Maus: um divã em quadrinhos

Quão difícil é lidar com os dramas familiares que temos e quanto desse conflito pode ser trabalhado como parte de nossa expressão artística? O cartunista norte-americano Art Spiegelman dedicou 18 anos nessa busca e o resultado é Maus: A história de um sobrevivente.

Inicialmente publicado em tirinhas entre o período de 1973 e 1991, Maus é um romance gráfico em que o autor, agraciado com o prêmio Pulitzer de 1992, conta a trajetória de seu pai, Vladek, e sua mãe Anja, dois judeus poloneses que se conheceram e apaixonaram-se durante a Segunda Guerra Mundial. A história é contada a partir de uma alegoria antropomórfica inusitada: os alemães são gatos, os judeus são ratos (maus em alemão), os poloneses são porcos, os suecos são renas, os americanos são cães, os franceses são sapos, os russos são ursos, os ingleses são peixes, e os ciganos são traças.

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Com uma narrativa entremeada entre as histórias contadas por Vladek – suas memórias das fugas e da prisão em Auschwitz – e da relação confusa do autor com seus pais, incluindo o suicídio de sua mãe, o livro expõe o quanto as histórias pessoais são, por vezes, esmagadoramente mais expressivas do que as versões históricas dos grandes acontecimentos.

Em uma fusão, a história passa a mostrar tanto a saga de sofrimento dos milhares de flagelados do maior conflito da humanidade quanto a angústia de Art, que passa a colocar esse conflito nos quadrinhos que desenha.  Maus é uma obra diferenciada justamente por isso, Spiegelman foi até o fim na árdua tarefa de rever suas mágoas e conflitos mais íntimos. Toda essa busca, entretanto, não torna o livro em algo puramente expiatório, com acidez e ironia Art desnuda os personagens sem a menor intenção de tornar-los imaculados, inclusive ele mesmo.

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Em uma das passagens, um encontro com seu psiquiatra, Art fala de sua dificuldade em continuar escrevendo sobre um tema tão particular. O autor resume a pressão existente em ‘reviver os fantasmas’ dizendo: “Samuel Beckett disse: Toda palavra é uma mácula desnecessária no silêncio e no nada”, e o seu interlocutor responde: “É, ele estava certo. E você deveria colocar isso no livro”.