E se a busca excessiva pela felicidade nos torna infelizes?

Compartilhe este conteúdo:

Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

Pergunte a si próprio se você é feliz, e você deixa de sê-lo.
John Stuart Mill

Em uma sociedade obcecada pela busca da felicidade, somos paradoxalmente fracassados para encontrá-la. Ao contrário do que se imagina, a vida moderna pouco contribui para o aumento da felicidade da população. O acréscimo do capital das grandes nações e toda a facilidade advinda dos meios tecnológicos parece não ter ocorrido concomitante ao aumento do bem estar das pessoas. Talvez, sejamos a sociedade mais deprimida e cansada de todos os tempos.

Os adoecimentos psíquicos de hoje com alta prevalência tais como depressão, burnout, TDAH são, na perspectiva do filósofo contemporâneo Byung-chull Han, efeitos de uma sociedade da positividade, que se alimenta do excesso de tudo que maximize o desempenho das pessoas:  superprodução, superdesempenho e supercomunicação. Essa sociedade, na visão do filósofo, consequencia em uma geração vítima de infartos psíquicos: esgotamento e depressão. E este mesmo sujeito, esgotado e deprimido, encontra-se em uma busca desesperada por liberdade, maximização do desempenho, prazer e felicidade (HAN, 2017).

 Os livros de autoajuda, talvez a apoteose da sociedade pós-moderna na busca pela felicidade, são repletos de conteúdos tais como: 10 passos para a felicidade, 7 hábitos de pessoas de sucesso, como influenciar pessoas, como ter uma mente milionária e como desenvolver liderança etc. Eles demonstram que a busca por soluções simplistas para os problemas complexos dos homens é bastante rentável e popular. Alguns autores chamam de regra dos 18 meses para explicar que a pessoa mais inclinada para comprar um livro de autoajuda é a mesma que 18 meses antes comprou um livro deste gênero que, obviamente, não solucionou seus problemas e não trouxe a desejada felicidade. Não há pesquisas, de rigor científico, que comprovem a eficácia desses conteúdos.

Paradoxalmente,  as tentativas de eliminar tudo o que é negativo, como os  fracassos, as incertezas, tristezas, sofrimentos e a ansiedade não só não resolvem o problema, como podem torná-los mais poderosos, gerando vidas sufocantes e sem sentido. O fracasso dessas tentativas é exemplificado pelo psicólogo Daniel Wegner (1994) e a teoria do processo irônico: nosso esforço para evitar e eliminar pensamentos  e comportamentos negativos os tornam predominantes. Não existe abordagem simples para a felicidade. A imersão no positivismo e otimismo não nos deixa mais felizes.

Sem o propósito de demonizar a busca por soluções práticas aos incômodos da vida (eventualmente, elas são bem-vindas e necessárias), a intenção é estimular a reflexão que essa busca excessiva da felicidade, centrada no culto ao otimismo e anulação do negativo, é contraproducente! Isto porque as estratégias utilizadas são baseadas em soluções simplistas e universais que não comportam os problemas humanos complexos. Contraditoriamente, podem produzir resultados indesejados, ou seja, pode gerar mais infelicidade e insatisfação. Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

O psicólogo Steve Hayes tem uma abordagem interessante para explicar como a fuga de situações emocionalmente difíceis pode ser uma armadilha e acabar aumentando o problema. A linguagem teria um papel protagonista nesse cenário, isto porque somos ensinados, desde criancinhas, a discriminar e nomear não apenas componentes externos do mundo objetivo, mas também pensamentos, memórias, sentimentos e sensações corporais, os denominados eventos privados (SKINNER, 2003) ou subjetivos.  Nossa cultura e sociedade nos ensina que a felicidade é cotidiana e almejada e a tristeza é ruim e deve ser evitada, e se nos sentirmos tristes é porque temos um problema que deve ser encontrado e eliminado (SABAN, 2015).

Por meio da aprendizagem, somos instruídos  a atribuir o status de causalidade à sentimentos e pensamentos para explicar porque estamos em um determinado estado ou porque fizemos o que fizemos. Hayes denominou de “silogismo lógico” o sistema em que esse processo ocorre, que funcionaria sob cinco aspectos de raciocínio. 1) Todo comportamento é causado; 2) razões são causas; 3) pensamentos e sentimentos são boas razões; 4) os pensamentos e os sentimentos são causas e, finalmente, 5) para controlar o resultado devemos controlar as suas causas. Logo, por associação, acabamos chegando ao resultado de para controlar o resultado devemos controlar os sentimentos e pensamentos. (HAYES, 1987). Assim, trazendo esse raciocínio para nosso tema específico, a felicidade (um efeito) seria produto (causa) de pensamentos e sentimentos positivos. Talvez o mercado dos livros de autoajuda e o evangelho do otimismo  e da motivação sejam fundamentados nessa perspectiva.

Mas esse caminho é cheio de armadilhas! Sentimentos e outros estados privados não são passíveis de controle direto. Um exercício bobo, porém didático, para ilustrar esse pressuposto: experimente não pensar, durante um minuto, em urso polar. Conseguiu? Eu imagino que não. Vamos tentar mais uma vez: agora imagine que você está conectado a um detector de mentiras de excelente precisão  e que pode captar qualquer reação de ansiedade sua. Então, você recebe a instrução de que você não pode de maneira alguma sentir ansiedade e, caso você sinta, levará um tiro na cabeça. Advinha o que você sentirá?

Hayes (1987) assinala que não precisamos mudar sentimentos e pensamentos para modificar outros comportamentos ou ter uma vida bem sucedida. O problema, na verdade, não seriam os pensamentos e sentimentos, mas nossa tentativas de controle e nossa fugas que visam eliminar vivências subjetivas aprendidas como “negativas” tal como a tristeza, o oposto da felicidade.

Quantas decisões tomamos na tentativa de eliminar incômodos, desconfortos, incertezas?  Vivências subjetivas estas que aprendemos serem negativas e contraditórias à felicidade. É claro que fugir de eventos difíceis e dolorosos (os aversivos!) têm um valor importante para nossa sobrevivência. No entanto, se dependermos de eliminar tudo o que é negativo para sermos felizes, jamais seremos. E negar esse “lado” da experiência humana pode resultar em alívio imediato (um reforço negativo), mas em longo prazo produz vidas de desespero, medo, ansiedade e, conforme bem colocou Sidman (1995, p. 231) “esmaga a engenhosidade e a produtividade, transforma a alegria em sofrimento, confiança em si em medo e amor em ódio.” As coisas dão errado, relacionamentos acabam, demissões acontecem e as pessoas morrem! A vida não é um laboratório! Uma porção de eventos são incontroláveis e nos esquivar de tudo que é ruim e tentar cultivar sempre pensamentos positivos não parece produzir os resultados que são vendidos por aí.

Viver plenamente, na abordagem do psicólogo Hayes, não significa não vivenciar sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias, mas vivenciá-los como de fato são: sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias que se transformam em um fluxo contínuo de experiências e contextos. Ou seja, seus pensamentos e sentimentos fazem parte de você, mas  não são você.

 Precisamos superar a ruminação e planejar saídas reais para o que nos paralisa, para o que nos torna infelizes. Aprendemos a primeiro nos sentir motivados e com vontade de agir para, então, agir, mas que sentido tem esperar se sentir como se estivesse fazendo algo ANTES de fazê-lo? Somos tão incrivelmente dinâmicos e versáteis e temos a capacidade de coexistir com a “vontade de não fazer” e, ainda assim, fazer, por exemplo.

Para além do que já foi discutido, não podemos deixar de lado a existência de uma “indústria da felicidade” que associa o consumo de bens à experiências felizes e produz lucros gigantescos para o capitalismo. A Coca-Cola indica: abra a felicidade! O Magazine Luiza chama: vem ser feliz! E o Baú da Felicidade está há 50 anos associando produtos e dinheiro à felicidade. Através da mídia, somos bombardeados de narrativas e imagens de pessoas alegres, sorridentes e esteticamente consistentes com o padrão cultural vigente e suas histórias de sucesso e  felicidade emparelhadas a roupas, calçados, celulares, cerveja, carros, status social etc. Em contrapartida, a “felicidade” gerada pelo consumo de bens parece não ter duração e profundidade em sua natureza. Ao que é possível perceber, é, na verdade, instantânea,  frágil e fugaz. Pegando emprestado o termo de Bauman sobre a sociedade pós-moderna, é possível compreender que esse tipo de felicidade (se é que podemos denominar assim) é, na verdade, líquida: ela escorre pelas mãos e não tem durabilidade. Citando a psicóloga Lauriane Santos em seu post em uma rede social: sapatos novos calçam pés, roupas novas vestem corpos. Nenhum deles traz felicidade… talvez tragam uma euforia pontual, a qual é dissolvida na próxima coleção primavera-verão.

Ser feliz é uma meta? Certamente, muitas pessoas responderiam que sim. Quando somos questionados sobre o que desejamos da vida é comum a resposta: ser feliz! Ou mesmo, ter dinheiro e ser bem sucedido, muitas vezes concebidos como sinônimos de felicidade.

Metas são objetivos a serem alcançados e são planejadas com tempo pré-definido para ser operada e gerar os resultados. Mas se a felicidade é uma meta, e metas têm prazos de validade, estaria a felicidade condicionada ao eterno cumprimento de metas? Eleger a felicidade como meta talvez não seja efetivo. O filósofo Han é categórico ao afirmar que  “o sentimento de ter alcançado uma meta definitiva jamais se instaura […] não é capaz de chegar à conclusão. A coação do desempenho o força a produzir mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação” (2015, p. 85). Nos aniversários, nas festas de réveillon, nas mudanças e conquistas, desejar felicidade ao outro faz parte de uma prática verbal culturalmente estabelecida e mantida.  E aqui cabe mais uma reflexão: a felicidade parece estar sempre em algum lugar que não seja o presente; parece que habita não o agora, mas um futuro que custa chegar (ou nunca chega). Parece que as coisas que mais tememos e desejamos se encontram em um lugar não vivido: o futuro.

Essa é mais uma armadilha da felicidade. É óbvio que podemos (e devemos) planejar e prever situações futuras que nos gerem boas vivências subjetivas. O problema reside no fato de estarmos demasiadamente presos às expectativas de felicidade futura e nos resignarmos do único momento que nos pertence: o agora.

Outra “face” da felicidade é a segurança, que seria consequência de controle, previsibilidade e rigidez. No entanto, há um erro importante já explorado anteriormente: o controle é frágil e a busca desenfreada por segurança pode até nos deixar mais inseguros. A única constante da vida é sua impermanência! E se viver é estar em um constante fluxo de experiências, interações com outrem e com coisas, alternâncias entre perdas e ganhos, dor e gozo… se a vida é, em uma inerência, finita, talvez o que nos paralisa, o que nos entristece não seja essa “sentença”, mas a tentativa contraproducente de eliminá-la e de fugir dela. Mais uma vez reitero que a busca por segurança também tem um valor importante para a sobrevivência, a questão discutida são os excessos do controle de processo naturais da vida, mas que são aprendidos como negativos e acabam se tornando alvos de esquivas, como as tristezas e ansiedades.

E então, o que deixa as pessoas felizes? A famosa pesquisa de Harvard do Departamento de Desenvolvimento Humano,  respondeu ao questionamento sobre o que faz as pessoas felizes e saudáveis.  Por 75 anos, monitoraram 724 homens. Dois grupos: secundaristas de Harvard e garotos de um dos bairros mais pobres de Boston. A abordagem da pesquisa envolveu desde questionários e conversas com familiares, a exames de sangue e tomografia dos  cérebros. Não é a fama, a riqueza, ou trabalhar mais e mais, a mensagem mais clara é: bons relacionamentos nos mantém felizes e saudáveis.  Conexões sociais com a família, comunidade e amigos são importantes e a solidão mata. Não se trata da quantidade de pessoas próximas e não é casual estar em um relacionamento amoroso ou casado produzir, necessariamente, felicidade. O importante é a qualidade dos relacionamentos de proximidade que as pessoas nutrem (MINEO, 2017).

No leito de morte, é provável que seja difícil encontrar alguém que deseja ter passado mais tempo trabalhando, por exemplo. Em síntese, relacionamentos íntimos de qualidade são melhores preditores de felicidade e saúde do que genes, QI, status social e dinheiro (MINEO, 2017). É uma conclusão que vai ao encontros de sabedorias antigas e confronta o culto vigente da felicidade condicionada a consumo de bens.

“O dinheiro não traz felicidade!” Talvez Bill Gates e um morador de rua tenham visões diferentes ante essa afirmativa. A questão que fica é: tendo suas necessidades básicas contempladas,  o dinheiro traz felicidade? No Japão, uma das maiores potências  do mundo, é um país rico, mas infeliz. A “obsessão “ dos japoneses pelo desenvolvimento econômico pode ter sua raiz na necessidade de reerguer o país após destruição da Segunda Guerra Mundial. A questão é que o índice de suicídio e overworking (morte por excesso de trabalho, originalmente conhecido lá como “karoshi”) são assustadores e ascendentes. As pessoas estão morrendo de tanto trabalhar! (GORVETT, 2016)

Paralelamente, o pequeno país Butão concebe a felicidade como responsabilidade do governo, que tem o dever de dispor condições favoráveis a ela para sua população. Lá foi criado a Felicidade Interna Bruta (FIB) como indicador de desenvolvimento da nação, pautada em valores de colaboração, convivência com a comunidade, respeito a natureza, espiritualidade. É um modelo alvo de algumas críticas, no entanto, apresenta parâmetros na direção de sérias pesquisas sobre a felicidade como sendo uma consequência não do consumo de coisas, mas de relações de qualidade.

A Dinamarca, nação com alto padrão de vida e igualdade social, com educação gratuita até a faculdade e saúde universal para toda a vida é um dos países mais felizes do mundo. Para além disso, o que deixa realmente os dinamarqueses felizes, de acordo com o economista Cristian Bjonrskov, é o alto nível de confiança que as pessoas têm entre si e nas instituições (PREVIDELLI, 2014).

Por fim, este texto não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre a felicidade nos tempos atuais e outras perspectivas, não abordadas aqui, podem dialogar e até mesmo apresentar posicionamentos contrários ao que foi exposto. O diálogo é bem vindo e deve acontecer. Mas por ora, é isto! E para finalizar, gostaria de levar o leitor a uma última reflexão: imagine a felicidade de algo muito bom te acontecer, como realizar um grande sonho…

Ainda terá sentido se você não tiver alguém importante para compartilhar?

Happiness only real when shared (Into the wild, 2008)

REFERÊNCIAS: 

GORVETT, Z. ‘Morrer de tanto trabalhar’ gera debate e onda de indenizações no Japão. BBC News, 2016. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-37463801>. Acesso em 01 dez. 2016.

HAN, B. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HAYES. S. C. A Contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.) Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and Behavioral Perspectives. New York: Guilford, 1987, p. 327-387. Tradução experimental Adriana C. B. Barcelos; Verônica Bender Haydu. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/analisedocomportamento/pages/arquivos/Hayes_%20Texto%20ACT.pdf>. Acesso em 20 mar. 2017.

MINEO, L. Goog genes are nice, but joy is better. The Harvard Gazette. Health & Medicine. 2017. Disponível em:<https://bsc.harvard.edu/links/good-genes-are-nice-joy-better>

SABAN, M. T. Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Belo Horizonte: Artesã. 2015.

SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. Campinas: Psy. 1995.

PREVIDELLI, A. O que torna a Dinamarca o país mais feliz do mundo. Abril, 2014. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/mundo/o-que-torna-a-dinamarca-o-pais-mais-feliz-do-mundo/>. Acesso 01 dez. 2018.

WEGNER,  .D. M. Ironic processes of mental control. Psychol Rev. 1994 Jan;101(1):34-52. Disponível em:<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8121959>. Acesso em 02 dez. 2018.

Compartilhe este conteúdo:

Relação entre parentalidade e proatividade infantil: uma abordagem comportamental

Compartilhe este conteúdo:

A psicóloga Jackelayne Eufrásio apresentou seu trabalho de conclusão de curso em recente edição do Psicologia em Debate. A pesquisa desenvolvida pela psicóloga consistiu em verificar como o exercício da parentalidade, ou seja, a forma como pais e mães conduzem a educação dos filhos, influencia no repertório comportamental das crianças, especialmente sobre os comportamentos de proatividade. A perspectiva psicológica a qual esse trabalho foi fundamentado refere-se a Análise do Comportamento (AC). A visão de homem da AC compreende que o repertório comportamental de cada indivíduo é estabelecido e mantido por contingências, uma relação de dependência entre o comportamento e os eventos ambientais envolvidos neste processo.

Neste cenário, o comportamento de proatividade não é concebido como uma manifestação de traços inatos de personalidade, mas como um comportamento multifacetado, que envolve variáveis referentes à história de vida do indivíduo e o ambiente cultural em que está inserido. A definição de proatividade apresentada por Eufrásio diz respeito à forma como os indivíduos respondem às adversidades das demandas do ambiente, através de comportamentos comprometidos e responsáveis direcionados a resultados que considerados como melhores para resolver uma problemática.

Fonte: http://zip.net/bdtK1P

Na pesquisa de Eufrásio, foram realizadas sessões de entrevista e observação de comportamento dos responsáveis pelas crianças e, também, sessões de observações das crianças com e sem a presença dos responsáveis, verificando os comportamentos de proatividade em diferentes contextos. Para analisar seus dados, a pesquisadora considerou três tipos de parentalidade: autoritário, negligente e indulgente; relacionou com os comportamentos proativos das crianças, verificando estes estilos a partir de comportamentos dos pais no que se refere supervisão, afetividade, regras e limites, reforço e punição como ações e características das práticas educativas.

A pesquisa de Eufrásio é extremamente importante, uma vez que verificou-se de que forma as práticas educativas adotadas pelos responsáveis das crianças influenciam em seus comportamentos de proatividade. Em uma perspectiva psicológica não internalista, mas contextualista das características comportamentais apresentadas pelas crianças nota-se a corresponsabilidade dos pais em relação à aprendizagem de comportamentos proativos de suas crianças. A temática apresenta grande relevância para a Psicologia, uma vez que é de interesse dessa profissão o desenvolvimento infantil adequado, que ocorre através de condições ambientais favoráveis oferecidas nos contextos familiar, escolar e também social.

Nota: Relato de Experiência elaborado como parte das atividades da disciplina de Antropologia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.

Compartilhe este conteúdo:

Nietzsche: o homem é algo a ser superado

Compartilhe este conteúdo:

Fonte: https://media.licdn.com/mpr/mpr/AAEAAQAAAAAAAANCAAAAJDNkM2Q5MzNiLTJiZWMtNGFjOC1iMzkwLWE3ZDMwNzY0NTc0ZQ.png

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844 e morreu no dia 25 de agosto de 1900. Sua família era luterana, sendo que dois dos seus avós eram pastores, porém, a aproximação de Nietzsche com a filosofia, durante a adolescência afastou-o de uma possível carreira teológica. Além de importante filósofo do século XIX, Nietzsche também foi filólogo, poeta e compositor alemão.

Ler Nietzsche não é tarefa fácil, pois exige do leitor uma percepção acurada acerca do sentido proposto nos escritos desse filósofo em determinado texto. Segundo Klossowski (2000), devemos “(…) querer ser outro diferente do que se é para se tornar o que se é”. Ou seja, devemos ir em busca do novo, daquilo que nos tira de nossa zona de conforto. E quanto a isso, a leitura da filosofia de Nietzsche, consegue fazê-lo facilmente, pois incomoda, de fato, qualquer indivíduo que se propõe a ler suas obras.

A filosofia de Nietzsche é um convite ao abandono de formas apriorísticas de ser e de pensar, disciplinada pelos valores morais institucionalizados e niilistas, que anulam a produção de si mesmo em favor da funcionalidade social. Nietzsche é conhecido por sua crítica assídua aos valores tradicionalmente morais, ditadores do bem e do mal, que regem a vida em benefício do Estado.

Fonte:https://arazaoinadequada.files.wordpress.com/2013/01/nietzsche-1.gif?w=679&h=400

A concepção desse ponto de vista vai ao encontro do pensamento de Ferreira que, a partir do pensar nietzscheanamente, assevera que “corremos o risco de nos resignarmos por vivermos apenas como uma função social e não como uma alegre produção de nós mesmos. Teremos uma experiência insossa, que torna a vida um grande fardo” (FERREIRA, 2010, p.04).

Sua hostilidade frente ao racionalismo, a ideia de que a vida do indivíduo encontra-se em constante devir, além das demais críticas feitas à cultura como um todo, mostram-se vigentes na seguinte declaração, referente ao “problema de Sócrates”, em uma de suas obras, acerca da vida

Em todos os tempos os sábios fizeram o mesmo juízo da vida: ela não vale nada… Sempre em toda parte ouvimos sair de suas bocas a mesma palavra – uma palavra repleta de dúvida, repleta de melancolia, repleta de cansaço de vida, repleta de resistência contra a vida. Mesmo Sócrates disse ao morrer. “Viver – é estar há muito tempo enfermo.” […] Mesmo Sócrates tivera o bastante disso. – O que isso demonstra? O que isso mostra? (NIETZSCHE, 2001, p.14).

Para Nietzsche, o único mundo que existe é exclusivamente o mundo onde vivemos. Todas as coisas que existem estão neste mundo. Partindo desse pressuposto, as ideias desse autor vão de encontro às concepções religiosas vigentes da cultura ocidental, visto que a crença predominante está na existência de um Ser e de um plano espiritual superiores, o que transcenderia o mundo material em que vivemos.

Fonte: https://westernparadigm.files.wordpress.com/2008/03/nietzsche.jpg

Ferreira (2010) diz que, ao ir de encontro a metafísica tradicional, Nietzsche afirma que o único mundo existente é o imanente. Ou seja, o único mundo que o indivíduo faz parte e possui acesso é o das sensações, sentimentos e das mudanças constantes, causando então, uma modificação no corpo do sujeito, no decorrer desse processo de transformação. “O conhecimento não é transcendente, o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas” (NIETZSCHE apud PASCHOAL, 2002, p. 136).

Especificamente neste aspecto, o pensamento de Nietzsche contrapõe-se à concepção da existência do mundo das ideias de Platão, pois, para o primeiro autor, o único mundo que existe é este, e as nossas ações/pensamentos não são imagens retorcidas – imperfeitas – de um espelho do mundo perfeito. “Não é possível pensar que haja um mundo pré-fabricado e um sentido prévio, que simplesmente estejam à disposição, aguardando por sua representação e espelhamento em nossa consciência.” (ABEL, 2002, p. 12).

Buckingham diz que, para Nietzsche, este é um momento chave, pois

Quando apreendemos o fato de que existe apenas um mundo, subitamente verificamos o erro de transferir todos os valores para além desse mundo. Somos, então, forçados a reconsiderar nossos valores, até mesmo o significado do que é ser humano (BUCKINGHAM et al. 2011, p. 219).

Fonte: https://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/nietzsche-2.jpg

A partir do pensamento nietzschiano, a essência do mundo é a vontade de potência ou vontade de poder, sendo que esta seria a força propulsora de todas as relações do mundo. Tais relações estariam em constante desigualdade, considerando que sempre há força dominante e outra que é dominada. Estas, por sua vez, encontram-se em uma guerra contínua, na qual ambas tentam sobrepor-se, expandir-se sobre a outra.

Assim sendo, compreende-se que as ações do homem não são direcionadas de maneira a entrar em contato com o mundo espiritual (instância defendida pela religião), mas as ações são emitidas com a finalidade de auto-expansão. Por conseguinte, observa-se na filosofia nietzschiana, a descentralização do conhecimento religioso e valorização do homem enquanto espírito livre, que renuncia a moral apriorística vigente na sociedade.

No que concerne a essência do mundo, Ferreira revela a natureza dupla do conceito de Vontade de Poder, ao enunciar que,

Dominada pelo aspecto negativo, a vontade de potência nega a imanência. Dessa negação primeira, a vontade de potência passa a afirmar os valores que já estão estabelecidos. Mas o que está estabelecido são os valores produzidos por uma postura de vida negativa, que julga a vida ao necessitar de um artigo de fé – a crença no ideal ascético. Portanto, somente essa vontade de negar precisa de uma referência moral. A afirmação, nesse caso, é secundária, tendo apenas a função de afirmar um subterfúgio que já foi criado pela negação, servindo como um sentido para a vida, mesmo que esse sentido seja direcionado a uma ficção (FERREIRA, 2010, p. 121).


Fonte: http://pegasus.portal.nom.br/wp-content/uploads/2014/03/fisico_mental.jpg

Destarte, a rejeição da imanência torna-se a porta de entrada para a aceitação e introjeção de valores morais pré-estabelecidos, nos quais as ações passam a ser classificadas a partir de “boas”, “justas” e/ou mesmo como “ideias puras.” O mundo transcendente torna-se um lugar seguro, no qual as verdades são absolutas e alheias às modificações no cenário político e social.

Buckingham et al. (2011, p. 218) considera que Nietzsche acreditava que “certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus”. Estes conceitos, por sua vez, são de caráter universal, que modulam a concepção de homem, a partir dos princípios da moralidade religiosa. Em “Assim falava Zaratustra” (2012), ele traz a proposta de um novo homem, o qual estaria liberado das concepções moralistas de bem e mal, de razão, justiça, virtude e religião (instâncias evoluídas em decorrência do progresso técnico e científico). Outrossim, o super-humano, defendido pelo referido autor, ultrapassaria o niilismo, e por conseguinte, abandonaria formas de pensar e de viver calcados no moralismo, o qual possui princípios infundados e sem utilidade para a existência.

 O super-homem seria “o fruto mais maduro da moral”, (PASCHOAL, 2002, p. 67), aquele que se libertou da vontade vazia e que descobriu e aprendeu “a tomar o niilismo como força plástica e modeladora” (ibidem). Buckingham et al (2011, p.220) assevera que o super-humano “é alguém de força e independência, na mente e no corpo”.

A filosofia de Nietzsche tem como escopo principal a liberação do homem do grande cansaço de existir, ou seja, trata-se de indicar o projeto de transvaloração como um projeto de redenção do homem, como liberação do homem para o além-do-homem, como ensina Zaratustra. Nesse sentido, achamos necessário cotejar as pistas fornecidas por Nietzsche em Assim falou Zaratustra (1883/1885) com outras indicadas em Genealogia da Moral (1887) sobre sua consideração em torno de um novo tipo de homem que, segundo sua expectativa, viria confirmar o caráter dinâmico da vontade de poder na criação de novos valores, ao mesmo tempo em que chancelaria a superação do niilismo na aceitação incondicional do mundo e da vida, isto é, no amor fati. (BARBOSA, 2010, p. 119).

Assim, acreditamos num ensino de filosofia para o caos, para os momentos em que os valores se nulificam, os ideais perdem seu encanto e o niilismo toma conta da existência. Este é o palco da filosofia e de seu ensino. Este é o momento de sua necessidade. E é somente neste cenário que o homem pode mostrar seu poder de superação, sua capacidade de potencializar a vida e tirar de si mesmo a força para fazer das derrotas vitórias (DANELON, 2004, p. 350).

Ao que parece, Nietzsche não defende a extinção do niilismo como viés para o alcance da soberania, no que se refere à evolução do homem para o “além-do-homem.” A questão chave está condizente a utilização do niilismo (caracterizado pela metáfora de “saúde”) como estratégia evolutiva para a superação do homem, a metamorfose do homem em um “espírito livre”.  Idem, “o novo e mais elevado tipo de homem, tem no niilismo (doença) as condições-chaves para sua emergência” (PASCHOAL, 2002, p.62). Diante do exposto, Nietzsche afirma que

Somente a grande dor, aquela longa, lenta dor, que leva tempo, em que nós somos queimados como sobre madeira verde, obriga a nós, filósofos, a descermos à nossa última profundeza e a tirarmos de nós toda confiança, tudo o que há de bondoso, adulador, brando, mediano, e em que talvez tivéssemos posto nossa humanidade (NIETSZCHE, apud PASCHOAL, 2002).

Em consonância com Paschoal, o moralismo ideário é apriorístico, foi posto como modelo a ser seguido, que estrutura as formas de ser e de pensar, de se relacionar com outro, tendo como “intenção” o melhoramento do ser humano, destarte, sua domesticação. O autor atesta que, através de um movimento absurdo, a moral moderna “colocou como meta da vida a negação da vida” (PASCHOAL, 2002 p. 63). Nesta concepção, Junior destaca ser necessária a reconfiguração da concepção de homem, a partir da “averiguação de que o Cristianismo forja um tipo de homem fundado na negação de si, cujo fim constata-se falsamente veraz e válido e que “[…] permanece ainda fio condutor de toda conceituação antropológica e metafísica” (JUNIOR, 2007, p. 4).

Conforme Buckingham et al. (2011, p.221), Nietzsche não obteve grandes públicos para suas obras, mas ao longo dos anos seus textos foram reconhecidos, porém, foram manipulados como pretexto para fundamentar atitudes violentas, sendo que o “consenso entre os estudiosos é que o próprio Nietzsche teria ficado horrorizado com essa distorção”. Contudo, suas ideias ressoaram até hoje em grandes obras, tal qual afirmou Freud que “o grau de introspecção alcançado por Nietzsche nunca foi atingido por ninguém” (idem).

Fonte: https://i.ytimg.com/vi/asHS8uqsm9M/maxresdefault.jpg

Deve-se considerar que a moral a qual Nietzsche introduz severas críticas, pregava que devemos nos abster de nossos instintos, enquanto seres humanos e centrar nossos princípios e ações de maneira a alcançar a transcendência. Assim, o filósofo propõe que o homem é algo que deve ser superado, idem, devemos superar a concepção de homem prescrita pelo Cristianismo.

O fato é que Nietzsche mostra-se amado por poucos e odiados por muitos e vice-versa. Talvez, a dificuldade em compreender suas noções estabelecidas acerca do Universo como um todo e do homem como algo que deve ser superado, contribuíram para tais divergências de opiniões.

Por fim, diante da complexidade da filosofia de Nietzsche, vale ressaltar a necessidade de aprofundar estudos em relação à enorme contribuição desse autor à Filosofia. Tal aprofundamento faz-se necessário, a partir de um maior número de leituras a fim de buscar agregar maior compreensão sobre suas ideias, relevantes ao campo da Psicologia.

 Fonte: http://www.netmundi.org/pensamentos/wp-content/uploads/2012/05/nietzsche24.jpg

REFERÊNCIAS

ABEL, Günter. Os desafios da Filosofia da Interpretação. In: Cadernos Nietzsche, nº 12, 2002.

BARBOSA, Idenilson Meireles. A Filosofia de Nietzsche como Propedêutica à Superação do Homem. SABERES : Natal – RN, v. 2, n.5, ago. 2010. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/saberes/Numero5/Artigos%20em%20Filosofia-Filosofia/Ildenilson%20Meireles%20Barbosa_A%20FILOSOFIA%20DE%20NIETZSCHE_118-126.pdf. Acesso em 16 mar de 2016.

BUCKINGHAM, Will et al. O Homem é algo a ser superado. In: BUCKINGHAM, Will. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo Livros, 2011. p. 214-221.

DANELON, Márcio. Para um ensino de filosofia do caos e da força: uma leitura à luz da filosofia nietzschiana. 2004. Campinas. Vol. 24. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ccedes/v24n64/22835.pdf>. Acesso em 02 abr. 2016.

FERREIRA, Amauri. Introdução à filosofia de Nietzsche. São Paulo: Yellow Cat Books, 2010.

JUNIOR, J. A. M. Análise do Conceito de Homem na Filosofia de Friedrich Nietzsche. Disponível em: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/5mostra/4/464.pdf.. Acesso em 10 mar 2016.

KLOSSOWSKI, Pierre. Nietzsche e o círculo vicioso. Rio de Janeiro: Pazulin, 2000.

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia a golpes de martelo. Curitiba: Hemus, 2001.

NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. Tradução: Antônio Carlos Braga. São Paulo: Lafonte, 2012.

PASCHOAL, A. E. Nossas virtudes: indicações para uma moral do futuro. In: Cadernos Nietzsche, no 12, 2002.

Compartilhe este conteúdo: