A sombra no berço: alquimia da maternidade e a cura da criança interior

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A sombra da mãe é longa, estende-se sobre o berço, sobre a vida adulta, sobre os ombros que agora carregam uma criança. Herdamos não só seus traços, mas seus vazios: o amor que escorreu por entre os dedos, o colo que nunca se moldou ao nosso corpo. A culpa, essa tecelã silenciosa, bordou em nós um manto de lã áspera: “Se eu não for perfeita, serei como ela”. E, assim, na ânsia de não repetir, petrificamo-nos no polo oposto, tornando-nos não cuidadoras, mas vigias de nós mesmas.

A criança ferida dentro de nós ainda espera, espera pelo abraço que não veio, pelas palavras que ficaram presas na garganta da história. Mas eis o paradoxo: enquanto a criança interior grita por reparo, a mãe que somos hoje precisa calar esse grito e escutar outra voz, a da mulher que aprende a segurar a própria dor sem projetá-la no espelho dos filhos. A sombra, quando não nomeada, transforma-se em monstros; quando trazida à luz, revela-se apenas ferida.

A maternidade, em sua essência analítica, é um opus contra naturam: não se trata de negar o instinto, mas de transcender a repetição. É no vaso da relação com os filhos que alquimizamos nossa própria infância. Cada “me perdoe” dito a eles é um “eu te liberto” dito aos pais. Cada abraço que damos é um fio dourado costurando o que foi rasgado.

E, assim, no ato de criar, somos criadas. No gesto de acolher, somos acolhidas. A cicatriz não some, mas deixa de sangrar. A criança interior não desaparece, mas aprende, enfim, a dançar com a adulta que se tornou.

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