Do porto azul-marinho

Compartilhe este conteúdo:
“…o que há são as ondulações do mar, as curvas da embarcação, as sinuosidades do corpo”

Quando a água do mar e o homem se confundem, o que há são as ondulações do mar, as curvas da embarcação, as sinuosidades do corpo, tudo conformado numa imagem que remete a um movimento único. Mar-lugar de vertigens de vai-e-vem, de perplexidades diante da abundância ou míngua da pesca, de imensidão de água até onde os olhos não podem mais ver, de respeito pela maré cheia e pela maré seca, de saberes passados de pais para filhos nas permanentes e incontáveis trajetórias de pescas.

No mar há portos. Porto de barcos, porto de corpos. O primeiro lança e recebe homens do mar; o segundo, apenas recebe. O porto de barcos é lugar de partida, chegada e estada. Dele saem homens que sonham com pescas fartas, para ele chegam homens que sonham com descanso em terra firme e nele se instalam rotineiramente homens que se encontram para contar histórias de pescadores. O porto de corpos, lugar de areia em que os homens do mar são sepultados, é de serventia indispensável e, ao mesmo tempo, é carregada de desejo de protelação. Ali jazem homens que viveram no/com/do mar e que sabiam que, um dia, suas histórias seriam enterradas a beira-mar.

Ariana Campana

[awesome-gallery id=20765]

Compartilhe este conteúdo:

As Mulheres das águas

Compartilhe este conteúdo:
“É esse meu próprio tempo… Vertido num só rio”.

Sempre tive um quê de líquido em mim
Líquido assim, como se a evaporar.
Um preocupar-me constante
Daqueles de não se querer desistir.
Se de repente me vejo em mim
Assaz presente, ausente assazmente
É que, de repente, sou sempre.
É esse meu próprio tempo
Vertido num só rio
Outramente afluente.
É assim que, de minha ausência
Andada por minha existência,
Sou. As pedras do rio
E as águas do mar.

Victor Melo

[awesome-gallery id=20889]

Compartilhe este conteúdo:

A nau: gentes

Compartilhe este conteúdo:
“Aqui, a terra chora, derrama, fluidifica, encharca”.

Quatro dias de barco entre Manaus e Belém. Muita água! Tanta que, para um cearense como eu, acostumado a prolongadas estiagens, é difícil conceber, imaginar, ver. Aqui, a terra chora, derrama, fluidifica, encharca. Mas também há as pessoas – úmidas algumas, outras secas – quase sempre instigantes para meu olhar estrangeiro, belas mesmo no que nelas pode haver de mais horrendo. É difícil falar de cada uma. Resta-me a perplexidade e, claro, sobra-me olhá-las. Ei-las.

Mardônio Parente

[awesome-gallery id=21032]

Compartilhe este conteúdo:

Robert Mapplethorpe: entre o erótico e o sublime

Compartilhe este conteúdo:

Robert Michael Mapplethorpe era um homem dividido. Em 1977, apenas para ilustrar tal fato, Mapplethorpe inaugurava, no mesmo dia e na mesma hora, o que se pode designar como suas duas primeiras exposições que alcançaram algum sucesso. A apenas poucos metros de uma galeria a outra, ele mostrava suas duas faces. Em um dos espaços, para uma assistência mais requintada, o fotógrafo expunha seus retratos e suas naturezas mortas; na outra galeria, via-se o tema que o fascinou durante quase toda a sua vida: a estética do sexo sadomasoquista e o submundo guei. Essa última exposição estava voltada para um público saído dos bares underground da cidade de Nova York.

Self Portrait, 1980

Não poderia ser diferente. Mapplethorpe nunca encontrou um ambiente completamente propício para a exposição de seus trabalhos que traziam a temática sexual, apesar de seu incontestável apuramento estético e rigor técnico. O fotógrafo descobria caminhos alternativos. Suas flores, talvez, sejam o melhor exemplo de tais subterfúgios.

Calla Lily, 1984

Mapplethorpe odiava as flores ao mesmo tempo em que fez, talvez, as melhores fotos de flores que se conhece hoje. Como seria possível? Quiçá a resposta está na frase que, no fim de sua vida, o fotógrafo pronunciou por ocasião de uma entrevista a uma revista: “Eu fotografo flores como quem fotografa uma pica”. Basta olhar para a maioria de suas flores para se ter uma idéia da justeza dessa afirmação. O artista, mesmo diante de flores, fotografava o erótico. E sua relação com as flores era a mesma que mantinha com a maioria de seus modelos masculinos: uma relação fortemente sexualizada e objetal. É possível que isso explique o fato de o fotógrafo jogar suas flores/modelos no lixo imediatamente após suas fotos/coitos.

Double Jack in the Pulpit, 1988

Nascido em 4 de novembro de 1946, terceiro filho de uma prole de seis, Mapplethorpe lutou durante toda a sua infância e parte de sua adolescência para conquistar um lugar junto aos carinhos do pai. Contudo, o pequeno Robert sempre encontrou um forte concorrente: seu irmão Richard, cerca de um ano e meio mais velho. Richard era uma criança expansiva, bonita e máscula, enquanto Robert, descrito pelo pai como “nervosinho”, sempre fora tímido, distraído, deslocado e fisicamente mais frágil que o irmão. Cedo, a mãe de Robert percebera a diferença entre os filhos e, naturalmente, Robert passara a ser seu preferido. Contudo, com o nascimento de outros filhos (mais três, depois de Robert), a atenção de sua mãe teve de se voltar para os menores, fazendo com que o pequeno Robert permanecesse sem um lugar muito claro na dinâmica de sua família.

A família Mapplethorpe prezava por uma vida metódica e sem grandes novidades. O avô de Robert, apesar de declaradamente odiar o serviço bancário, fora funcionário exemplar, durante cinqüenta anos, em um banco. Casados em 20 de junho de 1942, os pais do fotógrafo, Harry e Joan Mapplethorpe, após a Segunda Guerra Mundial, mudaram-se para o bairro do Queens, na periferia da cidade de Nova York, e viveram lá toda sua vida conjugal. Moravam em um conjunto operário – de casas brancas, com quatro quartos, idênticas entre si – chamado de Floral Park. Na década de 50, para se ter uma idéia do ambiente de Floral Park, o simples fato de se mudar a cor da fachada de uma casa provocava comentários e mesmo revolta dos vizinhos. Foi nesse ambiente completamente avesso ao novo que Robert Michael Mapplethorpe foi criado.

O pai de Robert, Harry Mapplethorpe, trabalhou durante quase sua vida inteira nos Laboratórios Underwriters, em Manhattan e, apesar de ser um dos poucos habitantes de Floral Park com diploma universitário (Harry era engenheiro), não conseguia ganhar substancialmente mais que seus vizinhos. Harry Mapplethorpe amava a rotina e a continuidade, prezava por manter o controle de todas as situações, o que fazia com que ele exercesse grande poder sobre os filhos. As manias de Harry beiravam a esquisitice: colecionava peixes tropicais, moedas, selos e construía relógios cuco. Gostava ainda de fotografia (embora se dedicasse bem mais ao processo de revelação e cópia das fotos do que propriamente ao que a fotografia poderia lhe proporcionar de criatividade e inovação) e consertava pequenos aparelhos eletrodomésticos (como batedeiras e aspiradores de pó).

A mãe de Robert, Joan Mapplethorpe, era uma mulher expansiva e de hábitos arraigados. Bem quista na vizinhança de Floral Park por sua simpatia e personalidade forte, manteve até sua velhice o hábito de se reunir com as amigas para o boliche, todas as terças feiras. Joan tinha uma espécie de obsessão por limpeza e organização da casa, coisa que lhe levava, não raro, à exaustão completa. Levantava pela madrugada para continuar a limpeza do dia que, parecia-lhe, não fora satisfatória. Joan, que sofreu vários episódios de depressão durante a vida, mais tarde foi diagnosticada como portadora de transtorno afetivo bipolar.

Robert Mapplethorpe teve que tentar se adaptar à mediocridade de seu ambiente. Nem um pouco ligado a atividades atléticas, teve de lidar com o sucesso esportivo de seu irmão Richard. A relação entre eles ia da indiferença à hostilidade aberta e, apesar de dividirem um quarto por boa parte de suas meninices, havia como que uma linha imaginária mas intransponível entre “o lado de Robert” e “o lado de Richard”.

Richard era tido como o exemplo de um bom filho. Jamais questionava as decisões do pai e isso era uma atitude que gerava muita animosidade entre os dois irmãos. Apesar dessa animosidade ou por causa dela, Robert Mapplethorpe tentava, de uma ou outra forma, seguir os passos do irmão mais velho. Foi nesse sentido que Robert, seguindo Richard, acabou por entrar em um grupo de adolescentes católicos, ligado à igreja de sua comunidade, que era tido como muito conservador e machista. Foi ainda seguindo Richard que Robert, ao final de sua adolescência, já na universidade, optou por ingressar em um destacamento militar extremamente rigoroso.

Robert, contudo, intimamente nunca pertencera de fato a tais grupos. Antes de darem um real lugar a Robert ou fornecerem uma identidade, tais grupos faziam com que ele fosse duplamente excluído. Excluído de seu ambiente originário pela própria associação a grupos fechados e não totalmente aceito por essas agremiações.

Robert Mapplethorpe era um estranho em seu próprio meio. Mostrou muito cedo habilidades com o desenho, mas tais habilidades nunca foram realmente valorizadas nos diversos ambientes que freqüentava. Vindo de uma família católica, Robert, ainda criança, mostrava grande interesse em desenhar a Virgem Maria. Fazia-o decompondo o rosto da Virgem de tal forma que quase sempre seus desenhos eram vistos como grosseiros e mal elaborados. Durante toda a vida, Robert Mapplethorpe seria fascinado por temas religiosos, que iam da magia à astrologia, da adoração ao demônio ao catolicismo mais fervoroso. Após sair de casa, durante toda sua vida, o artista manteve um altar em seu quarto, onde se viam imagens de Cristo crucificado, crânios, demônios e símbolos esotéricos. Robert também não se encontrava nas coisas da religião.

Com cerca de 12 anos, Robert Mapplethorpe teve contato, pela primeira vez, com uma revista destinada ao público homossexual masculino, na qual havia gravuras de teor sexual. Aquilo teria exercido tão grande impacto sobre a sexualidade de Robert que, durante o resto de sua vida, o fotógrafo lembraria desse episódio. Como era ainda menor de idade, portanto proibido de ter acesso a tais revistas, Robert decidiu roubá-las de um comerciante cego. Contudo, em sua primeira tentativa, foi pego e, por muito pouco, sua família não ficou sabendo. Decidiu, a partir daí, eliminar de sua vida esse aspecto de sua sexualidade. Ainda por muitas semanas a fio, Robert teria pesadelos com o jornaleiro cego.

Em 1963, Mapplethorpe, a conselho do pai, ingressou no Pratt Institute, mas a contragosto de Harry, Robert se matriculou no curso de arte daquela escola. O próprio Harry havia sido aluno do Pratt cerca de 25 anos antes e gostava do fato de que o instituto tivesse uma rígida disciplina e uma abordagem educacional bastante pregmática. Harry acabou por convencer Robert a fazer sua especialização em ilustração e tipografia. Robert, contudo, jamais terminaria aquele curso apesar de freqüentá-lo por cerca de quatro anos.

Em setembro de 1963, Robert decidiu sair de casa e morar em um apartamento alugado. Na época, contava com o pequeno salário relativo a seu ingresso em um grupo militar, vinculado ao Pratt, com características fascistas e extremamente homofóbico. No grupo, por sua sensibilidade e gentileza, Robert servia como uma espécie de saco de pancadas para os integrantes mais antigos.

Foi no Pratt Institute que Mapplethorpe, pela primeira vez, teve contato com drogas. Na época, o LSD estava em alta e gozava de grande popularidade entre os jovens. De 1966 até sua morte, as drogas lhe seriam companheiras inseparáveis. Maconha, cocaína, LSD, mescalina e anfetaminas fariam parte de seu cotidiano. É possível que Robert, a partir de então, jamais fotografou sem antes se drogar.

Self Portrait, 1975

Em 1967, Robert conhece Patti Smith, mais tarde estrela do rock-punk, e passa a dividir um apartamento com ela. Robert e Patti tiveram um intenso caso de amor por cerca de dois anos e, mesmo depois de separados, foram amigos por toda a vida. Ambos tinham o sonho de viver de suas artes: Patti, de poesia e música; Robert, de artes plásticas (naquele tempo, ele ainda não usava a fotografia como meio de expressão).

Na época, Robert lutava contra sua homossexualidade e seu relacionamento com Patti Smith deu-lhe uma espécie de segurança. Patti, apesar de declaradamente heterossexual, freqüentemente se vestia com roupas masculinas e, fisicamente, parecia com Robert, que sempre teve uma aparência andrógina. Chegavam mesmo, quando juntos, a serem confundidos um com o outro. Em 1967, quando Patti anunciou o fim do relacionamento, Robert avisou-lhe que se tornaria guei.

Como principal porto de desembarque das tropas americanas que haviam lutado no pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, São Francisco, na época, contava com uma grande população homossexual, originada do contingente de homossexuais expulsos das forças armadas após o fim dos combates. Foi para lá que, em 1968, Robert decidiu fazer uma viagem de alguns dias para ver “de uma vez por todas” se era mesmo guei.

Do final da década de sessenta para o início dos anos setenta, Robert entrou em contato com a cultura guei sadomasoquista. Nessa época, havia uma glamourização da estética sadomasoquista, conhecida como “brutalidade chique”, retratada principalmente nas revistas de moda. Contudo, em tais revistas, o sadomasoquismo era representado sempre em sua versão heterossexual. Mapplethorpe passou, então, a freqüentar regularmente (coisa que faria até seus últimos dias) os bares gueis sadomasoquistas em busca de parceiros sexuais.

Ken Moody and Robert Sherman, 1984

Robert Mapplethorpe, segundo entrevista posterior, descrevia como um verdadeiro frenesi a sensação que teve quando se deparou com tal cultura. Teria, segundo ele mesmo dissera, encontrado finalmente “sua forma de sexo”.

Até a década de setenta, Mapplethorpe não usava a fotografia em seus trabalhos. Na época, trabalhava principalmente com montagens de diversos objetos (roupas, bijuterias e pedaços de tecidos) sobre tela. Foi apenas a partir dos primeiros anos da década de setenta que passou a se arriscar pelos caminhos da fotografia. Sem quase nenhum rigor técnico, usava uma câmera Polaroide para seus trabalhos.

Em 1972, Robert conheceu Wagstaff, um colecionador de arte bem sucedido e bem mais velho que ele, que lhe acompanhou e lhe protegeu durante quase toda sua carreira. O fotógrafo teve um relacionamento duradouro e tumultuado com Wagstaff, principalmente pelo comportamento sexual de Robert.

Ajitto, 1981

Na época, o fotógrafo estava extremamente fascinado pelo submundo sadomasoquista guei e isso teria virado uma espécie de obsessão sua. Embora Wagstaff nunca lhe tenha exigido exclusividade, o comportamento de Mapplethorpe era cada vez mais difícil de tolerar. Freqüentemente, saía á noite à procura de parceiros sexuais que compartilhassem suas fantasias. Nunca estava exatamente saciado e, freqüentemente, transava com vários homens toda noite. Essa era a forma de Robert encontrar seus modelos. Suas fotos de conteúdo sadomasoquista eram freqüentemente feitas durante ou logo após o ato sexual.

Em 1973, apresentou sua primeira exposição fotográfica já com os temas que pontuariam toda sua carreira: retratos, flores e fotos eróticas de teor sadomasoquista.

Com a convivência com Wagstaff, que provinha de uma tradicional família americana, Robert passou a viver em dois mundos completamente diferentes. Essa era uma conhecida habilidade de Mapplethorpe: transitar em ambientes completamente opostos. Essa sua versatilidade lhe rendeu importantes contatos no mundo da arte.

Durante toda a década de setenta, Mapplethorpe lutaria tanto com a rejeição relativa ao conteúdo de suas fotos quanto com a própria dificuldade de a fotografia se estabelecer como arte. Inegavelmente, Mapplethorpe foi um dos grandes responsáveis pela mudança do status da fotografia ocorrido, principalmente, a partir dos anos oitenta, época em que obteve reconhecimento em nível mundial, apesar das freqüentes censuras que sofria a cada exposição. Seus contatos na Europa, propiciados por Wagstaff, rendiam-lhe alguma fama, principalmente em Londres.

Foi na década de oitenta que Robert conheceu definitivamente a fama. Apenas em 1981, Mapplethorpe faria dez exposições individuais em cinco países diferentes. Nos últimos 10 anos de sua vida (1979 a 1989), fez 69 exposições individuais, participou de 5 livros e 15 catálogos.

Foi também nos anos oitenta que surgiu a GRID (Gay-Related Immune Deficiency), mais tarde conhecida como AIDS. Vários amigos e parceiros sexuais de Mapplethorpe estavam morrendo e não se sabia muito bem a razão. A síndrome atingia, sobretudo, homens homossexuais brancos. Nessa época, Robert tinha uma diarréia crônica provocada por amebíase intestinal, atribuída a seus hábitos coprófilos. Em 1982, internou-se pela primeira vez por um quadro que hoje teria sido diagnosticado como conseqüência da infecção pelo vírus da AIDS. Contudo, na época, o vírus ainda não tinha sido isolado e os exames imunológicos só apareceriam dois anos mais tarde.

Depois do diagnóstico de AIDS, em uma espécie de tentativa de remissão, Robert passou a fotografar temas de uma erótica heterossexual. Contudo, tais fotografias jamais alcançaram o sucesso de seus temas tradicionais, já que – mesmo quando se debruçava sobre temas explicitamente sexuais, o fotógrafo, através de um inteligente jogo de luz e do uso de filtros, obtinha uma aura lírica para suas fotos.

Robert Michael Mapplethorpe morreu de AIDS, no auge de sua carreira de fotógrafo, em 16 de março de 1989, aos 42 anos, tendo aproveitado muito pouco de sua fama. Apenas no mês de dezembro de 1988, cerca de 3 meses antes de sua morte, vendeu algo em torno de U$ 500.000,00 em fotografia.

Mapplethorpe havia virado uma febre entre os compradores de arte e marcara indelevelmente tanto o mercado da fotografia quanto toda a cultura americana.

Compartilhe este conteúdo:

CID 10: FXX.X – Transtorno homofóbico

Compartilhe este conteúdo:

As palavras, como que a reboque, trazem consigo marcas, cicatrizes e acessórios que denunciam para os mais atentos sua história e genealogia. Marcadas na própria carne, elas contam algo de seu tempo e de seus usos; não raro, absorvem conceitos paralelos, abrigando-os das intempéries sob o mesmo teto significante para, em seguida, deixar vagando ao léu significados que outrora lhe pertenceram. Pequena mas significante vitrina de uma época. É importante e prudente que estejamos atentos a essa dimensão histórica dos termos para que possamos apreendê-los de forma consciente e contextualizada.

Importante, já que é a partir daí, numa espécie de desconstrução, que se pode entender o uso corrente de determinada palavra. Prudente, pois em sua aparente banalidade, os termos carregam potencialidades de uso nem sempre ingênuos ou bem intencionados. Assim, as palavras revelam um passado e, ao mesmo tempo, apontam – dedo em riste – para um futuro.

Atualmente, com o importante papel da imprensa, notamos a cada dia a maior visibilidade que o movimento gay vem conquistando. Segundo Pereira (2004), dos anos noventa para cá, a própria cultura gay e as referências na mídia de um “gay way of life” estão cada vez mais comuns.

Com o aumento dessa visibilidade, vemos surgir, geralmente a partir dos movimentos GLBTT (Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) ou de teóricos da sexualidade, todo um novo léxico que com uma velocidade nunca antes vista ganha os mais diversos ambientes. Exemplos disso são os termos: identidade de gênero, orientação sexual, gay, queer e etc. Outro desses exemplos é o termo homofobia. Cunhado no meio científico para designar, inicialmente, a sensação de mal-estar experimentada por uma pessoa que se mantivesse em presença de um homossexual em um lugar fechado (Weinberg, 1972), o termo ganhou, ao longo dos anos, sentidos mais amplos e conquistou a língua corrente, falada no cotidiano.

Usado há décadas e totalmente consagrado, o termo mencionado se por um lado revela extrema força política, por outro – é o que tentarei demonstrar – carrega consigo uma ambiguidade perigosa.

Não faz parte dos objetivos desse trabalho a análise histórica ou a abordagem dos aspectos subjetivos, culturais, sociais ou políticos que envolvem a homofobia. É tão somente na discussão do termo homofobia e no risco do uso desse termo que mora o sentido desse texto.

Para tanto, algumas considerações se fazem necessárias.

Usar-se-á, na maior parte das vezes, para efeitos desse texto, a palavra homofobia em um sentido amplo e não para designar o discurso e a prática aversivos de homens que se dizem heterossexuais para com homossexuais masculinos. Essa opção se dá pela maior consagração do termo homofobia em relação a termos como lesbofobia, travestifobia ou bifobia e, ainda, por achar que, no que se refere a esse texto, as observações tecidas podem ser facilmente extrapoladas para as realidades da lesbofobia, travestifobia ou bifobia e etc. Assim, a tessitura dos comentários ao longo do presente trabalho poderá ser, sem grande dificuldade, aplicada às outras formas de homofobia.

Há, ainda, mais uma consideração. É inevitável que se lance mão, no corrente artigo, de conceitos psicopatológicos. Contudo, para fins desse texto, o referencial de psicopatologia será principalmente o da psicopatologia fenomenológica, pois em tal referencial teórico, em minha opinião, o conceito de fobia se aproxima mais do conceito que social e correntemente se dá a ele. E como o termo homofobia, como citado acima, tem ganho o cotidiano e já há muito se desvinculou do discurso acadêmico ou militante, um referencial teórico que aborde o fenômeno da forma que ele se dá a conhecer será mais útil para os fins a que se propõe esse artigo.

A ETIMOLOGIA

O ano, a safra, a origem, o solo, o processo de envelhecimento de um termo fazem parte de uma estranha degustação e se configuram numa espécie de “enologia da palavra”. Assim, para que possamos voltar a essa origem, às vezes esquecida, servimo-nos da Etimologia.

A Etimologia é definida por Cunha (1986) como a ciência que investiga as origens próximas e remotas das palavras, assim como sua evolução histórica. Para os fins a que se propõe esse artigo, é de grande importância que nos apropriemos do sentido original do termo “fobia” para que, a partir daí, possamos tecer o comentários a que nos propomos.

Usada inicialmente para compor termos eruditos como hidrofobia, claustrofobia, antropofobia, a palavra fobia, derivada do grego, teria se transformado em vocábulo independente na língua portuguesa, segundo Machado (1952), no final do século XIX, por volta de 1890.

No Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Silveira Bueno nos dá uma definição de fobia: “Fobia – s.f.. Nome geral que se dá a diversas inibições do espírito, medos e receios doentios. Gr. Phobia, medo, receio, de phobos + ia” (Bueno, 1965).

Para Cunha: “Fobia sf. ‘designação genérica das diferentes espécies de medo mórbido’” (Cunha, 1986).

Já Antônio de Morais e Silva, em seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vai além e nos presenteia com o termo “foba”:

Foba, adj e s. m. Bras. da Baía. Designativo do indivíduo ou o próprio indivíduo medroso, molengão, preguiçoso ou apalermado.
Fobia, s. f. (do gr. phobein). Designação genérica das diversas espécies de medo mórbido. // Horror instintivo, aversão a alguma coisa. (Silva,1949)

Interessante apropriação do termo, o uso baiano da palavra foba. Através dela, com seus sentidos de “molengão, preguiçoso ou apalermado”, somos remetidos semanticamente a uma ideia de “não movimento”, inação e indolência. Coisa que diferenciará muito do termo grego φ?βος (phóbos), que segundo Ferreira (1999) e Machado (1952) remete a uma ideia de movimento: ação de pôr em fuga, ato de expulsar, ato de fazer fugir.

A PSICOPATOLOGIA

Para Dalgalarrondo (2000), a psicopatologia, enquanto campo de conhecimento, caracteriza-se pela multiplicidade de referenciais teóricos que tem incorporado nos últimos 200 anos. Dentre as várias escolas de psicopatologia, por motivos já mencionados, falaremos a partir da psicopatologia fenomenológica à qual, segundo o mesmo autor, interessa principalmente a forma das alterações psíquicas, a estrutura dos sintomas e aquilo que caracteriza a vivência patológica.

A partir desse referencial teórico, vejamos o que alguns autores têm a dizer sobre o conceito de fobia. Para Kaplan e Sadock:

Fobia é um medo irracional de um objeto, atividade ou situação específica que leva ao evitamento. O fracasso em evitar o estímulo causa severa ansiedade. O paciente percebe que o medo é irrealista, e a experiência toda é disfórica (Kaplan e Sadock, 1995).

É interessante ver que aqui vemos a coerência com a origem grega do termo, a partir do momento em que se introduz o “movimento de fuga” no conceito. Não será muito diferente para outros autores que, com freqüência, vinculam o sentimento fóbico à necessidade de fuga e evitação. Para a Associação Psiquiátrica Americana (apud Caixeta, 2004), a fobia se caracterizaria por quatro fatores: medo importante, persistente e irracional de objetos e situações; a exposição à situação ou objeto provoca reação de ansiedade; o paciente reconhece que o medo é excessivo e irracional; e, por fim, a presença de comportamento de evitação, atrapalhando a vida da pessoa.

Um ponto de extremo interesse para a análise proposta no presente trabalho é a unanimidade, entre os psicopatologistas, do caráter irracional e incontrolável da fobia.

O termo fobia é definido como “um temor insensato, obsessivo e angustiante, que certos doentes sentem em determinada situação”.
A característica essencial da fobia consiste no temor patológico, que escapa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção. Refere-se a certos objetos, certos atos ou certas situações. Podem apresentar-se sob os aspectos mais variados. (Paim, 1980).

Seguindo nesse caminho, vemos Jaspers (1979) descrever fobia como um “medo espantoso” que ocorreria em situações corriqueiras e naturais.

Baseado nos autores citados acima, alguns aspectos do conceito de fobia nos saltam aos olhos. Primeiramente, vemos o caráter patológico do sentimento fóbico. A psicopatologia fenomenológica não encara a fobia como um evento que pode ser observado em pessoas/situações ditas normais, sendo, portanto, considerada como uma doença. Um outro aspecto é que os psicopatologistas insistem que a fobia é uma espécie de medo exagerado, medo mórbido que, muito importante, foge ao racional e ao lógico. De outra forma, não depende da vontade e é vivido como extremamente desagradável (um sentimento disfórico, estranho, vivido como uma sensação de estranheza e de não pertencimento).

Portanto, duas características, entre muitas outras, que serão importantes para nossa análise: o teor patológico da fobia e sua característica de irracionalidade e estranheza, seu caráter involuntário.

COMENTÁRIOS

Segundo Louis-Georges Tin, no Dictinnaire de l’homophobie, é possível que o termo homofobia já fosse usado na década de 60, mas foi após a publicação, em 1971, do artigo Homophobia: A Tentative Personality Profile, de Kenneth Smith, no Psychological Report, que o termo ganhou popularidade (Tin, 2003). Ainda segundo aquele autor, apesar de décadas de uso na língua francesa (aparecendo nela pela primeira vez em 1977), foi apenas em 1994 que a palavra entrou oficialmente no léxico francês.

A partir de conceitos extremamente restritivos como o de Weinberg (1972), citado acima, que definia homofobia como a sensação de se estar com um homossexual em um lugar fechado, o termo, em geral, vem ganhando novos conceitos ao longo de seus anos de uso, fazendo com que, atualmente, o termo sirva para denunciar não só práticas individuais, mas, sobretudo toda uma ideologia, que prescreve práticas coletivas, cujo discurso leva a hierarquização entre homossexualidade e heterossexualidade. Assim, a restrição legal para a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a restrição quanto a adoção de crianças por casais homossexuais, todos os demais direitos que são negados aos homossexuais, algumas teorias psicanalíticas sobre a homossexualidade e etc. seriam fatos característicos dessa “ideologia homofóbica”.

Ao lado dessa cada vez maior abrangência do termo, vemos movimentos restritivos com a intenção de evitar abrigar sob o mesmo termo fenômenos completamente diferentes. Propôs-se, portanto, termos como lesbofobia, bifobia e transfobia, para designar práticas ditas homofóbicas relativas ao grupo de lésbicas, bissexuais e transexuais/travestis (Tin, 2003).

Usado principalmente para denunciar práticas e discursos baseados na hegemonia do ser humano heterossexual – e principalmente do macho heterossexual – assim como para denunciar práticas, muitas vezes violentas, que revestem a homossexualidade de um caráter negativo em nossa sociedade, esse termo nasce investido de uma significação política incontestável e um dos sinais de sua força é a gritante atualidade do termo, apesar dos anos corridos.

Acredito que, na raiz dessa força política, more uma poderosa característica. Ao introduzir a ideia do medo (fobia) na atitude que delega a um plano secundário a homossexualidade, essa palavra diz de forma sutil, mas com todas as letras, que “macho tem medo”. E como socialmente homem que é homem não tem medo, esse termo atinge as práticas machistas em sua própria essência. Portanto, a prática homofóbica não denunciaria raiva, conservadorismo ou sexismo apenas, mas medo.

Dessa sutileza, nasce o risco do uso do termo.

Se temos, por um lado, uma ideia de aversão, nojo e ojeriza, raiva e hostilidade – ideia referendada pela etimologia – temos, por outro, uma ideia de medo mórbido, doença, sentimento doentio incontrolável e, principalmente, involuntário – ideia referendada tanto pela etimologia como pela psicopatologia. O primeiro dos sentidos seria mais próximo do uso que a militância GLBTT e os teóricos da área emprestam ao termo homofobia, contudo não creio que esse seja o sentido de fobia a que mais correntemente não militantes e não teóricos são remetidos quando entram em contato com a expressão.

Assim, possivelmente influenciadas pelo discurso psi, através de termos mais populares como claustrofobia, fobia de altura, agorafobia e etc., as pessoas associam a fobia muito mais a um medo e a uma doença do que propriamente ao ódio e à hostilidade.

Perigosa dubiedade e importante contradição: quando se usa o termo homofobia, pelo menos no sentido não coletivo do termo, refere-se, em geral, à agressividade e ao ódio que se tem em relação a homossexuais, ao passo que quando se usa o termo fobia, refere-se, sobretudo ao medo exagerado de que alguém involuntariamente pode ser vítima. Se no primeiro sentido somos remetidos a algo ativo, dirigido para o exterior, algo que potencialmente vai contra o outro e visa seu aniquilamento, no segundo sentido somos remetidos a alguma coisa interna, a uma experiência emocional, algo ameaçador apenas para quem vivencia essa experiência.

Como visto acima, pelas características de irracionalidade e morbidez da fobia, assim vista através da ótica da psicopatologia e aceita pela maior parte das pessoas, o que impediria um movimento de desreponsabilização – tanto legal quanto moral – do homofóbico por suas atitudes hostis?

Assim, se a palavra traz à cena (e porque não dizer à cena do crime) o medo que estaria em jogo nas práticas ditas homofóbicas, perigosamente retira da cena – já que estamos falando do medo – a responsabilidade de quem a pratica.

As palavras andam, voam e adquirem sentidos diversos.

A psiquiatria, que se imiscui nos interstícios do cotidiano, histórica e repetidamente, tem mostrado seu poder fagocítico ao abocanhar o mundo e digeri-lo através de sua lógica patologizante (Birman, 1978). O que faltaria para a homofobia fazer parte do DSM-IV ou da CID-10?

Apenas recentemente a homossexualidade saiu da CID-10, mas não esqueçamos que constam ainda daquela classificação o travestismo, o voyerismo, transexualismo e etc (OMS, 1993)

Sobre a retirada da homossexualidade da CID-10, é interessante notar que ainda consta daquela classificação a orientação sexual egodistônica. Esse transtorno seria o quadro “patológico” de uma pessoa que estivesse descontente, sofrendo e não aceitasse sua orientação sexual. Ora, em uma sociedade normatizadora como a nossa – auxiliada na normatização pelo próprio saber psiquiátrico – é muito difícil conceber alguém com uma orientação homossexual que não passe por conflitos quanto a sua sexualidade. Interessante movimento. A psiquiatria abdicou da “doença” homossexualismo, mas não abdicou dos “doentes”.

A orientação sexual egodistônica pode ser entendida como a patologização da homofobia quando voltada para si mesmo. Assim, a partir desse transtorno, não vejo um caminho muito longo para a patologização da homofobia voltada para o outro.

CONCLUSÃO

Em nenhum momento, o presente trabalho se propôs a questionar a validade tanto política quanto cultural, social e mesmo etimológica do termo homofobia.  Mostrando a ambigüidade que o termo traz, o que se fez foi um questionamento dos riscos potenciais de seu uso. Portanto, não há propostas, mas entenda-se este texto como um alerta.

Compartilhe este conteúdo:
silicone

Epidemia das tigelas

Compartilhe este conteúdo:

Em 1962, acontecia nos Estados Unidos da América, estado do Texas, o primeiro implante mamário de silicone. Já em sua primeira versão, as próteses mamárias – ao contrário de outras próteses, cuja finalidade é, em geral, corrigir defeito ou função de algum órgão que adoece – se prestaram à melhora da aparência estética das mamas femininas. Naturalmente, tal cirurgia nasceu e se popularizou nos Estados Unidos, país onde o conservadorismo protestante não permitiu o desejo sacrílego porobjetos cuja função reprodutora não estivesse clara. As mamas são maternais o bastante para que os americanos se permitam desejá-las.

Um pouco antes, a melhora estética proposta pela mamoplastia, foi recusada por Esmeralda, cadela que teve a primeira bolsa de silicone depositada sobre a pele. Passados alguns dias da cirurgia, Esmeralda mordeu e retirou a sutura, negando-se a levar consigo algo que não reconhecia como seu ou que, quem sabe, acabava por enfear suas tetas.

De toda forma, houve, nesse processo histórico de melhoria da aparência dos peitos que andam a chacoalhar pelo mundo, um claro ideal a se atingir: a forma natural das mamas. A mama feminina in natura, em seu formato e consistência, guiou por muito tempo as técnicas cirúrgicas e o desenvolvimento de materiais a serem utilizados nas próteses.

As tetas femininas sem silicone têm uma harmonia lírica e uma beleza generosa em sua variedade. Grandes ou pequenas, com mamilos claros ou escuros, todas as mamas ao natural possuem um perfil formado por uma linha superior côncava, que vai do colo ao mamilo, e por uma linha inferior convexa, que vai do mamilo à base da mama. O traçado lembra a suavidade de uma pincelada, a beleza singela de um monte escarpado e a alegria infantil de um tobogã.

Tal forma jamais pôde ser alcançada pela mamoplastia. Por mais hábil que seja o cirurgião que a faça ou por melhor que seja o material usado, há convexidades demais partindo para todos os lados, fazendo as tetas siliconadas parecerem tigelas em cujos fundosestão os mamilos. Pobreza estética, imobilidade e rispidez…

Dessa forma e por conta disso, as próteses estiveram restritas, durante anos, aos peitos femininos que, por algum motivo (real ou imaginário), perderam a beleza natural de que um dia foram dotados. Diante da presumível feiura tímida da flacidez, restava a gritante feiura rígida das próteses.

Para o desejo brasileiro, as mamas são maternais demais. Até gostamos de peitos, mas elegê-los como preferência, diante da beleza da bunda, parece coisa de amador. Somos grandes apreciadores das bundas, com sua gemelaridade convidativa e saltitante. Talvez, isso explique o fato aparentemente paradoxal de que, apesar de valorizarmos imensamente a beleza de um bumbum, as próteses de peito, no Brasil, são disparadamente mais comuns que a de glúteo. É que nossa expertise nos diz que nenhuma intervenção cirúrgica em uma bunda a deixará em um estado melhor do que o seu natural.

Nos últimos anos, vem acontecendo algo preocupante para os apreciadores dos corpos fêmeos: próteses mamárias têm sido implantadas em peitos perfeitamente normais, causando uma epidemia preocupante de tigelas com mamilos. Em 2010, foram realizados um milhão e meio de implantes de silicone e, mesmo depois dos recentes problemas na fabricação das próteses, tal cirurgia não para de crescer.Pergunta-se: o que faria uma pessoa, ainda jovem, com peitos in natura, preferir uma prótese?

A transformação se deu de forma sutil, mas sabiamente arquitetada. Nos últimos anos, diante da insuficiência gritante da tecnologia em fazer com que as tetas siliconadas fossem minimamente parecidas com as naturais, houve um investimento muito grande em propagandas a fim de transformar o ideal de beleza para os peitos. Investiu-se muito para que as mulheres passassem a achar mais interessante a beleza das tigelas que a beleza das mamas e, a partir de então, o formato natural dos peitos deixou de ser uma referência para cirurgiões, indústria e pacientes.

Pode-se dizer, hoje, que boa parte das mulheres que se submetem à mamoplastia não quer ter peitos parecidos com os naturais, por mais perfeitos que sejam. Ter a mama siliconada é o objetivo em si. O belo é a tigela. Hoje, é possível se conceber a decepção de alguém que, depois de se submeter a um implante mamário de silicone, venha a perceber que suas mamas parecem perfeitamente naturais.

Tal transformação de ordem cultural foi mais importante para o sucesso das próteses do que qualquer melhoria técnica que delas se veio a fazer (tanto no ato cirúrgico de sua implantação, que afinal é bastante simples, quanto no material utilizado). As mulheres, raramente ingênuas e geralmente ávidas, foram ávidas e ingênuas ao adotarem o padrão tigela de beleza.

Mas essa é a opinião de um homem e, ainda mais, de um homem velho. Talvez, apenas Esmeralda concorde comigo. Há quem diga que homens não sabem de mamas, que cachorros são tolos e que velhos não sabem de nada.

É uma pena, pois certamente chegará o dia em que tantas mamas terão silicone, que a indústria perceberá a imensa vantagem econômica em novamente investir em um novo padrão de beleza para elas – talvez em um retorno à estética in natura – e mais uma vez se abrirá um enorme mercado de donas de peitos siliconados dispostas a pagarem para terem suas tetas de volta.

Compartilhe este conteúdo: