“Olá, adeus e tudo mais” reflete as relações líquidas da pós-modernidade

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A dinâmica dos casais na era pós-moderna e o peso da cultura tradicional sobre as mulheres.

O filme “Olá, adeus e tudo mais”, desenvolvido por Michael Lewen em 2022, explora temáticas contemporâneas sobre relacionamentos juvenis e o impacto de transições significativas na vida dos jovens adultos. A obra cinematográfica, que se caracteriza no gênero de drama e romance adolescente, aborda de forma ampla sobre as complexidades emocionais que envolvem o término de um relacionamento às vésperas de grandes mudanças, como a transição para a faculdade. A trama apresenta uma jornada de autoconhecimento e reflete sobre os modos como as escolhas individuais afetam não só as relações interpessoais, mas também a própria construção identitária.

A narrativa do filme centraliza-se na história de Clare (Talia Ryder) e Aidan (Jordan Fisher), um jovem casal que possui um acordo para se separarem antes de iniciar a vida universitária. Esse acordo, no entanto, gera questionamentos e incertezas sobre os reais sentimentos de ambos e a viabilidade de manter um vínculo, mesmo diante da separação física. O filme se passa ao longo de uma última noite dos dois juntos, onde os personagens revisitam marcos importantes de seu relacionamento e buscam encerrar a relação de forma amigável.

O filme “Olá, adeus e tudo mais” pode ser interpretado como uma alusão das transições que marcam o fim da adolescência e o início da vida adulta. Essas transições são frequentemente acompanhadas por um sentimento de perda e de incerteza, à medida que os jovens se distanciam das estruturas familiares e sociais que antes definiam suas identidades (Mota e Matos, 2008). A separação de Clare e Aidan não é apenas o término de um relacionamento amoroso, simboliza também o término de uma fase da vida, onde as decisões não são mais mediadas pelas expectativas externas, mas pela construção de uma autonomia.

Fonte: imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

“Olá, adeus e tudo mais”, nos dá uma oportunidade para refletirmos sobre os relacionamentos na era pós-moderna, especialmente em relação às transformações socioculturais que questionam os paradigmas tradicionais. A partir da história de Clare e Aidan, o filme nos convida a refletir sobre as mudanças nas expectativas em relação ao amor, à intimidade e à individualidade em um contexto em que a liquidez das relações e a fragmentação das identidades são características centrais (Bauman, 2014). A protagonista Clare, em particular, personifica muitos dos dilemas vividos por indivíduos na contemporaneidade, expressando de maneira clara um medo de fracasso associado ao seguimento dos padrões sociais do passado.

Na era pós-moderna, conforme argumenta Zygmunt Bauman (2004), as relações interpessoais tornaram-se “líquidas”, ou seja, menos fixas e mais fluídas, caracterizadas pela ausência de compromissos permanentes. Isso contrasta diretamente com os valores de antes, onde as relações eram vistas como duradouras e baseadas em compromissos rígidos, como o casamento e a monogamia estável. No filme, Clare, ao decidir terminar o relacionamento com Aidan antes de ir para a faculdade, exemplifica esse desejo de liberdade e autonomia que é tão característico dos relacionamentos pós-modernos.

A questão do medo do fracasso é um tema central na trajetória de Clare. Ela expressa medo em relação ao futuro e à possibilidade de que, ao tentar manter o relacionamento com Aidan, acabaria comprometendo sua liberdade pessoal e seu desenvolvimento individual. Este medo é exacerbado pela percepção de que os modelos tradicionais de relacionamentos, especialmente aqueles que envolvem sacrifício e compromisso a longo prazo, são incompatíveis com as demandas da vida contemporânea da protagonista, no qual é marcada por mudanças constantes e por uma maior ênfase na realização pessoal. Na era pós-moderna, o sucesso não é mais medido pela capacidade de manter uma relação duradoura, mas pelas possibilidades de transitar pelas mudanças sem perder a autonomia ou comprometer os projetos individuais.

A postura de Clare pode ser interpretada como uma crítica implícita aos padrões sociais de antigamente, que colocavam as mulheres em papéis de subordinação e sacrifício dentro das relações amorosas (Dias, 2004). Durante muito tempo, as expectativas sociais sobre as mulheres estavam ligadas à ideia de que o sucesso feminino era alcançado através do casamento e da maternidade (Zanello, 2022). Na era moderna, as mulheres eram socializadas para aceitar a ideia de que o compromisso amoroso era uma responsabilidade central de suas vidas, muitas vezes em detrimento de suas próprias ambições profissionais e pessoais (Zanello, 2022). Clare, no entanto, se afastada dessa ideia ao expressar seu desejo de se concentrar em seu futuro acadêmico e pessoal, sem que o relacionamento a defina ou limite suas possibilidades.

Esse medo de fracasso, associado ao não cumprimento das expectativas tradicionais, pode ser analisado na percepção das teorias feministas contemporâneas, que questionam a imposição de papéis rígidos de gênero nas mulheres. As autoras como Simone de Beauvoir e Judith Butler argumentam que o feminino foi historicamente construído em torno de expectativas sociais que limitam a agência das mulheres, colocando-as em posições de dependência emocional e econômica em relação aos homens (Beauvouir, 2014). No filme, Clare parece consciente de que manter um relacionamento a longo prazo poderia significar uma perda de sua independência recém-conquistada, e seu medo de fracasso está profundamente enraizado na ideia de que seguir os padrões de antigamente seria abdicar de seu direito de traçar seu próprio caminho.

Outro aspecto importante a ser considerado é a maneira como Clare se posiciona diante do amor romântico. O amor, que na era moderna era concebido como um ideal a ser alcançado e mantido a qualquer custo, na era pós-moderna assume uma forma mais flexível e menos central na vida dos indivíduos (Zanello, 2022). Para Clare, o término do relacionamento não é necessariamente um fracasso, mas uma escolha racional de não seguir o caminho tradicional que poderia limitar suas opções futuras. Isso exemplifica o que Giddens (2003), em sua teoria sobre a transformação da intimidade, chama de “relações puras”, que são baseadas no reconhecimento mútuo da individualidade e no desejo de que a relação funcione enquanto for satisfatória para ambos.

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2004. 

BAUMAN, Zygmunt. Cegueira moral. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2014.

DE BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Nova Fronteira, 2014.

DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre a mulher e seus direitos. Livraria do Advogado Editora, 2004.

GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Unesp, 2003.

MOTA, Catarina Pinheiro; MATOS, Paula Mena. Adolescência e institucionalização numa perspectiva de vinculação. Psicologia & Sociedade, v. 20, p. 367-377, 2008.

ZANELLO, Valeska. A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. Editora Appris, 2022.

 

 

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A voz da Agronomia na contemporaneidade: conflitos de validação do conhecimento técnico e vivências entre gerações

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O acadêmico Gabriel Fernandes Mendes, estudante do curso de Agronomia, destaca-se como pioneiro na introdução da cultura do café no estado do Tocantins e atua como pesquisador e extensionista universitário. Ele identificou a necessidade de realizar uma graduação em sua área de atuação com o intuito de aliar a prática ao conhecimento técnico, o que considera essencial para sua relevância tanto no campo da pesquisa quanto no setor do agronegócio.

(En)Cena – O trabalho no campo envolve pessoas mais velhas que possuem experiência prática, mas não têm formação. Ao passo que existem profissionais que possuem conhecimento científico e técnico, mas são mais jovens. Como você percebe e lida com essas diferenças?

Gabriel Fernandes Mendes – O diálogo com os produtores varia conforme o perfil de cada um. No caso de grandes produtores, com fazendas bem estruturadas e tecnologia avançada, frequentemente encontramos pessoas que, embora tenham adquirido conhecimentos na prática, tiveram acesso a informações de profissionais especializados. Mesmo que esses conhecimentos práticos possam não ser tão precisos quanto os de um profissional formado, seguem uma linha de raciocínio técnica e fundamentada. Já com pequenos produtores, que adquiriram seus conhecimentos ao longo de gerações por meio do trabalho braçal e da convivência familiar, a situação é diferente. Muitos aprenderam práticas com pais e avós, resultando em um saber prático que, embora válido, nem sempre é totalmente preciso ou embasado teoricamente. E, essa realidade varia conforme a região do país, pois a agricultura familiar se desenvolve de formas distintas, influenciada por fatores locais como cultura, tipo de cultivo e clima. Com isso, o ideal é apresentar resultados práticos e, ao mesmo tempo, integrar o conhecimento científico ao saber prático que o produtor já possui, valorizando sua experiência. Um exemplo comum é a crença, no contexto da agricultura familiar, sobre a influência das fases da lua no plantio. Embora exista alguma correlação entre as fases da lua e fatores como precipitação e pressão atmosférica, muitos aspectos do cultivo dependem de condições como a chuva e o clima, que frequentemente têm uma influência maior na germinação. A agricultura familiar em algumas regiões do Brasil enfrenta dificuldades para se desenvolver devido à resistência de alguns produtores em adotar métodos diferentes dos tradicionais. Em algumas situações, eles precisam observar alguém próximo, como um vizinho ou alguém que respeitam, obtendo bons resultados com novas técnicas para considerar mudanças em suas próprias práticas. A forma com que eles lidam com as inovações depende muito de quem está transmitindo as informações, o que torna essa questão ainda mais delicada. Infelizmente, essa resistência acaba limitando o desenvolvimento pessoal e profissional desses agricultores. Para cada situação, é necessário ter ajustes na comunicação e um diálogo cuidadoso, que respeite e valorize as tradições, ao mesmo tempo em que se busca introduzir melhorias.

(En)Cena – Como você se sente ao dar sua opinião ou sugerir mudanças nas práticas tradicionais dessas pessoas mais velhas que têm experiência? Você sente que é ouvido e respeitado?

Gabriel Fernandes Mendes – Com certeza, não é uma situação simples. Como mencionei anteriormente, tudo depende do perfil do produtor. Quando você trabalha com um produtor que busca produtividade e lucro, qualquer sugestão bem fundamentada e que possa agregar valor é bem-vinda. Esse tipo de produtor tende a ouvir com interesse, faz perguntas, propõe alternativas e gera uma conversa saudável e colaborativa. Por outro lado, ao lidar com pequenos produtores que estão focados apenas no trabalho e não priorizam tanto a produtividade ou o lucro, a dinâmica é diferente. Para o grande produtor, a fazenda é uma empresa, um negócio. Para o pequeno produtor, sua propriedade representa uma vida, uma cultura e uma história familiar. Em alguns casos, o pequeno produtor não enxerga aquilo como uma empresa, e qualquer sugestão de mudança pode ser interpretada como uma intervenção em sua vida pessoal, e não apenas no seu modo de trabalho. No entanto, é frustrante para quem se dedica ao estudo, à leitura de artigos, e ao aprimoramento técnico, ter plena certeza de uma recomendação e, ainda assim, enfrentar resistência e falta de acolhimento, especialmente entre os pequenos produtores. Em mais de 90% dos casos, trabalhar com esses produtores significa lidar com essa barreira. Esse é um dos motivos pelos quais muitas iniciativas técnicas e práticas no setor agropecuário acabam sendo voltadas para grandes produtores, enquanto há poucos projetos sociais e governamentais direcionados aos pequenos produtores. Essa dificuldade em aceitar opiniões externas torna mais complexa a implementação de novas práticas.

(En)Cena – Você já passou por situações em que sua formação acadêmica foi questionada ou desvalorizada por essas pessoas? Como lidar com isso?

Gabriel Fernandes Mendes – De certa forma, sim, porque ainda estou em processo de formação, mas essa situação é muito comum quando desenvolvemos atividades de extensão em campo, cujo objetivo é levar melhorias para essas comunidades. Muitas vezes, acabamos buscando grandes produtores, que geralmente têm estrutura e conhecimentos suficientes e, na maioria dos casos, nem precisam tanto da nossa ajuda. Contudo, ao tentar aplicar esse trabalho junto aos pequenos produtores, encontramos desafios significativos, principalmente devido à falta de estrutura. Ainda assim, é notável como nossas orientações e sugestões são recebidas de maneiras diferentes. Ao desenvolver uma atividade, como uma palestra, observamos o olhar e o comportamento das pessoas ao nosso redor. Muitas vezes, o público está sentado, aparentemente ouvindo, mas sem qualquer participação ou interesse real. Apenas pelo olhar, percebemos uma postura de desconfiança, o que torna a situação complicada. Isso, no entanto, faz parte da cultura de quem está há 40 ou 50 anos na prática, com uma visão consolidada e crenças próprias, desenvolvidas ao longo de uma vida inteira. Tentar mudar isso rapidamente é quase impossível. Com isso, procuro direcionar certas atividades para públicos específicos, com base na experiência que acumulei. Se o público não acredita nos métodos que apresentamos e não é possível comprovar os resultados de forma prática, o esforço acaba sendo em vão. O principal é desenvolver uma atividade que gere resultados reais, sem essa possibilidade, o trabalho perde sentido e torna-se inviável. O ideal é que você já tenha consciência de que encontrará dificuldades e que a recepção pode não ser positiva. Embora isso não se aplique a todos os casos, cerca de 90% das situações apresentam essa resistência. Portanto, é fundamental adaptar a atividade para esse público. Por exemplo, é necessário simplificar a linguagem que você utilizará, evitando termos excessivamente técnicos. É importante fornecer o máximo de exemplos práticos para tornar a apresentação mais didática. Caso você consiga associar suas propostas às crenças do público, será possível desenvolver uma atividade que, mesmo que parcialmente, seja bem-sucedida

(En)Cena – Quais estratégias você acredita serem eficazes para que você consiga validar seu conhecimento diante de agricultores familiares que confiam mais em sua própria experiência do que em orientações técnicas?

Gabriel Fernandes Mendes – Isso depende bastante da localização do produtor. Por exemplo, ao trabalhar com produtores da agricultura familiar, seja do sul, do extremo norte, do nordeste ou do centro-oeste do país, cada região apresenta uma situação distinta. Focando nos produtores da agricultura familiar aqui da nossa região, uma estratégia que tem mostrado bons resultados, com base na minha experiência, é a necessidade de ter um campo experimental ou um local onde você possa levá-los inicialmente para apresentar os resultados e demonstrar como você realizou as práticas. Após isso, você pode então visitar as áreas deles e compartilhar o conhecimento adquirido. A primeira coisa a fazer é demonstrar como seu protocolo de cultivo pode ajudá-los a aumentar a produtividade e a reduzir o esforço no trabalho. É essencial tornar a proposta atraente, evitando promessas exageradas, mas mostrando resultados concretos e facilitando a implementação, considerando que o trabalho na agricultura familiar é geralmente muito árduo. Ao mostrar que suas práticas funcionam na prática, você começa a quebrar a barreira da resistência. As pessoas precisam receber novas informações, mas isso só é eficaz se você apresentar resultados tangíveis. Se você não demonstra esses resultados, como pode pedir que eles arrisquem a produtividade de um ano com base em métodos ainda incertos?. É crucial entender a estrutura que esses produtores têm à disposição e com a qual estão familiarizados. Portanto, todo protocolo deve ser formulado levando em conta esses fatores, caso contrário, isso poderá impedir a aceitação das suas ideias, pois parecerá que você está propondo algo que não se encaixa na realidade deles. Isso é semelhante ao que acontece na política: quando as propostas de um político não refletem a realidade da cidade, as pessoas tendem a desconfiar. Assim, mesmo que suas intenções sejam boas e que você tenha ótimas ideias, se não trabalhar dentro da realidade dos produtores, suas propostas não terão impacto. Resumindo, para mim, o que funciona é mostrar resultados concretos, simplificar o trabalho deles com soluções viáveis e alinhar as propostas com a realidade enfrentada por esses produtores.

(En)Cena – A pós-modernidade traz consigo uma valorização da diversidade de opiniões e perspectivas. Como isso afeta sua interação com aqueles que têm práticas tradicionais, mas que podem resistir a novas abordagens tecnológicas ou teóricas?

Gabriel Fernandes Mendes – Na verdade, acredito que essa situação deve ser analisada sob outra perspectiva. Ninguém se opõe a algo que é bom ou que facilita a vida das pessoas. No entanto, a desigualdade social frequentemente impede que essas pessoas tenham acesso a novas tecnologias, fazendo com que nem mesmo consigam sonhar com isso. Essa realidade é especialmente evidente no campo. Por exemplo, um grande produtor pode possuir um maquinário que, por si só, representa o investimento de dez propriedades de pequenos produtores. Essa disparidade evidencia a grande desigualdade social presente nesse setor. Os pequenos produtores da agricultura familiar muitas vezes não têm nem a condição de imaginar a possibilidade de adquirir um daqueles maquinários. Portanto, quando você trabalha com essas pessoas, não é que elas se opõem a inovações, muitas vezes, simplesmente não têm a capacidade financeira para isso. É essencial reconhecer essa realidade e moldar seu protocolo para se adequar às condições deles, desenvolvendo atividades que sejam viáveis e relevantes para suas situações. O objetivo deve ser sempre promover soluções que se encaixem na realidade desses produtores. E, por fim, devemos torcer para que um dia essa realidade no país mude. Infelizmente, essa ainda é a situação atual. No entanto, quando se trata do grande produtor, a introdução de um novo insumo, semente ou maquinário geralmente é acompanhada de muitos testes. As empresas realizam eventos de lançamento, onde os produtores podem visitar e conhecer as inovações, recebendo incentivos para adquirir essas novas tecnologias. Por conta da reputação consolidada dessas empresas, seus produtos são geralmente bem aceitos no mercado. A confiança que os produtores depositam nessas marcas, devido à sua história e resultados anteriores, facilita a aceitação de praticamente qualquer produto que lancem, desde que tenha sido testado e validado. No caso dos grandes produtores, é raro enfrentar o desafio da aceitação de novos produtos. No entanto, com os pequenos produtores, a situação é diferente e se relaciona com as questões que foram mencionadas anteriormente.

(En)Cena – Quais práticas agroecológicas têm sido adotadas pelos novos profissionais de agronomia  para integrar sustentabilidade e produção agrícola?

Gabriel Fernandes Mendes – Em relação às novas agrotecnologias no Brasil voltadas para sustentabilidade e aumento de produtividade, vale ressaltar que sua adoção depende muito da região do país. No entanto, dois pontos que têm abrangência nacional são as áreas de defensivos e fertilizantes. Isso porque esses insumos estão entre os que mais deixam resíduos no meio ambiente, e, por isso, tanto no Brasil quanto globalmente, o setor de pesquisa e desenvolvimento do agronegócio investe fortemente na criação de alternativas mais sustentáveis. Na área de fertilizantes, por exemplo, há inovações importantes com foco em sustentabilidade. Uma delas é o uso de FBN (fixadores biológicos naturais) de nitrogênio e de fósforo, que são bactérias capazes de fixar esses nutrientes no solo. Isso é essencial porque tanto o nitrogênio quanto o fósforo são amplamente utilizados na agricultura e, quando lixiviados, podem atingir corpos d’água e causar eutrofização, que é um processo que aumenta a proliferação de micro-organismos aquáticos, prejudicando o ecossistema ao reduzir a quantidade de oxigênio e luminosidade e afetando a fauna e a flora locais. O uso de fixadores naturais reduz a necessidade de aplicação desses fertilizantes químicos, diminuindo assim os resíduos e os impactos ambientais. Um exemplo de sucesso é o fixador natural de fósforo desenvolvido pela Embrapa, que já trouxe excelentes retornos financeiros ao Brasil, visto que muitos produtores ao redor do mundo passaram a utilizar esse produto. Outro ponto positivo nas agrotecnologias é o MIP (Manejo Integrado de Pragas). Esse sistema utiliza estratégias ecológicas e naturais para o controle de pragas, minimizando o uso de defensivos químicos. O MIP inclui práticas como o uso de micro-organismos benéficos, a rotação de culturas e um processo dividido em etapas, visando reduzir ao máximo a necessidade de químicos no campo, o que favorece a sustentabilidade da fauna e flora locais. Por fim, o avanço da agricultura verde e orgânica, que evita o uso de defensivos e fertilizantes químicos. Essa prática tem crescido significativamente tanto no Brasil quanto no mundo, gerando impactos positivos para a sustentabilidade e para o meio ambiente. 

(En)Cena – Como os agrônomos e estudantes de agronomia abordam a necessidade de preservar o meio ambiente enquanto atendem às demandas agrícolas globais?

Gabriel Fernandes Mendes – Na verdade, essa é uma questão complexa. A situação depende muito da perspectiva de cada profissional e é significativamente influenciada por condições políticas no país, que agravam a problemática ambiental. Por exemplo, elaboramos protocolos para o uso de defensivos e fertilizantes, buscando sempre minimizar os danos ao meio ambiente e evitar a presença de resíduos. Nosso objetivo é desenvolver pesquisas que promovam melhorias e possibilitem uma produção mais eficiente em áreas menores, com menos resíduos e impactos ambientais. No entanto, a pesquisa no Brasil enfrenta sérias limitações em todos os setores, o que impede o desenvolvimento de novas tecnologias mais favoráveis ao meio ambiente. É importante ressaltar que o governo não oferece incentivos suficientes para que os produtores reabilitem ou reestruturem áreas degradadas, ou seja, áreas que já não são produtivas e estão sendo abandonadas. Atualmente, financeiramente, é mais vantajoso para os produtores abrir novas áreas para cultivo do que tentar revitalizar terrenos que já foram utilizados e que hoje não produzem mais. Isso resulta na continuidade da abertura de áreas no Brasil, deixando extensões de terra sem produção e sem vegetação nativa, agravando assim o problema ambiental. Essa situação decorre da falta de políticas públicas eficazes que incentivem os produtores a adotar práticas mais sustentáveis. Portanto,  durante nosso processo de formação, sempre procuramos abordar a produção de forma que respeite o meio ambiente, optando por protocolos e métodos que maximizem a produção enquanto minimizam os resíduos e impactos ambientais.

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Diálogos Clínicos: evento conta com dramatização e tema do CAOS 2025 é divulgado

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Diálogo entre abordagens e suas formas de agirem acerca de um caso.

 Ocorreu nesta quinta-feira, 07 de novembro, no miniauditório Ulbra Palmas o evento Diálogos Clínicos, que contou com a presença de acadêmicos da Clínica Escola de Psicologia (SEPSI) da Ulbra Palmas. O caso foi apresentado través de uma dramatização, que foi interpretado pelo acadêmico de Psicologia Lucas Nascimento. A mesa de diálogo foi composta pelas acadêmicas Luiza Dantas e Glayce, trazendo a perspectiva da abordagem Sistêmica, Samara abordando sobre a Psicanálise, Sarah Coelho descrevendo como seria o andamento do caso de acordo com a abordagem Terapia Cognitivo – Comportamental, Carla Afonso e Maysa Almeida abordando acerca da Análise do Comportamento, e as acadêmicas Valéria de Oliveira e Sandra Aguiar da Psicologia Analítica. 

De acordo com a acadêmica Luiza Dantas, esse evento tem extrema importância para os demais estudantes do curso:

“Considero esse evento de grande importância, pois ele permite que acadêmicos do último ano do curso, já com maior familiaridade com suas abordagens, compartilhem seu conhecimento com outros estudantes que estão no início ou na metade do curso, ou que estão prestes a ingressar no último ano. Esse momento proporciona uma oportunidade valiosa para que os participantes esclareçam dúvidas sobre como cada abordagem agiria diante de determinado caso clínico. E é uma chance para compreenderem tanto as diferenças quanto às semelhanças entre as abordagens.”

  Neste evento, os acadêmicos compartilharam suas perspectivas, métodos de intervenção e formas de compreender o caso e o paciente. Essa exposição foi de grande importância para estudantes, especialmente para aqueles que estão indecisos sobre qual abordagem escolher no último ano de curso para o estágio clínico. Ao conhecerem as particularidades e os pontos em comum entre as abordagens, os acadêmicos puderam ter uma visão mais clara das possibilidades da prática clínica e dos caminhos possíveis a serem percorridos de acordo com cada linha teórica. 

  O evento também contou com a abertura do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia 2025, onde foi exposto o tema “FAMÍLIA: tudo o que você queria saber e tem vergonha de perguntar”. O CAOS, no contexto da Psicologia, oferece uma forma de enxergar o Ser além de rótulos ou concepções pré-estabelecidas. O ser humano, objeto de análise do profissional de Psicologia, é repleto de imprevisibilidade e originalidade, refletindo a riqueza da existência. A partir do CAOS, surgem processos intensos de mudança, autossuperação e singularidade. É através do imprevisível e do radicalmente distinto que se revela a beleza da diferença. Esses princípios, alicerçados no Humanismo, são os pilares da Psicologia, que visa elevar a condição humana em toda a sua excentricidade, sem julgamentos. Esse é o propósito do CAOS, o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia do Ceulp/Ulbra.

 

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A Inteligência Artificial (IA) na Psicologia: transformando a prática clínica

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Desmistificando a IA como uma ameaça e explorando suas potencialidades para promover avanços na prática clínica do Psicólogo (a). 

O início da relação da Psicologia com a Inteligência Artificial

A IA é denominada como um campo da ciência da computação dedicado ao desenvolvimento de sistemas que imitam a capacidade cognitiva humana, visando a análise e hipóteses de respostas para determinados problemas e tomada de decisões. A IA também é conceituada como a concepção de sistemas computacionais inteligentes capazes de executar tarefas sem orientações diretas de agentes humanos, exemplificado pelo funcionamento de autômatos (Lobo, 2017).

Com a aplicação de diversos algoritmos e também com estratégias de tomada de decisão, combinados com o processamento de vastos conjuntos de dados, a IA é apta a sugerir cursos de ação quando é solicitado. É englobada múltiplas competências e fases, como a detecção de padrões em dados e imagens, compreensão de linguagem natural em seus aspectos escritos e orais, identificação de relações e correlações, além da execução de algoritmos de decisão elaborados por especialistas (Lobo, 2017).

A história da Inteligência Artificial se dá início em 1950, quando Alan Turing publicou seu influente artigo “Computing Machinery and Intelligence”, no qual ele propôs um teste para comparar a capacidade de um computador com a de um ser humano na resolução de problemas, hoje conhecido como Teste de Turing em sua homenagem (Lobo, 2017).

Em 2018, a terminologia “Saúde Digital” foi conceituada como o domínio de estudo e aplicação relacionado ao desenvolvimento e implementação de tecnologias digitais, com o objetivo de aprimorar o setor de saúde. Este conceito engloba uma ampla gama de áreas, incluindo o envolvimento de consumidores digitais, a utilização da Internet das Coisas, a aplicação de inteligência artificial, o processamento de grandes volumes de dados (big data) e a integração de sistemas robóticos (Theophilo e Martins,).

Há um consenso em avanço na comunidade global da saúde acerca da ideia de que a utilização estratégica e inovadora das tecnologias digitais da informação e comunicação, desempenhará um papel crucial na expansão universal de saúde para um bilhão adicional de pessoas, bem como na ampliação da proteção contra emergências de saúde, resultando em melhorias significativas na saúde e no bem-estar da sociedade (Theophilo e Martins,).

No contexto brasileiro, o eSaúde foi formalmente estabelecida em 2017 pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), reconhecendo a Saúde Digital como mecanismos contributivos para a integração ao Sistema Único de Saúde (SUS), alinhados diretamente com os princípios e diretrizes do sistema de saúde pública do país. Possibilitando que multiprofissionais tenham acesso aos dados fornecidos pelo SUS daquele paciente. 

Entre as diversas ferramentas presentes no âmbito da Saúde Digital, destacam-se os aplicativos móveis, caracterizados como práticas médicas e de saúde pública realizadas através de dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento, assistentes digitais pessoais e outros dispositivos sem fio (Theophilo e Martins,). Essa estratégia é denominada como Saúde Móvel, sendo sua denominação em inglês mHealth.

A Psicologia utiliza meios tecnológicos como ferramenta para a prática clínica, como por exemplo, o uso de aplicativos para o monitoramento de humor diário do paciente, como é bastante utilizado por psicoterapeutas cognitivos comportamentais. Na pesquisa “Saúde Mental na palma da mão: um olhar sobre os aplicativos de monitoramento de humor e emoções” (Lessa, 2019), apontou que na loja virtual “Google Play”, após buscar pelo termo “saúde mental”, foram identificados 250 aplicativos com uma variedade de funcionalidades. 

Entre estes, destacam-se aplicativos que fornecem material de referência abordando explicações detalhadas sobre diferentes transtornos psicológicos; jogos para estimular o cérebro; aplicativos destinados a fornecer informações sobre serviços de atendimento psicológico e psiquiátrico disponíveis tanto no setor público quanto no privado; ferramentas que auxiliam na prática da meditação; e aplicativos que oferecem diariamente frases motivacionais. Mas, de acordo com a pesquisa realizada, os que de fato servem como aplicativo de monitoramento são: Cíngulo, Daylio, Diáriode Humor, Minha Ansiedade e Diário do Psique (Lessa, 2019).

               Fonte: Imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

Será que a IA poderá ocupar o lugar de um profissional da saúde mental?

Algo que vem sendo pauta em algumas profissões como a do Psicólogo, é se a IA será capaz de assumir o seu papel. A prática de assumir o papel desse profissional em ambientes virtuais, particularmente em plataformas de inteligência artificial como o Chat GPT, desencadeia uma série de debates. Em primeiro lugar, é importante compreender a complexidade da formação e da atuação de um psicólogo. A Psicologia é uma ciência que demanda um entendimento extenso dos processos cognitivos, emocionais e comportamentais dos indivíduos (Strapasson e Dittrich, 2011). 

O primeiro debate a ser feito é em relação a capacidade de uma inteligência artificial de tentar compreender o sujeito. A interação humana é permeada por particularidades emocionais e contextuais que frequentemente escapam às capacidades de um sistema baseado em algoritmos. A empatia e a capacidade de criar um vínculo terapêutico genuíno são aspectos fundamentais do trabalho de um Psicólogo, inclusive do Psicoterapeuta Cognitivo, que uma máquina pode não conseguir replicar (Alves, 2017).

Devemos também dar ênfase na questão da ética. A prática do Psicólogo está regida por um Código de Ética e Resoluções do Conselho Federal de Psicologia que visam proteger a confidencialidade, a dignidade e o bem-estar dos clientes/pacientes. A introdução de inteligências artificiais neste contexto levanta preocupações significativas sobre a privacidade e a segurança dos dados dos pacientes. 

Outro ponto a ser levado em consideração é a relação terapêutica, onde o profissional proporciona um espaço seguro para que o paciente se sinta ouvido, acolhido e livre de julgamentos, sendo isso elemento essencial para o tratamento psicológico (Alves, 2017). A presença e a interação humana são componentes críticos dessa relação, aspectos que são ausentes em interações com inteligências artificiais.

Apesar de que as tecnologias de inteligência artificial possam oferecer ferramentas úteis para complementar o trabalho dos Psicólogos, assumirem inteiramente o papel desse profissional, apresenta sérias limitações e preocupações. A complexidade do ser humano, a ética profissional e a eficácia do tratamento psicológico são áreas onde a intervenção humana permanece insubstituível. Portanto, a crítica central é que, embora a tecnologia possa apoiar, até o presente momento, ela pode não conseguir substituir a profundidade e a autenticidade da interação humana que estão envolvidas na prática psicológica.

 

Referências

 

ALVES, Diana Lopes. O vínculo terapêutico nas terapias cognitivas. Rev. Bras. Psicoter.(Online), p. 55-71, 2017.

Código de Ética Profissional do Psicólogo. Conselho Federal de Psicologia, Brasília, 2005.

LESSA, Daniela Mendes et al. Saúde mental na palma da mão: um olhar sobre aplicativos de monitoramento de humor e emoções. 2019.

LOBO, Luiz Carlos. Inteligência artificial e medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 41, p. 185-193, 2017.

STRAPASSON, Bruno Angelo; DITTRICH, Alexandre. Notas sobre o determinismo: Implicações para a psicologia como ciência e profissão. Avances en Psicología Latinoamericana, v. 29, n. 2, p. 295-301, 2011.

THEOPHILO, Rebecca Lucena; MARTINS, Ana Carolina Silva. Aplicativos móveis como aliados no acompanhamento e comunicação da dor.

 

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O Modelo Denver de Intervenção Precoce (ESDM) para o tratamento do TEA

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Um novo modelo para a utilização na intervenção precoce para crianças com o Transtorno do Espectro Autista.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado pelo indivíduo apresentar atrasos em várias áreas e habilidades do seu desenvolvimento. É provável que apresente frequentemente padrões repetitivos de comportamento, interesses restritos e atividades. A causa exata do TEA ainda não é totalmente compreendida, apesar de haver pesquisas que indicam que os fatores genéticos e ambientais influenciam este transtorno (Sella e Ribeiro, 2018).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) categoriza o TEA em três níveis de necessidade de suporte, com base nos déficits observados na comunicação social e nos comportamentos restritos e repetitivos. Esses níveis são designados como: nível 3 (requerendo suporte muito substancial), nível 2 (requerendo suporte substancial) e nível 1 (requerendo suporte).

O DSM-5 categorizou o TEA com três níveis de necessidade de suporte, diagnosticando-o com base nos déficits característicos de comunicação social e comportamentos restritos e repetitivos. Sendo eles: nível 3 (exigindo suporte muito substancial), nível 2 (requer suporte substancial) e nível 1 (requer suporte).

                                                        Fonte: imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

Os sinais e o diagnóstico precoce do TEA

Os pais de crianças diagnosticadas com TEA frequentemente são os primeiros a perceberem discrepâncias no desenvolvimento de seus filhos, notando uma gama de sinais que podem surgir nos primeiros três anos de vida. Esses sinais podem inclusive ser observados desde o período neonatal, caracterizados, por exemplo, pela ausência no estabelecimento de contato visual (Mansur, 2017).

Essa observação inicial por parte dos pais desempenha um papel fundamental no encaminhamento precoce para avaliações clínicas e intervenções terapêuticas, possibilitando assim uma abordagem precoce e apropriada para o manejo do TEA, na qual há a possibilidade de reverter os atrasos e desenvolver determinadas habilidades.

Os estudos acadêmicos destacam fatores que podem contribuir para a demora no diagnóstico precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo a ampla variedade de expressões dos sintomas do TEA que pode dificultar sua identificação, especialmente em crianças em idade pré-escolar, onde as características típicas do desenvolvimento podem sobrepor-se aos sinais de TEA, desafiando a precisão diagnóstica (Mansur, 2017). Destaca-se também a falta de profissionais capacitados para reconhecer os sinais precoces do TEA e realizar avaliações adequadas. A escassez de profissionais especializados em TEA pode resultar em longos períodos de espera por avaliações diagnósticas e intervenções terapêuticas, prolongando o tempo até o diagnóstico e a implementação de tratamentos eficazes.

Outro fator determinante é a disponibilidade limitada de serviços especializados em TEA, especialmente em regiões economicamente desfavorecidas, sendo um obstáculo significativo para o diagnóstico precoce e o acesso a intervenções terapêuticas adequadas. Essa falta de recursos adequados pode resultar em atrasos no diagnóstico e tratamento do transtorno, comprometendo assim o desenvolvimento das crianças afetadas (Santos et al., 2020).

A importância do diagnóstico precoce, especialmente durante o período entre dois e seis meses de idade, é propícia para a implementação de intervenções precoces durante fases de maior plasticidade neural. Isso resulta no potencial de prevenir danos mais significativos no desenvolvimento futuro da criança (Steffen et al., 2020).

A realização de um diagnóstico precoce é de suma importância, pois amplia os benefícios decorrentes da intervenção realizada por uma equipe interdisciplinar, que pode ser composta por professores, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, aplicadores ABA, psicomotricistas, psicopedagogos, entre outros. Além disso, proporciona uma orientação adequada aos pais, o que contribui significativamente para a evolução do tratamento (Silva e Mulick, 2009).

  Fonte: imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

O modelo que ganhou grande espaço na Intervenção Precoce do TEA

O Modelo de Intervenção Precoce de Denver (ESDM) é um método naturalista de intervenção que se baseia em atividades que refletem a rotina das crianças. Este modelo abrange um tratamento que se estende de 12 a 36 meses, seguido por uma fase subsequente dos 24 aos 60 meses de idade, com o propósito de reduzir os danos e/ou dificuldades em algumas áreas, e promover o avanço no conhecimento e no desenvolvimento infantil em todos os aspectos, como cognição, habilidades sociais, emocionais e linguísticas (Rodrigues et al., 2021 apud Rogers & Dawson, 2014).

A necessidade de intervenção precoce é uma grande hipótese de solução para proporcionar oportunidades de aprendizagem diversificadas, especialmente para crianças com comprometimentos no desenvolvimento. A intervenção precoce demonstra a capacidade de reduzir a severidade dos sintomas do transtorno do espectro autista (TEA) devido à neuroplasticidade cerebral (Rodrigues et al., 2021 apud Wallace & Rogers, 2010, citado em Rogers & Vismara, 2014).

O Modelo Denver de Intervenção Precoce é caracterizado por possuir um currículo de desenvolvimento específico, onde a criança irá percorrer diversas competências a serem ensinadas. Ele é realizado a partir de práticas que envolvem atividades colaborativas, fazendo uso da ludicidade como elemento central. A brincadeira e o jogo são recursos primordiais para estimular o aprendizado (Mayrink, 2021).

É importante destacar que essa intervenção é naturalística, por isso, a implementação pode ocorrer em uma variedade de contextos, que vão desde o ambiente doméstico da criança até escolas, clínicas e outros ambientes. É fundamental que o terapeuta se torne o foco de atenção da criança, assumindo o papel de um verdadeiro parceiro de diversão. E quanto mais envolvente e divertida for a atividade, maior será o nível de engajamento e processo de aprendizagem da criança (Mayrink, 2021).

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014

DE CARVALHO MANSUR, Odila Maria Ferreira et al. Sinais de alerta para Transtorno do Espectro do Autismo em crianças de 0 a 3 anos. Revista Científica da Faculdade de Medicina de Campos, v. 12, n. 3, 2017. Disponível em: SINAIS DE ALERTA PARA TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO EM CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS | Revista Científica da Faculdade de Medicina de Campos (fmc.br). Acessado em: 13/04/2024

MAYRINK, Izabelle Bastos Ribeiro. A importância do Modelo Denver de Intervenção Precoce no tratamento de crianças com o Transtorno do Espectro Autista: uma revisão bibliográfica. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, [S. l.], v. 9, n. 3, p. 2120–2133, 2023. DOI: 10.51891/rease.v9i3.9086. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/9086. Acessado em: 18/04/2024.

RODRIGUES, Andressa Aparecida; DE LIMA, Maísa Miranda; ROSSI, Jean Pablo Guimarães. Modelo Denver de Intervenção Precoce para Crianças com Transtorno do Espectro Autista. Humanidades & Inovação, v. 8, n. 48, p. 359-375, 2021. Disponível em: MODELO DENVER DE INTERVENÇÃO PRECOCE PARA CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA | Humanidades & Inovação (unitins.br). Acessado em: 18/04/2024.

SILVA, Micheline; MULICK, James A. Diagnosticando o transtorno autista: aspectos fundamentais e considerações práticas. Psicologia: ciência e profissão, v. 29, p. 116-131, 2009. Disponível em: SciELO – Brasil – Diagnosticando o transtorno autista: aspectos fundamentais e considerações práticas Diagnosticando o transtorno autista: aspectos fundamentais e considerações práticas. Acessado em: 19/04/2024.

STEFFEN, . F. .; DE PAULA, . F. .; MARTINS, . M. F. .; LÓPEZ, . L. . Diagnóstico precoce de autismo: uma revisão literária. REVISTA SAÚDE MULTIDISCIPLINAR, [S. l.], v. 6, n. 2, 2020. Disponível em: http://revistas.famp.edu.br/revistasaudemultidisciplinar/article/view/91. Acessado em: 19/04/2024.

 

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Construindo pontes: obstáculos e oportunidades na dinâmica das equipes interprofissionais

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A psicóloga e coordenadora ABA, Lariane Medeiros, compartilha uma narrativa envolvendo seu cotidiano inserida em uma equipe interprofissional.

(En)Cena entrevista Lariane Medeiros, Psicóloga (CRP 23/2344), Pós-graduanda em Análise do Comportamento Aplicada e Especialista em Terapia Cognitiva Comportamental. Atualmente atua como coordenadora ABA em uma clínica para pacientes neurodivergentes e como psicóloga clínica em consultório particular. 

(En)Cena: Qual foi o percurso profissional que a conduziu até o presente momento?

Lariane: Iniciei minha carreira profissional como estagiária de recursos humanos em uma construtora, depois me mantive na área em outras empresas até chegar a ocupação de um cargo de liderança no RH de um atacarejo, ao todo fiquei 6 anos na área de psicologia organizacional. Em 2021 fiz a transição de carreira para a clínica iniciando com atendimentos online de adultos e desde então sigo como psicóloga clínica. Após uma mudança de estado devido a questões pessoais, iniciei em uma clínica infantil de atendimento interprofissional, onde tenho atuado há pelo quase 2 anos como coordenadora

(EnCena): Como a coordenadora clínica lida com a diversidade de abordagens e processos decisórios dos demais profissionais na equipe interprofissional?

Lariane: É comum dentro de um acompanhamento interprofissional termos diversidade nas abordagens e decisões de cada profissional que acompanham um caso em comum, dessa forma, eu busco sempre estar em contato com cada área compartilhada, visando sempre focar na evolução do paciente e na contribuição que cada profissional tem para oferecer para o caso que acompanho.  Dessa forma, consigo facilitar minha visão sobre o caso e acolho os demais profissionais dentro do que for viável e possível. 

(EnCena): Quais são os principais desafios enfrentados por uma coordenadora clínica ao integrar as intervenções da terapia intensiva baseada na Análise do Comportamento Aplicada com as práticas de outras áreas, como terapia ocupacional, fonoaudiologia e escolar?

Lariane: Um desafio comum na prática interprofissional se dá quando o paciente não é atendido no mesmo contexto clínico, quando ocorre alguma intervenção por profissionais que não estão no mesmo ambiente, em alguns contextos existem profissionais que não facilitam a comunicação e a troca para acompanhamento do caso. Outro desafio se dá quando os profissionais de áreas parceiras que atendem a mesma criança não aceitam ou compreendem as intervenções propostas, o que dificulta a generalização de comportamentos esperados do paciente em todos os contextos que ele é atendido. O que observo é que quando os profissionais estão alinhados, isso facilita a evolução do caso e a criança e a família são beneficiadas nesse processo de troca interprofissional. 

(EnCena) :Como a coordenadora clínica gerencia divergências de opinião ou conflitos entre os membros da equipe interprofissional durante a tomada de decisões em relação aos casos dos pacientes?

Lariane: Busco gerenciar sempre através do respeito a cada profissional que participa do caso de cada paciente considerando que as experiências são válidas para contribuição e evolução do caso, compreendo que cada profissional terá a sua área específica, sua abordagem e seus objetivos, mas sempre tenho como referência que o foco é na qualidade de vida do paciente e na família atendida. Nesse cenário, acredito que parceria faz total diferença para esse tipo de acompanhamento, quando ocorre divergência de opiniões ou conflitos, a melhor opção que considero é o que será mais adequado para o caso e para a família.

(EnCena): Quais são os principais obstáculos enfrentados por uma coordenadora clínica ao alinhar as metas terapêuticas da equipe interprofissional com as expectativas e necessidades das crianças e suas famílias?

Lariane: Os maiores obstáculos diante desse cenário são famílias que demandam expectativas que não são inerentes ao processo, ou ainda que se isentam da participação e colaboração do contexto de intervenção. É notório que algumas famílias necessitam de mais orientação e acompanhamento que outras, o que faz com que cada intervenção seja personalizada e adequada para cada criança e família atendida.

(EnCena): Como uma coordenadora clínica monitora o progresso do paciente dentro do contexto de uma equipe interprofissional, considerando diferentes perspectivas, áreas e métodos de intervenção?

Lariane: O monitoramento do progresso do paciente é de suma importância dentro do contexto interprofissional. Assim, o acompanhamento ocorre de modo periódico através de comunicação com a equipe para alinhamentos, reuniões e trocas a fim de contribuir para que o paciente seja beneficiado e que a evolução do paciente seja eficiente mesmo com as particularidades de cada área onde o paciente é atendido. 

(EnCena): Qual deve ser o papel da família na contribuição e implementação das estratégias e planos de intervenção fora do ambiente clínico?

Lariane: O papel da família dentro do processo de intervenção é de grande importância. Uma observação que faço desse período trabalhando na área é que quanto mais a família é engajada na implementação das estratégias e mais envolvida com o plano terapêutico maiores são as chances de eficiência e generalização de comportamentos apropriados e adaptativos em casa e em outros ambientes externos ao ambiente clínico. No entanto, quando a família não se aproxima ou se mostra interessada em realizar as orientações dadas durante o acompanhamento, isso traz barreiras significativas para a evolução do caso e extrapola os limites da atuação profissional.

(EnCena): Quais são as vantagens percebidas ao trabalhar com uma equipe interprofissional?

Lariane: Trabalhar com uma equipe alinhada e colaborativa possibilita que o paciente tenha uma melhor qualidade de vida e que as evoluções sejam observadas pelo olhar de outros profissionais; e que ele seja visto como um ser único que recebe uma intervenção interprofissional proporcionando objetivos em comum e trocas significativas dentro do contexto clínico. 

(EnCena): De que maneira a diversidade de conhecimentos e experiências em uma equipe interprofissional pode contribuir para resultados mais favoráveis no tratamento do paciente?

Lariane: A diversidade de conhecimentos e experiências da equipe podem contribuir de modo significativo para o tratamento e evolução do paciente quando existe a troca de ponto de vista, quando existe a compreensão de que o paciente é um indivíduo único que é atendido por vários profissionais. Por exemplo, algumas vezes acontece de termos habilidades que são estimuladas em um determinado contexto e através da comunicação entre os profissionais e até mesmo orientações de como podem ser feitas essas estimulações, tendem a facilitar o manejo das habilidades nos demais ambientes e favorecer o tratamento do paciente.

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Zilda Arns Neumann: um farol de esperança na promoção de saúde e amor ao próximo

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Fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança, Dra. Zilda Arns Neumann construiu um legado que serve de inspiração mundialmente. 

Dra. Zilda Arns Neumann nasceu em Forquilhinha (SC) no ano de 1934, e residiu em Curitiba (PR). Ela dedicou-se à medicina com um foco voltado para a saúde pública. Atuou como médica pediatra no Hospital de Crianças Cezar Pernetta, em Curitiba e, posteriormente, assumiu o cargo de diretora de Saúde Materno-Infantil na Secretaria de Saúde do Estado do Paraná. Sua prática clínica foi enriquecida por estudos em Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP) e em Administração de Programas de Saúde Materno-Infantil pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS).

De acordo com a biografia, disponibilizada pela Pastoral da Criança, em 1980, por conta de sua extensa experiência na área, coordenou a campanha de vacinação Sabin contra a poliomielite, que teve início em União da Vitória (PR). A Dra. Zilda desenvolveu um método para a campanha que, posteriormente, foi adotado pelo Ministério da Saúde, contribuindo significativamente para combater a primeira epidemia da doença no país.

Após receber um pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1983, a Dra. Zilda Arns em colaboração com Dom Geraldo Majela Agnello, Cardeal Arcebispo Primaz de São Salvador (BA), fundou a Pastoral da Criança. Essa iniciativa marcou o início do desenvolvimento de uma estrutura comunitária voltada para a multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais vulneráveis. 

Baseado e inspirado em relato bíblico do milagre, a respeito da multiplicação dos dois peixes e cinco pães, que saciaram uma multidão de cinco mil pessoas, conforme registrado no Evangelho de São João (Jo 6, 1-15), a Pastoral da Criança buscou promover o bem-estar das comunidades carentes.

A Pastoral da Criança se concentrou na educação das mães através de líderes comunitários capacitados, uma estratégia com o objetivo combater a grande parte das doenças facilmente preveníveis enfrentadas pelas crianças nessas comunidades. O foco na capacitação comunitária e na disseminação de informações sobre saúde e cuidados infantis, foi fundamental para melhorar a qualidade de vida das famílias atendidas pela Pastoral da Criança.

Após três décadas de atuação, a Pastoral da Criança expandiu significativamente seu alcance, atualmente acompanhando mais de 1 milhão de crianças menores de seis anos, 60 mil gestantes e 860 mil famílias em situação de vulnerabilidade, distribuídas em 3.665 municípios brasileiros. 

Com uma rede composta por mais de 175 mil voluntários dedicados, a Pastoral da Criança é capaz de levar esperança e assistência às comunidades mais necessitadas. Esses voluntários desempenham um papel crucial ao compartilhar conhecimentos sobre saúde, nutrição, educação e cidadania, promovendo assim o bem-estar e o desenvolvimento integral dessas pessoas atendidas.

Em paralelo a essa atuação, em 2004, Dra. Zilda Arns Neumann foi designada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de uma nova missão, na qual ela deveria estabelecer, organizar e liderar a Pastoral da Pessoa Idosa. Desde então, mais de 163 mil idosos têm sido beneficiados mensalmente com acompanhamento e assistência prestados por cerca de 19 mil voluntários. 

Essa iniciativa teve como objetivo proporcionar apoio e qualidade de vida aos idosos, destacando-se como uma ampliação do compromisso humanitário e da visão de Dra. Zilda Arns em promover a solidariedade e o cuidado para com os mais vulneráveis em nossa sociedade.

Fonte: Acervo da Pastoral da Criança

O legado e o reconhecimento mundialmente

A Dra. Zilda Arns Neumann foi reconhecida com o título de Cidadã Honorária por 11 estados e 37 municípios brasileiros, além de receber 19 prêmios, tanto nacionais quanto internacionais. A Dra. também foi homenageada por dezenas de governos, empresas, universidades e outras instituições em reconhecimento ao seu trabalho exemplar na Pastoral da Criança.

Ela dedicou sua vida à defesa dos direitos das crianças, gestantes e idosos, buscando contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e atenta às necessidades das famílias em situações de vulnerabilidade. Seu compromisso estendeu-se além da saúde física, incluindo também a promoção da paz e a busca pelo lado mais positivo da vida e, como ela mesma disse: 

“A Pastoral da Criança, desde o início, teve a preocupação não só de reduzir a mortalidade infantil e a desnutrição, mas também de promover a paz nas famílias e comunidades, pelas atitudes de solidariedade e a partilha do saber a todas as famílias”.

Em seu trabalho, Dra. Zilda Arns sempre valorizou a junção do conhecimento científico com a sabedoria e cultura populares. Ela capacitou mulheres de comunidades carentes e líderes locais, reconhecendo o papel fundamental das mulheres e “empoderando-as” para assumirem um papel na transformação social. Seu legado inclui a disseminação de conhecimento e orientações sobre saúde e cuidados familiares. E, ainda contribuiu com a seguinte fala: 

“Há muito o que se fazer, porque a desigualdade social é grande. Os esforços que estão sendo feitos precisam ser valorizados para que gerem outros ainda maiores”.

A Dra. desempenhou um papel fundamental de forma interprofissional, abrangendo as áreas de saúde, educação, nutrição e cidadania, com foco desde o período gestacional até os primeiros anos de vida das crianças. Seu trabalho também incluiu medidas para combater a violência no ambiente familiar. Isso com o intuito não apenas abordar questões de saúde física, mas também promover o bem-estar e o desenvolvimento de forma geral das crianças desde os estágios iniciais de suas vidas.

                                                   Fonte: Acervo da Pastoral da Criança

O fim de uma trajetória admirável

Após anos contribuindo na vida de milhares de pessoas, a Dra. Nilza morreu tragicamente no dia 12 de janeiro de 2010, durante o terremoto catastrófico que ocorreu no Haiti. Antes de sua morte, no mesmo dia, ela fez um discurso enfatizando a importância de salvar vidas. Sua atuação sempre refletiu nos seus princípios fundamentais, onde ela citou no dia de sua morte:  

“Congregar mais pessoas para se unirem na busca de vida em abundância para crianças e gestantes pobres.”

É notório a importância dessa figura em nossa sociedade brasileira e mundialmente, na qual é reconhecida por seu trabalho humanitário admirável, na qual fundou uma organização com o intuito de melhorar as condições de saúde e nutrição de crianças e mães de comunidades carentes no Brasil e, posteriormente, no mundo. 

Não há dúvidas de que foi deixado um legado importante na área da saúde pública, com enfoque na atenção à infância e na garantia dos direitos das crianças de nossa sociedade. Ao decorrer de sua trajetória, Dra. Zilda nos mostrou o seu compromisso com a promoção da vida e a sua luta incessante pela justiça social, principalmente em prol dos mais vulneráveis.  

 

Referências:

Pastoral da Criança. Dra. Zilda Arns: uma vida de solidariedade e doação. 2024. Disponível em: Pastoral da Criança – Dra. Zilda Arns: uma vida de solidariedade e doação (pastoraldacrianca.org.br);

Pastoral da Criança. Vida de Dra. Zilda Arns Neumann. 2021. Disponível em: Pastoral da Criança – Vida de Dra. Zilda Arns Neumann (pastoraldacrianca.org.br);

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“Extraordinário” – como o trabalho em equipe interprofissional transforma o contexto escolar

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O filme retrata a história de Auggie Pullman, um garoto com Síndrome de Treacher Collins, que inicia sua vida escolar e enfrenta grandes desafios.

A história do personagem e a ligação com a vida real

O filme “Wonder” (em tradução para o português: Extraordinário) criado por Raquel Jaramilo e lançado em 2017, trata-se de um drama-norte americano, contexto em que retrata a história de um menino que está iniciando sua vida escolar. Auggie, o personagem principal, convive com a Síndrome de Treacher Collins. Em função da sua aparência incomum, vivencia várias situações de discriminação. Inicialmente, sua mãe dava aulas em casa para ele, mas, ao passar do tempo, isso se tornou inviável, sendo necessário que Auggie passasse a frequentar a escola.

Desde quando nasceu, Auggie se via como uma pessoa feia, pois sofreu com os olhares, julgamentos e piadas das pessoas a respeito da sua aparência em diversos contextos antes mesmo de adentrar à escola. Em algumas situações, ele usava com seu capacete de astronauta, com o intuito de esconder o seu rosto. Ao decorrer da sua vida, foi submetido a diversas cirurgias plásticas, com o intuito de melhorar a sua aparência e qualidade de vida.

Trazendo esse comportamento do Auggie, verbalizar que se considerada uma criança feia e utilizar o capacete para esconder o seu rosto, para o campo da Psicologia e, de acordo com a autora Judith Beck (2013), baseando-se na abordagem Terapia Cognitivo Comportamental, podemos definir essa ação como uma esquema desadaptativo, que é um padrão enraizado  de pensamentos, crenças e emoções negativas a respeito de si, dos outros e do mundo, no qual são desenvolvidos ao longo do tempo e influenciados por experiências vividas.

Segundo Aaron Back (1976 citado por Duarte et al. 2008), os esquemas desadaptativos contribuem de forma negativa na vida do sujeito, onde ele irá delinear a forma como aquele indivíduo interpreta o mundo. Isso pode impactar na baixa autoestima, na forma de se relacionar com as outras pessoas, no aumento e consistência de comportamentos disfuncionais e até mesmo na insistência do problema. No caso do Auggie, ficou evidente em como ele lidava com o fato de ser considerado uma criança feia, com a forma de lidar com os olhares e julgamentos dos outros e de si próprio e a estratégia de enfrentamento dessa situação .

Ao decorrer do filme, percebe-se a importância de alguns profissionais na trajetória do personagem. Desde o seu primeiro dia de vida, Auggie sempre teve um contato frequente com hospitais e profissionais da saúde, como médicos e enfermeiros, que tinham como objetivo melhorar a sua aparência. Além desses, seu professor e o orientador contribuíram para criar um ambiente escolar melhor e mais acolhedor e, também, desenvolvendo uma melhora no bem-estar emocional e social do Auggie.

A história retrata algumas situações de bullying que Auggie vivenciou no contexto escolar e, foi abordado como os profissionais da escola conduziram esses acontecimentos, no qual eles não foram condizentes com as práticas de bullying feitas por outros alunos. Ambos tiveram atitudes respeitáveis, com o intuito de fazer com que o garoto fosse respeitado pelos colegas da escola.

Ao retratar a história, podemos perceber que Auggie está inserido em um ambiente de invalidação, no qual a psicologia entende ser um ambiente/contexto que influencia significativamente a sua saúde e bem estar emocional. Na abordagem Terapia Cognitivo Comportamental, é possível identificar qual seria esse ambiente de invalidação (ambiente escolar, familiar e etc.) e, a partir disso, reconhecer quais são as formas que essas invalidações acontecem, que no caso do personagem do filme, acontece através das críticas.

                 fonte: imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

 

O papel da equipe interprofissional

Pensando na trama do filme, é notável a falta da figura de um psicólogo escolar devido às situações vivenciadas por Auggie. A presença desse profissional seria fundamental para abordar temas dentro da escola como a diversidade, sendo possível diminuir os impactos das situações relacionadas ao bullying, a dificuldade na interação social, insegurança e as dificuldades de estabelecer relações interpessoais.

De acordo com a Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), destaca-se algumas razões para ter a presença de profissionais da área da Psicologia e do Serviço Social no contexto escolar, com o intuito de proporcionar um ambiente inclusivo que garanta uma aprendizagem de qualidade para todos.

Os profissionais dessas áreas citadas, podem contribuir para a melhoria na qualidade de vida da comunidade escolar (professores, alunos, coordenadores e etc.), através de projetos e discussões que tenham como objetivo enfrentar situações de preconceitos e violência na escola. Podem também contribuir na garantia da efetivação de direitos e políticas públicas que são de importância significativa  às crianças que estão inseridas no contexto escolar.

Ainda sob a ótica da Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica, do CRP e correlacionando com filme “Extraordinário”, foi notável o despreparo do corpo discente para receber Auggie na escola e lidar com situações de bullying. A Cartilha traz esse tema como uma das ações que um(a) psicólogo(a) ou assistente social pode realizar dentro do contexto escolar, que seria a formação continuada de professores, orientadores, diretores e etc., com o intuito de abordar temáticas do cotidiano escolar e, a partir disso, criar um repertório de soluções de problema no ambiente educacional.

Através da ótica do filme e, de acordo com o autor Carlos de Azevedo (2021) percebemos a importância da equipe interprofissional como algo primordial para buscar a melhoria da saúde física e/ou mental do indivíduo, abordando de forma mais abrangente as necessidades daquela pessoa e oferecendo cuidados mais personalizados sem, contudo, excluir.  A equipe interprofissional pode também ajudar no resultado de um tratamento mais eficaz.

Apesar da sua importância na vida do indivíduo, a equipe interprofissional enfrenta desafios entre si, como: a falta de comunicação efetiva, dificuldade na compreensão da função de cada membro daquela equipe, “hierarquia” profissional e entre outros (Peduzzi et al. 2008). E, devemos também enfatizar a importância de um psicólogo na formação dessa equipe, a depender da situação, pois ele irá contribuir na saúde mental e emocional do indivíduo e, se for o caso, da família. Irá colaborar também no entendimento dos aspectos psicossociais ligados ao contexto daquela pessoa.

 

Referências

BECK, Judith S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2 Porto Alegre: Artmed, 2013.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica: Lei  nº 13.935/2019. Brasília.

DE AZEVEDO, Carlos Rafael Lopes et al. Atuação de uma equipe interprofissional no Programa Saúde na Escola: Relato de experiência. Research, Society and Development, v. 10, n. 3, p. e52410313628-e52410313628, 2021.

DUARTE, Aline Loureiro Chaves; NUNES, Maria Lúcia Tiellet; KRISTENSEN, Christian Haag. Esquemas desadaptativos: revisão sistemática qualitativa. Revista brasileira de terapias cognitivas, 2008.

PEDUZZI, Marina et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, p. eoo24678, 2020.

 

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