Grace and Frankie: uma ode à meia idade, à amizade e ao recomeço

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“Nós somos como vinho, ficamos melhores com o tempo.” – Frankie

A série Grace e Frankie é uma refrescante comédia que narra a jornada de duas mulheres que se reinventam e desafiam paradigmas aos 70 anos. Após quatro décadas de casamento, suas vidas são viradas do avesso quando descobrem que seus respectivos maridos mantinham um relacionamento amoroso há 20 anos e agora decidiram se casar. Devastadas e sem rumo, Grace e Frankie — personalidades opostas — veem seus caminhos se entrelaçam ao serem forçadas a dividir a casa de praia que pertence a ambas as famílias.

O que começa como uma convivência turbulenta se transforma em uma amizade poderosa. Entre risadas, desentendimentos e descobertas, Grace e Frankie constroem um vínculo que as fortalece, recusando-se a aceitar imposições e limitações sociais. Juntas, exploram novos prazeres, redescobrem seus corpos e unem suas mentes brilhantes e criativas, provando que as mulheres são capazes de tudo — em qualquer fase da vida.  

Grace, sofisticada e controladora, e Frankie, uma artista livre e espirituosa, têm personalidades opostas, o que torna a convivência um desafio repleto de impasses e divergências. No entanto, essa relação também é sua maior força: suas diferenças as complementam e as desafiam, despertando uma na outra, potencialidades até então desconhecidas. A série aborda questões fundamentais como aceitação do corpo, desejo sexual e a importância de viver plenamente e com autenticidade.  

Quebrando barreiras, Grace e Frankie escancararam a invisibilização do desejo feminino em mulheres maduras e questionaram a ideia de que a sexualidade tem prazo de validade. A trama explora temas como masturbação, sexo a dois e a necessidade de produtos específicos para o prazer feminino nessa fase da vida, como lubrificantes e vibradores. Com sensibilidade e humor, a série reforça que intimidade e prazer não são exclusividade da juventude.  

Fonte: https://shre.ink/e4Gb

A dinâmica familiar também ganha destaque, explorando os desafios das relações intergeracionais. O convívio com os filhos revela nuances sobre diferentes tipos de maternidade, expectativas e individualidade. Filhos que amam suas mães, mas precisam lidar com suas próprias inseguranças e medos; mães que desejam ser cuidadas, mas se recusam a renunciar à própria independência. Ao longo da série, acompanhamos a luta de Grace e Frankie para provar que são perfeitamente capazes de cuidar de si mesmas. Com bom humor, teimosia e uma dose de caos, elas desafiam os estereótipos da velhice, mostrando que essa fase da vida pode ser sinônimo de vitalidade, ousadia e autodescoberta.  

Outro ponto central da trama é a relação com os ex-maridos, Robert e Sol. Assumidamente gays, eles precisam lidar com a culpa e a dificuldade de reconstruir laços com as ex-esposas e os filhos. Para Grace e Frankie, o impacto da revelação é devastador, levando-as a questionar suas próprias identidades e os papéis que desempenharam ao longo de seus casamentos. No entanto, ao longo da série, vemos essa dor se transformar: da mágoa e do ressentimento surgem a amizade, o respeito mútuo e novos formatos de relações familiares.  

As histórias românticas também assumem um papel importante. Depois de décadas de casamento, Grace e Frankie se veem solteiras e livres para explorar novos amores. Seus relacionamentos são retratados de forma leve e divertida, com momentos cômicos e situações inusitadas, mas a série também aborda temas como insegurança, medo da rejeição e a necessidade de se sentir desejada e amada, independentemente da idade. A trama desafia os estereótipos sobre amor e sexualidade na terceira idade, mostrando que relacionamentos intensos e significativos podem acontecer após os 70 anos.  

Ainda assim, o grande coração da série é a amizade entre Grace e Frankie. Juntas, elas descobrem que são revolucionárias, aprendendo sobre liberdade, amor e o direito de existir sem que suas identidades sejam anuladas no processo. Grace e Frankie é uma série arrebatadora que nos convida a refletir sobre como a cultura apaga e invisibiliza corpos, tornando essencial que essas vozes sejam ouvidas. Mais do que nunca, a série reforça que idade não define o potencial de uma mulher — e que ter alguém ao lado para segurar sua mão torna essa jornada ainda mais poderosa.  

Ficha técnica
 Título original: Grace and Frankie

Estrelando: Jane Fonda, Lily Tomlin, Martin Sheen

Criação: Marta Kauffman, Howard J. Morris

Ano de Produção: 2015

Gênero: Comédia e drama

País de Origem: Estados Unidos

Lily Tomlin conquistou quatro indicações ao Emmy e uma ao Globo de Ouro por seu papel nesta série de comédia.

 

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“Sonhar não tem idade”: a jornada de Mafran Guimarães na psicologia aos 73 anos

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Quantas vezes ouvimos que “já passou da hora”? Que existe um momento certo para estudar, para recomeçar, para sonhar? Maria Francisca Guimarães, a Mafran, prova que o tempo não dita nossos passos, quem faz isso é a coragem. Aos 73 anos, ela não apenas retornou à sala de aula, mas escolheu um caminho desafiador: a Psicologia.

Em um mundo que insiste em colocar prazos de validade nos sonhos, Mafran mostra que a mente não envelhece – ela se expande. Sua história não é apenas sobre livros e diplomas, mas sobre resiliência, reinvenção e a ousadia de buscar significado mesmo quando a vida poderia simplesmente “pausar”.

Nesta entrevista emocionante para o portal (En)Cena, Mafran compartilha suas motivações, os desafios de voltar a estudar em turmas de jovens e como a Psicologia transformou sua maneira de enxergar a vida. Uma conversa que inspira, emociona e nos lembra: nunca é tarde para recomeçar. “O segredo é sonhar, não existe idade para isso”.

(En)Cena – Mafran, aos 73 anos, a senhora não está apenas cursando Psicologia – está reescrevendo o que significa existir em um mundo que muitas vezes acredita que sonhos têm prazo de validade. Qual é o segredo de quem olha para o futuro sem medo, mesmo sabendo que o caminho tem mais voltas do que o esperado?

Mafran Guimarães –  Sonhar. Não existe limite para sonhar. Sonho significa despertar para continuar a caminhar. O que me moveu a estar aqui, fazendo minha quarta graduação, já com 30 anos de aposentadoria como professora, é continuar sonhando. O corpo envelhece, mas a mente se renova. E eu quero usar essa renovação para fazer um trabalho voluntário, ajudando o próximo.

(En)Cena –  O que a motivou a escolher a Psicologia, especificamente?

Mafran Guimarães –   Durante a pandemia, vi o mundo adoecer. Jovens, idosos, crianças – todos fragilizados. Busquei na Psicologia uma forma de amenizar essa dor, de oferecer escuta e acolhimento. Quero ajudar as pessoas a encontrarem um norte. “Caí, mas não fiquei no chão.
Sempre me levantei”

(En)Cena – A senhora mencionou que, durante a pandemia, enfrentou um momento muito difícil, chegando a suspeitar de Alzheimer. Como foi esse processo e o que a fez buscar ajuda?

Mafran Guimarães –  Fiquei isolada, comecei a esquecer meu próprio nome, chorava sem motivo. Percebi que estava à beira de uma depressão. Então, tomei uma decisão: “Vou socializar, vou exercitar a mente”. Mudei para Palmas, entrei na faculdade e, hoje, estou 100%. Ressignifiquei minha história.

(En)Cena – como foi a reação da família e dos amigos?

Mafran Guimarães –  Alguns disseram: “Mais uma faculdade?”. Mas meus netos me veem como referência. Sabem que sou determinada. E eu digo: “Se alguém se incomoda, problema é deles. Eu sigo meu compasso”. “O preconceito existe, mas minha vontade é maior”

(En)Cena – A senhora já enfrentou situações de etarismo (discriminação por idade) na faculdade?

Mafran Guimarães –  Sim. Um colega me deu um terço de presente e disse: “Você devia estar na igreja, não aqui”. Respondi: “Quem poderia me barrar era a instituição, meu dinheiro ou eu mesma. Nenhum dos três me impediu”. Segui em frente. “A Psicologia me fez renascer”

(En)Cena – Como o curso tem transformado sua visão de vida?

Mafran Guimarães –  A Psicologia me deu um olhar científico, mas também mais humano. Aprendi a desconstruir velhos conceitos e reconstruir com empatia. E descobri que sempre fui resiliente – como uma grama que se levanta depois de pisada. “Não existe tempo insuficiente,
só tempo mal planejado”

(En)Cena – O que a senhora diria para quem acha que “já passou da hora” de realizar um sonho?

Mafran Guimarães –  Acorde! Nunca é tarde. O que importa não é a idade, mas a vontade. Planeje, tenha foco e vá. Se eu consegui, você também pode. “Meu propósito é devolver o que recebi”

(En)Cena – Como a senhora imagina o futuro com a Psicologia?

Mafran Guimarães –  Quero trabalhar como voluntária. Já tenho o suficiente materialmente – agora quero doar cuidado, escuta, esperança. A vida me deu muito, e quero retribuir.

Se a vida de Mafran fosse um livro, esse capítulo se chamaria “Pedaços de Mim Realizados para o Outro”. Sua história não é só sobre estudar, mas sobre resistir, recomeçar e, acima de tudo, provar que sonhar não tem idade.
E você? Qual sonho ainda espera para ser vivido?

Lilian e Mafran

📌 Acompanhe mais histórias inspiradoras no portal (EN)CENA!  

Entrevista conduzida por Lilian Rosa em 10/04/2025, Palmas – TO. 

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Passarinho

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Passarinhos-Emicida

Despencados de voos cansativos
Complicados e pensativos
Machucados após tantos crivos
Blindados com nossos motivos
Amuados, reflexivos
E dá-lhe antidepressivos
Acanhados entre discos e livros
Inofensivos

Será que o Sol sai prum voo melhor?
Eu vou esperar
Talvez na primavera
O céu clareia, vem calor, vê só
O que sobrou de nós e o que já era

Em colapso o planeta gira
Tanta mentira aumenta a ira de quem sofre mudo
A página vira, o são delira
Então a gente pira e, no meio disso tudo, tamo tipo

Passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho
Nem que seja no peito um do outro
Passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho
Nem que seja no peito um do outro

Laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá

La-laia, la-laia, la-laia
Ah-ahn-ahn-ahn-ahn
Ah-ahn-ahn-ahn (ah, ah, ah, ah)

A Babilônia é cinza e neon, eu sei
Meu melhor amigo tem sido o som, okay
Tanto carma lembra Armagedom, orei
Busco vida nova tipo ultrassom, achei
Cidades são aldeias mortas, desafio nonsense
Competição em vão, que ninguém vence
Pense num formigueiro, vai mal
Quando pessoas viram coisas, cabeças viram degraus
No pé que as coisas vão, jão, doideira
Daqui a pouco resta madeira nem pro caixão
Era neblina, hoje é poluição
Asfalto quente queima os pé no chão
Carros em profusão, confusão
Água em escassez, bem na nossa vez
Assim não resta nem as barata (é memo)
Injustos fazem leis e o que resta procês?
Escolher qual veneno te mata
Pois somos tipo

Passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho
Nem que seja no peito um do outro
Passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho
Nem que seja no peito um do outro

Laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá

Laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá

Laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá

Passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho
Nem que seja no peito um do outro
Passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho (dois, três, quatro)
Nem que seja no peito um do outro

Fonte: Desenho para Colorir

Quem diria que uma música lançada lá em 2015 faria tanto sentido ainda em 2024? Como ele revela na letra de “Passarinhos”: “E dá-lhe antidepressivos /  o são delira / Então a gente pira  / Cidades são aldeias mortas / Competição em vão, que ninguém vence”. Estes refrões carregados de significado simbólico, marcam uma angústia muito contemporânea, na qual o homem vive de anestesiar suas emoções, em uma vida de competições, que acaba por ser sem sentido, dito que a linha de chegada é inalcançável, e a evidente perda do senso coletivo, de um pertencimento comunitário resultando em uma aldeia morta, então o que resta a nós, a não ser pirar? E ouso dizer que pirar é o mais perto que chegamos da lucidez. 

Nos tensiona a uma reflexão acerca de como temos sofrido um deslocamento de valores, na perda de processos de significâncias, que postulam tanto o homem, quanta a terra em objetos: “Quando pessoas viram coisas, cabeças viram degraus”/“No pé que as coisas vão, jão, doideira Daqui a pouco resta madeira nem pro caixão. Simbolizando aqui a nossa perda e desencantamento do mundo, de onde se desloca o sagrado do corpo e território, transformando-os em matéria, que podem ser exploradas, vendidas e subjugadas, dada a essa perda de significado e sentido, e a um processo de racionalização que retira o sentido mágico que transforma tudo em apenas “coisas e objetos”. 

“Quanto mais o intelectualismo repele a crença na magia, e com isso os processos do mundo ficam ‘desencantados’, perdem seu sentido mágico e doravante apenas ‘são’ e ‘acontecem’, mas não ‘significam’ mais nada, tanto mais urgente resulta a exigência, em relação ao mundo e à ‘conduta de vida’ como um todo, de que sejam postos em uma ordem significativa e plena de sentido” (WEBER, 1991, p. 344). 

Em uma rápida busca no google, em 2024, esses são os títulos de algumas manchetes : “Seca ‘sem precedentes’ faz lago no AM definhar” (Uol, 2024);  “Inmet publica alerta laranja” (Agora RS, 2024); “Cerrado tem alta de 19% nos alertas de desmatamento” (Agência Brasil, 2024); “Focos de incêndio na área amazônica em 2024 superam os números do ano anterior” (CNN Brasil,2024); E lá em 2015 já cantava Emicida: “Era neblina, hoje é poluição/Asfalto quente queima os pé no chão /Carros em profusão, confusão/ Água em escassez, bem na nossa vez/ Assim não resta nem as barata (é memo)/ Injustos fazem leis e o que resta procês? Escolher qual veneno te mata”/ No pé que as coisas vão, jão, doideira/ Daqui a pouco resta madeira nem pro caixão” com muita sensibilidade esse refrão me toca, pois todos os dias as notícias e manchetes pronunciam, a chegada desse dia, em que não teremos madeira nem pra caixões, e sentir a iminência desses versos, nós despertam indignação e desesperança, com o descaso por crises humanitárias que são recorrentes de anos, me faz pensar no que disse Alanis Obomsawin “Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver sido poluído, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come.”  É urgente rever nossas formas de existir, é urgente que se dê nome aos grandes “produtores” dessas crises os “Injustos fazem leis”, que sejam taxadas as desigualdades, que imperam na criação de calamidades humanitárias e ambientais.

Mas apesar de: “Despencados de voos cansativos/ Complicados e pensativos/ Machucados após tantos crivos/ Blindados com nossos motivos/ Amuados, reflexivos.” Podemos então acreditar que “Será que o Sol sai prum voo melhor” Emicida traz aqui uma metáfora “soltos a voar, dispostos a achar um ninho/ Nem que seja no peito um do outro” que eu traduzo como uma tecnologia revolucionária o procurar o outro, o formar um ninho, o encantar o mundo, o resgatar simbolismos, e quem sabe assim voltar a criar dias melhores.

Referências

CAPRIOLI, Victor. Agora RS. O retorno da chuva. Inmet publica alerta laranja de tempestade para o RS. Rio Grande-Sul. Disponível em: <link>. Acessado em: 03 Out, 2024.

UOL. Seca ‘sem precedentes’ faz lago no AM definhar. São Paulo,2024. Disponível em: <link>. Acesso em 03 Out, 2024.

BONDE, Letycia. Agência Brasil.Cerrado tem alta de 19% nos alertas de desmatamento em fevereiro. São Paulo, 2024. Disponível em: <link>. Acesso em 03 Out, 2024.

CARDOSO, Alan. CNN Brasil. Focos de incêndio na área amazônica em 2024 superam os números do ano anterior. São Paulo, 2024. Disponível em: <link>. Acessado em 03 Out, 2024.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. vol. I. Brasília: Ed. Univ. Brasília, 1991.

 

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Voltar…

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“De volta para si”

Voo de alma, onde ela quer pousar?

Alma que ainda sente fome…

Quem é tu?

vazio.

teu vazio é tu.

Quem é tu?

Paixão, força e selvageria ? 

Talvez, é o que tua alma queira…

Onde te enterraste?

De onde te tiro?

Vem comigo caminhar, ao pôr do sol…

Amar outra vez… 

Quem sabe… sambar? 

Quem sabe… rezar?

Mas vem, vem recomeçar

Xeretar, intrigar, formigar, sentir, sorrir, IR…

Mundo … mundo meu, quente me queima, frio me gela.

Eu preciso de um cobertor? Preciso de coragem…

Me desenterrar de casebres, que roubam minha magia ,minha bruxaria…

Minha voz, minha alegria.

E tal qual um animal enjaulado,domesticado, que ruge …

pois desaprendeu a manhã da selva, o existir e o sentir.

 

Mas tem na memória uma bruxa queimando na fogueira,

distante no tempo, com seu riso gutural.

Minha ancestral, guia espiritual

No batuque …O desejar!

De viver o desejo, de sonhar!

De ter o desejo e o desejar.

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Raça e desigualdade: a base injusta que alimenta o capitalismo no Brasil

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O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)

Ao se falar de desigualdade no Brasil, o retrato é muito claro, o grupo do 1% mais rico do Brasil tem um rendimento médio mensal 39,2 vezes maior que os 40% com os menores rendimentos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (MOURA, Agência brasil 2024).

O rendimento médio mensal real domiciliar per capita — ou seja, a renda média de um domicílio dividida pelas pessoas que lá habitam — do 1% mais rico foi de R$ 20.664,00 (vinte mil seiscentos e sessenta e quatro reais) em 2023, um aumento de 13,2% em relação ao valor observado em 2022, qual seja, R$ 18.257 (dezoito mil duzentos e cinquenta e sete reais). Enquanto isso, o rendimento médio mensal dos 40% mais pobres foi de, em média, R$ 527,00 (quinhentos e vinte e sete reais) no ano passado, o que representa uma alta de 12,6% em relação ao número registrado em 2022, qual seja, R$ 468,00 (quatrocentos e sessenta e oito reais). (Miato, G1 2024)

Logo, tem-se que a renda média do grupo mais rico cresceu mais em um ano do que a dos 40% mais pobres. Não bastando, o crescimento da renda daquele grupo foi ainda maior que a média nacional, veja: 

O rendimento médio no Brasil subiu 11,5% entre 2022 e 2023, passando de R$1.658 para R$1.848, maior valor da série histórica da pesquisa. E entre o 1% mais rico: R$ 20.664, uma alta de 13,2% em relação aos R$ 18.257 de 2022;” (Os dados fazem parte de uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado pelo instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022).(Miato, G1 2024)

Analisando detidamente os dados acima explanados, questiona-se: sobre qual pele recaem os efeitos de tamanha desigualdade? Quais grupos levam nas costas o peso dessa disparidade? E, principalmente, como se dá a perpetuação de um sistema tão desigual? De onde vem tanto para uns e tão pouco, ou nada, para outros?

É claro que, ao se falar de desigualdade, o processo de acumulação de riquezas da população abastarda vem de uma herança escravocrata, “a herança da escravidão se expressa nas instituições e nos lugares ocupados pelos brancos. Um período de exploração, tanto dos recursos quanto das pessoas” (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)

Ao ver como essas riquezas foram sendo acumuladas, tem-se o retrato do hoje e de como é penalizada a população hipossuficiente, em um sistema convenientemente estabelecido e mantido pela desigualdade, são homens e mulheres negras, são pessoas à margem da sociedade que carregam o peso do sistema capitalista, que sobrevivem com o mínimo, já dizia sabidamente Cida bento (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022):

uma sociedade que se alimenta do lucro e do preconceito de raça vendido como liberalismo meritocrático. O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Bento, 2022, p.). 

É notório que a história do nosso país (Brasil) carrega uma dívida para com a população negra, que sistemas de cotas e incentivos do governo tidos como mecanismo reparadores dessa história, se tornam frágeis tapa buracos, pois foram quase 400 (quatrocentos) anos de escravidão em um país com pouco mais que 500 (quinhentos) anos:

“Por 388 anos o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo: extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café. A mão de obra escrava era a força motriz dessas atividades econômicas. E os fazendeiros tornaram-se o grande sustentáculo econômico do regime imperial.”(PENNA, Senado notícias, 2019); 

Se você questionar onde se concentra a maior parte da população negra, qual a renda, mercado de trabalho disponível, cargos ocupados e funções desempenhadas, quais serão? Tem-se aqui como resposta o pior recorte social possível, são subalternizados, marginalizados, explorados. Esquecidos à mercê de um sistema que não os enxerga. Gente que necessita! Que a fome é a realidade diária, que falta recurso, onde sequer as necessidades básicas são supridas, que falta dignidade à pessoa humana e, é por meio desse necessitar, que são mantidos nesses espaços subalternos, cativos não só em sentido figurado, mas infelizmente no terror literal da palavra.

A partir do sistema capitalista, onde se tornam escravos remunerados por “trocados” que mal suprem as míseras necessidades, de onde estão tão imersos que não se tem tempo para pensar ou questionar, quiçá modificar tais estruturas, sem grandes chances de ascenderem, pois as portas abertas são mínimas, as oportunidades de crescimento escassas e longe dessa realidade, regadas pelo dissimulado mito da democracia, mito esse que impede a consciência objetiva do racismo e o conhecimento direto de suas práticas concretas. O mito da democracia racial se baseia na crença historicamente construída sobre a miscigenação, mas Gonzales (2018, p.110) advertia que “Na verdade, o grande contingente de brasileiros mestiços resultou de estupro, de violentação, de manipulação sexual da escrava etc.”

O que convenientemente, ou melhor, dizendo, absurdamente coloca o negro como responsável por seu estado de pobreza e vulnerabilidade uma vez que vivemos em “uma democracia racial”. Mas a realidade é que o racismo é uma articulação ideológica para a manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele é um dos critérios de maior importância, sua exploração ou superexploração traz benefícios diretos e indiretos à população, ou seja, a discriminação não passa de um instrumento do capitalismo, que acomoda a estrutura social sem pretensão de mudança.

Concluindo-se que a fome e a desigualdade são necessárias para manutenção do sistema capitalista, para o sistema de dominação, e tristemente aderido por todo território brasileiro, cujos índices de subempregos em determinados setores são estratosféricos, de empresas que terceirizam serviços para continuarem a se beneficiar da força de trabalho barata, sendo que o seu quadro de funcionários é majoritariamente composto por negros, com baixo custo por empregado, rendendo alto lucro e uma força de trabalho descartável.Por fim, urge a necessidade de pensar em novas formas de existir, é necessário desmistificar manipulações discursivas a respeito de questões raciais, é preciso pensar os dividendos da herança escravocrata, contar a verdadeira história do país, modificar as profundas estruturas, repensar as academias e áreas do conhecimento que são usadas na perpetuação do sistema e, só assim, talvez, se balance a estrutura podre desse sistema.

 

Referências:

MIATO, Bruna: Desigualdade no Brasil: rendimento mensal do 1% mais rico é 40 vezes maior que dos 40% mais pobres.G1 Economia,2024. Disponível em:https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/04/19/desigualdade-no-brasil-rendimento-mensal-do-1percent-mais-rico-e-40-vezes-maior-que-dos-40percent-mais-pobres.ghtml. Acesso em 19 de Maio de 2024;

MOURA, Bruno Freitas: A renda dos 10% mais ricos é 14,4 vezes superior à dos 40% mais pobres. Agência Brasil, 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-04/renda-dos-10-mais-ricos-e-144-vezes-superior-dos-40-mais-pobres .Acesso em 20 de Maio de 2024;

MAEDA, Patrícia: O racismo brasileiro na obra de Lélia Gonzalez:CartaCapital,2020.Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/sororidade-em-pauta/o-racismo-brasileiro-na-obra-de-lelia-gonzalez/ .Acesso no dia 20 de Maio de 2024;

PENNA, Carlos. Há quase 131 anos senadores aprovaram o fim do racismo no Brasil. Senado notícias, 2019. Disponível em : https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/13/ha-131-anos-senadores-aprovavam-o-fim-da-escravidao-no-brasil#:~:text=Por%20388%20anos%20o%20Brasil,sustent%C3%A1culo%20econ%C3%B4mico%20do%20regime%20imperial. Acesso em 2024.

RUPP, Isadora: ‘A herança escravocrata trava o avanço do Brasil’.NEXO,2022.Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2022/03/25/a-heranca-escravocrata-trava-o-avanco-do-brasil. em 20 de maio de 2024;

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“Saber de Mim: autoconhecimento em escrevivências negras – Pra preto ler -”: um olhar para a saúde mental

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  “Saber de Mim” é um livro de autoconhecimento em escrevivências negras, elaborado por um time de psicólogas, escritoras e pesquisadoras do campo de saúde mental de pessoas negras, Bárbara Borges e Francinai Gomes. Este foi publicado em 2023. O livro traz o desenho de como o racismo estrutural atravessa a subjetividade de pessoas negras e também a reflexão acerca de práticas de bem-viver para a comunidade negra, visando descolonizar corpos, territórios e afetos. Para tanto, é necessário um mergulho profundo nas estruturas que formam a identidade de pessoas negras.

  A obra questiona o lugar da alienação racial, pois alienar o sujeito é um projeto de desconexão do mesmo. Um sujeito que não vê cor não se vê no passado, presente e futuro. Assim, é um sujeito desapropriado de si mesmo em todos os aspectos, ao qual o ideal de ego é negado — função essa que tem o papel de fortalecer a identidade do indivíduo. O ideal de ego operante é o da branquitude, que normatiza, padroniza e afirma categoricamente que todos somos iguais, sem levar em conta as determinantes que singularizam os indivíduos em sujeitos únicos, seja em seus fenótipos, territórios ou cognições. Portanto, esse ideal de ego operante é impossível de ser concretizado por pessoas negras. Assim, faz-se necessário compreender que se vive em territórios que minam qualquer possibilidade de construir uma identidade compatível com corpos negros. Nesse espaço, é essencial ressignificar experiências, refazer signos e simbolizar afetos. Esse não é um processo que é sempre belo, podendo descortinar dores, constrangimentos, medos e findar relações e comportamentos que eram sustentáculos no cotidiano.

O livro desperta a atenção para crenças que temos, de que é necessário reivindicar a dor como tradução do desejo de acolhimento. Indica a visão de que é importante desfazer o engano de que a dor é o único meio para que tenhamos acesso a afetos, pois nos tornamos sujeitos a partir das narrativas que construímos sobre nós e não do sofrimento que vivemos. Sentimos dor porque somos humanos, e não o contrário, assim visualizando a totalidade da vida e retirando a dor da centralidade da nossa existência. Pois a violência racista desloca o prazer do centro do pensamento e institui o sofrimento como premissa da identidade negra. Esse mecanismo produz desesperança e desconexão com o futuro.

Temos sido norteados por violência racista e angústias que têm nos condicionado a viver o ódio, o desprazer e a morte nas relações subjetivas e coletivas. Por sermos um povo marcado pela angústia não cuidada e tragédia não elaborada, somadas à ausência de senso de comunidade, temos dificuldade de seguir em frente. Os binômios que associam a identidade negra a sofrimento, violência e morte precisam ser identificados, questionados e revogados em nossas subjetividades e coletividades. Assim, construímos um futuro fincado no compromisso, confiança, respeito, união, acolhimento e fraternidade entre nós, nos conectando com a nossa própria história e visualizando novas possibilidades a partir das nossas potências. Nesse futuro, tanto individual quanto coletivamente, poderemos construir novas conexões entre nós, a partir de crenças e emoções que permitam experimentar a esperança, coragem e união para visualizarmos o que nos conecta além da dor.

  “Saber de Mim” é um mergulho na complexidade de muitos processos de desenvolvimento, que foram permeados por violências, abandonos e precarização. Uma subjetividade que foi atravessada por todos esses fenômenos, que impossibilitam a complexificação do ser e nos confinam a uma história de dor. É preciso considerar que o movimento de observar e atribuir significado, por meio de símbolos, é aprendido na estrutura relacional e afeta diretamente a produção da nossa subjetividade. Portanto, é preciso um processo de autoconhecimento, para que se identifiquem múltiplos fatores que contribuem para essa construção. Pensar como fomos moldados por eventos e relações, sem negar ou desrespeitar a nossa dor, mas lançar um olhar minucioso sobre nossas práticas, para conectar eventos e reivindicar a existência de um ser humano complexo que é atravessado e atravessa. O processo de tornar-se negro é cheio de si e de particularidades, tudo pode ser observado, desde a forma como nos comunicamos até a expressão do nosso silêncio, fugindo assim de uma ideia simplista e utópica de linearidade.

É uma leitura que nos alerta também sobre a construção de um falso eu, com a necessidade de aceitação, do qual nega-se o contato com quem somos de fato e que produz distorções na busca por alcançarmos um lugar de desejados, que nos é negado. Através desse movimento, passamos a nos enxergar somente através destas distorções. A fragmentação do eu funciona como um conjunto de expressões, associações, desejos, comportamentos e afetos, acionados para forjar o nosso verdadeiro eu, que são convertidos em comportamentos e discursos que supostamente satisfazem o outro e garantem o resultado esperado, esquecendo assim o nosso próprio desejo, focando no desejo do outro, mas nunca no nosso potencial de conquistarmos o outro por quem verdadeiramente somos. Ou seja, um estado de negação que nos impede de construir uma noção verdadeira de um eu fortalecido. 

Quando deixamos de comunicar a verdade sobre nós, criamos, ainda que indiretamente, uma barreira entre nós, o outro e a possibilidade de amar e viver o amor plenamente. A dificuldade de nos reconhecermos enquanto seres que podem acessar sua própria verdade nos coloca em conflitos, nos quais o medo ocupa a centralidade e que nos insere em um processo de assujeitamento, construído por meio da insegurança, que determina a manifestação do verdadeiro eu como falsa. Assim, ainda que o sujeito tente comunicar a verdade sobre seus desejos e sobre si, é atingido por um bombardeio de suposições e crenças, que inviabilizam e silenciam qualquer manifestação desse verdadeiro eu. E, apesar de compartilharmos dores, é no campo do individual que elas se desdobram e provocam novas pulsões. E, para tanto, a comunicação desse sujeito seria uma reivindicação de si, uma expressão de si e da sua própria existência, partindo do lugar de sujeito ativo, um lugar que exige coragem e autoconhecimento. E como fomos marcados por eventos em que a comunicação foi apontada como um elemento causador de conflitos, que provocava e justificava violência, assumimos que o silêncio ao qual nos impomos seria um recurso para evitar estes episódios. O autoconhecimento é a ponte capaz de conectar o espaço entre a marca de suprimir emoções e a comunicação saudável. Saber visualizar o que são os processos sociais e individuais para compreender como eles nos montam e desmontam no tecido social.

Somos convidados a olhar e confrontar nosso despreparo histórico-colonial ao olhar o campo do amor e da comunicação, levando à consciência falsas ideias que caracterizam essa marca, como se ela nos pertencesse naturalmente. Pois amor é ação, e comunicação é aprendizagem. Por isso, devemos demarcar o tempo, resgatando o passado e fazendo novas conexões. Navegar o trauma colonial e as práticas românticas em movimentos literários que não possibilitam uma imagem do corpo negro como existente, que expressam afetos nestes formatos ditados pelo ideal da branquitude. E pensar que os espaços de socialização, como escolas e ruas, são hostis, negam cuidado e acolhimento e ainda direcionam ódio e desprezo aos nossos corpos. Assim, é um corpo privado, desde a infância, de trocar afetos de forma “convencional”, ou seja, as formas socialmente reconhecidas pelo território colonial, que nos fazem sentir como incapazes de amar ou sentir amor.

E, para conseguirmos realizar conexões, precisamos compreender que o autoconhecimento é a ferramenta apropriada para agir de forma a identificar, ressignificar e transformar o que é essencial, descortinando a nossa história e trazendo à tona descobertas e desconhecimentos sobre nós, considerando a nossa pertença racial como elemento modulador da subjetividade. É produzir estratégias de autodeterminação e dignidade para refazer as noções de nós e investir em observações de como se constroem as representações de como somos vistos, é mudar as nossas referências para enxergarmos os potenciais individuais e coletivos, é desalienar nossos corpos para sentirmos e vivê-los, como mediador e produtor de movimento, sensações, ritmos, emoções e interações, em uma apropriação de si, no movimento de conhecer as nossas histórias, vulnerabilidades, forças e desejos, assim rompendo com o medo para construir uma identidade de valorização. Pois o processo de alienação de si é mantido presente por meio da ausência de consciência; engana-se quem pensa que o racismo está apenas no campo social; ele é também uma estrutura de cognição, afetos e comportamentos, a partir de linguagem, signos e significados que orientam os nossos processos psicológicos.

 

Referências

BORGES, Bárbara; GOMES, Francinai. Saber de mim:Autoconhecimento em escrevivências negras. São Paulo: Almedina Brasil, 2023.

 

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