O filme “Namorados para sempre” traz muitas questões pertinentes ao estudo das relações familiares e é necessário uma sensibilidade para entender, de fato, como ocorre o início do relacionamento
O filme “Namorados para sempre” conta a estória do casal Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams), os quais se conheceram ocasionalmente numa casa de idosos e apaixonaram-se. A família é composta pelo casal e uma filha de aproximadamente 6 anos de idade.
De acordo com Gottman (1995), existem alguns modelos de casamento que levam à desintegração. No caso de Dean e Cindy, é possível perceber que com o tempo eles tomaram forma de casal hostil/distante, ou seja, um casal emocionalmente separado que se envolve em rápidos episódios de ataque e defesa.
É possível notar que há uma “patologia de triângulos” (ANTON,2000), a qual se consolida a partir da aproximação entre dois membros da família em oposição a um terceiro, pois percebe-se uma aproximação maior entre o pai e a filha, formando-se uma barreira entre o casal, o qual está em conflito.
No filme, há uma cena em que Cindy e Dean conversam em um motel, já bêbados, e ela começa a falar sobre o “potencial” dele e critica a forma como ele vive. A conversa se resume a ataques e defesas, na qual ela afirma que Dean poderia ser mais, e ele diz não precisar disso por ser feliz com a vida que tem e não pretende mudar.
Iara Anton (2000) discorre sobre a idealização do casamento, que constitui em um constructo fantasioso, formado por desejos inconscientes e influências do ambiente. Cindy fazia parte de uma família nuclear tradicional, com um modelo rígido e autoritário. Quando Falke e Féres-Carneiro (2011) falam sobre transgeracionalidade, eles afirmam que, mesmo que distorcida, a prole tende a absorver os comportamentos dos genitores. Portanto, no momento em que Cindy questiona Dean sobre a profissão dele e o quanto ele poderia ser “melhor” subentende-se que ela toma como exemplo o próprio pai, o qual sustentava a família sozinho, e ela esperava que este fosse um dever de todos os homens.
Mediante essa perspectiva, Cunha e Alves (2014) ao falar sobre educação e violência nas relações de gênero, explica que há um estigma no qual os homens e mulheres possuem espaços definidos, sendo o privado para as mulheres e enquanto o homem seria o provedor das necessidades e deveria estar no espaço público. No entanto, essa perspectiva muda na medida em que as mulheres conquistam seus direitos. Cindy representa essa mulher que é enfermeira e luta por sucesso profissional enquanto Dean não demonstra ter uma perspectiva de futuro e se limita a trabalhos braçais.
Na cena em que mostra a discussão na clínica, a qual culmina na agressão de Dean ao médico, mostra um exemplo de violência conjugal. Porém, o que realmente acontece no casamento em questão é muito diferente do que é esboçado por quem vê a cena sem conhecer todo o arcabouço de eventos que levaram àquilo. Como Falke e Féres-Carneiro (2011) descreveram, é muito fácil ver simplesmente o homem como agressor e a mulher como a vítima e não levar em conta todo o contexto. Durante todo o roteiro, Dean não demonstrou ser um homem violento, autoritário, nem esboçou menosprezo em relação à Cindy, tampouco abusava de bebidas.
Cindy, por outro lado, parecia esperar outras atitudes “de homem” dele. Sob efeito do álcool, Dean expressa toda sua frustração quanto à expectativa de Cindy, ao derrubar as coisas da sala em que estavam enquanto repetia “você quer que eu seja um homem? Então tá, eu vou ser um homem. É assim que voce gosta?”. O soco que ele deu no médico foi estopim, sendo aquilo algo tão extremo para ele que prevaleceu a vergonha ao invés de raiva.
Na cena do término definitivo, onde os dois conversam na cozinha dos pais de Cindy, se repete algo que foi visto em outros momentos do filme, a influência entre o subsistema familiar conjugal e paternal, descritas por Turnbull e Turnbull (2001 apud SILVA, 2008). Para que haja uma boa qualidade nessa relação familiar, os autores destacam duas características: coesão, que consiste na ligação afetiva entre os membros e a liberdade de cada um deles, mantendo cada um sua individualidade sem perder o vínculo seguro; e a adaptabilidade, que é a resiliência da família sob crises e mudanças.
A conjugalidade de Dean e Cindy já estava muito comprometida, porém isso não deveria afetar a paternalidade deles com Frankie, mas várias cenas mostraram o contrário, por exemplo: a forma como eles se tratavam mesmo na frente da criança; os adultos comentavam sobre os problemas conjugais perto de Frankie, e quando ela perguntava o quê estava acontecendo, mudavam de assunto; Dean, nas últimas cenas, tentou utilizar Frankie como motivo para que eles mantivessem a conjugalidade; e, na cena final, o que fica para a criança é que ele não está se separando apenas de Cindy, mas dela também. Esse cenário, como afirma Weyburne (2004), pode gerar na criança um sentimento de culpa, que acarreta angústias traduzidas em tiques nervosos ou atitudes agressivas, além da possibilidade dela culpabilizar um dos pais.
O filme “Namorados para sempre” traz muitas questões pertinentes ao estudo das relações familiares e é necessário uma sensibilidade para entender, de fato, como ocorre o início do relacionamento bem como da crise que resultou na separação do casal. Puderam-se perceber vários fatores que contribuem para o esfacelamento dos matrimônios, não só dos personagens do filme, como também dos casamentos atuais.
FICHA TÉCNICA DO FILME
NAMORADOS PARA SEMPRE
Título Original: Blue Valentine
Direção Derek Cianfrance
Elenco: Ryan Gosling, Michelle Williams, Mike Vogel
País: Estados Unidos da América
Ano: 2010
Gênero – Drama Romance
REFERÊNCIAS
ANTON, Iara L. Camaratta. Contribuições da Teoria Geral dos Sistemas. In: A escolha do cônjuge: um entendimento sistêmico e psicodinâmico. Porto Alegre: Artmed, 2000. Cap. 5. p. 67 – 83.
CUNHA, Tânia Rocha Andrade. ALVES, Ana Elizabeth Santos. Educação e violência nas relações de gênero: reflexos na família, no casamento e na mulher. Rev Em Aberto. V. 27, n. 92, p. 69 – 88, jul/dez. 2014. Disponível em http://www.emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/2447/2404
FALCKE, Denise; FÉREZ-CARNEIRO, Terezinha. Reflexões sobre a violência conjugal. In: WAGNER, Adriana; et al. Desafios psicossociais da família contemporânea: pesquisas e reflexões. Porto Alegre: Artmed, 2011. Cap. 4. p. 72 – 85.
GOTTMAN, John. Por que os casamentos fracassam ou dão certo. São Paulo: Scritta, 1995.
SILVA, Nancy Capretz Batista da et al. Variáveis da família e seu impacto sobre o desenvolvimento infantil. Temas em Psicologia, São Paulo, v. 16, n. 2, p.215-229, jan. 2008.
TURNBULL, A. P.; TURNBULL, H. R. Families, professionals and exceptionality: Collaboration for empowerment. Columbus: Merrill Publishing Company,2001.
WEYBURNE, Darlene. O que dizer aos filhos sobre o seu divórcio. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2004.