Sentido da Vida e Sentido na Vida, a dinamicidade do sentido na Logoterapia

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Na Logoterapia, abordagem psicoterápica proposta por Viktor Frankl, a busca por significado é o eixo de compreensão da existência humana. Dois conceitos presentes nessa abordagem são o Sentido da Vida e o Sentido na Vida. Embora relacionados, eles se distinguem pela forma como se manifestam e pela natureza das experiências que os constituem. Para entender essa distinção, é preciso iniciar pela ideia de que o sentido é dinâmico, mutável e ligado às circunstâncias que vivemos.

Frankl (2011) enfatiza que o sentido é algo que se transforma conforme as mudanças que ocorrem em nossa vida, assim, ele não é fixo. O que faz sentido em um momento pode não fazer em outro, e isso não significa que a vida perdeu seu valor, pois estamos diante de novas possibilidades de encontrar significado. Essa fluidez é intrínseca à condição humana, por estarmos constantemente em movimento e adaptação, enfrentando diferentes desafios, conquistas e perdas. O sentido, portanto, é uma busca contínua, que se adapta ao contexto e ao momento vivido. Essa ideia é reiterada por Pereira (2007), que destaca a capacidade humana de autotranscendência, ou seja, de ir além de si mesmo para encontrar significado em algo maior.

Nesse contexto, o Sentido da Vida refere-se a uma dimensão ampla e profunda, relacionada àquilo que transcende o indivíduo. Ele está ligado a questões universais, como a existência humana, a ética, a espiritualidade e a conexão com algo maior. Trata-se de algo que descobrimos por meio de nossa interação com o mundo e com os outros. É um sentido ou um objetivo que dá significado à existência como um todo, algo que vai além das experiências individuais (Frankl, 2011). Essa busca por um sentido mais amplo está presente em todas as culturas e épocas, refletindo uma necessidade humana de compreender o lugar que ocupamos no mundo.

O Sentido na Vida está mais próximo do cotidiano, das realizações e experiências que vivenciamos no dia a dia, está nas escolhas que fazemos, nas ações que realizamos e nas relações que construímos. Ele pode ser encontrado em atividades como trabalhar, estudar, cuidar de alguém, ou mesmo em momentos de contemplação, como apreciar uma paisagem. É algo que se realiza no presente, no aqui e agora, e que nos conecta com a realidade que nos cerca (Nery, 2023). Essas experiências cotidianas são importantes para que possamos viver uma vida plena, pois nos permitem encontrar significado nas pequenas coisas, mesmo quando o sentido maior parece distante.

As pequenas realizações que nos trazem significado no cotidiano são, de certa forma, reflexos daquilo que buscamos em uma escala maior. O Sentido na Vida pode ser visto como uma expressão prática do Sentido da Vida, uma maneira de concretizar, no dia a dia, aquilo que consideramos significativo em um nível mais profundo (Pereira, 2007). Essa conexão entre o individual e o universal é o que permite que a vida seja vivida de forma integrada, com cada experiência cotidiana contribuindo para a construção de um sentido maior.

A dinamicidade do sentido nos lembra que a vida é um processo contínuo de descoberta e realização, e não uma busca por respostas definitivas. O que faz sentido hoje pode não fazer amanhã. A capacidade de adaptar-se às mudanças e encontrar novos significados é uma das lições da Logoterapia. Frankl (2011) nos ensina que, mesmo nas situações desafiadoras, há a possibilidade de encontrar sentido, seja naquilo que realizamos no presente, seja naquilo que buscamos em uma dimensão mais ampla. Essa ideia é reforçada por Nery (2023), que reflete sobre a importância de olhar para os “altos e baixos da vida” como oportunidades para ressignificar nossas experiências e encontrar novos caminhos.

Assim, o Sentido da Vida e o Sentido na Vida são duas dimensões que se complementam. Enquanto um nos conecta com questões universais e transcendentais, o outro nos sustenta nas experiências concretas do cotidiano. Juntos, eles nos mostram que é possível encontrar significado, cabendo a nós descobri-lo conforme as circunstâncias que enfrentamos e as escolhas que fazemos, entendendo o que podemos mudar dentro do contexto e, a partir disso, nutrir a vida de sentidos.

Referências 

FRANKL, Viktor Emil. A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia. Tradução de Ivo Studart Pereira. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2011.

NERY, Alberto. A vida sempre tem um sentido? Como encontrar significado nos altos e baixos da sua jornada. Paidós, 2023.

PEREIRA, Ivo Studart. A vontade de sentido na obra de Viktor Frankl. Psicologia USP, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 125-136, 2007.

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Acadêmicos de Psicologia da ULBRA Palmas apresentam trabalhos no ABRAPSO Norte

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Nesta sexta-feira, 22 de novembro, estudantes e egressos do curso de Psicologia da ULBRA Palmas participaram do último dia do VIII Encontro Regional Norte da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), realizado na Universidade Federal do Tocantins, campus Miracema.

O evento, que aconteceu pela primeira vez no estado do Tocantins, teve como tema “Psicologia Social na (re)existência ao colonialismo digital”. Ele propôs reflexões sobre os impactos das tecnologias digitais, incluindo avanços sociais e novas configurações de violências no contexto digital.

Os trabalhos apresentados de autoria dos acadêmicos da ULBRA Palmas foram:

Donos de si, uma jornada para autonomia: relato de intervenção em saúde mental no CAPS – Eudicleia da  Silva Araujo, Meirelucia Lustosa; Orientação: Ma. Mariana Miranda Borges.

O cidadão surdo e seu lugar de fala Joana D’Arc Gomes Pimentel, Naomi Almeida, Sâmarah Queiroz, Simone Barbosa Magalhães (Psicóloga Egressa da ULBRA Palmas); Orientação: Dra. Ruth do Prado Cabral.

Propostas de pesquisas científicas para o enfrentamento ao idadismo: uma revisão narrativa de literatura Rafaela Mariene Teza Mazzola; Orientação: Ma. Thaís Moura Monteiro.

Violências estruturais e direitos humanos no Taquari: reflexões sobre os impactos na convivência social – Gabriel Mascarenhas Pereira; Orientação: Dra. Hareli Fernanda Garcia Cecchin.

O encontro reuniu acadêmicos, professores, ativistas e pesquisadores em um ambiente interdisciplinar, incentivando o intercâmbio crítico e a produção de conhecimento para a Região Norte. Os trabalhos foram apresentados em eixos que contemplavam temas como Políticas Públicas, Ética, Violências e Direitos Humanos, e Territórios de Existência, destacando a interface entre Psicologia Social e questões contemporâneas.

A acadêmica Joana D’Arc Gomes Pimentel compartilhou sua experiência durante o evento: “Apresentar nesse Congresso foi a realização de um sonho de apresentar em Congresso durante a minha jornada acadêmica, sobretudo com um tema tão sensível sobre a Psicologia Social na (re)existência ao Colonialismo Digital. Percebi a importância desse tema ser mais discutido nos espaços acadêmicos. Estou grata e feliz por essa oportunidade de apresentar no congresso.

Ver os outros trabalhos fiquei muito lisonjeada pelos temas super importantes e necessários serem debatidos e discutidos Eu fiquei muito atravessada com todas as discussões que tivemos, e espero que possamos ter mais oportunidades”.

Fundada em 1980, a ABRAPSO promove o desenvolvimento da Psicologia Social no Brasil, reunindo profissionais e estudantes comprometidos com a construção de conhecimento crítico e intervenções significativas.

 

 

 

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Promoção de saúde mental por meio da arte e cultura é tema de intervenção de estágio

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No último sábado (09), os alunos do Estágio Básico em Saúde Mental finalizaram suas atividades com a devolutiva no Canto das Artes em Taquaruçu, Palmas – TO. A ação foi conduzida pelos estagiários Anne Karoline Linhares de Araujo, Gabriel Mascarenhas Pereira, Lorrany Barros Godoy e Tiago Oliveira da Silva, sob a orientação da professora Mariana Miranda Borges (Psicóloga, CRP 23/784) e pela supervisora de campo, psicóloga Betânia Cristina da Luz Pontes (CRP 23/076).

O estágio ocorreu entre os meses de agosto e novembro, com encontros semanais todos os sábados pela tarde. Foram exercidas atividades voltadas a arteterapia, musicalização, reciclagem, interação com literaturas e um cinema composto por um catálogo de filmes, com temáticas pertinentes à cultura brasileira, educação, responsabilidade social e meio ambiente.

Na devolutiva, ocorreu um momento de diálogo em que os estagiários compartilharam com o campo, uma síntese das observações, aprendizados e intervenções realizadas durante o período de atuação, além de receberem um feedback a respeito dessas atividades.

A professora Mariana Miranda Borges comentou sobre a importância do momento: “A devolutiva é um espaço de avaliação das atividades desenvolvidas no estágio e os efeitos desta experiência na aprendizagem dos alunos e das pessoas acompanhadas por eles, neste processo. A partir disto é possível fazer um redesenho da relação do campo com o estágio e da disciplina. Todas as atividades desta disciplina foram utilizadas a metodologia da cartografia com a intenção dos discentes mapearem os afetos produtores de subjetividade e foi rico perceber o quantos os estagiários estavam disponíveis para subjetivarem através da arte e afeto.”

O Canto das Artes é um ponto cultural do Estado do Tocantins. Trata-se de uma Organização Não Governamental que tem o intuito de promover atividades de saúde mental à comunidade de Taquaruçu por meio da arte e da cultura. Fundado informalmente em 2004, o Canto das Artes iniciou com encontros literários e musicais que atraíam crianças e adolescentes da comunidade local, interessadas nas expressões artísticas ali promovidas.

Com o passar do tempo, as atividades foram se expandindo para incluir oficinas voltadas à arte, cultura e preservação ambiental, consolidando a missão da instituição de promover uma melhor qualidade de vida e fomentar uma atuação cidadã consciente, crítica e sustentável.

O estágio realizado faz parte da disciplina de Estágio Básico em Saúde Mental, que tem como objetivo proporcionar ao aluno o desenvolvimento de habilidades práticas, como observação, descrição e compreensão das psicopatologias em diferentes contextos e etapas do ciclo vital. Além disso, visa capacitar o estagiário para realizar intervenções que promovam a saúde mental, tanto no nível individual quanto no coletivo, avaliando os resultados dessas ações.

Conheça mais sobre o Canto das Artes:
http://cantodasartes.org.br/
https://www.instagram.com/cantodasartes.orgto/

 

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É preciso estar atento e forte: a educação como ferramenta no combate ao trabalho escravo

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“É preciso estar atento e forte”, ecoava a voz de Gal Costa em tempos de repressão durante a ditadura militar, expressando a urgência de uma postura vigilante e corajosa diante daquele contexto. O refrão de Divino Maravilhoso permanece relevante, especialmente quando pensamos na condição de trabalhadores que, por “precisão”, acabam submetidos a situações de trabalho análogas à escravidão. O documentário Precisão, lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), retrata essa realidade brutal que persiste no Brasil.

Produzido no contexto de um projeto para a promoção dos princípios e direitos fundamentais do trabalho, o documentário narra a vida de seis trabalhadores que foram resgatados dessas condições análogas à escravidão, revelando uma realidade estrutural, na qual a “precisão” — uma palavra usada pelo povo maranhense para definir a extrema necessidade de sobrevivência — é um motor que empurra brasileiros e brasileiras para a exploração.

A expectativa de uma rotina de trabalho “normal” — 8 horas diárias, salário justo, e descanso nos domingos e feriados — esconde uma realidade perversa. Como bem aponta Siqueira (2010), a escravidão contemporânea está enraizada de forma profunda e estrutural na sociedade, de maneira que permanece invisível aos olhos da maioria, tal como uma raiz que se esconde abaixo do solo.

O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), Maurício Fagundes, enfatizou a importância de ouvir diretamente as vozes dos trabalhadores: “O filme pegou seis histórias de vida, mas que retratam a história de milhares de brasileiros”. As experiências contadas no documentário são um lembrete doloroso, mas necessário, de que o trabalho análogo à escravidão não foi erradicado, mas persiste e deve ser combatido (CSB, 2020).

A educação e a escolarização surgem, então, como formas de romper esse ciclo. A relação entre baixa escolaridade e vulnerabilidade ao trabalho escravo é evidente. Segundo Elisabeth Flores, da instituição De Olho Aberto para Não Virar Escravo: “…as pessoas com baixa ou nenhuma formação escolar estão mais vulneráveis aos aliciadores”, (Flores, 2012). Isso demonstra que a falta de acesso à educação formal facilita a manipulação desses trabalhadores, expondo-os a condições de exploração extrema. Como observa Faria (2013), as organizações utilizam recursos dissimulados para mascarar as violações de direitos, tornando o trabalhador mais suscetível ao abuso.

Fonte: Organização Internacional do Trabalho.

A relação entre trabalho infantil e trabalho escravo também foi abordada. Márcio Honaiser, secretário de Desenvolvimento Social do Governo do Maranhão, destacou: “Se evitarmos o trabalho infantil, vamos ajudar a minimizar o trabalho escravo contemporâneo.” Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – 2015) indicam que 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, muitas delas em situações que as tornam suscetíveis a futuras explorações (CSB, 2020).

Nessa lógica de exploração, os “gatos” — intermediários que recrutam trabalhadores, geralmente em áreas rurais, para serviços temporários em condições precárias e degradantes — e patrões assumem o papel de sequestradores da subjetividade. Eles não apenas retiram dos trabalhadores sua dignidade, mas também sua humanidade. Os tratamentos desumanos, as condições precárias e o ambiente cruel são a prova viva de um sistema que desconsidera o valor da vida humana (Siqueira, 2010). Nesse cenário, as palavras de Gal Costa ganham um novo sentido, reforçando a necessidade de vigilância e resistência: “É preciso estar atento e forte.”

A aplicação desse refrão à realidade da precisão não poderia ser mais pertinente. A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para evitar que novas gerações caiam nas armadilhas do trabalho escravo. Como defende Flores (2012), por meio da escolarização é que as crianças poderão desenvolver um senso crítico capaz de romper com esse ciclo de exploração. O conhecimento é a arma mais poderosa contra a manipulação e a opressão. Portanto, é preciso estar atento e forte, educar e conscientizar, para que não se tenha mais tempo de temer a morte — seja ela física ou simbólica, causada pela perda da dignidade e dos direitos fundamentais.

“Precisão precisa agora que cada pessoa que viu, que ouviu, que esteve aqui ou que esteve acompanhando de outro lugar, espalhe esse documentário, somente assim vamos fazer chegar ao maior número de pessoas. Dessa forma as pessoas podem se conscientizar que a precisão está aí, nos dias de hoje, e precisa ser combatida para que outras pessoas não sejam vítimas desse tipo de exploração.”. (CSB,2020).

 

Referências:

CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS. Produzido pela OIT e pelo MPT, filme “Precisão” emociona plateia no Maranhão. CSB. 2020. Disponível em <link>. Acesso em: 16 out. 2024.

COSTA, G. Divino Maravilhoso. Universal Music Ltda, 1969. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.

FARIA, J. H. Dissimulações discursivas, violência no trabalho e resistência coletiva. In: Merlo, A. R. C., Mendes, A. M., & Dutra, R. M. (Orgs.). O sujeito no trabalho: entre a saúde e a patologia. Curitiba: Juruá, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.

FLORES, E. Baixa escolaridade torna trabalhadores mais vulneráveis à escravidão. Educação e Território, 2012. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.

INTERNAIONAL LABOUR ORGANIATION. Documentário Precisão  – Versão Longa Duração. Direção de Juliano Bacelar. Produção de Human Rigths Contents. São Paulo: OIT, 2019. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 16 out. 2024.

SIQUEIRA, T. O trabalho escravo perdura no Brasil do século XXI. Universidade Salgado de Oliveira, 2010. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.

 

 

 

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Paradigmas da Logoterapia na Intervenção Psicossocial

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Intervenção psicossocial se refere a práticas que visam atender pessoas em situações de vulnerabilidade, buscando também o fortalecimento de vínculos sociais e a superação de dificuldades impostas pelos contextos sociais e econômicos. De acordo com Costa (2005), essa intervenção envolve o trabalho em rede, em que a ação psicossocial se insere no cotidiano da comunidade, compreendendo a complexidade das relações sociais e as influências de fatores externos na vida dos sujeitos.

Em contextos de vulnerabilidade, existem determinantes que ampliam a complexidade das intervenções. Essas populações enfrentam desafios que, muitas vezes, não podem ser alterados direto e rapidamente, como pobreza, exclusão social e falta de acesso a serviços básicos – situações que constituem violações de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948), o que inclui o acesso a condições mínimas de vida digna. No entanto, em suma, essas populações não têm consciência de que essas condições violam seus direitos (Costa, 2005). Nesse cenário, o trabalho do psicólogo se torna desafiador, exigindo intervenções que considerem as condições imutáveis no curto prazo, mas que fortaleçam o coletivo, mostrando que é possível lutar por mudanças estruturais que envolvem direitos humanos. (Santos, 2018).

Neste contexto, a Logoterapia, desenvolvida por Viktor Frankl, oferece uma contribuição valiosa. Trata-se de uma abordagem psicoterápica fenomenológica existencial que trabalha na busca de sentido como elemento central para o ser humano. Segundo Frankl (1946), o ser humano é movido pela “Vontade de Sentido”, ou seja, pela busca de um significado que dê sentido à sua existência, tanto em um nível macro quanto em pequenos aspectos da vida cotidiana. Frankl organiza sua teoria em três pilares: Vontade de Sentido, Liberdade de Sentido e Sentido da Vida.

Um ponto fundamental da Logoterapia é o papel da mudança de perspectiva como princípio central no manejo do psicólogo. O trabalho psicoterápico começa com a ampliação de novas perspectivas diante de suas circunstâncias, ampliando o olhar dentro de cada situação (Nery, 2023). No contexto da intervenção psicossocial, isso se traduz na ideia de que, mesmo em meio a situações de vulnerabilidade, é possível incentivar uma mudança de visão sobre a realidade enfrentada. Essa mudança de perspectiva permite às pessoas em situação de vulnerabilidade reconhecerem novas possibilidades dentro de suas limitações e agirem de forma mais ativa na busca por melhorias.

A Liberdade de Sentido, um dos pilares da logoterapia, refere-se à capacidade humana de encontrar sentido nas situações, mesmo quando se está em um contexto de restrição ou sofrimento. Frankl (1946) exemplifica essa liberdade com sua própria experiência nos campos de concentração nazistas, onde, apesar de ter perdido quase tudo, descobriu que o ser humano mantém a liberdade de escolher sua atitude diante das circunstâncias. Ele afirma que:

 “Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher sua atitude em qualquer circunstância dada” (Frankl, 1946, p. 113).

Ao aplicar essa perspectiva à intervenção psicossocial, percebe-se que, embora as pessoas em situação de vulnerabilidade não possam mudar todas as condições ao seu redor, elas ainda têm a liberdade de se posicionar diante dessas circunstâncias. A intervenção psicossocial busca, então, ajudar essas populações a reconhecer e exercer essa liberdade, auxiliando-as a perceber que o contexto em que vivem não define quem elas são, e que é possível agir para transformar, dentro dos limites impostos, essas condições. O papel do psicólogo é orientar essas possibilidades de mudança (Sawaia, 2001).

A transcendência, outro conceito fundamental da logoterapia, também pode ser visualizado na intervenção psicossocial. Frankl define a transcendência como a capacidade do ser humano superar suas circunstâncias imediatas em busca de um significado maior, muitas vezes relacionado com os outros ou com algo maior do que ele mesmo (Frankl, 1946). Esse princípio é fundamental ao se pensar nas relações humanas em contextos de vulnerabilidade, pois a vinculação coletiva é um exercício de transcendência, em paralelo em intervenção psicossocial não se foca apenas na resolução de problemas individuais, mas também no fortalecimento do coletivo e das redes de apoio social, reconhecendo que o fortalecimento das relações interpessoais é uma forma poderosa de promover mudanças em contextos adversos (Costa, 2005).

Assim, embora as populações em situação de vulnerabilidade enfrentem desafios que muitas vezes não podem ser modificados, a aplicação da logoterapia na intervenção psicossocial reconhece a liberdade que essas pessoas têm de se posicionar diante de suas circunstâncias. Ao promover o fortalecimento das relações e contribuir para a transcendência dos indivíduos, facilita a luta por direitos, o fortalecimento do coletivo e o desenvolvimento de uma nova perspectiva sobre as condições de vida. Mesmo quando um estado de conformação se instala, cabe ao psicólogo lembrar que seu papel é combater injustiças e violências, conforme previsto no Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), e auxiliar na construção de novos sentidos, dignos e possíveis para o ser humano. Como exemplificado pela logoterapia, o homem não busca apenas um estado de homeostase, mas sim está sempre propenso a experimentar novas possibilidades e atualizar seus sentidos (Frankl, 1946).

Referências

CFP – Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do Psicólogo. 2005. 

Costa, L. Abordagem Clínica no contexto comunitário: uma perspectiva integradora. Psicologia & Sociedade; 17 (2): 33-41, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/XCMYYfqY9phRXsBSkJSPfyB/?format=pdf&lang=pt.

Frankl, Viktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Editora Vozes, 1946.

Nery, A. A vida sempre tem um sentido? Como encontrar significado nos altos e baixos da sua jornada. Paidós, 2023.

Santos, B. A difícil construção do social. Cortez, 2018.

Sawaia, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Editora Vozes. 2001.

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A música como meio de acolhimento, identificação e encorajamento

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A música é uma forma poderosa de arte que vai além do entretenimento. Ela tem a capacidade de tocar profundamente o ser humano, influenciar o humor, promover o bem-estar psicológico e fortalecer os laços sociais (Marques, 2017). É uma expressão humana profunda, por meio dela, criam-se belas melodias, arranjos, combinações de sons, detalhes… uma construção que culmina num lindo produto. Mas, além de lindas melodias e belos arranjos, particularmente, o que mais me toca, é o cuidado e a intencionalidade presente nas letras, gosto de pensar que é a alma da música.

Nesse texto quero evidenciar letras de músicas, trilhando um caminho entre elas. Ambas são interpretadas pela mesma artista, que iniciou sua carreira muito jovem e até hoje possui esse viés social de música destinada ao público infanto-juvenil e adolescente. Porém, ao ouvir as canções de seus trabalhos solo, pude apreciar melodias e letras que trazem questões muito presentes no emocional do ser humano, desde conflitos à resiliência. 

Letras como as que serão expostas, tem o poder de alcançar o íntimo, tocam em conflitos humanos que muitas vezes não podem ser ditos, assim, as canções dão a possibilidade de se instrumentalizar e contribuir para a elaboração de cada questão pessoal. Este recurso é utilizado em campos como da Musicoterapia, mais intencionalmente, com músicas que remetem a história de vida do paciente, ajudando também no aspecto de identificação e verbalização dos problemas (Brignol, 2009).

Nesse quarto escuro

Existe um menino assustado

Ele é sozinho

E teme que o mundo encontre o seu cantinho

Me entrega ele pra cuidar

Eu sei guardar segredo

Eu sei amar

Não conto pra ninguém

Que esse menino é alguém

De barba e gravata e que esse quarto escuro é sua alma

(Lima, 2010)

Em primeira instância, temos a música Esconderijo, inicialmente nos deparamos com a terminologia “menino”, que está num quarto escuro, sozinho, temeroso, depois surge alguém que traz a figura do acolhimento que assegura o amor, o cuidado, a discrição. Porém vemos ao final da canção, que esse menino, é alguém “de barba e gravata”, um adulto, que esconde na sua alma, todo esse medo, esse sentimento de solidão. Ao refletir num âmbito coletivo, muitos adultos escondem seus anseios, seus temores, e muitas vezes, precisam de alguém como a figura da música, alguém que acolha e exerça o ouvir e o legitimar.

Desacelera

Deita essa cabeça no meu peito

Que a gente encara até o que não tem jeito

Olha como eu faço

Um passo de cada vez

Desapega

Deixa aquela sombra no passado

Agora e sempre eu fico do teu lado

Respira, confia

Um dia de cada vez

Vem amor

Do mundo a gente não vai levar nada

Entre o amor e a alegria

Escolho um de cada

Amor, alegria, um passo, uma coisa, um dia

De cada vez

Recomeça

Tenta ser mais brisa do que vento

Encara o dia nesse movimento

Seja mais dança, mais alma

Mais vida, mais poesia

Vem amor

Do mundo a gente não vai levar nada 

Entre o amor e a alegria

Escolho um de cada

Amor, alegria, um passo, uma coisa, um dia

O tempo cura, fica a cicatriz

Lembrar de uma tristeza

Te faz saber o quanto é lindo ser feliz

Vem amor

Do mundo a gente não vai levar nada

Entre o amor e a alegria

Escolho um de cada

Amor, alegria, um passo, uma coisa, um dia

De cada vez

(Tedeschi, 2022)

 

De cada vez é uma das canções mais lindas que já ouvi, seguindo o teor da primeira canção, vemos novamente a figura do acolhimento chamando à lidar com os medos e temores desacelerado, contando com o apoio, desapegando, respirando, confiando, lembrando que além dos pesares, podemos contar com coisas boas da vida, como o amor e a alegria. Vemos analogias como “Ser mais brisa do que vento”, novamente remetendo à diminuição do ritmo, e na atenção plena a cada instante. Em “Lembrar de uma tristeza te faz saber o quanto é lindo ser feliz” lembramos que podemos olhar para o passado e para cada pesar, e a partir disso, notar e valorizar cada momento de felicidade. E assim, viver um dia de cada vez. 

Hoje eu acordei sem pressa

Deixei a janela aberta

Vi a vida tão repleta de amanhecer

Hoje eu pude ver de perto

Que um coração aberto

Torna tudo mais fácil de acontecer

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

Hoje eu me joguei das nuvens

Tirei o pó e a ferrugem

Vi que o sol brilha mais claro se a gente ‘tá bem

Voos podem ser mais altos

Frases podem ser mais belas

Hoje eu vou gritar mais forte a sorte que a gente tem

De ser feliz sem ser refém

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

(Lima, Lima e Lopes, 2017)

Respirar é uma canção com um teor de esperança, a partir do entendimento de que pode se viver a vida um dia de cada vez, o posicionamento agora é outro, durante toda a letra vemos uma permissão pessoal de sentir, de aproveitar cada acontecimento, fator evidenciado em “Hoje eu pude ver de perto que um coração aberto torna tudo mais fácil de acontecer”, “Vi que o sol brilha mais forte se a gente tá bem” e também no refrão “Eu abro as asas e preparo a alma, para respirar”. 

Eu senti

O vento arrastar o medo pra longe de mim

Eu senti

O tempo se abrir e o sol tocar a pele

E eu vi que eu podia mais do que eu sabia

Eu vi a vida se abrir pra mim

Quando eu disse sim

Eu disse sim pro mundo

Eu disse sim pro sonhos

E pra tudo que eu não previa

Sim pro inexplicável

Eu disse sim, eu caso

Eu disse sim pra tudo que eu podia

E eu podia mais do que eu sabia

Eu vivi fugindo de arrependimentos

Sem me redimir

Me perdi, navegando em erros

Sem buscar o leme

E eu vi que eu podia mais

Do que eu sabia

Eu vi a vida se abrir pra mim

Quando eu disse sim

Eu disse sim pro mundo

Eu disse sim pro sonhos

E pra tudo que eu não previa

Sim pro inexplicável

Eu disse sim, eu caso

Eu disse sim pra tudo que eu podia

E eu podia mais do que eu sabia

(Lima Jr, Lima e Lima, 2013).

Quero findar esse caminho de intersecção com essa linda letra que pertence a canção com o nome: Sim. Nessa música, vemos o resultado da abertura pessoal às experiências e desafios da vida, a partir de um Sim. Temos afirmações como “eu disse sim pros sonhos, sim pro inexplicável, eu vi que eu podia mais do que eu sabia, eu vi a vida se abrir pra mim”, evidenciando como se permitir vivenciar é importante para até mesmo descobrir que se pode ir além do que sabia. Aquele menino assustado pode encontrar acalento, pode expressar seus medos, pode viver um dia de cada vez, pode abrir as asas e preparar a alma para respirar , e ver a vida se abrir, a partir de um Sim.  

Como vimos durante a análise e ligações dessas letras, a música é uma ferramenta fantástica e democrática de expressão e identificação. Quando as emoções não são facilmente faladas, a música oferece uma forma simbólica de expressão, e assim muitos podem ouvir e se reconhecer (Brignol, 2019), além de encontrar também possibilidades de esperança frente a intensidade e complexidade que é viver.

Referências: 

Brignol, R. Análise de canções num processo terapêutico grupal e interdisciplinar. URCAMP, 2009.

Lima, S. intérprete: Sandy Leah De Lima, Esconderijo, São Paulo, Universal Records, 2010.

Lima, S;  Lima, L; Lima Jr, D. intérprete: Sandy Leah De Lima, Sim, São Paulo, Universal Records, 2013.

Lima, S;  Lima, L; Lopes, D. intérprete: Sandy Leah De Lima, Respirar, São Paulo, Universal Records, 2017.

Marques, P. A influência da música na saúde mental e bem-estar: um estudo exploratório, Universidade Fernando Pessoa , 2017.

Tedeschi, E. intérpretes: Sandy Leah De Lima; Agnes Nunes, De Cada Vez, São Paulo, Universal Records, 2022.

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A expansão dos princípios da Abordagem Centrada na Pessoa na Psicologia Clínica

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Desde a sua concepção, a psicologia clínica tem passado por processos de evolução, diversas abordagens teóricas e práticas surgem ao longo dos anos e deixam sua marca na construção dos princípios da psicologia. Uma das influências marcantes nesse processo foi a contribuição da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) de Carl Rogers na formação da história. No contexto em que emergiu, a ACP contrastava com abordagens predominantes, como a psicanálise e a análise do comportamento, ao enfatizar elementos como empatia, aceitação incondicional e a importância do vínculo terapêutico.

A abordagem de Rogers foi importante por ser a precursora em sua ênfase na relação terapêutica como catalisadora do processo de mudança. Rogers postulou que um ambiente terapêutico caracterizado pela empatia do terapeuta, aceitação incondicional e congruência promove a autoexploração e a autorrevelação do cliente, facilitando assim o crescimento pessoal e a resolução de problemas psicológicos (Rogers, 1957). Esses princípios, porém, que são advindos da terapia centrada na pessoa, na decorrência do tempo, se tornaram reconhecidos como fundamentais em toda psicologia clínica.

A empatia, por exemplo, foi amplamente reconhecida como uma habilidade crucial para estabelecer uma aliança terapêutica sólida em diferentes contextos clínicos (Bohart & Greenberg, 1997). A habilidade do terapeuta de compreender e refletir as experiências emocionais e cognitivas do cliente é considerada essencial para promover uma maior compreensão e aceitação do self do cliente.

Além disso, a aceitação incondicional, conceito central na ACP, influenciou a forma como os terapeutas abordam as experiências e comportamentos dos clientes. Ao adotar uma postura de aceitação genuína, os terapeutas são capazes de criar um ambiente seguro e não julgador que encoraja a autoexploração e a expressão autêntica do cliente (Truax & Carkhuff, 1967), a partir deste posicionamento, promove-se o contexto em que na psicoterapia, o paciente/cliente, pode se sentir seguro, pois o terapeuta não irá contribuir para um ambiente de rejeição.

Outro aspecto importante da ACP que se expandiu para a psicologia clínica moderna é a ênfase no vínculo terapêutico. A qualidade da relação entre terapeuta e cliente tem sido consistentemente associada aos resultados terapêuticos positivos (Horvath & Symonds, 1991). Um vínculo terapêutico forte e seguro proporciona ao cliente um ambiente propício para explorar desafios emocionais e cognitivos, facilitando assim o processo de mudança e crescimento pessoal.

É importante ressaltar que, embora os princípios da ACP tenham sido amplamente adotados na psicologia clínica moderna, isso não significa que outras abordagens tenham sido descartadas. Pelo contrário, muitas abordagens integraram esses princípios em suas práticas, reconhecendo a importância da relação terapêutica na promoção do bem-estar psicológico dos clientes.

A abordagem cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo, surgiu da integração das técnicas comportamentais com a teoria cognitiva, enfatizando a relação entre pensamentos, emoções e comportamentos (Knapp; Beck, 2008). Os princípios da ACP foram incorporados na TCC através do reconhecimento da importância da aliança terapêutica e da relação terapeuta-cliente na eficácia do tratamento (Safran & Muran, 2000).

Dentro da TCC, a empatia é vista como uma habilidade fundamental para compreender as crenças e emoções do cliente, enquanto a aceitação incondicional é vista como uma atitude terapêutica que promove a abertura e a autenticidade do cliente (Persons & Tompkins, 2013). Esses princípios são integrados em técnicas como a formulação cognitiva, onde o terapeuta colabora ativamente com o cliente para entender e modificar padrões de pensamento disfuncionais.

Dessa forma, os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa continuam a influenciar não apenas as práticas terapêuticas, mas também a compreensão mais ampla da psicologia clínica como um campo dedicado ao cuidado e ao bem-estar emocional dos indivíduos cheios de empatia e aceitação incondicional.

Referências:

 

Knapp, P;  Beck, A. Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva, Revista Brasileira de Psiquiatria;30(Supl II):S54-64. 2008

Bohart, C., & Greenberg, S. Empatia e Psicoterapia, Associação de Psicologia Americana, 1997

Cury, E. ACP: encruzilhada de perspectivas. Boletim da Abordagem Centrada na Pessoa.1988

Horvath, A & Symonds, D. Aliança terapêutica: estabelecimento, manutenção e rupturas da relação. Revista de Psicologia de Aconselhamento, 1991

Rogers, C. As condições necessárias e suficientes para a mudança de personalidade terapêutica. Psicologia Consultiva. 1957

Safran, J., Muran,C. Negociando a aliança terapêutica: Um guia de tratamento relacional. Biblioteca de Psicologia Descleé de Brouwer, 2000.

Truax, B, Carkhuff, R. Para uma orientação e psicoterapia eficazes, Aldine Publishing, 1967

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Reflexões sobre Psicologia da Saúde, do Trabalho e do Desenvolvimento

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Durante a jornada acadêmica, anos se passam e diversos professores deixam sua marca de maneiras distintas. Disciplinas variadas e conteúdos importantes contribuem para a construção da nossa visão de mundo. Com o tempo, amadurecemos, ampliamos nosso olhar e conseguimos relacionar diferentes contextos, desenvolvendo um raciocínio clínico.

Nossa mente se torna um banco de dados no qual, com o passar do tempo, conseguimos relacionar algumas variáveis. Este texto é fruto de uma dessas conexões entre conteúdos. Quero compartilhar um recorte de como a graduação tem sido uma experiência enriquecedora, somando-se a cada dia à minha vida.

O texto que trago aqui começou a ser construído quando li o seguinte relato:

“Um dia tenso. Chego ao hospital antes das sete horas, e quatro pacientes internados no andar já esperam minha visita. Não tive tempo de conversar com o médico que passou na véspera e estou atrasada. Impressionante como alguém que levanta da cama exausta consegue já estar atrasada às sete da manhã. Eu preciso ler os prontuários e entender o que ocorreu nas últimas 24 horas. A letra do colega não ajuda. Fico muito irritada. O estômago dói. Penso que deveria parar de tomar tanto café.

Entro no primeiro quarto: mulher, 39 anos, divorciada. Um filho adolescente ainda dorme profundamente no sofá de acompanhante. A mulher geme. Ela tem câncer metastático de pulmão. Não era tabagista. A dor está muito intensa ainda, apesar de utilizar uma bomba de morfina há três dias. Está difícil encontrar a dose ideal do analgésico, pois ela tem muita sensibilidade aos efeitos colaterais. Por um instante, olho a cena de um ponto de vista novo. Observo a mulher e, de repente, me transformo nela”. (ARANTES, 2019 p 42-43)

Esse trecho em específico retrata a intensa rotina de uma médica, uma realidade que muitos profissionais de saúde enfrentam em diferentes contingências, esse recorte chamou minha atenção devido a uma série de fatores, todos relacionados à minha jornada na graduação de Psicologia. No primeiro semestre de 2023, cursei a disciplina “Psicologia e Saúde em Diferentes Contextos”. Foi lá que ouvi pela primeira vez o termo “fadiga de compaixão”. Lembro-me de ficar intrigado e me questionar: “Como é possível que profissionais da saúde, que se dedicam tanto, possam ficar fatigados ao ter compaixão pelo outro?”. Hoje, percebo que esse questionamento refletia minha imaturidade e falta de compaixão em relação a esses profissionais.

Durante essa disciplina, ficou mais claro para mim a ocorrência desse fenômeno e sua natureza frequente e triste na vida desses profissionais; pessoas que se doam tanto que já presenciaram tantas formas de sofrimento que desenvolvem uma resistência a ele, chegando ao esgotamento. O livro de Ana Claudia Quintana Arantes aborda esse fenômeno da seguinte forma:

“A fadiga de compaixão ou estresse pós-traumático secundário ocorre preferencial- mente com profissionais de saúde ou voluntários que têm a empatia como principal ferramenta de ajuda. Pessoas que lidam com tanto sofrimento que acabam por incorporar a dor que não lhes pertence”. (ARANTES, 2019 p 41).

 

Passado um ano dessa disciplina, cheguei ao primeiro semestre de 2024, e como a grade curricular da minha universidade é flexível, algumas disciplinas indicadas para períodos específicos podem ser cursadas em outros momentos. Isso aconteceu comigo em relação à disciplina “Psicologia do Desenvolvimento II”, que é do segundo período e eu cursei no quinto semestre. Nessa disciplina, foi proposta a leitura do livro de Ana Arantes, o mesmo mencionado na aula de Psicologia e Saúde. Ao reler o livro, memórias e aprendizados anteriores voltaram à tona, mas agora foram encarados de outra maneira, tanto por ter passado por outras disciplinas quanto por estar cursando outra que ampliou meu olhar em relação ao outro.

A disciplina “Psicologia do Trabalho” tem abordado o contexto de intensificação e precarização do trabalho, questões que têm me sensibilizado e deixado mais atento a detalhes que se relacionam. Os relatos da médica e o fato da fadiga de compaixão estarem ligados à intensificação do trabalho e às altas demandas, vinculadas à responsabilidade de lidar com a vida humana, foram aspectos que se entrelaçaram em minha compreensão.

A relação entre a fadiga de compaixão e a intensificação do trabalho dos profissionais de saúde é complexa e muitas vezes subestimada. Com a crescente demanda por serviços de saúde, esses profissionais enfrentam uma carga de trabalho intensa, muitas vezes em mais de um local, combinada com a responsabilidade de lidar com o sofrimento humano diariamente.

A intensificação do trabalho na área da saúde vai além da carga horária ou da falta de recursos. Refere-se também à pressão por produtividade e eficiência, que muitas vezes sacrifica o bem-estar dos profissionais. Isso se traduz em jornadas longas, recursos limitados e uma carga emocional pesada ao lidar com o sofrimento humano. Além disso, a sobrecarga cognitiva e física dos trabalhadores pode levar à exposição a riscos e à deterioração da saúde. Em momentos de alta demanda, como em situações de emergência, o risco de acidentes aumenta. Conciliar rapidez e atenção com cuidado na execução das tarefas torna-se um desafio, principalmente quando o foco é garantir o restabelecimento das condições clínicas do paciente, pois existe uma alta demanda de pessoas que precisam ser atendidas, pessoas que estão em sofrimento, e a responsabilidade urgente de lidar com esse sofrimento, é direcionada para esse profissional. (FERNANDES et.al 2014)

Ana Arantes trás uma fala em seu livro que se relaciona com essa contingência de intensificação do trabalho dos profissionais da saúde: 

“Parece que cai bem socialmente dizer que você não teve tempo de almoçar, não teve tempo de dormir, não teve tempo de mexer o corpo, de rir, de chorar – não teve tempo de viver. A dedicação ao trabalho parece estar ligada a um reconhecimento social, a uma forma torta de se sentir importante e valorizado; tudo à sua volta tem a obrigação de entender que o mundo só pode girar se você estiver empurrando”. (ARANTES, 2019 p 38)

 

Para lidar com a fadiga de compaixão, muitas vezes ocorre o distanciamento afetivo, no qual se tenta separar as emoções do trabalho para evitar o esgotamento emocional. No entanto, essa abordagem pode levar à desconexão emocional e à redução da qualidade do cuidado prestado. Por isso, muitas vezes os profissionais da saúde parecem rudes, já que viram tanto sofrimento que desenvolvem uma tolerância ou se afastam das emoções das pessoas para se protegerem.

Diante desses diferentes contextos, percebo como é essencial que os sistemas de saúde reconheçam e abordem a fadiga de compaixão, fornecendo apoio emocional e recursos adequados para os profissionais, mostrando-lhes que também podem ser cuidados. No entanto, é importante que esses profissionais estejam conscientes da importância de cuidar de si mesmos. Como afirmado por Ana Claudia Quintana Arantes (2019 p. 38), “minha vida ficou mais plena de sentido quando descobri que tão importante quanto cuidar do outro, é cuidar de si”. 

REFERÊNCIAS:

ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Sextante, São Paulo:, 2019.

FERNANDES, R.C.P., LIMA, M.A.G; ARAÚJO, T.M. Tópicos em saúde, ambiente e trabalho: um olhar ampliado. UFBA, Salvador:, 2014

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A jornada do sentido da vida

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O que é o sentido da vida? Uma pergunta tão antiga, que ecoa pelas eras, o homem perpassa sua existência buscando essa resposta, para que ela o guie em seu viver. Encontrar significado, propósito e razão para existência é uma busca que atravessa gerações e culturas. Existe alguém que não apenas explorou essa questão, mas também a viveu de maneira intensa, e sua vivência foi como um farol de esperança nas sombras mais profundas da história, e essa luz permanece resplandecente até os dias de hoje.

Viktor Frankl, renomado psiquiatra e neurologista austríaco, não só entendeu o que é o sentido da vida, mas também dedicou sua vida a estudar essa questão. Sua jornada extraordinária nos leva das páginas de livros de Psicologia às atrocidades dos campos de concentração nazistas, onde a busca pelo sentido se tornou uma batalha pela própria sobrevivência.

De origem judaica e nascido em Viena em 1905, Frankl mergulhou nas profundezas da psique humana desde cedo, questionando o que impulsiona nossas ações e molda nossas vidas. Seus questionamentos eram tão proeminentes que, enquanto ainda era adolescente, ele
trocava correspondências com o próprio Freud. Sua busca pelo significado o levou a explorar as complexidades da mente e da espiritualidade, preparando-o para os desafios que estavam por vir.

Sua carreira foi marcada por uma dedicação incomparável ao estudo do ser humano e à busca pelo sentido da vida. Graduou-se em Medicina pela Universidade de Viena em 1930 e especializou-se em Neurologia e Psiquiatria. Entretanto, foi durante um dos períodos mais obscuros da história que Frankl enfrentou seu maior desafio: sua deportação para os campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

Sua experiência nos campos, principalmente em Auschwitz, foi um período de sofrimento indescritível, onde Frankl testemunhou a perda da dignidade e da liberdade, diante da brutalidade e da desumanidade, ele foi confrontado com o verdadeiro teste de suas convicções. E foi nesse contexto de extrema adversidade que ele fortaleceu sua compreensão do sentido da existência.

Enquanto outros sucumbiam ao desespero e à resignação, Frankl percebeu que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, os seres humanos têm a capacidade de encontrar significado e propósito. Ele observou que diante daquele contexto, o natural seria se render ao sofrimento, e assim como muitos já faziam, dar fim à própria existência, se atirando na grade eletrificada que rodeava o campo de concentração. Porém ele notou que as pessoas que permaneciam vivas por vontade própria, eram agarradas a um sentido, a um significado, como reencontrar familiares (que era o próprio caso de Frankl, que ansiava rever seus pais e sua esposa). Quem se agarrava a um propósito, estava disposto a sobreviver na hostilidade. Foi essa percepção profunda que o inspirou a desenvolver sua teoria, a Logoterapia e Análise Existencial,
uma abordagem psicoterapêutica centrada na busca pelo sentido da existência.

Logoterapia significa terapia do sentido, do significado. O nome de sua abordagem reflete plenamente do que ela se trata. A busca por sentido é uma força que impulsiona a existência humana. Somos seres em busca de significado, constantemente buscando propósito e direção em nossas vidas. Essa busca não se limita à procura de prazer imediato, mas sim à necessidade profunda de compreender nossa existência e nosso papel no mundo. No entanto, quando nos deparamos com a falta desse significado, surge o vazio existencial, uma sensação
de desorientação e falta de propósito que pode levar ao sofrimento psíquico.

Para Frankl, superar esse vazio existencial envolve encontrar significado mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras. Isso requer um compromisso com atividades e valores que deem sentido à nossa vida, como o amor pelo próximo, o trabalho dedicado ou a adesão a princípios mais elevados. Ao fazê-lo, transcendemos o vazio existencial e encontramos uma sensação de plenitude e significado que vai além das circunstâncias externas.

Seu livro “Em Busca de Sentido” publicado em 1946, não é apenas um relato de suas experiências nos campos de concentração, mas também uma exploração profunda sobre a natureza do sofrimento humano e a busca pelo sentido da vida. Frankl nos leva em uma jornada emocionante através das profundezas da alma humana.

Mesmo diante do sofrimento e da adversidade, a capacidade de encontrar um propósito mais elevado pode fornecer uma fonte de esperança e resiliência. Sua teoria elenca também a ideia de que os sentidos da vida podem ser encontrados em até mesmo coisas do cotidiano, como por meio do trabalho, família, hobbies, ações que podem parecer pequenas, mas que enchem a existência de significado.

Os ensinamentos de Frankl sobre a importância do sentido da vida transcenderam as fronteiras da Psicologia, influenciando pessoas em todo o mundo. Seu pensamento sistêmico e sua abordagem humanista e esperançosa oferecem um farol de esperança em tempos de adversidade, lembrando-nos da resiliência do ser humano e do poder transformador de encontrar significado mesmo nas circunstâncias mais sombrias.

A vida e obra de Viktor Frankl são um lembrete de que, mesmo em meio ao caos e à desolação, podemos encontrar significado e propósito. Para o professor Johannes B. Torelló:

“Viktor E. Frankl ficará, na história da psiquiatria, como o médico da «doença do século XX»; como defensor corajoso da liberdade humana contra todo e qualquer determinismo científico-naturalista cego; como o admirável fenomenólogo do amor; como aquele que, cheio de otimismo, desvenda no homem uma abertura para a transcendência: com efeito, quem chega a compreender a existência humana como uma «missão» encontrará, mais cedo ou mais tarde, «Aquele que confia ao homem tal missão»”.

Atualmente, em meio ao turbilhão de desafios e incertezas que caracterizam o mundo moderno como a pandemia, guerras, crises econômicas e sociais, a Logoterapia se mostra como uma possibilidade de orientação. Em um contexto onde muitos se sentem perdidos ou desorientados, a ideia de buscar sentido pode fornecer um caminho para lidar com as adversidades da vida. A Logoterapia nos lembra que, mesmo nos momentos mais árduos, sempre há a possibilidade de encontrar significado e propósito, ela nos convida a refletir sobre nossos valores e a encontrar maneiras de viver de acordo com eles, mesmo em meio ao caos e à incerteza. A busca pelo sentido pode nos capacitar a encontrar significado, fornecendo força e resiliência diante das adversidades.

Referências:
FRANKL, V. Em Busca de Sentido: Um psicólogo no campo de concentração. Editora Vozes, 1946.
FRANKL, V. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e análise existencial; tradução de Alípio Maia de Castro – 7ª ed. – São Paulo: Quadrante, 2019.
NERY, A. A vida sempre tem um sentido? Como encontrar significado nos altos e baixos da sua jornada. Paidós, 2023.

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