O livro de contos Insubmissas Lágrimas de Mulheres, de Conceição Evaristo, não é apenas uma obra de arte literária, mas sim um estudo profundo, embora ficcional, de histórias de mulheres negras brasileiras, forjadas na dor, mas redefinidas pela resistência e pela busca incansável por sua própria subjetividade. Segundo entrevista da autora, o livro foi escrito em um “momento de insubmissão” em resposta a uma provocação de uma pesquisadora (Edileuza da Penha) que a questionou se a vida das mulheres negras era só tristeza e sofrimento.
A obra se encaixa perfeitamente no conceito de Escrevivência da autora, ou seja, uma escrita que nasce das experiências, memórias e vivências de mulheres negras e emerge como um potente material de análise sobre trauma, resiliência, construção de identidade e a dimensão social do sofrimento psíquico da coletividade negra que a história não registrou.
Os treze contos, cada um intitulado com um nome feminino, narram histórias marcadas pelo racismo, machismo e pelas opressões de classe, sendo que todas elas são atravessadas pela violência sexual, doméstica, afetiva e estrutural.
O nome da personagem e início de cada conto que relata o encontro gera uma expectativa sobre o que há por trás daquela mulher, personagens como a Natalina (que precisa se autonomear após o abandono parental) ou Maria Imaculada (sequestrada e explorada no trabalho doméstico) trazem um choque de situações que nos fazem pensar em situações que existem e até hoje são invisibilizadas.
O grande destaque reside na forma poética e potente com que Evaristo desconstrói o estereótipo da mulher negra como mera vítima, trazendo na fala e na postura das protagonistas a ressignificação de suas experiências. A meu ver, a genialidade da autora está em não se deter apenas na descrição do sofrimento, mas principalmente em como este é processado. As “lágrimas insubmissas” sugerem um choro que não é de rendição, mas de desabafo e, sobretudo, de catarse. O ato de narrar, de dar nome à dor (como a própria estrutura dos contos evidencia), é, em si, um ato de insubordinação contra o silenciamento.
A obra também oferece reflexões importantes sobre a masculinidade tóxica e as dinâmicas de poder nas relações afetivas, a fragilidade emocional e a incapacidade de lidar com as próprias questões de alguns homens, que são projetadas na opressão das parceiras, revelando um ciclo vicioso de dor.
Insubmissas Lágrimas de Mulheres é um texto fundamental que exige do leitor uma escuta ativa e sensível às intersecções de raça, gênero e classe social, pois a dor relatada, embora profunda, é a matéria-prima para o renascimento de si e para a construção de identidades que se recusam a sucumbir. A insubmissão dessas lágrimas é, no fundo, a afirmação da vida, do desejo e da inabalável dignidade dessas mulheres.
Recomendo a leitura a todos que buscam uma imersão em contextos de dor e superação e serão surpreendidos pela visibilidade das personagens que carregam a marca de suas vivências.
Ficha técnica:
- Título: Insubmissas Lágrimas de Mulheres
- Autora: Conceição Evaristo
- Editora: Malê- 7ª ed. Rio de Janeiro
- Referências:
- https://youtu.be/QXopKuvxevY?si=Kxzj82Tdg7JRusOB – Entrevista Conceição Evaristo/ Escrivivência
