Seria ótimo, não é mesmo? Dispor de um remédio infalível – um recurso como o nepentes homérico ou a flauta mágica -, capaz de afastar com um sopro as nuvens negras e as preocupações que assombram a mente, inundando-a suavemente de um bem-estar indizível,
como nos melhores dias de nossas vidas.
(Eduardo Gianntti)
Medicalização é um termo usado para descrever o processo pelo qual o modo de vida dos homens é apropriado pela Medicina e que interfere na construção de conceitos naturais, tais como: social, cultural, econômico etc.
Essa análise surge, então, com o propósito de discutir o papel dos medicamentos na contemporaneidade, uma vez que a modernidade consagrou o medicamento como um meio que promete solucionar todos os problemas da vida.
O corpo humano é uma configuração orgânica, que por sua vez está condenado ao adequado uso de substâncias químicas cujo objetivo principal é a solução de qualquer mal que ameaça o organismo. Encontra-se, também, com os avanços tecnológicos, a pretensão de ultrapassar a condição humana, cuja intensão está justamente na superação, em ideias artificiais que nutrem a sua maneira as almas, os pensamentos e os corpos contemporâneos.
O que parece, inicialmente, é que as pretensões das ciências naturais estão em reduzir o homem a um complexo sistema neuronais que se entrar em desequilíbrio inicia-se o processo de adoecimento, partindo disso surgem as intenções dos medicamentos de ajustar ou consertar o ser humano.
A cultura ocidental está marcada por uma convicção absoluta, onde prega que seja qual for o sofrimento, que se estabelece na vida humana, deve ser abolido a qualquer preço, tornando o uso abusivo de medicamentos mais constante.
Há, no entanto, uma interpretação equivocada no que se refere a luta contra a medicalização da vida. Não se pretende a abolição dos medicamentos, uma vez que é de extrema importância o uso de remédios como fator benéfico e auxiliar na qualidade de vida do indivíduo. O que está sendo, de fato, discutido é o uso indiscriminado, bem como a prescrição precoce, de medicamentos. A medicalização social foca suas discussões sobre a visão de que os medicamentos por serem considerados um dos caminhos mais rápidos para amenizar o sofrimento humano, estão sendo usados de maneira irregular, exagerada e que, possivelmente, traz em seus efeitos colaterais outros males, que por sua vez também terão de ser remediados.
A psicologia chama a atenção, principalmente, para o uso desenfreado de Psicofármacos (medicamentos com o intuito de alterar um comportamento, humor, percepção ou funções psíquicas), esses medicamentos trazem, indiretamente, em suas bulas, a “promessa” de uma solução técnica para os sofrimentos mentais e inquietações humanas e qualquer outro fator que impeça a felicidade, já que a sociedade impõe ao homem contemporâneo a condição de felicidade permanente.
A medicalização não deve ser encarada como um evento isolado, assim como diversos problemas que acomete a condição humana. A medicalização social é constituída por diversos fatores que a enriquece. Em uma sociedade capitalista que presa, cada vez mais, pelo “ágil desenvolvimento” e que para isso precisa de pessoas sadias, o uso de medicamentos entra como ferramenta fundamental para a manutenção da saúde.
Os laboratórios farmacêuticos também lucram com o uso abusivo de medicamentos. Os remédios são considerados a via mais rápida e eficaz para a solução dos problemas naturais do homem, soluções rápidas rendem mais, logo o consumo dos medicamentos estará sempre em alta.
O homem deixa, então, de ser visto como um todo; em misto de sentimentos, emoções e organismo, é reduzido a um modelo biológico. Essa função puramente biológica passa então a explicar as maneiras de ser e estar no mundo de maneira química. A subjetividade passa a ser encarada como doses químicas, que são capazes de atender todas as demandas do ser humano.
A medicalização social, em outras palavras, se preocupa em tornar as dificuldades da vida em problemas da medicina. Sabe-se que a medicina se encarrega de encontrar meios parar salvar e/ou proteger a vida humana, no entanto, ela está fortemente buscando meios de garantir a humanidade um prolongamento da existência, até mesmo a morte deixa de ser algo natural. O ser humano está aprisionado na ideia de imortalidade, da felicidade contínua e na cura de seus defeitos e sofrimentos através de pequenos comprimidos.
A fragilidade de viver, a certeza do morrer, o fracasso ou o pavor do amor, a fragilidade das relações, a solidão, a vacuidade, a eterna impermanência de tudo; esta é a vida mesmo, e não há outra. Esta é a vida que o contemporâneo tenta prever e, por vezes, medicar (Dantas, 2009, pg. 577).
Com base nessas discussões, acerca da medicalização social, procurei um filme que pudesse ilustrar de forma simples, mas satisfatória, a atual situação da sociedade diante do uso de medicamentos, principalmente o uso de Psicofármacos como instrumentos para “consertar” a vida de um indivíduo.
O filme Geração Prozac, baseado no best – seller americano “Prozac Nation” da escritora Elizabeth Wurtzel, traz como tema principal o uso de medicamentos para “encobrir” os verdadeiros problemas.
O filme é baseado em fatos reais e narrado em primeira pessoa pela própria escritora que é, também, a personagem principal da história: Elizabeth. Lizzie questiona sua psiquiatra se a medicação alterou ou não quem ela é, se agora ela não passa de uma imagem irreal que usou de remédios para se camuflar. Essa, talvez, seja a chave de toda a discussão que o filme propõe: o que nos tornamos depois que usamos esses remédios? Deixamos de ser quem somos para nos tornarmos aquilo que a sociedade espera?
Lizzie (Christina Ricci, em uma de suas melhores performances) é uma personagem carregada de problemas. Filha de pais separados, tem uma relação conturbada com a mãe, que por sua vez, procura maneiras de consertar seus erros e fracassos através da filha, fazendo com que o relacionamento entre as duas seja um misto de conflito e dependência.
Há um tipo de relação contraditória com o pai, pois Lizzie demonstra um desprezo por aquele que a abandonou quando criança e ao mesmo tempo uma saudade e carinho que sempre voltam com mais força quando o pai aparece, fazendo parecer que todo o rancor desaparece com a chegada da parte paterna que nunca esteve presente.
Lizzie é uma excelente escritora, por causa de um artigo que escreveu sobre a vida conturbada com os pais acaba conseguindo uma bolsa em uma importante faculdade. Todos acreditavam que essa seria a solução para os muitos problemas que envolviam Lizzie. No entanto é exatamente a partir daí que os problemas são verdadeiramente vivenciados.
Numa vida cheia de promiscuidades e drogas Lizzie perde amigos e a relação com a mãe só piora. Durante seu salto involuntário a um abismo sem fim, Lizzie perde toda a magia da escrita.
É através da escrita que a garota se encontra e acha sua salvação, onde ela mesma diz conseguir fugir dos demônios de sua cabeça, é com a escrita que Lizzie expressa todos os seus sentimentos, se descobre, se reencontra, mas foi por causa da escrita que ela se perdeu. Em um momento de “falta de inspiração”, e também uma crise depressiva, ela se desespera, acredita estar vazia, não podendo fazer o melhor que faz, nunca está bom, e precisa escrever mais e mais. Deixa de dormir, tomar banho, comer e se comunicar com os amigos. Se afundando ainda mais na escuridão, se distanciando da vida. Quando finalmente é encaminhada a uma psiquiatra.
Então é administrado a Lizzie o medicamento Prozac (a fluoxetina, um antidepressivo inibidor da recaptação da serotonina), com o propósito de deixá-la mais calma e confortável.
Daí começam os inúmeros debates entre médica e paciente, entre paciente e mãe, e de Lizzie consigo mesmo. O conflito de saber se está agindo como deve agir somente depois que tomou os medicamentos, se tudo isso era por ela, ou por causa das substâncias químicas que agora corriam junto com seu sangue? Mudou, se transformou, aprendeu a se controlar, ou virou um fantoche?
A questão principal é entender até que ponto a vida humana deixa de ser natural e passa a ser controlada por substâncias que prometem uma paz e um conforto que acaba em questão de horas, caso a medicação não seja novamente administrada.
A vida não é uma doença. Viver é viver com todos os riscos. E para esta vida não há Prozac, há experimentação, reflexão e escolha. Nosso propósito (…) foi pensar, a partir do viver cotidiano, o imaginário social que envolve a questão da medicalização enquanto um discurso de tecnificação da vida e sua possibilidade de aproximação com o discurso mítico (Dantas, 2009, s/p).
FICHA TÉCNICA:
GERAÇÃO PROZAC
Gênero: Drama
Direção: Erik Skjoldbjaerg
Elenco: Christina Ricci, Jason Biggs, Anne Heche, Michelle Williams, Jéssica Lange
Países: Alemanha, EUA.
Ano:2001