A cultura na ‘Civilização do Espetáculo’

O livro “A Civilização do Espetáculo” escrito por Mario Vargas Llosa no ano de 2012, relata a crise de conceitos ligados à cultura e como a mesma se tornou um espetáculo diante de uma civilização sensacionalista. Llosa deixa claro no início o objetivo do livro, que segundo ele é mostrar a transformação que a cultura teve ao longo do tempo. Ao decorrer do livro, o autor pontua também o conceito de cultura e questiona qual o verdadeiro papel da cultura na sociedade.

Llosa apresenta antes das suas considerações o trabalho de outros autores que também abordaram o tema cultura em diversas perspectivas ao longo do tempo. Foi verificado por ele que apesar das diferenças existentes entre os conceitos expostos por cada autor, encontra-se uma pequena semelhança. Todos acreditam que a cultura está percorrendo uma grande crise e tornou-se decadente.

O primeiro autor citado por ele foi T.S. Eliot, criador da obra Notas para uma definição de cultura, em 1948. Eliot além de conceituar o termo cultura, também critica o sistema cultural da época, afirmando que o modelo de cultura está mudando gradativamente. Logo após surge a obra de Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo criada em 1967. Apesar da semelhança dos títulos, a obra de Debord refere-se a concepções diferentes da cultura do livro de Llosa. Debord acreditava que “espetáculo” seria tradução de “alienação” onde o ser humano é levado a crer em necessidades capitalistas.

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A publicação de George Steiner, No castelo do Barba Azul: Algumas notas para a redefinição da cultura, de 1971, relaciona a cultura com a religião, onde o autor cita que a grande arte surge da transcendência. Próximo à obra de Llosa, foi publicado o livro Mainstream, de Frédéric Martel, mostrando a “nova cultura” relatada em tempos atrás por outros autores, que já foi deixada para trás com a velocidade do tempo.

Já a obra de Mario Llosa A Civilização do Espetáculo, apresentada neste trabalho, acredita que a cultura não é entendida como algo ligado a economia e ao social, mas sim feita de obras literárias e artísticas, de valores éticos e estéticos que se relacionam com a vida social do homem.

Diante disso, o que seria essa Civilização do Espetáculo, segundo Llosa? Para ele (2012), é a supervalorização do entretenimento, onde a sociedade busca incessantemente divertir-se e fugir do tédio. Somente uma pessoa muito rigorosa em seus princípios reprovaria essa população que busca relaxar e descontrair por terem vidas rotineiras e deprimentes. Mas, nem só de diversão vive o homem, colocar o entretenimento como supremacia acarretaria, segundo Llosa, na “banalização da cultura, generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo.” (LLOSA, 2012, p. 30)

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De acordo com Llosa (2012), há também outro fator importante para que essa realidade se tornasse duvidosa, a democratização da cultura. Tal fator surgiu de intenções altruístas, na qual, a cultura precisava estar ao alcance de todos, por meio da educação e das diversas manifestações culturais, e não somente pertencendo a um grupo, sendo patrimônio de uma elite. Entretanto, essa ideia de fazer com que a cultura chegasse a todos, tornou a vida cultural medíocre, devido a facilitação formal e superficialidade dos conteúdos.

Llosa (2012, p. 31) então define cultura como, “… todas as manifestações da vida de uma comunidade: língua, crenças, usos e costumes, indumentária, técnicas e, em suma, tudo que nela se pratica, evita, respeita e abomina”. A cultura logo, não pode ser entendida apenas como um passatempo agradável, visto que isso causará a sua desnaturalização e seu depreciamento. Tudo que pertence a ela se iguala ao extremo, de forma que uma apresentação de ópera e um espetáculo de circo, possuem o mesmo significado.

Na civilização contemporânea é perceptível que a culinária e a moda preenchem um espaço significativo nas seções que são destinadas à cultura, assim como chefs e estilistas se tornaram protagonistas, papel que antes era conferido à cientistas, filósofos e compositores. Dessa forma, fornos, fogões e passarelas, confundem-se com livros, concertos, laboratórios e óperas. Assim como artistas da televisão e jogadores exercem uma grande influência sobre os gostos e costumes, influência essa que antes era exercida apenas por professores, pensadores e teólogos (LLOSA, 2012).

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Segundo Llosa (2012), algumas características dessa época são o vazio deixado pelo desaparecimento da crítica, a massificação aliada à frivolidade da cultura do nosso tempo, e o empobrecimento das ideias como força motriz da vida cultural. O desaparecimento da crítica proporcionou que a publicidade se tornasse um vetor determinante na vida cultural, exercendo influência significativa sobre os gostos e costumes. A massificação, corresponde ao culto do corpo ser maior que o trabalho para fortalecer o conhecimento intelectual. O empobrecimento é o ato de deixar-se os livros para trás, dando espaço para cinema, televisão e internet.

Para Llosa (2012), a civilização do espetáculo é cruel. A sociedade esquece rapidamente os acontecimentos, não guarda remorsos, assim não possuem consciência e passam sem perceber por cenas de morte e destruição. Estão sempre buscando novidades, não importa qual seja, mas que seja uma inovação, algo atual.
Ao longo da história foram atribuídos diferentes significados para a “cultura”, sendo esta considerada parte da religião e do conhecimento teológico. Mesmo com as várias mudanças, a cultura sempre significou uma soma de fatores e disciplinas, diante de um amplo consenso social que a construiu e que, por ela, era implicado.

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Nos tempos atuais, é possível verificar ainda a ocorrência de mudanças que ampliaram a noção de cultura. Antropólogos estabeleceram que “cultura” é a soma de crenças, conhecimentos, linguagens, costumes e sistema de parentesco, sendo assim considerada tudo aquilo que o povo diz, faz, teme ou adora.  O livro “À Cultura na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais” de Mikhail Bakhtin propunha raciocínios sutis sobre a “cultura popular” que teve como foco se contrapor a cultura oficial. Esta última, nasceu de salões, palácios, conventos e bibliotecas, e, já a popular, nasce e vive nas ruas, nas tabernas e em festas. A cultura popular diferencia-se da cultura oficial por mostrar o que estava oculto na mesma, como o sexo, funções excrementícias, a descortesia, e opunha-se ao “mau gosto”, e ao suposto “bom gosto” das classes dominantes.

É válido mencionar que além das concepções de Bakhtin sobre a cultura popular e a oficial, existem várias outras no mundo, o que implica na não consideração de uma única como verdade absoluta, mas sim considerando um “mix” de cultura, pois cada povo possui um tipo de conhecimento e não se pode saber sobre tudo. Depreende-se então que a cultura é de suma importância para que se possa compartilhar conhecimentos.

Nesse interim, a cultura precede e sustenta o conhecimento, pois o orienta e confere-lhe uma função precisa, podendo ser entendida como um preceito para a dissociação do conhecimento para outros povos distintos que não partilham do mesmo. A cultura pode e deve ser uma experimentação para que se ampliem os horizontes, mediante as experiências de vida, a fim de que se revelem os segredos e consequentemente, se revolucionem as sensibilidades diante da condição humana. É necessário que se tenha pensamentos, sonhos, paixão, e além de tudo, que se tenha uma revisão crítica profunda de todas as certezas, convicções, teorias, crenças, sem que se afaste a vida da vida, para que assim, a cultura também possa ser um processo de reflexão.

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Para o autor, não há maneira de saber o que é cultura, tudo é cultura e nada é cultura. Ainda que alguém questione o fato de que, nunca na história houve acúmulo tão grande de descobertas científicas, realizações tecnológicas, nunca foram publicados tantos livros, abertos tantos museus nem oferecidos preços arrebatadores pelas obras de artistas antigos e modernos. O mesmo enfatiza a diferença de cultura e especialização, já que se discute a época em que as naves espaciais construídas pelo homem e a porcentagem de analfabetos é a mais baixa de toda a história, mas isso não é obra de pessoas cultas, e sim de especialistas. Explicando que o número de alfabetizados é um aspecto quantitativo e a cultura não tem relação com a quantidade, mas com a qualidade.

A cultura é ou era, quando existia, a conexão entre povos diferentes que, com o avanço dos conhecimentos, eram obrigados a especializar-se, distanciando uns dos outros e deixando de comunicar-se. A cultura também era uma bússola possibilitando os seres humanos a orientação dos conhecimentos sem perder a direção.
Na era da especialização e da derrubada da cultura, as hierarquias desapareceram numa mistura monstruosa. A confusão que iguala as inumeráveis formas de vida batizadas como culturas, onde todas as ciências e técnica se justificam , não havendo maneira de distinguir o que é belo em artes e o que não é.

O texto afirma que a especialização, que existiu desde os primórdios da civilização, foi aumentando com o avanço dos conhecimentos. As elites,eram as minorias cultas, que, além de estender pontes entre os diferentes campos do saber, ciência, letras, artes e técnicas, exerciam influência, religiosa ou leiga, carregada de conteúdo moral, para que a evolução intelectual e artística não se afastasse demais da finalidade humana, garantindo melhores oportunidades e condições materiais de vida.

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Eliot enxergava nos valores da religião cristã a base do saber e da conduta humana, que ele chamava de cultura. Mas para o autor, a fé religiosa não é o único suporte possível para que o conhecimento não se torne vago e autodestrutivo. Nesse processo, seria confuso atribuir funções iguais à ciências, às letras e às artes. Sendo exatamente o esquecimento de discrimina-las, o que contribuiu para a confusão presente no campo da cultura atualmente.

As letras e as artes se renovam, mas não progridem, não destroem o passado, constroem sobre ele. Por esse motivo, as letras e as artes constituíram até agora o denominador comum da cultura, o espaço no qual era possível a comunicação entre seres humanos, apesar das diferenças de línguas, tradições, crenças e épocas.

Segundo o texto, a cultura pode ser experimentação e reflexão, pensamento e sonho, paixão e poesia e uma revisão crítica constante e profunda de todas as certezas, convicções, teorias e crenças. Mas para o autor a impressão é de que a cultura foi sendo construída de forma tão frágil, assim como os castelos de areia, que desmancham como a primeira ventania.

A partir do exposto, foi possível observar uma diferença relevante na cultura do passado e no entretenimento dos dias de hoje. Antes tudo que era produzido tinha o intuito de permanecer presente para as futuras gerações, até começarem a ir perdendo espaço para outras coisas novas e mais vantajosas. O autor afirma aqui “A cultura é diversão, e o que não é diversão não é cultura” (LLOSA, 2012, p. 27).

Vive-se, então, a civilização do espetáculo, onde tudo é entretenimento, é diversão, é a busca pela evitação do tédio, da tristeza. Em consequência ocorre a democratização da cultura. Esta deixa de pertencer a elites e passa a fazer parte da realidade de todos, gerando, assim, uma cultura medíocre e superficial. Entendendo que a mesma define-se como qualquer “manifestação da vida de uma comunidade” (LLOSA, 2012, p. 31).

* Trabalho resultante da disciplina de Sociedade e Contemporaneidade, ministrada pelo prof. Sonielson Sousa

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

Fonte: goo.gl/36ibjp

Título: A civilização do espetáculo
Autor: Mario Vargas Llosa
Editora: Objetiva
Ano: 2013
Páginas: 208

 

REFERÊNCIA:
LLOSA, Mario Vargas. A Civilização do Espetáculo: Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.