Minhas mães e meu pai: a desordem do sistema familiar

Salvador Minuchin descreve que a dificuldade de inserção de novos membros na família a fronteira rígida.

“Minhas mães e meu pai”, filme dirigido por Lisa Colhodenko, foi lançado em 2010. O longa retrata a história de uma família que tem suas estruturas de funcionamento intensamente abaladas, após a chegada de um novo membro em suas vidas.

Jules (Julianne Moore) e Nic (Annette Bening) são um casal de lésbicas que vive junto a mais de 20 anos. Quando se uniram, decidiram que queriam ter filhos, e para isso recorreram ao processo de inseminação artificial. Nesse processo, o sêmen de um doador desconhecido foi utilizado.

Ambas as mães engravidam, e nascem Joni (Mia Wasikowaska) e Laser (Josh Hutcherson). Dentre eles, Joni está completando 18 anos, e com a maioridade surge um desejo, um desejo mais de Laser do que de Joni. E o que seria? Ele almejava conhecer seu pai biológico!

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Essa curiosidade trazia aos dois um sentimento de preocupação em relação a suas mães, já que elas poderiam ficar magoadas com essa vontade, uma vez que elas sempre cuidaram deles muito bem. No entanto, eles prosseguem com a aventura. Aventura esta que resultaria em muitas mudanças em seu sistema familiar.

De acordo com Esteves de Vasconcelos (1995) apud Romagnoli (2004, pág. 42) “a família é entendida como um sistema que regula a si mesmo, que se controla de acordo com regras externas e internas criadas em um período de tempo. Estabiliza-se e equilibra-se por meio dessas regras.” Além de ser autorreguladora, a família também é interativa, já que está em contato com outros sistemas, e nesse caso, o pai a ser conhecido, é um deles.

O encontro entre Joni, Laser e Paul (doador de sêmen/pai) é marcado. Ao se conhecerem, um clima de harmonia se instala e certa cumplicidade se desenvolve. Essa primeira boa impressão suscita desejos de novos encontros, por parte de ambos. No entanto, eles não conseguirão mais fazer às escondidas, pois são descobertos pelas suas mães!

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Jules e Nic se sentem extremamente ameaçadas por essa nova figura que vêm para ocupar espaço na vida de seus filhos. É nesse momento que o sistema desenvolve a chamada resistência, que nas palavras de Vasconcelos (1995) se configura como uma tentativa da família de manter a homeostase, que nada mais é do que conservar o equilíbrio que até então existia.

Nesse cenário de resistência e inquietação, cada membro da família se apresenta de uma determinada forma, sendo cada um deles caracterizado como um subsistema. Dentre todos os membros, Nic se mostra como o subsistema mais resistente a inserção de Paul em suas vidas.

Salvador Minuchin (1982) descreve nessa dificuldade de inserção de novos membros na família a fronteira rígida. Um indivíduo que possui a fronteira rígida vê na inserção de um novo membro uma ameaça à ordem estabelecida, fazendo com que toda e qualquer possibilidade do novo, seja extinta.

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As desconfianças e resistências por parte de Nic encontram fundamento, já que Paul realmente vem para desestabilizar toda a dinâmica da família. Assumindo um papel de intruso na relação conjugal de Nic e Jules, ele acaba se envolvendo amorosamente com Jules, contribuindo para uma crise na relação das duas.

Essa crise na relação conjugal acaba por afetar a relação com os filhos, que passam a apresentar comportamentos de instabilidade e agressividade. Tal efeito se configura no conceito de recursividade trazido por Esteves de Vasconcellos (2014, pág. 61) que “corresponde às relações recorrentes e recursivas entre sistemas autônomos, de estrutura plástica, através das quais se produz uma correspondência dinâmica efetiva entre as mudanças de estado recorrentes dos sistemas acoplados”.

Por mais desestabilizadora que tenha sido a convivência de Paul com essa família, no fim eles conseguem permanecer juntos e reestruturar suas novas formas de se relacionar. Podendo o telespectador observar a capacidade de reestruturação da ordem que uma família pode possuir.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

MINHAS MÃES E MEU PAI

Título original: The Kids Are All Right
Direção: Lisa Cholodenko
Elenco:  Annette Bening, Julianne Moore, Mark Ruffalo
País: EUA
Ano: 2010
Gênero: Comédia dramática

REFERÊNCIAS:

ESTEVES DE VASCONCELLOS, Mateus. NÃO ENSINE A PESCAR! SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DAS PRÁTICAS SISTÊMICA. Nova Perspectiva Sistêmica, Brasília, v. 1, n. 50, p.51-73, dez. 2014. Disponível em: <http://www.revistanps.com.br/nps/article/view/91>. Acesso em: 08 mar. 2019.

BÖING, Elisângela; CREPALDI, Maria Aparecida; MORÉ, Carmen Leontina Ojeda Ocampo. Pesquisa com famílias: aspectos teórico-metodológicos. Paidéia, Florianópolis, v. 40, n. 18, p.251-266, ago. 2008. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/paideia/article/view/6453/7924>. Acesso em: 08 mar. 2019.