Retratos da masculinidade em ‘A máscara em que você vive’

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“Ele veste uma máscara, e seu rosto se molda a ela…” George Orwell

O documentário The mask you live in (A máscara em que você vive, em tradução livre), produzido em 2015 com direção de Jennifer Siebel Newsom, e apoio da The Representation Project, expõe, através de vivências em grupos de intervenção e depoimentos de especialistas estadunidenses, o padrão da hipermasculinidade e seus processos adoecedores individuais e sociais, inclusive no sustento do sexismo e da homofobia na sociedade. Logo, um compilado de fatores pregados pela cultura popular, muitas vezes desumanizados, que representam o que é ser homem.

Frases como “engole o choro”, “para de ser mulherzinha”, “você joga como uma garota”, são imputados em meninos com o propósito de doutrinar a uma conduta específica, desde a infância preza-se a autoridade e domínio em detrimento ao desenvolvimento de caráter. Dever que é adotado como forma de validar a si mesmo, ser aceito pelos grupinhos na escola e pela sociedade em geral, também como forma de buscar atenção e aprovação paterna. Essa maneira de conceituar comportamentos desviantes priva a própria criança de explorar novas maneiras de aprender, socializar, de buscar a autonomia e autorrealização, pois seu roteiro de vida já está escrito.

Fonte: encurtador.com.br/bimA6

O documentário aponta que os pilares da performance da hipermasculinidade são a exigência de habilidade atlética, sucesso econômico e conquistas sexuais. Os indivíduos que não se adequam totalmente a esse modelo são excluídos. Neste contexto, entre os adolescentes brasileiros, os meninos são os que mais sofrem e praticam bullying: ao todo, 17,5% deles relatam sofrer bullying na escola. Esse ideal é comumente exaltado pelos meios midiáticos: o badboy que é forte (fisicamente e/ou tem influência), austero, objetifica mulheres, faz uso desmedido de álcool e outras drogas. Quadro que pode ser visto fora das telas: 55% dos adolescentes do último ano do ensino fundamental experimentaram bebidas alcoólicas, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), divulgado pelo IBGE.

Além disso, também há a representação do bobalhão: apesar de ser homem adulto, ainda perpetua comportamentos da fase da adolescência, ele projeta sua hipermasculinidade de forma diferente dos outros papéis, sendo imprudente e degradando mulheres. Há o recorte de raça, onde homens de cor geralmente ficam com o papel do malfeitor, imagem limitada e violenta que reduz perspectivas de outros modos de viver entre essas crianças e adolescentes. A exposição a essas mídias, incluindo jogos que tem por objetivo dominar e destruir, pode deixar meninos (os maiores consumidores) menos sensíveis ao sofrimento alheio, mais temerosos e agressivos em relação a outros e a si.

Fonte: encurtador.com.br/cHO12

Um efeito da masculinidade tóxica é a pandemia da violência contra a mulher, advindo da rejeição de características relacionadas ao feminino, como a vulnerabilidade, gentileza, empatia, expressão emocional e verbal. Visto isso, homens criam uma máscara emocional, reprimindo sentimentos e desejos relacionais, são ensinados que pedir ajuda é um sinal de fraqueza, o que resulta na terceira causa de morte mais comum entre rapazes, o suicídio.

Com a associação do poder como inerente ao masculino, esse indivíduo mesmo sem tê-lo, encara como se tivesse o direito ao poder, normalizando a manipulação emocional e psicológica e a agressão física. Homens agressores também apresentam raiva, autoacusação destrutiva e autoagressão, apego ansioso, sintomas crônicos de trauma e de rejeição paterna, capacidade limitada de autorreflexão e incapacidade de criar relacionamentos interpessoais saudáveis (Caligor, Diamond, Yeomans e Kernberg, 2009).

“Meninos magoados se tornam homens magoados se não houver algum tipo de intervenção. ” Frase do documentário que está em concordância aos estudos de Carmen, Reiker e Mills (1984) e Walker (1984), onde relatam que a presença de comportamentos agressivos na fase adulta é originária na experiência de violência na infância, seja como vítima ou testemunha. The mask you live in propõe deixar visível esses processos invisíveis, transferir o foco do sintoma da situação para reparar mais nas relações, na transmissão transgeracional da violência, para assim, com a compreensão da sua origem e criação de apoio adequado, encerrar esse ciclo de violência.

Referencias

CRESCE o consumo de álcool entre adolescentes, segundo o IBGE. G1, Tapajós, 31 de ago, de 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2016/08/cresce-o-consumo-de-alcool-entre-adolescente-segundo-o-ibge.html>. Acessos em  02  set.  2020.

NARDI, Suzana Catanio dos Santos; BENETTI, Silvia Pereira da Cruz. Violência conjugal: estudo das características das relações objetais em homens agressores. Bol. psicol,  São Paulo ,  v. 62, n. 136, p. 53-66, jun.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432012000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em  02  set.  2020.

OSHIMA, Flávia Yuri. Meninos sofrem mais bullying físico, meninas moral. Época, 20 de abr, de 2017. Disponível em: <https://epoca.globo.com/educacao/noticia/2017/04/meninos-sofrem-mais-bullying-fisico-meninas-moral.html>. Acessos em  02  set.  2020.

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Facetas da liberdade em “Adoráveis mulheres”

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Concorre com 6 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Figurino.

O filme Adoráveis mulheres apresenta de forma sutil o preconceito de gênero no século XIX, e que, infelizmente, continua sendo um tema atual.

Adoráveis mulheres (2019), filme dirigido por Greta Gerwig (anteriormente indicada ao Oscar com Lady Bird – A Hora de Voar), foi baseado no romance de Louisa May Alcott chamado As mulherzinhas, sendo uma autobiografia escrita em 1868. Nesses 150 anos, a história foi traduzida para 55 línguas, virou peça de teatro, ópera, musical, e possui algumas adaptações cinematográficas.

Visto que já teve vários formatos, Greta não deixa a história cair na mesmice, a adaptação mais atual conta com transições entre passado e presente, utilizando diferentes paletas de cores, o passado é composto por cores vibrantes, deixando um sentimento saudosista em quem assiste, enquanto o presente é composto por tons mais frios, carregado de tensão e melancolia, tal alteração de tempo deixa o filme dinâmico e intrigante.

Fonte: encurtador.com.br/xzA14

Enquanto o pai da família March serve na Guerra civil americana no século XIX, suas quatro filhas, sob cuidados da mãe, vivenciam a ausência paterna, dificuldade financeira, preconceito de gênero, embates pessoais como não se sentir pertencente a sociedade e discussões familiares, ao longo da transição da adolescência para a fase adulta. Sendo um leve clichê com sensação de fim de tarde, mas que levanta dilemas sociais atemporais, expõe a interdependência positiva e negativa do sistema familiar, e retrata mulheres que estão longe de serem perfeitas, o que foge do padrão feminino da época em que a história foi escrita.

Jo March (Saoirse Ronan), a que recebe mais foco entre as quatros irmãs (Louisa se representa nela), aspira ser escritora, inicialmente produzindo textos de “sangue e trovão” com protagonistas femininas, contudo, os jornais se recusavam a publicar histórias nas quais as mulheres não se casavam, como disse o chefe da editora: “Moral não vende. Se a personagem principal é moça, ela deve se casar ao final, ou morrer”. Após idas e vindas no decorrer do filme, Jo decide escrever suas histórias e de suas irmãs em um livro, que futuramente se tornou “Adoráveis mulheres”.

Fonte encurtador.com.br/bmT25

“Mulheres têm mentes e almas, além de corações. Temos ambições e talentos, além de só beleza. Cansei de ouvir que uma mulher só serve para o amor. ”  – Jo March

Jovem independente e de personalidade marcante, Jo March rompe primeiramente o papel secundário reservado as mulheres ao ser protagonista, ao buscar espaço no mundo editorial predominantemente masculino. Em seguida, ela vive uma crença autolimitante em que para alcançar autonomia é necessário abrir mão do amor romântico, pois sua ideia de liberdade se distancia do habitual feminino pautado na educação de mulheres para condutas “adequadas” para o mundo social da época, como servir somente ao lar.

Tal pensamento é oriundo da associação das conquistas femininas ao homem, considerado o ser possuidor de todos os feitos, assim, criando uma relação dicotômica entre realização profissional e emocional, pois enquanto ela estiver ligada ao amor, seu valor se refere unicamente a isso. Tal joguinho é um clássico da ficção: enquanto a mocinha tem que escolher entre seu sonho e a paixão, os personagens masculinos são heróis e amantes ao mesmo tempo.

Exemplificado em sua irmã mais velha, Meg March (Emma Watson), que desiste de ser atriz, profissão taxada como vulgar, para se unir em matrimônio por amor. Atitude incialmente reprovada por Jo, mas que logo Meg justifica: “Se meus sonhos são diferentes dos seus, não significa que são ruins”. Ou seja, cada uma das irmãs possui perspectiva própria do conceito de liberdade e felicidade.

Fonte: encurtador.com.br/sENV5

A terceira irmã, Beth (Eliza Scalen), era considerada a melhor das irmãs March, por ser gentil, amável, sendo também a mais introvertida. Seu contentamento se encontrava em tocar piano, a liberdade mais peculiar. Beth tem um destino óbvio após adoecer, em vista disso, mesmo com menos tempo de tela, ela exerce o papel propulsor da personagem principal, demonstrando como o todo é maior que a soma das partes.

Fica a cargo da caçula, Amy March (Florence Pug) salvar a condição financeira da família se casando com um homem rico. Com isso, Amy coloca em segundo plano sua aspiração a pintura, e mesmo sabendo que o casamento é um tratado econômico para as mulheres, pois seu dinheiro e filhos pertenceriam ao seu esposo, ela se dispõe a aceitá-lo. Ao meu ver, Amy é uma das personagens mais cativantes de todo o filme devido sua postura imprevisível com adição de um quê de vilã, a rixa na adolescência com Jo depois se torna um triângulo amoroso na vida adulta, sendo resolvido ao colocar a irmandade em primeiro lugar.

Fonte: encurtador.com.br/bil58

            “Quando as mulheres são aceitas no clube dos gênios, de qualquer forma? ”Theodore ‘Laurie‘ Laurence

Os meios midiáticos são uma forma acessível de propagar reflexões sobre a ética e a moral. O filme Adoráveis mulheres apresenta de forma sutil o preconceito de gênero no século XIX, e que, infelizmente, continua sendo um tema atual, mostrando os diferentes impactos em uma única família. A escritora, Louisa May Alcott, após anos escrevendo essa história relata: “Foi agradável fazê-lo. Estou cansada de fornecer papinha moral aos jovens”, e, ironicamente, o fim das “mulherzinhas” foi o clichê que criticou durante toda a obra.

FICHA TÉCNICA:

Fonte: encurtador.com.br/yGHR0

Título original: Little Woman
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Meryl Streep, Timothée Chalamet
Ano: 2019
País: EUA
Gênero: Romance/Drama

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A idealização do amor romântico em “500 dias com ela”

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Sigmund Freud fala sobre o amor narcísico, que consiste em projetar no outro o sujeito ideal, há uma busca de trejeitos semelhante aos seus, ou a inspiração do que deseja ser.

O filme “500 dias com ela” (2009) conta, de forma não linear, a perspectiva do personagem Tom (Joseph Gordon-Levitt) sobre seu romance vivido durante 500 dias, com Summer (Zooey Deschanel), cujo nome, não por acaso, significa “verão” (atenção, alerta de Spoiler). A comédia romântica já começa quebrando paradigmas quando é Tom que fantasia sobre o amor, ele acredita que sua vida irá realmente começar quando encontrar sua cara-metade. Do outro lado temos Summer, desacreditada dos relacionamentos fixos, a quem Tom julga, precipitadamente, ser quem ele sempre procurou. Se seguisse o fluxo dos outros romances clichês, Tom a convenceria do amor verdadeiro e eles viveriam juntos e felizes, mas o filme já alerta: “Esta é a história do garoto que conhece a garota. Mas você deve saber que não é uma história de amor. ”

Com o fim inesperado do relacionamento, Tom relembra a história para procurar pelos primeiros sinais de problemas. Ele cresceu acreditando que nunca seria feliz até que a conheceu, e no momento que se encontram no elevador e Summer diz também gostar de The Smith como ele, Tom joga sobre ela suas expectativas criadas durante toda uma vida e espera que ela corresponda, mesmo enquanto ela fala que eles só teriam algo casual, sem compromisso. “500 dias com ela” é só um recorte da realidade no qual pessoas atribuem a responsabilidade de seus anseios e sentimentos ao outro, e projetam neles suas próprias faltas.

Fonte: encurtador.com.br/ns356

“Só porque uma garota bonita gosta das mesmas coisas bizarras que você não significa que ela é sua alma gêmea” – 500 dias com ela

Mesmo sendo um filme simples, o considero bastante inteligente por nos enganar, porquê sutilmente ele faz o espectador acreditar que a vilã da história é a Summer, por não corresponder a tudo que Tom deseja. Mas, ela foi honesta desde o primeiro momento.

O amor romântico deixa Tom cego para o real relacionamento deles. Ele mente para ela e para si mesmo, ele se molda para o relacionamento e, assim, cede sua própria identidade.

De acordo com o psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm, “ser capaz de estar sozinho é a condição para ser capaz de amar”. Usar o amor para apenas fugir da solidão pode acarretar em destruí-lo, também sendo uma forma de fugir de si mesmo, o que se torna patológico por impedir o desenvolvimento pessoal, responsabilizando terceiros sobre sua própria felicidade. No filme, Tom não se apaixona por Summer, ele se apaixona pela ideia de quem ela pode ser, do que ela representa.

Fonte: encurtador.com.br/bmpKQ

“As pessoas não percebem, mas a solidão é subestimada. ” – 500 dias com ela

Sigmund Freud fala sobre o amor narcísico, que consiste em projetar no outro o sujeito ideal, há uma busca de trejeitos semelhante aos seus, ou a inspiração do que deseja ser. Essa projeção é inconsciente e involuntária, passando despercebida para quem vivencia. Assim, Tom constrói um ídolo para si mesmo, espera que o outro corresponda, e se coloca como vítima quando isso não acontece. Antes da desilusão vem a ilusão, as ações das outras pessoas podem ser estímulos para nossos sentimentos, isso não faz com que ele seja responsável pelo que sentimos.

A idealização e procura pelo outro, nada mais é que uma forma inconsciente de se achar e de se completar. Dessa forma, percebe-se a insuficiência dos relacionamentos em garantir a felicidade, sendo que, para conseguir ser feliz em um relacionamento, é necessário aprender a ser feliz sozinho primeiro. O amigo de Tom diz a frase mais sensata do filme para a quebra desse padrão: “Acho que, tecnicamente, a garota dos meus sonhos, provavelmente teria peito avantajado, cabelo diferente, ela provavelmente gostaria de esportes, mas, na verdade, a Robin é melhor que a mulher dos meus sonhos. Ela é real. ”

Fonte: encurtador.com.br/goruA

“ – O que devo fazer?

– Pergunte a ela. ”

Diante do fato de que nada é obvio, por isso a comunicação é a base de um relacionamento saudável (seja qual for o rótulo que esse relacionamento receba), entramos na tão falada responsabilidade afetiva, conceituada basicamente como contar suas intenções através do diálogo. Muito se fala sobre responsabilidade afetiva, pouco se fala que temos que ter primeiro conosco, para depois com o próximo. De certa forma, é mais cômodo falar que foi iludido do que assumir que fez uma interpretação errada das atitudes do outro, enxergando de sua maneira e, com isso, se responsabilizar por suas próprias alegrias e frustações, do contrário, é injusto com o outro e consigo.

Acredito que seja impossível não colocar algum tipo de expectativa em algo (nem que seja mínimo). O que podemos fazer é tomar consciência e responsabilidade das expectativas que criamos. Entender que nosso bem-estar é cuidado nosso. Se libertando dessa escravidão emocional, que é manter a si mesmo sob custódia das ações/sentimentos dos outros, e também o libertar da autoridade que não deve ser dele.

Fonte: encurtador.com.br/bEY67

“ – Não queria ser a namorada de alguém e agora é a esposa de alguém.

– Me surpreendeu também.

– Acho que nunca vou entender. Quer dizer, não faz sentido.

– Só aconteceu.

– É, mas é isso que não entendo. O que aconteceu?

– Eu só acordei um dia e soube. O que eu nunca tive certeza com você. ”

Acredito que a interpretação pessoal de “500 dias” com ela varia muito do momento que cada um está vivendo. Tom pode ser visto como coitadinho em certo ponto, como também um insistente chato em outro. Summer pode ser vista como insensível para uns, e decidida para outros. Todos podemos ser Summer um dia e no outro ser Tom. Nem todo mundo quer a mesma coisa, ás vezes não é intencional, mas como o filme explica: é só a vida acontecendo.

A trama mostra como apenas 500 dias mudaram o futuro de Tom. Mostra que nas histórias reais não há desvio da rota pois é impossível planejar um caminho e jurar que é aquilo que vai acontecer. Que fechar ciclos também fez parte de relacionamentos e é inevitável. Que sua “alma gêmea” pode surgir e ficar apenas 500 dias. Mas que, principalmente, depois de Summer, sempre vem uma nova estação.

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Toy Story 4: A herança da amizade

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Concorre com 1 indicação ao OSCAR:

Melhor Animação

O filme caminha de forma cômica para um fim doloroso, que mexe intimamente com nossas vidas. Uma comunidade de brinquedos nos ensina que com amizade não se brinca. 

“Amigo estou aqui”, icônica frase da música que marcou gerações. Desde o primeiro filme da saga, Toy Story fala de amizade, seus conflitos e vantagens. No quarto filme do longa-metragem lançado em junho de 2019, após os brinquedos se despedirem de Andy (antigo dono dos brinquedos) no terceiro filme, eles continuam juntos, mas agora são brinquedos de Bonnie.

O Xerife Woody (brinquedo cowboy e líder dos demais) já não é mais o brinquedo favorito, ele se sente desolado com o que podemos comparar a Síndrome do Ninho Vazio, processo de rompimento quando “seu humano” vai para a faculdade, e mesmo diante da possibilidade de ser esquecido no armário, Woody se mantêm leal a Bonnie na chegada do novo brinquedo: o Garfinho.

No primeiro dia de aula da escolinha, Bonnie cria um brinquedo com peças retiradas do lixo, sendo sua primeira criação e consolo por estar em um novo ambiente. Ela se apega muito ao Garfinho, em contrapartida, ele ainda se prende a sua antiga mentalidade de lixo. Woody, por amor a Bonnie e por acreditar que “nunca se deve deixar um brinquedo para trás”, tenta proteger e ajudar o Garfinho na sua jornada de autoconhecimento e tentativa de pertencimento, enquanto ele também está nessa mesma jornada. Seguindo o que Erich Fromm considera a tarefa principal do ser: dar luz a si mesmo para poder se transformar naquilo que realmente é.

Fonte: encurtador.com.br/agjsF

Albert Bandura conceitua a autoeficácia como, em suas palavras, “as crenças da pessoa em sua capacidade de exercer controle sobre seu próprio funcionamento e sobre os eventos que afetam suas vidas.” Caso a autoeficácia esteja baixa, sentimentos de inutilidade, desesperança e tendência a desistência são perceptíveis. A ideia que é descartável após um único uso faz com que Garfinho se jogue em toda lata de lixo que encontra; pessoalmente acho uma das partes mais engraçadas do filme, mas, num subcontexto, tal comportamento não é incomum em nossas vidas, já que se perceber como inútil e sem propósito é algo que a maioria das pessoas já vivenciaram, à vista disso, o filme ensina as crianças que todos temos um lugar no mundo, uma missão. Como quando Woody mostra ao Garfinho o nome Bonnie escrito na sola dos seus sapatos, assim, com ajuda e insistência do Xerife, ele alcança uma autoeficácia saudável. Agora ele reconhece que merece ser amado, agora ele pertence.

No terceiro filme Andy relata: “Woody tem sido meu amigo desde sempre. É corajoso, como um cowboy deve ser. É gentil, inteligente, mas o que faz Woody especial é que ele nunca desiste de você. Nunca. Ele vai estar contigo para o que der e vier.” De acordo com Erich Fromm, a mais alta realização que justifica a existência é o amor; nele, duas pessoas se tornam uma ao mesmo tempo que continuam sendo dois indivíduos separados. Outro mecanismo para alcançar as respostas da vida é juntar-se a um grupo, com isso, o sentimento de isolamento é superado.

Fonte: encurtador.com.br/bqKY1

O típico heroísmo do Xerife Woody também se mostra no antiquário (lugar onde brinquedos rejeitados esperam uma segunda chance) ao agir com empatia para Gabby Gabby, inicialmente a vilã principal, que traz um clima sombrio e tenso ao filme. Atitude que lembra a famosa frase de Fromm: “Somente a pessoa que tem fé em si mesma é capaz de ter fé nos outros. ”

Garfinho e Woody dividem o protagonismo nesse filme, os brinquedos que antes eram foco não ganharam tanto destaque, o que nos leva a pensar em um irremediável fim, ou quem sabe, um novo começo. Talvez, devido a isso esse filme traz certo grau de maturidade, sendo uma leve comédia para crianças, ao mesmo tempo que é um drama existencial para adultos.

Fonte: encurtador.com.br/iACIX

Mudanças são inerentes a vida. Woody, em um passo de ousadia e com a ajuda de Betty, agora a representação da mulher independente do século XXl, ressignifica sua vida e vai em direção ao desconhecido. O filme caminha de forma cômica para um fim doloroso, que mexe intimamente com nossas vidas. Uma comunidade de brinquedos nos ensina que com amizade não se brinca.

Mas o que fazer depois de entoar diversas vezes “O tempo vai passar, os anos vão confirmar as três palavras que proferi: Amigo, estou aqui!”, e você olha para o lado e o amigo não está mais lá? O que fazer com a esperança, as expectativas criadas que aquela pessoa seria para sempre seu amigo?

Fonte: encurtador.com.br/j2389

Ser amigo é construir um lugar de consolo e descanso, prezando pelo outro, que também preza por você. Antoine de Saint-Exupéry, escritor do Best-seller O pequeno Príncipe, escreveu: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Mais adiante ele complementa: “A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixa cativar.” As relações possuem seus prazeres e desprazeres, então, ás vezes, ser amigo também é deixar ir.

Como em todos os filmes da saga, os brinquedos estavam lá uns pelos outros, assim como as crianças costumam enxergar, e servindo de exemplo para nós. São laços que juntam, mas não prendem. Entre começos e términos, despedidas e reencontros, primeiras e últimas vezes, o que importa é a marca que deixam e a marca que fazemos. Como uma colcha de retalhos, pedaços de todos que já passaram em nossas vidas, retalhos costurados de saudades. Assim como as amizades, as lições aprendidas com Andy, Woody e Buzz lightyear certamente irão acompanhar gerações, ao infinito e além.

FICHA TÉCNICA:

TOY STORY 4

Diretor: Josh Cooley
Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Annie Potts, Joan Cusack, Wallace Shawn, John Ratzenberger;
 Gênero: Aventura
País: EUA
Ano: 2019

REFERÊNCIAS:

Erich Fromm – “O desejo de destruir é resultado de uma vida não vivida”. Disponível em: https://www.cultseraridades.com.br/erich-fromm-o-desejo-de-destruir-e-resultado-de-uma-vida-nao-vivida/. Acesso em: 6 set, 2019.

AZEVEDO, Tiago. A Autoeficácia (Bandura) e sua importância. Disponível em: https://psicoativo.com/2019/02/autoeficacia-bandura-importancia.html. Acesso em: 6 set, 2019.

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O indivíduo oprimido, oprime!

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O desafio é construir um novo indivíduo em uma nova sociedade. ” – Ignácio Martín-Baro

Há anos, pesquisadores de diversas áreas buscam explicações do porquê existirem pessoas ruins. Em meados da década de 70, Philip Zimbardo, professor e psicólogo, realizou o Experimento da Prisão de Stanford, com ele, levantou a ideia de que o papel social determina como o indivíduo irá se comportar. Para isso, um grupo de universitários seriam os guardas, e outro grupo seriam os presos; Zimbardo seria o próprio diretor da prisão.

No decorrer do experimento, os alunos que tinham posição de poder se tornaram autoritários e agressivos com os “presos”, praticando excessos e até se divertindo com a dor alheia. Após apenas seis dias o experimento foi cancelado visto o estado psicológico e físico fragilizado em que se encontravam os participantes. Com isso, Zimbardo declara que forças sociais podem gerar comportamentos ruins, que até pessoas consideradas boas podem se tornar más frente a situações extremas, mesmo que isso signifique ir contra seus valores morais. Temos possibilidades de ser vítima, réu, ou até ambos.

Fonte: encurtador.com.br/afnU9

À vista disso, fica o questionamento: será se há influência de fatores sociais e institucionais que justificam ações/pessoas cruéis? Em paralelo com a situação do Brasil, em 2014 fomos o país sem guerra declarada com mais assassinatos no mundo todo. Tamanha violência deixa de ser sintoma individual e se torna sintoma social, não é mais um caso isolado de roubo na vizinhança, é violência desmedida e por todos os lados, não é só fracasso pessoal, tomou dimensões continentais.

Sob o mesmo ponto de vista, Martim Sampaio, da OAB, relata que “Individualmente, o número de pequenos assaltantes tem aumentado, mas é preciso entender esse fenômeno. Todas as medidas que o governo toma são no sentido de criminalizar o jovem. Se ele quer melhores condições de estudo, o governo chama a polícia e resolve com surra e bomba; se não aceita pagar mais pelo transporte público, não pode protestar que é levado a uma ratoeira e massacrado. Não oferecem alternativa. O que precisamos é de uma política pública inclusiva, de educação e renda. São coisas que falamos há mais de cem anos e não fizemos até hoje.”

Não que o Ser seja passivo ao que acontece a sua volta, não é relegar valores e livre arbítrio, inclusive não é a intenção desse texto reforçar a ideia de que “delinquente é excessivamente vítima da sociedade”. Há uma via de mão dupla: a sociedade constitui o ser e é por ele constituída. Entretanto, estamos sempre, de algum modo, buscando justificativas para culpabilizar um único indivíduo, mas, não é possível ter uma visão holística dele e sua saúde mental sem considerar seu contexto sociocultural.

Fonte: encurtador.com.br/ipwAB

Como relata o psicólogo, filósofo e padre Ignácio Martín-Baro: “Traumas devem ser analisados sob a perspectiva da relação entre indivíduo e sociedade”. De acordo com ele, certos problemas de grupos historicamente oprimidos se expressam de forma compreensível diante de circunstâncias anormais, considerando as idiossincrasias de acordo com o ambiente. Em oposição à psicologia tradicional que tinha seu foco voltado para a abordagem individual e a grupos mais privilegiados economicamente, na metade da década de 1980 surge a Psicologia da Libertação, que enfatiza a alteridade, o conteúdo psicológico sobre influência da sociedade e se compromete em libertar esses grupos menos favorecidos. Essa ideia revolucionou o modo como a psicologia se porta hoje.

Entendendo o que motiva certas pessoas a cometerem atrocidades morais colabora para uma justiça realmente justa. Buscando as raízes do problema e agindo para mudar, o resultado pode demorar, mas as futuras gerações serão gratas. A luta é resgatar a humanidade, mas sem se tornar imparcial. Quem sabe assim o Brasil deixa de ter mais de 70000 homicídios por ano.

 

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Nathan. Bandido bom não é bandido morto (2016). Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/03/bandido-bom-nao-e-bandido-morto.html. Acesso em 17 ago. 2019.

NEVES COSTA, Rita; RODRIGUES, Tiago. Philip Zimbardo: “O heroísmo não existia em nenhum livro de Psicologia” (2018). Disponível em: https://www.jn.pt/nacional/videos/interior/philip-zimbardo-o-heroismo-nao-existia-em-nenhum-livro-de-psicologia-9816275.html. Acesso em 17 ago. 2019.

GISCARDFF. Ignácio Martín-Baro (1942 – 1989) (2014). Disponível em: https://muvucopedia.com/2014/12/23/ignacio-martin-baro-1942-1989/. Acesso em 17 ago. 2019.

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Saúde e educação sexual entre os jovens é foco de debate no Caos 2019

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Pensamento errôneo que está sendo difundido é que a educação sexual nas escolas seria “ensinar a criança a fazer sexo”, e não é isso que estudiosos propõem

Durante o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) 2019, no dia 23 de maio, a “Saúde e educação sexual entre os jovens” foi discutido no Psicologia em debate especial através das acadêmicas de psicologia do Ceulp/Ulbra: Adrielly Martins, Bruna Medeiros Freitas, Diane Karen, Janinne Costa, Letícia Antunes e Nayara Ferreira.

Com o atual surgimento do projeto de lei para proibir disciplinas sobre “gênero” e “orientação sexual”, promover momentos de discussão como esse são de suma importância tanto para futuros profissionais de psicologia como para pais e responsáveis, já que o pensamento errôneo que está sendo difundido é que a educação sexual nas escolas seria “ensinar a criança a fazer sexo”, e não é isso que estudiosos propõem.

 

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CAOS 2019 aborda sexualidade da pessoa que vive com HIV

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No psicologia em debate especial do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) 2019 realizado no Ceulp/Ulbra, o tema: “Sexualidade da pessoa que vive com HIV” foi ministrado pela acadêmica de psicologia Weliete Lima de Araújo Castro. A acadêmica apresentou um relato de experiência do estágio em Psicologia no núcleo especializado HENFIL, no qual realiza assistência a pessoa soropositiva. Esse ramo se mostra como novo para a psicologia sendo cada vez mais necessário, tendo vista que o número de pessoas infectadas cresceu bastante na população jovem nos últimos anos.

Fonte: encurtador.com.br/ayKU6

Por ser um tema permeado por preconceito, portadores de HIV e/ou Aids geralmente possuem dificuldades em aderir ao tratamento, escondem o diagnóstico por receio do abandono, mantem relações sexuais, mas não afetivas, ou até mesmo a abstinência sexual, com sentimento de culpa e nojo de si mesmo.

Compreendendo a vivência da sexualidade dos indivíduos, o psicólogo pode participar do processo de busca ativa, orientação, conscientização de direitos, e psicoeducação sobre o tema.

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Caos 2019: Sexualidade do adulto jovem com Síndrome de Down

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Na tarde do dia 23 de maio de 2019 durante o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS), é trago à tona pela acadêmica de psicologia do Ceulp/Ulbra Marlene Pereira Guimarães o tema: “Sexualidade do adulto jovem com Síndrome de Down”. Que apresentou uma pesquisa realizada com uma pessoa com síndrome de Down e sua avó, propondo a busca por conhecer a vivência e dificuldades das relações afetivas e sexuais do adulto jovem com Síndrome de Down.

Nos relatos, percebe-se que os sentimentos e desejos nesse âmbito se assemelham a qualquer outra pessoa sem a síndrome, entretanto, devido aos preconceitos sociais, essas pessoas são proibidas de explorar a própria sexualidade ou vistas como assexuais. A participação da sua cuidadora nessas discussões fez-se necessário já que o contexto familiar pode favorecer ou prejudicar o desenvolvimento relacional e cognitivo e interfere em como ele vivencia sua sexualidade.

 

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Saúde mental de mulheres feministas é foco de debate no Caos 2019

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O trabalho aborda os impactos do discurso de equidade de gênero na saúde mental de feministas militantes.

A psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra Talita dos Anjos Lima retorna à instituição no Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) 2019 para ministrar no Psicologia em Debate Especial: Saúde e sexualidade, com o tema “A saúde mental de mulheres feministas: um olhar pela psicologia discursiva”.

O trabalho aborda os impactos do discurso de equidade de gênero na saúde mental de feministas militantes, já que apesar de possuir direitos na lei brasileira voltados para as mulheres, eles não fazem parte do olhar social, e ao defender publicamente seus direitos são retaliadas e intimidadas através das redes sociais e até fisicamente.

Fonte: Arquivo Pessoal

Visto isso, Talita dos Anjos realizou uma pesquisa qualitativa em Palmas que registra mudanças pessoais no olhar sobre si e sobre a sociedade a partir das pautas feministas, que apesar de ser um processo doloroso, há o desenvolvimento de resiliência, sentimento de liberdade de escolha e melhoria da saúde mental.

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