesferadomestica.pdf. Acesso em: 18 nov. 2021.

SCHRAIBER, L. B. et al. Homens, masculinidade e violência: estudo em serviços de atenção primária à saúde. Revista Brasileira de Epidemiologia, v.15, n.4, pp-790-803, 2012.

SILVA, S. G. A crise da Masculinidade: Uma Crítica à Identidade de Gênero e à Literatura Masculinista. Psicologia: ciência e profissão, v.26, n.1, pp.118-131. 2006.

SILVA, S. G. Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre os sexos. Psicologia: ciência e profissão, v.20, n.3, pp.8-15. 2001.

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Características psicológicas da Geração Floco de Neve

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Quando falamos de floco de neve logo nos vem em mente não só sua beleza, mas também sua fragilidade e vulnerabilidade, e essas duas características são as que definem pessoas que atingiram a fase adulta na década de 2010. A “geração floco de neve” (“snowflakes”), “milênio” (“millenial”) ou geração “Y”, é uma geração formada por pessoas extremamente sensíveis em pontos de vista que desafiam sua visão de mundo, jovens adultos que se acham melhores e mais especiais que os outros e são tratados como flocos de neve, pois “derretem” com muita facilidade.

Essa expressão teve origem no filme Clube da Luta, quando Brad Pitt fala “vocês não são especiais, não são um floco de neve, o único, o singular. Vocês são feitos da mesma matéria de que vai se decompor como todo mundo”. Essa geração geralmente tem a atitude de filtrar e só permitir entradas de opiniões que não irão ferir sua sensibilidade tendo como suas possíveis consequências à preparação de mentes frágeis do ponto de vista da saúde mental e maus profissionais para o mercado, já que sempre vai existir a diversidade de pensamentos e comportamentos entre as pessoas.

O fato de se achar especial e melhor que os outros acabam deixando o jovem muito mais vulnerável, segundo a psicóloga Jean Tweng, geralmente essas pessoas crescem em famílias onde qualquer atitude da criança os pais já o tratam como se fosse diferente dos outros, ela dá como exemplo uma criança que faz um traço em um papel e seus pais já trata como se fosse Picasso, a criança vai crescendo com muita pressão vinda das pessoas ao seu redor, tanto para sobrevivência financeira quanto para suas ações, que devem ser sempre extremamente legais, amáveis e corretos, havendo assim certo determinismo sócio histórico pressionando e fazendo com que essas crianças cresçam como uma grande projeção narcísica dos pais, que sempre se enchem de expectativas sobre os filhos, imaginando e criando assim uma personalidade que seus filhos devem seguir.

Segundo Luiz Felipe Pondé o crescimento das expectativas dos pais de hoje está ligado a diminuição do número de filhos, pois com o passar do tempo houve essa diminuição e isso consequentemente acabou fazendo os pais colocarem todas suas expectativas e neuras em uma criança.

Estes Jovens acabam se tornando super dependentes dos pais, demoram mais a sair da casa dos pais e ao saírem acabam afundando uma parte de sua vida, já que geralmente ganham menos que seus genitores, tendo relacionamentos líquidos por terem dificuldade e medo do desejo, pois ao entrar em um relacionamento longo começam a lidar com pessoas reais (o que é uma das maiores dificuldades dos jovens), e cada vez menos querem ter filhos, já que será uma responsabilidade muito grande cuidar e bancar um filho. Ao sair de casa o jovem precisa trabalhar, agir como adulto, tendo cada vez mais que se preocupar com as coisas ao seu redor, não podendo depender ou correr para seus pais no primeiro problema a sua frente.

Fonte: Freepik

Como dito, na visão da chamada geração floco de neve, as pessoas se negam as frustrações da vida cotidiana, buscando sempre estarem em suas zonas de conforto, na “mesmice” não a espaço para novas experiências e, portanto novos possíveis fracassos. A humanidade deveria rumar à alteridade, a capacidade de reconhecer e conviver com o diferente e a diversidade, pois este é um belo caminho para evolução.

Atualmente as redes sociais tem sido um mecanismo de espaço de fuga para expressão da geração floco de neve. Nesse espaço virtual é cada vez mais fácil fazer comparações surreais e injustas com a vida de pessoas com realidade completamente distintas, o que gera a frustração na pessoa de pensar que nunca poderá chegar a determinado “pódio” e devido a isso se acomodar em sua rotina, seu cotidiano sem ambição e sem vontade de ir além. As pessoas dessa geração também expressam extrema sensibilidade, uma fragilidade e um papel de vítima, indivíduos que por tudo se ofendem.

Nesse sentindo, tem sido estabelecido nas universidades aos redores do mundo o chamado “espaço seguro”, que se trata de uma reclusão aceitável e voluntaria daqueles que não se sentem à vontade em dialogar, ouvir ou falar sobre determinados assuntos que possam o infringir como individuo por algum motivo, independente de qual seja. Todavia esse espaço pode acabar se tornando uma bolha de reclusão daqueles que não enfrentam determinadas questões, e isso pode influenciar muito na evolução desta pessoa. Pois nem sempre nos meios em que ela se encontrará haverá essa opção de se opor ao debata fala ou escuta.

“Eu não me sinto confortável”, “não aguento mais” ou “isso não é para mim’ são frases marcantes desta geração em questão, de pessoas que privam de realizar e ir em direção aos seus sonhos e objetivos, por se encaixarem na zona de conforto, se colocam em posição de vítima por ser uma válvula de escape mais fácil do que sair em busca de um sentido a sua vida.

Quanto a essa geração no âmbito profissional, estima-se que em 2025 o mercado de trabalho será 70% composto por jovens pejorativamente chamados “flocos de neve”. As características deste grupo no mercado de trabalho são diversas, observa-se muitas vantagens e contribuições na inserção e atuação deste grupo dentro das organizações, contudo, há também muitos pontos a serem discutidos.

Fonte: Freepik

Lombardia (2008) define a Geração Y como “as pessoas nascidas entre 1980 a 2000, conhecida como a geração dos resultados, tendo em vista que nasceu na época das tecnologias, da Internet e do excesso de segurança”. E Oliveira (2009) ressalta que “ela não viveu nenhuma grande ruptura social, vive a democracia, a liberdade política e a prosperidade econômica”.

Após estudos e pesquisas realizadas por grandes autores comprometidos com o assunto em questão, observou-se que os adultos jovens pertencentes à Geração Y são inovadores, criativos, buscam crescimento dentro das organizações, dominam a tecnologia, gostam de serem desafiados, precisam ser constantemente motivados e valorizados pelo seu chefe ou superiores, sempre procuram um lugar que se sintam satisfeitos e precisam trabalhar felizes, se sentindo bem.

Em empresas que são comandadas por essa geração, geralmente os colaboradores são livres para trabalharem quando e como quiserem, eles também possuem espaço de lazer e diversão dentro da empresa que pode ser acessado caso estes atinjam suas metas, e caso isso ocorra, eles ainda podem ganhar premiações para se sentirem valorizados.

Em contrapartida, esta geração “sofre” muitos questionamentos e falta de propósito, estão desacostumados a reconhecer seus erros e a lidar bem com frustrações. Conhecida também como a geração “mimimi”, se faz constantemente de vítimas e transferem a culpa de seus fracassos a terceiros, são imediatistas e visto também como ressentidos e hipersensíveis.

De acordo com Lipikin e Perrymore, os jovens Y não enxergam o chefe como uma figura superior que está lá para ser respeitada, mas sim alguém cujo dever é ajudá-las e orientá-las – sendo uma pessoa que merece respeito como qualquer outra.  Isso retrata também que colaboradores da geração Y não lidam bem com hierarquia, vêem seus superiores como colegas de trabalho e não são nada flexíveis a hierarquia tradicional, além de apresentarem pouca predisposição a escuta, e isso se constitui como um desafio para as empresas.

Referências

Augusta de Oliveira Melo, Fernanda. Cristina dos Santos, Daniele. Cristiane Mendes de Souza, Cleiva.  A Geração Y e as Necessidades do Mercado de Trabalho Contemporâneo: “um Olhar sobre os Novos Talentos”. Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia 2013, Volta Redonda – Rio de Janeiro, vol 1, p. 6. Outubro, 2013.

COVEY, Franklin. Os principais desafios da geração Y no mercado de trabalho: Quais são os desafios da geração Y no mercado de trabalho?. In:  Artigo. 01. ed. Não consta: Franklin Covey, 29 abr. 2019. 00. Disponível em: https://franklincovey.com.br/blog/geracao-y-no-mercado-de-trabalho/. Acesso em: 25 nov. 2021.

PONDÉ, Luiz Felipe. Geração Floco de Neve. Youtube, 22/04/2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=X7rdZwSA4G0&t=2128s. Acesso em 25/11/2021

TORRES, Leonardo. As redes sociais e a geração “floco de neve”. Campo Grande News, 2019. Disponível em: https://amp.campograndenews.com.br/artigos/as-redes-sociais-e-a-geracao-floco-de-neve. Acesso em:25/11/2021.

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A diversidade e o preconceito linguísticos no Brasil: uma luta da psicologia e do multiculturalismo

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O preconceito linguístico existe no Brasil e persiste ao longo da história desde o período colonial. Os portugueses ignoraram a língua nativa dos moradores que aqui viviam e passaram a ensinar o português. E por não saberem a língua portuguesa, os nativos perdiam os seus direitos garantidos diante da Corte.

Quanta injustiça os índios não viveram? E para sobrevierem, muitos tiveram que aprender o português que aos poucos fez com que muitas línguas indígenas fossem esquecidas, já que não foram documentadas e não mais ensinadas para as gerações futuras.

Na sociedade atual, diariamente somos surpreendidos com notícias de que alguém sofreu algum tipo de preconceito, seja social, sexual, preconceito físico, de gênero, etc., e também preconceito linguístico. Mas, como definir o preconceito linguístico em um país que tem 26 Estados e o Distrito Federal, onde no mesmo Estado ou região, pode haver variação de sotaques e usos de palavras para um determinado objeto?

Primeiramente vamos compreender o significa de lingüística. Segundo o dicionário Houaiss, “linguística é a ciência que estuda a linguagem humana, a estrutura das línguas e sua origem, desenvolvimento e evolução”. Ou seja, cada lugar, cada povo possui a sua própria língua, a sua forma de se comunicar uns com os outros. Além da língua, existe o dialeto, o qual conforme o dicionário citado anteriormente é “qualquer variedade linguística coexistente com outra e que não pode ser considerada outra língua (p.ex.: no dialeto português do Brasil, o dialeto caipira, o nordestino, o gaúcho, etc.)”. Logo, conclui-se que dialeto é uma variedade linguística, termo utilizado para se referir a formas diferentes de utilizar a língua de um mesmo país. Essas variedades linguísticas resultam da variação de uma língua que ocorre devido a vários fatores, como por exemplo, a faixa etária, a escolaridade, a região, o contexto social e cultural.

O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Agora é preciso compreender o termo preconceito. O dicionário de Evanildo Bechara define-o da seguinte forma: “Conceito, sentimento ou atitude discriminatória em relação a pessoas, ideias, etc.”. Assim, o preconceito linguístico se manifesta ante as diferenças que existem na forma diversificada de falar, que “cada indivíduo observa como errado”, considerando apenas como certa a variação de aceitação no que diz respeito à norma culta ou padrão, e diminuindo o valor das demais formas linguísticas, classificando-as como inferiores.

Pode-se dizer que preconceito linguístico é qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários. Ora, a linguagem, como dito, é um mecanismo de comunicabilidade e deve ser usada por todos, sem discriminação. É um absurdo achar que somente a língua aprendida nas academias, que segue as regras da norma culta, é correta. Se a linguagem é uma forma de expressão do indivíduo, o que importa é que a mensagem emanada pelo emissor chegue até o ouvinte e por esse seja decodificada e compreendida. Se isso aconteceu, está tudo certo.

Outra questão que necessita ser observada é diferenciar a linguagem escrita, que segue regras e padrões de formatação que não podem ser alterados pelo fato da linguagem falada ser diferente. Se uma pessoa falar “nóis vai”, não quer dizer que irá escrever da mesma forma.

O sistema econômico subjugou a língua falada, padronizando o comportamento das pessoas, privilegiando alguns para exercer o poder. Isto é, quem pertence à classe social alta, tem mais acesso à educação, inclusive, alguns estudam em escolas que alfabetizam em duas ou mais línguas, além do português.

Tanto é verdade que, por exemplo, entre grupos de médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, entre outras tantas profissões, há termos técnicos que são falados entre aqueles profissionais e que não fazem parte do vocabulário dos falantes daquela língua e nem por isso, estes, por se utilizarem de vocábulos “diferentes” são excluídos ou diminuídos pelos demais, ao contrário, são venerados.

Dessa maneira, estes são tratados de forma diferente daqueles que não têm acesso ao ensino básico de qualidade e não conjugam, por exemplo, os verbos da forma padrão. As salas de aula, quando tem aula e onde tem escola, são improvisadas e não há divisão de turmas, de idade entre os alunos, grau de escolaridade, etc., numa visão totalmente antagônica à anterior. Mesmo nos dias de hoje, podemos encontrar escolas como essas em alguns Estados brasileiros.

Fonte: Chico Bento – Tirinha de Maurício de Sousa. 1998.

Outro aspecto relevante a ser abordado são as diferentes formas de se comunicar entre os brasileiros. O Brasil, pela sua dimensão territorial, abriga povos que apresentam diferentes culturas e formas de se expressarem, a depender da região. E as regiões consideradas mais economicamente desenvolvidas discriminam as menos favorecidas no plano econômico.

Fato é que os meios de comunicação também reforçam essa diferenciação, inferiorizando algumas maneiras de falar. Muitas das vezes, o sotaque nordestino aparece quando é encenado por um trabalhador da limpeza ou que atua como humorista. Não se observa com frequência em posição de destaque e influência em papéis principais nos filmes, novelas ou telejornais nacionais.

De igual forma, há uma discriminação dos mais jovens para com os mais velhos, mesmo em relação à linguagem. Como explica Maria Homem, em seu canal, esse fenômeno consiste no embate estrutural, como sempre, que está implícito na palavra cringe, pois, durante milênios, os anciãos eram os que tinham mais respeito, em razão dos anos vividos, da experiência e com ela a sabedoria. Inverter essa estrutura se traduz na prepotência da modernidade, que não cuida dos mais velhos, ao contrário, maltrata, não abarca esse caldeirão de experiências, desvalidando aquilo que não se faz mais.

Ora, não é diferente com a linguagem. Os mais jovens desvalidam os mais antigos, a partir de gírias como “broto, pão, avião” que se referiam a alguém bonito e que representam uma determinada geração. Aqueles que reproduzem esses vocábulos são alvo de tratamento pejorativo, jocoso, demonstram estar fora de época, ultrapassados, cringe, como alguém que traz vergonha, e, portanto, algo que deve ser marginalizado, discriminado, numa verdadeira expressão do preconceito linguístico.

A prática desse tipo de preconceito é constatada em todos os lugares e ambientes. Como bem nos assegura Mariane (2008), o ato de julgar antecipadamente consiste na discriminação existente entre pessoas falantes do mesmo idioma que elegem esse outro idioma como oficial e exclui outras variações existentes.

Assim, o preconceito linguístico existe, inclusive, dentro das escolas. O bullying tem levado adolescentes à depressão, à ansiedade e até ao suicídio. Já que o ensino tradicional determinou quem fala certo ou errado, crianças, adolescentes e jovens, que mudam de uma região do Brasil para outra, podem ser alvo de piadas em sala de aula.

Fonte: Imagem por pikisuperstar no Freepik

É oportuno lembrar que existem dois tipos de gramáticas para os linguistas: a normativa e a descritiva. A primeira é a “base da maioria dos livros didáticos e gramáticas pedagógicas, em que se caracteriza um conjunto de regras. Considerada como o conjunto sistemático da norma, ou seja, para o falar bem e escrever. Essa concepção parte do princípio de que todos que falam, sabem de fato, falar. Essa fala segue regras que são consideradas legítimas do ponto de vista do uso e da comunicação entre os diversos tipos de falantes/usuários”. Já a descritiva “tem a preocupação de analisar, descrever e explicar a construção dos enunciados, que são utilizados de fatos pelos falantes”.

Dessa forma, os professores precisam ensinar a variação da língua de forma realista (gramática descritiva) e não utópica (gramática normativa), a fim de minimizar os impactos, fazendo com que o aluno reconheça a importância da própria história, sem perder a essência e ser inserido no novo ambiente, de forma que os demais o recebam com respeito.

Essa atitude está em conformidade com o que prega o Multiculturalismo, que defende a luta pelos direitos civis dos grupos dominados, excluídos.

É oportuno frisar que, diante desse contexto, o preconceito devia ser considerado um problema de saúde pública. O site Veja Saúde publicou uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (USFC), que “concluiu que vítimas de discriminação têm um risco quatro vezes maior de desenvolver depressão ou ansiedade e ainda estão propensas a agravos como hipertensão”. “A experiência crônica de intolerância estimula a liberação de hormônios relacionados ao estresse, como o cortisol”, explica o epidemiologista João Luiz Dornelles Bastos, um dos autores do trabalho”.

Desse modo, nota-se que não somente a pessoa que está sendo discriminada, mas, também quem está discriminando pode sofrer problemas psicológicos, como afirma na matéria: a “pessoa prestes a agir de maneira hostil se submete a um estresse interno”, explica Ricardo Monezi, psicobiólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Outro fator importante que precisa ser observado é a questão da rejeição e as consequências, pois pode levar o indivíduo que está sendo hostilizado à baixa estima, agressão, solidão e inseguranças, que causam medos de enfrentar os desafios de uma vaga de emprego, por exemplo. É aqui que a Psicologia entra em campo, no cuidado da saúde mental desses indivíduos que sofrem com preconceitos, inclusive o linguístico, já que as consequências são tão devastadoras quanto qualquer outro tipo de discriminação.

CONCLUSÃO

A classificação de certo ou errado para os usos da língua portuguesa não deveria existir, já que há a adaptação do contexto coloquial. A pessoa utiliza determinada maneira para falar, levando em consideração o ambiente familiar, a renda, região que mora, formando a sua própria identidade.

A diversidade na forma de falar torna o Brasil com múltiplas características, já que cada região tem um sotaque, seu vocabulário próprio, sua forma de se expressar, a exemplo das diversas línguas indígenas que carregam em si uma história.

O ser humano pertence a um determinado grupo e isso o torna autêntico, donde se conclui que a “língua” não poderia ser considerada como um problema, ao contrário, a “diversidade linguística, neste caso, está relacionada com a existência e a convivência de línguas diferentes. O conceito defende o respeito por todas as línguas e promove a preservação daquelas que se encontram em vias de extinção por falta de falantes”.

Portanto, a diversidade linguística se refere às múltiplas identidades de cada um e como tais merecem respeito e não preconceito.

REFERÊNCIAS

Pequeno Dicionário Houaiss da língua portuguesa/Instituto Antônio Houaissde Lexicografia, [organizador]; [diretores Antônio Houaiss, Mauro de Sales Villar, Francisco Manoel de Mello Franco]. – 1. Ed. – São Paulo: Moderna, 2015

BECHARA, Evanildo, Minidicionário da língua portuguesa Evanildo Bechara/ Evanildo Bechara. – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009, página 718.

HOMEM, Maria. O que é cringe? Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hjh6p5Ip6Bg. Acessado em 24/11/21.

SANTOS, Patrícia da Cruz Ferreira dos [1], ANDRADE, Marta Mires Da Cruz de [2], ALMEIDA, Daiane Vithoft de [3], Preconceito linguístico: Intolerância que retrai, língua que marginaliza.Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 15, pp. 12-33. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza, DOI:10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza. Acesso em 17/11/21.

MATTA, Sozâgela Schemim da. Português, linguagem e interação. Curitiba: Bolsa Nacional do Livro Ltda, 2009.

BERGAMO, Karolina. A intolerância de hoje pode ser a doença de amanhã — inclusive entre quem pratica a discriminação. Publicado em 28 jun 2016. Disponível em https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/preconceito-faz-mal-a-saude/amp/. Acesso em 24/11/21.

[1] Pequeno Dicionário Houaiss da língua portuguesa/Instituto Antônio Houaissde Lexicografia, [organizador]; [diretores Antônio Houaiss, Mauro de Sales Villar, Francisco Manoel de Mello Franco]. – 1. Ed. – São Paulo: Moderna, 2015, p. 593.

[2] Idem. p. 334.

[3] BECHARA, Evanildo, Minidicionário da língua portuguesa Evanildo Bechara/ Evanildo Bechara. – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009, página 718.

[4] HOMEM, Maria. O que é cringe? Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hjh6p5Ip6Bg. Acessado em 24/11/21.

[5] SANTOS, Patrícia da Cruz Ferreira dos [1], ANDRADE, Marta Mires Da Cruz de [2], ALMEIDA, Daiane Vithoft de [3], Preconceito linguístico: Intolerância que retrai, língua que marginaliza.Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 15, pp. 12-33. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza, DOI:10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza. Acesso em 17/11/21.

[6] MATTA, Sozâgela Schemim da. Português, linguagem e interação. Curitiba: Bolsa Nacional do Livro Ltda, 2009, p. 136.

[7] Idem

[8] BERGAMO, Karolina. A intolerância de hoje pode ser a doença de amanhã — inclusive entre quem pratica a discriminação. Publicado em 28 jun 2016. Disponível em https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/preconceito-faz-mal-a-saude/amp/. Acesso em 24/11/21.

[9] Idem

[10] Conceito da diversidade lingüística. Publicado em 2011/atualizado em 2019. Disponível em https://conceito.de/diversidade-linguistica. Acesso em 24/11/21.

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Os perigos escondidos atrás da série Round 6

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Sucesso de audiência entre os assinantes, da Netflix, a série sul coreana, Round 6, conquistou o público ao propor uma gincana assombrosa com centenas de participantes, que aceitaram participar do jogo pelo prêmio milionário, o qual poderia mudar a vida de quem vencesse.  No entanto, os candidatos não sabiam que quem perdesse a partida, que simulavam brincadeiras de crianças, morreria, no final de cada jogada. Uma série interessante, voltada para o público adulto, mas que chamou à atenção e virou febre entre a garotada. Fato que preocupou pedagogos e médicos

Foi sobre essa série, dividida em 9 capítulos, que diversas escolas brasileiras enviaram alerta para os pais sobre os riscos que o seriado poderia ocasionar as crianças, que estão em fase da construção da identidade, bem como processo de ensino aprendizagem. Conforme, matéria publicada pelo jornalista, Gustavo Cunha, no Jornal O Globo (2021), uma escola do Rio de Janeiro, fez uma carta aberta dirigida aos pais sobre os perigos, em que os filhos poderiam ser expostos com ao assistirem a série.

A preocupação do estabelecimento educacional foi informar aos responsáveis que a narrativa, que tornou assunto entre os alunos do ensino fundamental, contém conteúdo com cenas explícitas de violência, tráfico de órgãos, tortura psicológica suicídio, além de palavras de baixo calão. Ainda de acordo com a reportagem do jornal, O Globo, as crianças estavam simulando, no horário do recreio, as supostas brincadeiras infantis, que fazem menção ao assassinato dos perdedores do game.

Fonte: Divulgação/ Netflix

 Moran (1991) adverte que, a maioria das crianças passa longos períodos do dia confinadas em apartamentos, “sem espaço de interação com outras crianças, enquanto os pais trabalham fora”. A televisão passa a ser uma opção, principalmente para os que não tem outras opções (Moran, 1991). “A televisão é agradável, não requer esforço e seu ritmo é alucinante”.  Situação que foi agravada com a pandemia da Covid-19, já que as crianças tiveram que ficar em casa, a maior parte do dia, bem como passaram a ter aulas online.

Nessa mesma percepção, Bee (1996) enfatiza que o principal método de aprendizado das crianças menores é a observação e imitação.  O consumo televisivo, geralmente acrítico e passivo, exerce interferência decisiva na representação que a criança faz da realidade. “Tanto os comportamentos positivos como os agressivos são imitados por crianças que veem televisão já aos 14 meses de idade”.  (Bee, 1996)

O formato convencional televiso sofreu modificações, nos últimos anos, com a revolução digital, hoje é possível assistir TV, por meio dos celulares, notebooks entre outros aparatos tecnológicos. Além disso, as pessoas têm optado por assinaturas de streaming, serviços de transmissão de séries e filmes, por meio da internet. Foi-se o tempo, em que as famílias se dirigiam as locadoras, para alugarem o filme desejado. Toda essa mudança, impactou diretamente o modo de vida do público infantil, pela facilidade ao acesso, de todo tipo de conteúdo.

Fonte: Imagem de Freepik

 Nesse sentido Mattos (2013) aponta que, “a era digital é um momento de novos desafios para as mídias tradicionais e também para a análise de dados devido ao volume, variedade e velocidade com que são produzidos e distribuídos.” Ou seja, o universo digital é um desafio para todos, devido ao grande volume de informação produzido diariamente. Um desafio para os pais e professores no processo de formação de um cidadão saudável e produtivo, devido a exposição excessivamente das crianças e do adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º, diz que é dever da família, da comunidade e sociedade assegurarem a dignidade, a educação, o respeito, da criança e do adolescente. Nesse aspecto, é dever dos pais observarem o que os filhos têm consumido, e não deixar a cargo dos educadores, a formação dos filhos. Por isso, fica o alerta sobre a exposição dos filhos em frente, não só a televisão, mas também, em relação a internet, que para muitos é terra sem lei.

 

REFERÊNCIAS

Brasília, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei de Nº 8.069. Promulgada, em 13 de julho, de 1990.

BEE, Helen. A Criança em Desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre. Artes Médicas, 1996.

Jornal, o Globo: Carta de escola carioca, alertando os pais sobre o Round 6 Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/carta-de-escola-carioca-alertando-pais-sobre-round-6-viraliza-ganha-apoio-de-pediatras-do-rio-25226571> Acesso: 29. De out, de 2021

Mattos, Sérgio (2013). A Revolução Digital e os Desafios da Comunicação. Disponível em <http://www.repositorio.ufrb.edu.br/bitstream/123456789/766/1/a%20revolucao%20digital%20e%20os%20desafios%20da%20comunicacao(1).pdf> Acesso: 29, de out de 2021.

MORAN, José Manuel. Como ver Televisão: Leitura Crítica dos Meios de Comunicação. São Paulo. Editora Paulinas, 1991.

Revista Eletrônica, Uol. ‘Round 6’: no Brasil não faltariam candidatos ao jogo macabro da Netflix. Publicado 10 de out, de 21. Disponível em https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2021/10/19/round-6-no-brasil-nao-faltariam-candidatos-ao-jogo-macabro-da-netflix.htm >. Acesso: 29, de out, de 2021.

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As facetas da violência contra a mulher

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A crise sanitária ocasionada pela pandemia da Covid-19 foi um dos fatores que provocaram o aumento da violência doméstica contra a mulher. A informação é do Ministério da Família e dos Direitos Humanos (MFDH), baseado na coleta de informações, no ano anterior. Conforme a pasta foi registrada mais de 100 mil denúncias de violência contra a mulher, nesse período. Os dados divulgados são alarmantes, e reforça a necessidade da denúncia do agressor para coibir esse tipo de criminalidade, que tem tido um crescimento, nos últimos anos.

De acordo com o Atlas da Violência, uma mulher é assassinada no Brasil, a cada 2 horas. Situação que tem preocupado organizações governamentais e não governamentais.  Nesse sentido, o Governo Federal, por meio do MFDH disponibiliza o disque denúncia, pelo número 180, Central de Atendimento de Ajuda a Mulher, bem como as delegacias estaduais oferecem 197. Medidas adotadas para evitar o número de mulheres agredidas, em suas violências.  As mulheres, que se sentirem vítimas, podem realizar o boletim de ocorrência virtual, caso tenham sido impedidas de sair de seu lar.

Minayo (2005) explica que o machismo provoca o aumento dos casos de violência, a partir do momento que o agressor se sente proprietário da mulher. “No caso das relações conjugais, a prática cultural do “normalmente masculino” como a posição do “macho social” apresenta suas atitudes e relações violentas como “atos corretivos” (Minayo, 2005). Nessa perspectiva, a pesquisadora aponta que é preciso rever os conceitos da cultura brasileira, em que o homem está inserido (MacDonald, 2013) reforça que a violência contra a mulher acontece em todos os quatro cantos do mundo, sendo que esse tipo de violência tem suas raízes na discriminação e na visão que a mulher é um ser frágil e submisso ao homem.

Fonte: Freepik

Sobre esse assunto, a Netflix lançou esse mês, a série Maid, que retrata justamente a violência contra a mulher, mas com foco na violência psicológica, que muitas das vezes, não é vista como violência, por não ter acontecido uma agressão física. A narrativa gira em torno da personagem feminina Alex, que durante a madrugada foge com sua filha Maddy, de apenas dois anos, em um ato desesperado, por não aguentar mais a tortura psicológica, em que era submetida pela então companheiro e pai de sua filha.  Sem emprego, dinheiro e uma conta bancária, a jovem mãe vê-se obrigada a procurar ajuda em um abrigo, quando entende que foi vítima de violência psicológica.

No início a jovem não queria aceitar sua condição de vítima, mas a partir do momento em que compreendeu sua situação de vulnerabilidade, realizou a denúncia, e foi encaminhada para uma casa de apoio a mulheres vítimas de violência física e psicológica. Para poder ter a guarda da filha, Alex interpretada pela atriz, Margaret Qualley, foi trabalhar como empregada doméstica, em diversas casas, com objetivo de sustentar a criança e encontrar um lar seguro, distante de todo tipo de violência.   A drama prende o telespectador, no sentido de identificação com a personagem.

A minissérie tem feito tanto sucesso, que muitas mulheres têm relatado suas histórias de violência doméstica, e outras clareando suas mentes pelo que tem vivido em suas casas ao lado do agressor.  Destaca-se que os 10 episódios são baseados na história real de Stephanie Land, que escreveu sua biografia na obra “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”. Considerado um dos mais vendidos pelo jornal New York Times, o enredo traz sobre a vida de Land, que vive abaixo da linha da pobreza e buscou ajuda do governo e trabalhar como doméstica para sobreviver e sair do retrato da violência.

Fonte: Divulgação Netflix

No Brasil para combater a violência contra a mulher foi aprovado em 2006, a Lei 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Pena, que criminaliza a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como busca prevenção, por meio de medidas protetivas, quando feita a denúncia.  Em seu título II, a lei explica que a violência pode acontecer em diversas formas, como a física, psicológica, sexual, patrimonial e material.  Segundo o artigo 5º, da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

 Caso conheça algum caso de violência contra a mulher, denuncie. Não deixa o agressor impune. Muitas mulheres não têm força para denunciar, mas seja o vizinho que irá ajudar a pôr fim a um ciclo de violência familiar.  Como já foi mencionado, é somente ligar no 180, central de atendimento, ou na delegacia da sua região, pelo 197.

REFERÊNCIAS

Brasil, Atlas da Violência (2020). Disponível em <https://www.netflix.com/br/title/81166770> Acessso. 23, de out, de 2020.

Brasil, Ministério da Família e dos Direitos Humanos (2020).

MacDonald, M. (2013). Women prisoners, mental health, violenceand abuse. International Journal of Law and Psychiatry.

 Mynaio,  M.C. Laços perigosos entre machismo e violência(2005). Disponível em <https://www.scielo.br/j/csc/a/gvk6bsw36SPbzckFxMN6Brp/?lang=pt&format=pdf> Acesso: 23, de out de 2021.

Netflix, Maid. Disponível em < https://www.netflix.com/br/title/81166770> .Acesso, 23 de out,de 2021.

Brasil, Planalto Central. Lei 11.340. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso. 23, de out de 2021.

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Masculinidade e Feminilidade no contexto sociocultural contemporâneo

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O homem moderno se vê defronte a um dilema quase que incompreensível aos indivíduos amarrados e emaranhados ao machismo estrutural. Ao longo de um passado não tão distante a sociedade lutou em sua tendência patriarcal contra a ascensão de qualquer tipo de manifestação enaltecedora do feminino. Isso pode ser observado, por exemplo, na maneira como o cristianismo clássico apagou diversos aspectos de religiões pagãs a partir do primeiro milênio, onde as figuras divinas eram descentralizadas e figuras femininas de poder eram enaltecidos, o mesmo as mulheres ocupavam o papel sacerdotal e espiritual proeminente (LEMOS, 2012).

O cristianismo é que citado por ser frequentemente associado com a base de valores que moldaram a sociedade moderna e pós-moderna, e também foi pivô na propagação da cultura patriarcal, com sua estrutura religiosa se organizando em uma trindade que enfatiza o papel do masculino em detrimento do feminino.

Essa característica fica imputada com mais veemência nas linhas protestantes de cristianismo; o catolicismo com sua versão modernizada do politeísmo representada nos santos dá espaço para os arquétipos representados nas imagens santas, porém ao invés de adorados como divindades, esses santos são intermediários entre o deus maior; já o protestantismo e suas variações futuras apaga essa grande variação arquetípica, eliminando os santos do dogma e tratando a maneira como os católicos recorrem a eles como adoração profana. Assim, grandes arquétipos perdem força no imaginário e na cultura cristã desse recorte populacional protestante, principalmente o da Grande Mãe, representados pela Virgem Maria, este que se apaga totalmente em detrimento da Trindade Pai, Filho e Espírito Santo. (DE AZEVEDO-MESQUITA, 2015)

Fonte: Pixabay

A Masculinidade Frágil Como Fenômeno Cultural

Esses exemplos citados anteriormente marcam alguns acontecimentos históricos que conduziram o pensamento cultural generalizado em direção a essa tendência patriarcal. Porém, há alguns anos a cultura e a indústria vem acompanhando um movimento social de rebelião contra esses preceitos muito enraizados, e dessa forma, vem trazendo o fenômeno que é o feminismo aos holofotes, demonstrando um movimento do inconsciente coletivo para ressaltar esse fenômeno cultural. As mulheres anseiam por mais visibilidade, por salários equivalentes, por mais participação ativa nas comunidades e principalmente o respeito por seus corpos e sua individualidade.

Logo, é possível observar a cultura crescendo ao redor dessa imagem feminina novamente. Nos últimos anos a quantidade de protagonistas femininas para os grandes blockbusters tem crescido de maneira vertiginosa, personagens pertencendo a outros espectros da sexualidade com grande representatividade para os LGBTQI+ também tem visto suas tramas serem escritas e contadas em detalhes por grandes produtoras de audiovisual. Tudo isso é palco para o temor daqueles que antes podiam se ver representados em todas as mídias e histórias, de repente se ver entendo que dividir espaço de tela com pessoas que no seu âmago são diferentes de um padrão estabelecido através da história ocidental.

Fonte: Pixabay

Masculinidade E Feminilidade Arquetípicas

Para compreender mais um pra mente essas dinâmicas é importante conhecer o âmago do conceito de masculinidade e feminilidade. De acordo com o psicólogo suíço Carl Gustav Jung, em sua observação da psique humana, este constata a existência de diversos arquétipos, ou seja, construtos psíquicos que constituem a personalidade humana (JUNG, 2018). Entre esses arquétipos, os que tangem o conceito de masculino e feminino são a Anima e o Animus.

Animus seria a contraparte masculina arquetípica existente dentro de cada ser humano que já habitou este planeta; de maneira semelhante a anima é a contraparte feminina que existe dentro de cada ser humano (SANFORD, 1987). Dessa forma, conclui-se que cada indivíduo está sujeito a sofrer influência da contraparte arte típica oposta, isso inclui a parcela da população que se encontra imersa no machismo estrutural (JUNG, 2006). Mas o que teria acontecido com a mulher que vive simbolicamente no interior dessas pessoas?

No desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, durante a tenra infância e juventude, a relação com esses arquetípicos é moldada, muitas vezes baseada nas figuras paterna e materna (JUNG, 2006). E qualquer disfunção durante esse período, pode acarretar casos de anima ou animus negativo. Ou seja, a imago masculina ou feminina prejudicada de alguma maneira, devido a tudo aquilo que foi absorvido e da maneira como isso se deu (MENIN at al. 2007). Poderia uma nação ou a sociedade ocidental inteira sofrer coletivamente com um quadro de Anima negativa, que levaria eles a tratarem o feminino arquetípico da maneira como foi levado durante todos esses anos?

Conclusão

Conclui-se que os conceitos de masculino e feminino vivem um conflito devido a maneira como o masculino se impôs por sobre o feminino histórica e culturalmente ao longo das décadas a partir do primeiro milênio. O ser humano é constituído de diversas partes incluindo uma parte masculina e feminina, arquetipicamente falando; logo dentro de cada um se constituem resquícios da sexualidade predominante oposta a não predominante, o que pode gerar conflitos a depender da maneira como esses aspectos foram constituídos na personalidade daquela pessoa. Logo é possível imaginar que talvez um processo coletivo de adoecimento e má digestão de simbolismos psíquicos, pode acabar por ter gerado um grande complexo da população masculina Mundial quanto ao símbolo do feminino.

REFERÊNCIAS

DE AZEVEDO MESQUITA, Fabio. A Veneração aos Santos no Catolicismo popular brasileiro–Uma aproximação histórico-teológica. Revista Eletrônica Espaço Teológico. ISSN 2177-952x, v. 9, n. 15, p. 155-174, 2015.

LEMOS, Márcia Santos. Os embates entre cristãos e pagãos no Império Romano do século IV: discurso e recepção. Dimensões, n. 28, 2012.

JUNG, Emma.  Animus e Anima. São Paulo: Cultrix. 2006

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Editora Vozes Limitada, 2011.

MENIN, Fernanda; LOUREIRO, Lilian; MORAES, Noely Montes. A maldição de Eva: a face feminina da violência contra a mulher. Psicologia Revista, v. 16, n. 1/2, p. 51-71, 2007. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/18057/13417>

SANFORD, John A. et al. Os parceiros invisíveis: O Masculino e Feminino em cada um de nós. São Paulo: Paulus, 1987.

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O Impacto da Mídia na Saúde Mental dos Jovens

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Com o início do desenvolvimento das novas tecnologias de informações, as chamadas mídias sociais, percebe-se que mudanças foram aplicadas na sociedade, com a instituição de uma nova morfologia social, que é caracterizada como uma sociedade da informação.

O uso das redes sociais e a mídia em si, são alvos de estudos de várias áreas do conhecimento e que buscam compreender a exposição em diferentes populações.

Ao se falar em juventude em termos socioculturais, envolve primeiramente não determinar questões biológicas, como idade (BOURDIEU, 1990), pois há diversos pontos de partidas, como faixa etária, categoria social, virtude populacional, e dentre essas definições, todas se direcionam a uma fase entre a infância e a maturidade (FREITAS, ABRAMO, LEÓN, 2005). Durante esse percurso, percebe-se um momento transitório e provisório vivido em processo dinâmico no desenvolvimento humano.

No decorrer dessa “fase” é percebido que o sujeito jovem atravessa um percurso compreendido como construção social moderna, marcada por grandes mudanças, de nível biológico, social e cultural, além de descobertas que podem trazer profundas emoções. Citando ainda as referências de padrões que norteiam o jovem (SALLES, 2005).

Vale destacar que nessa fase da vida há uma grande articulação entre a mídia e a juventude, porém percebe-se que apesar dos benefícios deste recurso, o uso desmedido tem gerado dependência. Isso não só interfere nas relações do indivíduo como também reforça os padrões de beleza que impactam sobre a imagem corporal (IC) (SOUSA, 2014). Podendo destacar fatores que influenciam na IC; os pais, os amigos e a mídia, sendo a última a mais pervasiva das influências (LIRA, et al; 2017).

Percebe-se que existe uma grande pressão sociocultural na maioria das vezes por parte das mulheres, para que elas possam se adequar a um padrão estético ideal que se transforma em tempos e tempos (DAMASCENO et al; 2005).

Fonte: Imagem de Mohamed Hassan por Pixabay

Além disso, as mídias sociais trouxeram consigo enorme influência de modo que os homens e, principalmente, as mulheres idealizam e idolatram desde muito jovem corpos perfeitos. Isso acaba gerando grandes índices de distorções em relação a sua autoimagem (GOULART; CARVALHO, 2017).

A falta de diversidade de corpos como referência de beleza faz com que a juventude olhe apenas para um modelo do que é “belo”, tornando assim difícil lidar com o diferente. A mídia age reforçando e divulgando maneiras, modos de como alcançar o “corpo ideal” (LIRA, et al; 2017).

A tecnologia passa a ser o meio de influência no desenvolvimento do jovem, permeando na construção da identidade desse sujeito como indivíduo, pelo seu uso deliberado da ferramenta tecnológica. Diante disso, o jovem contemporâneo passa a se basear a partir do que vê nas redes, assim começa a pensar negativamente a respeito de si mesmo, com noções excessivas sobre o mundo (SCHMITT, 2020).

Bauman (2007) afirma que, para construção do sujeito, suas relações passam a ser líquidas ao invés de sólida. Ao pensar nessa realidade, avista-se um jovem na busca de algo bom para aquele momento, sem que haja uma reflexão a respeito, passando assim a adquirir risco à saúde mental.

À vista disso, percebe-se que a mídia está presente a todo o momento, agindo sobre indivíduos de forma leve e na maioria das vezes de forma “agressiva”, também afetando seu ambiente. Fica evidente também que, a sociedade é bombardeada, em sua maioria, pela forma de vestir, falar, comer e como seus corpos devem ser para que sejam aceitos e para que o indivíduo em si se aceite.

Tendo em vista o que foi discorrido neste trabalho, percebe-se que a influência da mídia sobre a saúde mental dos jovens é, em certa medida, alimentada pelo contexto sociocultural do indivíduo. Daí a importância de que essa discussão seja feita a partir de uma perspectiva macro.

De toda forma, parece evidente que os efeitos negativos são profundos devido ao fato de que, tendo um grande poder de influência, a mídia prega um modelo supostamente ideal de corpo, causando sofrimento mental nos jovens que estão longe desse padrão estabelecido.

Portanto, é importante que, além de conscientização sobre o abuso da grande mídia e sobre os profundos malefícios disso, haja políticas efetivas que protejam os jovens dessa influência que gera dor devido à inadequação do corpo ao que é propagado pelos grandes meios de comunicação.

Fonte: Imagem de April Bryant por Pixabay

REFERÊNCIAS

Bauman, Zygmunt, 2007. Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

BOURDIEU, Pierre 1990(): Cuestiones de sociología. Madrid: Istmo

DAMASCENO, V. O. et al. Tipo físico ideal e satisfação com a imagem corporal de praticantes de caminhada. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 11, n. 3, p. 181-6, 2005.

DE SOUSA, Cirlene Cristina. Juventude (s), mídia e escola: ser jovem e ser aluno face à midiatização das sociedades contemporâneas. 2014.

DE BARROS, Bruno Mello Correa; RICHTER, Daniela. A INFORMAÇÃO E O CONSUMO DE MÍDIA PELOS BRASILEIROS: UMA ÓTICA DO CONTROLE E MONOPÓLIO DA DIFUSÃO DA INFORMAÇÃO A PARTIR DA PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA.

LIRA, Ariana Galhardi et al. Uso de redes sociais, influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 66, p. 164-171, 2017.

SCHMITT, Marina. O que leva a se viciar na internet? Relações entre solidão, depressão, ansiedade, estresse, adição à internet e uso de mídias sociais online. 2020.

GOULART, Cristiana Faria; DE CARVALHO, Priscila Abreu. Corpo Ideal e Corpo Real: A Mídia e suas Influências na Construção da Imagem Corporal. 2018.

FREITAS, Maria Virgínia de;ABRAMO, Helena Wendel; LEÓN, Oscar Dávila. Juventude e adolescência no brasil: referencias conceituais.Nov-2005. http://www.bdae.org.br/dspace/handle/123456789/2344

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‘Masculinidade’ por Tiago Iorc, ou será masculinidade tóxica?

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O que a música “Masculinidade” de Tiago Iorc nos diz sobre a própria visão dos homens em relação à masculinidade e a sua toxicidade?

Ninguém é estranho à masculinidade tóxica. Todos nós somos familiares, em diferentes extensões, formatos e intensidades, aos efeitos colaterais da masculinidade tóxica. Alguns de nós fomos vítimas, outros se tornaram algozes que usaram da masculinidade tóxica como uma arma para silenciar, sufocar e enforcar outras pessoas (principalmente mulheres e a comunidade LGBT+).

Mesmo não existindo uma fórmula exata do que se deve ter como figura masculina e feminina, já que tais aspectos além de sociais também são culturais, Kehl (2008) diz que existe uma série de atributos, quase que como um código de conduta que compõem esses aspectos. Apesar dos atenuantes culturais, a distinção entre figura feminina e figura masculina no que diz respeito aos papéis de cada um dos gêneros binários está presente em grande parte da sociedade.

É dessa forma que é desenvolvido o papel da figura masculina e de seus atributos. Atributos dos quais grande parte dos homens não costuma questionar. De acordo com Nigro e Baracat (2018), a superioridade masculina remonta aos tempos da Grécia Antiga. Nessa época a figura feminina era reduzida quase que ao mesmo nível de que um escravo, enquanto os homens se encontravam no outro extremo do espectro.

É no contexto dos dias atuais que entra Tiago Iorc, em Novembro de 2021. Sem aviso, o cantor retornou de um hiato que estava desde Junho de 2020 (quando lançou a música Você pra Sempre em Mim). Com a música Masculinidade, Tiago entra em uma tentativa de redimir seus atos machistas e nas palavras do próprio cantor, pedir um abraço.

Nos últimos tempos o cantor se envolveu em diversas polêmicas, uma delas sendo até mesma citada na música. Ou seja, o erro cometido é um mero efeito colateral da sua masculinidade tóxica da qual foi cultivada por ele mesmo. Por conta desses fatores, o cantor sumiu da mídia. No início da música, o cantor fala sobre isso.

Fonte: Imagem de Elias por Pixabay

Eu ‘tava numa de ficar sumido

Dinheiro, fama, tudo resolvido

Fingi que não, mas, na verdade, eu ligo

Eu me achava mó legal

Queria ser uma unanimidade

Eu quis provar a minha virilidade

Eu duvidei da minha validade

Na insanidade virtual

A partir desse ponto podemos ver algo que se torna recorrente no decorrer da música: a fuga. Seja ela a fuga de si mesmo, dos outros, e muito principalmente da culpa, o cantor debate diversos momentos em relação à fuga. Colocando-se a postos como um homem que quer ser aceito e validado, Tiago levanta a sua virilidade como um fator a ser provado.

De acordo com Vinuto et. al (2017) é impossível pensar a virilidade como uma característica espontânea dos homens, já que a mesma só existe a partir de práticas de performances que as concepções sociais alinham à virilidade, reafirmadas repetida e recorrentemente por aqueles que desejam se apresentar como “homens” em uma dada sociedade.

Uma dessas concepções sociais influencia a masculinidade desde a infância, em que os homens são incentivados a aprender e a reproduzir comportamentos agressivos, seja por meio de brincadeiras, esportes, lutas, brinquedos e jogos (BROUGÈRE, 2008).

Segundo Silva (2014) quando um garoto apanha de um “valentão” rapidamente vira motivo de piada dos colegas e amigos que presenciaram a cena. Desta forma, desde infância é influenciado, não só por adultos, mas também por outras crianças, que o homem não deve expor seus sentimentos.

Em certo trecho da música de Tiago Iorc, o cantor expressa a sua reflexão com os amigos, sobre a exposição de sentimentos, contudo na música, o cantor se diz privado dos seus sentimentos, no seguinte trecho.

Eu cuido pra não ser muito sensível

Homem não chora, homem não isso e aquilo

Aprendi a ser indestrutível

Eu não sou real

Conversando com os meus amigos

Eu entendi que não é só comigo

Calar fragilidade é castigo

Eu sou real

Fonte: Imagem de Free Photos at divvypixel.com por Pixabay

No trecho o cantor mostra uma reflexão como somos ensinados durante a infância, evitando ser frágeis, sensíveis, medrosos e a não chorar, além de perceber, que esta reflexão não acontece só com ele, que outros homens podem possuir essa reflexão.

Segundo Silva (2014), o ideal de masculinidade acaba impondo a repressão de sentimentos e emoções, podendo despertar comportamentos violentos nos homens, pois a repressão desses sentimentos e emoções e a expressão da agressão auto infligida, além que, os sentimentos e emoções fazem parte do indivíduo.

Também devemos destacar a amizade entre homens, em que a lealdade é comum, quanto às trocas de confidências pode ser vista de forma incomum ou menos frequente, devido à dinâmica construída pela sociedade e cultura anteriores. Por fim, Louro (2013) afirma que existem estudos acerca do tabu que os sentimentos representam para os homens.

A partir destes estudos, podemos quebrar este tabu e ressignificar o que esses sentimentos representam para os homens, e através desta mudança pode haver uma evolução na construção da masculinidade.

Em uma tentativa de conscientização o cantor traz o seguinte refrão:

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

E em alguns trechos traz […]

Cuidado com o excesso de orgulho

Cuidado com o complexo de superioridade, mas

Cuidado com desculpa pra tudo

Cuidado com viver na eterna infantilidade

Cuidado com padrões radicais

Cuidado com absurdos normais

Cuidado com olhar só pro céu

E fechar o olho pro inferno que a gente mesmo é capaz

De cara simpatizamos com o que está sendo cantando, cuidados são sim importantes, mas se pensarmos de forma reflexiva, nos deparamos com um discurso pronto e vazio, que tende a mascarar mais uma vez a questão central abordada na canção. A masculinidade tóxica, se transforma em um efeito narcísico, em que o grande outro é culpado (sociedade) o que de fato, não deixa de ter suas verdades, já que vivemos em uma sociedade estruturada pelo patriarcado. O grande problema na canção é que por trás da conscientização, não existe uma responsabilização, apenas justificativas, faz parecer que homens tem ‘’aval’’ para fazerem o que quiserem, por também serem vítimas.

É preciso entender a linha tênue entre “masculinidade dominante” e “masculinidade vitimada’’, segundo Maria Izilda Souza Matos (1996)

“Essa universalização impõe dificuldades de se trabalhar com a masculinidade, que varia de contexto para contexto, sendo, portanto, múltipla, apesar das permanências e hegemonias. Assim, sobrevêm a preocupação em desfazer noções abstratas de “homem” enquanto identidade única, a-histórica e essencialista, para pensar a masculinidade como diversidade no bojo da historicidade de suas inter-relações, rastreando-a como múltipla, mutante e diferenciada no plano das configurações de práticas, prescrições, representações e subjetivações.’’

Quando se ignora a misoginia, a música perde o sentido, fugindo de contextos históricos e sociais, reforçando ao homem, o arquétipo de herói, fazendo dele uma figura viril “injustiçada” pelo mesmo sistema que fornece os seus privilégios. Ao olhar apenas para si, acabam esquecendo as situações vivenciadas pelas vítimas mais injustiçadas desse sistema, sendo que sequer foram citadas ou correlacionadas na música; mulheres. A música traz a ideia de figura masculina frágil e reprimida, quando na verdade sabemos os reais privilégios que os homens possuem, até mesmo na forma de se expressar, podendo agir livremente e sem julgamentos, sendo por muitas vezes seus crimes cometidos, revitalizados.

Percebemos então, quão problemático é a dimensão deste pensamento.

Eu tive medo do meu feminino

Eu me tornei um homem reprimido

Meio sem alma, meio adormecido

Um ato fálico, autodestrutivo

Trazer essa dimensão oposta de feminino e masculino, pode dar razão a um determinismo biológico, reforçando ainda mais a ideia do masculino ser o lado forte, enquanto o feminino é algo frágil. Quanto aos atos fálicos, eles podem ser tornar acertos se bem analisados, o importante e não transmitido na canção, é a responsabilidade que os homens possuem por essa “masculinidade opressora”. Para que a masculina tóxica não faça mais vítimas é necessária uma mudança, para além de apenas palavras, são necessárias ações, e uma conscientização, revisando-se atitudes, pensamentos e falas.

“O paradoxo curioso é que quando eu me aceito como eu sou, então posso mudar”.

Carl Roger, 1986

REFERÊNCIAS

BAGIOTTO, Fernando. AS MASCULINIDADES EM QUESTÃO: UMA PERSPECTIVA DE CONSTRUÇÃO TEÓRICA 2007.  Revista, vernáculo n 19,20. disponível em: file:///C:/Users/Diana/Downloads/20548-73715-1-PB.pdf acesso 25 de novembro de 2021.

BARACAT, Juliana; DOTA, F. P.; CRAVO, F.. Masculinidade: preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral.

BROUGÈRE; Gilles. 2008. Masculinidade: Preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/nNirdcsu8KL0cs0_2019-3-8-17-21-47.pdf#page=7> .Acesso em 25 de Nov. de 2021.

KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do feminino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 2008

LOURO; Guacira Lopes. 2013.  Masculinidade: Preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/nNirdcsu8KL0cs0_2019-3-8-17-21-47.pdf#page=7> .Acesso em 25 de Nov. de 2021.

Os acertos e (muitos) erros de Tiago Iorc ao questionar a “Masculinidade”. Disponível em: <https://www.madsound.com.br/acertos-muitos-erros-tiago-iorc-masculinidade/>. Acesso em 25 de Nov. de 2021.

SILVA; José Remon Tavares da. 2014.  Masculinidade: Preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/nNirdcsu8KL0cs0_2019-3-8-17-21-47.pdf#page=7> .Acesso em 25 de Nov. de 2021.

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