Tudo começou com o projeto “Posso Ajudar ?”, implantado pela Secretaria Municipal de Saúde, onde minha função era dar informações sobre o serviço, destinar pacientes para seus locais de atendimento (afinal, nem todos sabiam onde aguardar ou para onde ir), dentre outras funções destinada à minha ocupação como estagiária.
No entanto, com o decorrer dos meses, me percebi realizando uma função bem maior que a de uma simples estagiária. A observação, a escuta, a atenção e a empatia foram tomando conta de mim, pois ali haviam pessoas precisando de bem mais que um atendimento médico e uma medicação, precisavam também de um ouvido atencioso e compreensivo que pudesse, além de simplesmente ouvir, escutar com cautela e sem julgamentos. O tempo foi passando e as experiências vividas ali ficaram marcadas e junto, me trouxeram um aprendizado imenso que transformaram totalmente o meu modo de ver e agir. Aprendizado sobre gente, sabe?! Sobre ser humano, sobre se sensibilizar à dor do outro e não diminui-la perante a sua.
Ali percebi que nem sempre um esfigmomanômetro, estetoscópio, raio-x, termômetro, ou até mesmo um eletrocardiograma, podem mensurar uma dor ou descompensação que vem da alma, uma dor pela ausência da falta de cuidado e atenção que muitas vezes não é recebida fora dali, uma dor que necessita de cuidados, cuidados esses que, frequentemente a medicação desacompanhadanão consegue suprir. É preciso mais, bem mais.
Nesse período vivenciei momentos de morte, tristeza, angustia, desespero, epidemias, mas também, de nascimento, alívio e alegria de quem chegou tão debilitado, mas que já estava indo para seu lar satisfeito por se sentir melhor. Esse não é para ser um relato triste, e sim um relato em que você, você mesmo que está aí lendo isso, possa emanar cuidados e atenção que vão além da sua profissão, independente de qual seja o local ou ramo que você estiver, nunca se esqueça que, antes de tudo, você deve ser um bom ser humano, para então ser um bom profissional.
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. ” (Carl Jung)
A resenha desenvolvida a seguir, tem como objetivo principal descrever alguns pontos demarcados como preponderantes, bem como trazer reflexão e ao final fazer um apanhado geral, com base no livro Amor Líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, de Zygmunt Bauman. Segundo o sociólogo polonês Bauman, vivemos na era da modernidade líquida, que é uma continuidade ou uma fase posterior a chamada modernidade sólida. A modernidade líquida é uma época de fluidez, incerteza e insegurança, onde os indivíduos não possuem mais lugares pré-estabelecidos para se situar no mundo, e com isso devem lutar por si mesmos para se encaixar numa sociedade que está cada vez mais seletiva e propensa a mudar com rapidez e de forma imprevisível.
Fonte: http://zip.net/bmtMZf
No livro Amor Líquido, o autor expõe suas ideias sobre os efeitos da modernidade líquida nas relações humanas, investigando e procurando esclarecer os sentimentos de insegurança inspirados pelo processo de individualização que acabam levando a fragilidade dos vínculos humanos. O relacionamento é o destaque do livro. As relações amorosas, os vínculos familiares e até mesmo os relacionamentos em “redes”, segundo Bauman, estão se tornando cada vez mais flexíveis e volúveis. Nesta obra, Zygmunt Bauman disserta sobre como o amor se tornou apenas mais um objeto de consumo, tal afirmativa é nitidamente explícita no livro, como o próprio autor mesmo define “o consumo está cada vez mais rápido, fácil e descartável”.
Os seres humanos estão dando mais importância a relacionamentos virtuais, que podem ser desmanchados com muita facilidade e a qualquer momento. Essas conexões que são estabelecidas por seres á distância podem ser rompidas muito antes que se comece a detestá-las. Ao contrário dos relacionamentos “reais”, é fácil entrar e sair dos relacionamentos virtuais, atualmente. Nesse contexto, a relação social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam é trocada por outro tipo de relação que o autor chama de conexão. Ele tira esta palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas pesquisas ele percebe que a grande vantagem dos sites de encontros está na facilidade de deixar o outro de lado.
O relacionamento se torna frágil, na modernidade líquida, devido à facilidade de não haver responsabilidade de ambas as partes, em não haver pressão entre os parceiros. Ambos ainda podem, sem o menor remorso, trocar seus companheiros por outros melhores, mais “atualizados”. Em uma entrevista realizada a respeito da crescente popularidade do namoro virtual, um jovem de 28 anos apontou a vantagem de se ter uma relação através da internet: “sempre se pode apertar a tecla de deletar”. Tal declaração reforça a ideia da facilidade que se possui do termo ‘conexão’, ou seja, a qualquer momento você pode simplesmente se desconectar e ter a opção de partir, ou não, para outro relacionamento.
Fonte: http://zip.net/bttNPm
Em geral, os relacionamentos estão sendo tratados como mercadorias. Se existe algum defeito, podem ser trocadas por outra, porém, não existe a garantia de que gostem do novo produto. Não gostou? pode trocar, assim ninguém sofre. A sociedade está atualizando sua forma de se relacionar, onde os seres humanos estão cada vez mais fragilizados e desumanos. A confiança no próximo está cada vez mais frágil e próxima de terminar definitivamente.
Bauman fala sobre a dificuldade da humanidade de amar o próximo. No livro é dito que as pessoas só conseguem amar, quando o outro não difere muito do que se acredita que seja o ideal. Mais difícil ainda é amar o próximo do qual não se pode ver evidências de que tenha consideração, e ter certeza de que quando lhe convier não dirá injúrias e difamação pelas costas. Para que aja esse amor, é preciso que mereça de alguma forma. Amar alguém só pelo que ela é não é conveniente.
O amor próprio entra nessa questão, pois para termos, é preciso que sejamos amados primeiro, e é a partir do amor que é oferecido por outros que se constrói o próprio, diferentemente dos animais que não necessariamente necessitam deste, pois não necessitam dele para ensinar que manter-se vivo é a coisa certa a se fazer. O amor próprio pode ser bom, pois nos estimula a passar pelas adversidades da vida, mas também pode ser traiçoeiro quando se acredita que a vida que leva não é o que julga ser merecida.
Amar o próximo inclui aceitá-lo na sua singularidade. Bauman lembra os refugiados que são expulsos de seus países de origem, e sua entrada é recusada em qualquer outro lugar. As pessoas usam justificativas como as de tomadas de emprego para despejarem seus medos e ansiedades em cima destes. O governo fala em flexibilidade de trabalho, mas é o primeiro a condená-los, os confinando em lugares isolados para não os colocar na vida econômica do país.
Os refugiados que não conseguem se transformar em cidadãos são estereotipados, designados a papeis sociais desagradáveis, sendo vistos sempre como um problema e tratados como tal. Depois do ataque do 11 de setembro o preconceito a estes se solidificaram, agora com a justificativa de supostos terroristas. E é assim que as coisas se dão quando não se sabe lidar com as diferenças, nas quais não dão o trabalho de tentar descobrir e entender o “mundo” do outro.
Fonte: http://zip.net/bvtNvX
A tendência deste mundo líquido é sempre desprezar aquele que pensa e age diferente. A cultura, as crenças e os hábitos do outro não cabem neste território, se ele está aqui, tem que seguir as crenças vigentes e abandonar aquelas que um dia foi dele. Apenas uma verdade é absoluta, e não a do outro que são apenas opiniões. Há uma grande dificuldade de tratar um estranho com humanidade, de ter empatia e entender a situação em que ele se encontra, não apenas falar mais agir de acordo com as palavras.
No livro também fala sobre essa segregação que se faz nas cidades, e ao invés de criar passagens acessíveis e locais de encontro para facilitar a comunicação entre os habitantes, fazem o contrario e dividem, criando a ilusão que precisam defender-se uns dos outros como se fossem adversários. Constroem fortalezas em volta da elite, onde possam apreciar sua independência física e isolamento, longe dos “enclaves extraterritoriais” citado no texto. Portanto segregar fragiliza ainda mais os laços humanos.
Por fim, a partir do sucinto resumo do livro, levando em consideração os pontos mais relevantes a partir do olhar das acadêmicas, e com base em demais artigos lidos para melhor entendimento do tema exposto, é possível adentrar num processo de reflexão mais abrangente e crítico a respeito dessa pós-modernidade denominada por Bauman como Líquida. Possivelmente não seria inusitado que toda essa problemática que o capitalismo trouxe, como por exemplo: a dependência das redes sócias, o consumismo desenfreado, a busca por felicidade insaciável, as propagandas incentivadoras de um corpo ideal, uma vida perfeita, um relacionamento dos sonhos, uma trilha imensa em busca de procurar ser ou ao menos parecer alguém que tanto é colocado como um padrão a seguir.
E isso, é claro causa um efeito devastador e que nem sempre é positivo para a construção e estabilidade emocional de um indivíduo, e que, por conseguinte ocasionaria também impacto na inter-relação dos indivíduos, fomentando também nesse “amor líquido”.A falta/enfraquecimento de autonomia dos indivíduos tem sido causa de grande parte dos conflitos, principalmente ao tocante as relações sociais, pois o indivíduo passa agir de forma impensada, imatura, ou até mesmo influenciada pelas inúmeras contingências ao seu redor, seguindo o que a sociedade coloca como exemplo, atuando diante das situações a partir de um modelo já estereotipado, deixando de lado todo seu contexto histórico e singular.
Fonte: http://zip.net/bntNcw
Redirecionando esse contexto para a psicologia, é possível observar outro lado, que nem sempre esses conflitos vistos como negativos causam dano à vida do indivíduo, pois considera-se que algo só é danoso para determinado indivíduo, quando o mesmo se encontra em estado de sofrimento. Contudo, é de suma importância averiguar sempre o contexto em que as situações ocorrem, para então se respaldar de forma mais plausível e congruente, de forma a compreender a origem de tais comportamentos e assim, poder contribuir ajudando esse indivíduo a encontrar a solução, utilizando-se de estratégias, caso o mesmo esteja sofrendo por essa fluidez líquida.
Recente Psicologia em Debate, por tema ´´A maternidade invisível“, realizado pela acadêmica Roberta Galvani refletiu e debateu acerca dos aspectos sobre o feminino, dando ênfase a maternidade, a perda de identidade e os inúmeros papéis que a mulher desempenha principalmente nesse período de gestação e pós-gestação, chegando muitas vezes a esquecer de si mesma.
Percebemos que cada vez mais a mulher vem sendo cobrada de forma excessiva pela sociedade quanto ao vários papeis que ela “deve” desempenhar, e isso acaba tendo um peso negativo para a mulher que, dependendo do contexto que está vivenciando perante a gravidez e outros conflitos que possam surgir, pode vir a sofrer ainda mais. Por esse e outros motivos citados no debate, é de extrema importância que a mulher faça terapia, principalmente nesse período que antecede a gestação, reduzindo assim possíveis danos que eventualmente venham causar algum conflito mais extenso.
Fonte: http://zip.net/bktJ9D
Alguns aspectos levantados na discussão serviram de questionamento e reflexão, pois em maior parte, a gravidez é olhada somente por um lado, o lado do positivo, de um bebê que vai nascer e trazer alegria, isso é o que os “de fora” pensam e argumentam, sem ao menos pensar no outro lado, o lado da mulher que recebeu esta noticia e que pode talvez, não estar tão contente com isso, e é justamente aí que se encontra possivelmente o maior erro. Pois tendemos logo a dar mais atenção, cuidado e importância ao bebê e esquecendo-se da mãe, que nesse período precisa de um maior cuidado e atenção. Diante da pressão da sociedade e da vivência da maternidade, ocorre a perda de identidade da mulher, que passa a ser vista como “mãe de, esposa de, trabalha na”.