Biopsiquiatria e Bioidentidade: Política da Subjetividade Contemporânea

MARTINS, Anderson Luiz Barbosa. Biopsiquiatria e Bioidentidade: política da subjetividade contemporânea, Florianópolis, vol.20 n. 3, set. 2008.


Martins, em Biopsiquiatria e Bioidentidade: política da subjetividade contemporânea, artigo publicado no Scielo Brasil, 2008, discorre sobre o surgimento do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III), contextualizando as transformações na clínica psiquiátrica. O autor busca analisar a medicalização da saúde, o imperativo da saúde perfeita e a produção de bioidentidades, a relação entre os discursos e práticas da Psiquiatria Biológica, bem como seus efeitos no processo de produção da subjetividade. Adotando como referência a tese foucaultiana de que a medicina é uma estratégica biopolítica, mencionando o processo de gestão do corpo e medicalização da saúde como formas de controle que encarnam o biopoder na modernidade.

Segundo Martins, a partir de 1950, a Associação Americana de Psiquiatria desenvolveu o DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), para classificar as perturbações mentais que até então, era mencionada através da CID-06 (Código Internacional de Doenças – da Organização Mundial de Saúde). O DSM foi desenvolvido com intuito de normalizar e homogeneizar a classificação psiquiátrica e, como alvo de críticas, acabou tendo várias versões, tais como: I, II, III, IIIR, e IV. Desta maneira, o manual foi disseminando pelo mundo e permitindo que os pesquisadores de várias orientações teóricas e de ambientes culturais diversos chegassem a um mesmo diagnóstico.

A versão que representou a ruptura radical com as classificações já utilizadas foi a DSM-III, publicada em 1980 e que se caracterizou como um manual descritivo e de posição ateórica, baseado em princípios de testabilidade e verificação em que cada transtorno passava a ser identificado por critérios acessíveis à observação e mensuração baseado na experiência.

Para o autor, o processo de diagnóstico produz-se uma descontextualização do modo de subjetivação do paciente, inserindo-o num universo de valores de uso em que ele não é mais senhor de si mesmo, pois passa cada vez mais aos médicos especialistas o conhecimento de suas doenças e de seus tratamentos. Desse modo, a psiquiatria biológica tem produzido uma desimplicação do doente em relação ao seu sofrimento.

A mudança do Manual de Diagnostico alterou também a Psiquiatria, levando à analgesia nas instituições contemporâneas, onde a dor é discutida como a desregulação das funções fisiológicas. A partir desse ideal de saúde, indicado pela indústria médica, qualquer dor é vista como humilhante e, portanto, deve ser aniquilada e, se houver diferença em relação ao ideal, deve ser corrigida. Dessa maneira, as pessoas passam a ser consumidores de anestesia, supressão da angústia e gerência de suas sensações – que o fazem ter o sentimento de estar com boa saúde. No entanto, o sujeito tem deixado oprimir a sua subjetividade.

Desta forma, o autor afirma que a sociedade vive no momento da nova biomedicalização, o qual é sustentado pelo processo de medicalização, ocorrido no século XX. No primeiro momento foi caracterizado pela expansão da jurisdição médica para novos domínios, mas repousa intensamente sobre as inovações trazidas pela biotecnologia. Porém, a maneira de funcionamento da medicalização na contemporaneidade caracteriza-se pela transformação da própria vida. Sendo assim, o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera apenas na saúde perfeita, mas também, na produção de bioidentidades. A convergência dos discursos científicos, biomédicos e informáticos tornou o corpo como um objeto imperfeito, um rascunho a ser redefinido pelas cirurgias plásticas, pelos medicamentos e pelos regimes. Diante disso, o ser humano torna-se um ciborgue, ou seja, uma pessoa que habita entre as fronteiras ambíguas entre o natural e o superficial.


Anderson Luiz Martins é psicólogo, Mestre em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ e Doutorando em Saúde Coletiva pela UNICAMP.