Amor Platônico em O Banquete: uma análise da definição ampla do Amor

 

Ao lado de Fedro, muito provavelmente O Banquete é uma das obras mais importantes da filosofia clássica grega e que exerce forte influência no Ocidente até os dias atuais. Escrito por Platão por volta de 380 a.C., a narrativa faz referência ao filósofo Sócrates, que participou de um “banquete” na casa de Agatão (poeta ateniense) cujo tema principal na roda de conversa girou em torno do conceito de “Amor”.

A história (ou estória) se dá pela narração de Apolorodo, e começa descrevendo o convite que Sócrates fez a Aristodemo, para que o mesmo lhe acompanhe até um “banquete” na casa de Agatão. Todos à mesa, o diálogo começa com a discussão sobre o uso ou não da bebida alcoólica, tendo em vista que os convidados haviam exagerado em evento anterior, ao que fica acordado que cada um deverá beber como lhe convier.

Além do anfitrião Agatão, e de Sócrates e Aristodemo, também estão presentes Fedro, Pausânias (que seria amante de Agatão), Eriximaco (médico bastante conhecido da época), Alcibíades e Aristófanes (comediante que não perdia a oportunidade de tentar ridicularizar Sócrates).

O elogio ao Amor (Eros) foi o tema escolhido para discutir no local, tendo em vista que Eriximaco observou que tanto os poetas quanto os filósofos, até então, pouco – ou nunca – louvavam o Amor.

A primeira intervenção de Sócrates é no sentido de que os convidados definam o Amor, ao que a empreitada começa por Fedro. O rebuscado retórico, por sua vez, diz que o Amor é o mais antigo e honroso entre os deuses, tendo em vista que “genitores do Amor não os há”. Portanto, de acordo com Fedro, sendo o mais antigo, o Amor é a causa dos maiores bens.

Fedro é seguido por Pausânias, que propõe uma explicação dualista para o Amor, em que Eros na verdade é dividido entre o bem e o mal, o divino e o real. Na sequência, vem o discurso de Eriximaco, que explica que o Amor não exerce influência somente na essência, mas também no corpo, impingindo-lhe harmonia. Para Eriximaco, o Amor também não estaria apenas nos homens, mas nos animais, nas plantas, e na natureza como um todo. E para o médico, a exemplo de Pausânias, haveria dois tipos de Amor, um mórbido e outro sadio. “Até a constituição das estações do ano está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um moderado amor um pelo outro os contrários de que há pouco eu falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e saúde aos homens, aos outros animais e às plantas, e nenhuma ofensa fazem”, disse Eriximaco.

Aristófanes é o próximo a discursar. Ele fala dos três gêneros que inicialmente povoaram a Terra: o masculino, o feminino e o andrógino (lembremos que tanto na Grécia Clássica quanto na Helenística, o que hoje se define como Homoafetividade era tido como algo corriqueiro, nada extraordinário). Para ele, esses seres eram dotados de inúmeras qualidades (ausentes nos seres humanos atuais) e devido a arrogância desses “superseres”, os deuses tiveram que dividi-los (afinal, se os destruíssem, quem iria louvar/lembrar dos deuses?, lembrou Aristófanes); assim, o Amor estaria atrelado à busca constante de cada um desses novos seres (humanos divididos) por sua “metade perdida”. Ou seja, quem foi resultante do gênero masculino iria procurar outro, também masculino; o mesmo ocorria com os de origem feminina. Quem era do gênero dos andróginos, no entanto, iria procurar o seu gênero oposto (heterormatividade).

Depois de Aristófanes discursa Agatão. O anfitrião procura louvar o próprio deus, em todas as suas virtudes, num longo discurso típico do poeta.

Por último, a palavra chega à Sócrates, considerado o mais importante dos convidados. De acordo com o filósofo, “sendo o Amor, amor de algo, esse algo é por ele certamente desejado”. Sócrates alerta para o fato de que este amor só pode ser desejado quando lhe é ausente, e não quando já se tem, “pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais”. Ou seja, o conceito de Amor está atrelado somente àquilo que não se tem. Uma vez conquistado, já não representa mais o objeto de desejo.

Sócrates lembra que Eros é concebido da “falta”, tendo em vista que surge da relação entre Recurso e Pobreza. Assim, ele (o Amor) não estaria nem em um extremo, nem em outro, sendo visto então apenas como a intermediação de quem ama e de quem é amado, tirando do Amor a qualidade de um deus. O Amor é apresentado como ato relacional, portanto relativo. E os deuses não poderiam ser relativizados.

 

Considerações

Há várias abordagens interessantes em “O Banquete”, que certamente permearam – e ainda permeiam – de forma muito intensa a nossa sociedade. Este artigo irá abordar apenas três delas, pela complexidade e amplitude que a análise de todos poderia incorrer.

Primeiramente, há de se ater ao discurso de Eriximaco, de que o Amor se manifesta em tudo. Provavelmente o médico propôs esta assertiva sob a forte influência dos filósofos pré-socráticos, que defendiam a multiplicidade da realidade última através de conceitos como o atomismo, sendo que a ideia de deus estaria mais atrelada ao atual modelo de panteísmo. Assim, o Amor expresso em tudo (como o próprio conceito de deus em tudo), não seria exclusividade dos seres humanos e, logo, poderia ser identificado e acessado em qualquer coisa. Bastaria estar sensível a ele [o amor].

Mais à frente, com Aristófanes, há uma explicação extremamente bem elaborada sobre a origem dos seres. No decorrer da história, estes aspectos da metafísica (com gênese derivada dos “três sexos”), foram não só abandonados pela tradição judaico-cristã, mas de certa forma até combatidos através do conceito de Pecado Original e do sexo apenas como fim de procriação.

Em suma, para Aristófanes, o modelo que permeia o Amor é o da “cara metade”, ainda hoje louvado por certo “extremismo” de amor romântico, como destaca o filósofo Simon May, e que deixa a impressão de que “somos seres divididos”, por isso sofremos tanto. Este sofrimento, presume-se, só seria sanado quando encontrássemos nossa metade.

Por último, vem a abordagem de Sócrates. Primoroso, ele deixou uma grande contribuição ao atrelar o Amor a uma experiência, a um ato relacional, tirando-lhe o status de deus. Sendo assim, não haveria uma absolutização do Amor e, antes disso, toda a sua plenitude só poderia ser experimentada nas relações cotidianas de quem ama e de quem é amado.

Importante observar também que Platão não classifica o Amor em “Bem ou Mal”. Ele (o Amor) teria que transcender a esse dualismo emergente. Assim, apresenta-se como um dos maiores bens (no sentido de conquista) de um homem.

Provavelmente essa valoração do Amor por Platão, numa perspectiva que num primeiro momento parece inatingível, é o que deu origem ao termo “amor platônico”.

 

REFERÊNCIAS:

Conteúdo disponível nos fóruns da disciplina de Produção de Texto. Universidade Católica de Brasília Virtual – UCB Virtual. Curso de graduação, LINCENCIATURA em Filosofia .Disponível em: http://www.catolicavirtual.br . Acesso ao conteúdo com login e senha.

PLATÃO. O Banquete. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2279&co_midia=2 . Acesso em 20/05/2013.

Folha de São Paulo – Filósofos questionam supervalorização do amor romântico – Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1211142-filosofos-questionam-a-supervalorizacao-do-amor-romantico.shtml . Acesso em 23/05/2013.

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.