Nebraska: delusão monocromática em uma América sem maquiagem

Com seis indicações ao Oscar:

Melhor Filme – Melhor Ator (Bruce Dern) – Melhor Atriz Coadjuvante (June Squibb) – Melhor Diretor (Alexander Payne) – Roteiro original – Melhor Fotografia

 

Não é por menos que o diretor Alexander Payne é alvo de muitos elogios pelo seu recente “Nebraska” (2013). Com seis indicações ao Oscar (incluindo Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e Melhor Diretor), o longa de 115 minutos mostra com sensibilidade (a fotografia é marcante) a estória de Woody Grant (Bruce Dern), um idoso que acredita ter ganho 1 milhão de dólares “após receber pelo correio uma propaganda”, e que decide ir até a cidade de Lincoln, em Nebraska, onde a suposta premiação será paga. Diante da teimosia do pai, seu filho David (Will Forte) resolve levá-lo de carro. Com os contratempos que ocorrem no decorrer da viagem, David decide mudar um pouco os planos, “passando o fim de semana na casa de um de seus tios antes de partir para Lincoln”. Woody conta a todos sobre a possibilidade de se tornar um milionário, “despertando a cobiça não só da família como também de parte dos habitantes da pequena cidade”.

Assim como em “Os Descendentes” (2011), também sob sua direção, Payne mostra em “Nebraska” uma América que normalmente não é retratada no cinema; ele apresenta um país bem diferente das batidas e mundialmente conhecidas cenas urbanas nova-iorquinas, sempre imbuídas de cosmopolitismo e heterogeneidade. Em “Nebraska”, longa em monocromia, os tons de cinza retratam bem os personagens marcados pela égide do passado, ancorados num modo de vida metaforicamente “congelante”, cujo panorama instiga o expectador, o tempo inteiro, a se questionar se está nos tempos atuais, ou se recuou 40 anos atrás, quando da infância de Woody Grant.

Há, no filme, um mix que remete a uma construção onírica, onde quem o assiste embarca num longo percurso. Por vezes, pensa-se estar num sonho qualquer, até hilário; noutras circunstâncias, trata-se de um verdadeiro pesadelo. No fundo, a angústia vem de perceber que, para parte dos americanos excepcionalmente retratados pelos atores/atrizes, o que existe em suas vidas é apenas o passado. O presente é monótono e “mecânico”, portanto frio, indiferente, num cenário em que o futuro é diligentemente ofuscado (com exceção do objeto de desejo de Grant, o que o faz “manter-se em pé”, andando – portanto, ainda vivendo).

 

 

Na persistência de padrões comportamentais “cristalizados”, enrijecidos, se sobressai a amizade do filho e seu pai, num reencontro que é costurado lentamente e que, passo a passo, vai ganhando contornos emocionantes. Há uma trajetória que parte de um mero “atendimento ao insano desejo de um idoso”, que passa por dissabores familiares para, de forma tocante, abarcar um passado difícil cujas marcas estão espalhadas em cada cena do filme. E na suposta senilidade de Woody Grant há, talvez, uma força motriz para um acerto de contas com a vida.

O filme mostra a “rudeza” de uma América melancólica e excessivamente deludida1, onde as parcas palavras são frequentemente mal entendidas, quando não totalmente desfiguradas, o que acaba por gerar uma série de contratempos, desconfianças e intrigas. De quebra, Payne coloca uma reflexão sobre a velhice diante de um país estagnado economicamente, cujos cenários possíveis acabam por englobar a solidão, a incompreensão e o desatino.

 

 

“Nebraska” também se lança num foco profundo, “apropriado ao filme de estrada”, que trás à tona questões existencialistas. As pequenas cidades de ruas largas – e sem movimento – tiram dos personagens a possibilidade de impingir liberdade às próprias vidas. Por mais que Grant tente percorrer sozinho a estrada, sempre é impelido a “voltar” às amarras de uma existência que, para ele, já não tem o menor sentido. O alvedrio, portanto, não passaria de uma meta inatingível; e o impulso pelo movimento, que Woody Grant experimenta desde as primeiras cenas – e que acaba por englobar todos os integrantes da família – é apenas uma tentativa de procurar uma rusga de incentivo, de sentido para uma vida que se aproxima do fim.

 

 

Neste cenário deprimente (que não se furta, no entanto, a reservar nuances de sátira), a monocromia também poderia ser vista, finalmente, como a expressão de uma sociedade míope, que falsamente vislumbra a liberdade, mas que constantemente se depara com a aridez da realidade (no fundo, será que querem se livrar do passado?). O filme mostra a dor de uma geração acostumada com as ilusões e que, enfim, se depara diante de uma América sem maquiagens. Isso pode ocorrer na terceira idade, como no caso de Woody Grant, ou ainda na juventude, a exemplo de seus patéticos sobrinhos. Ao cabo, difícil não se lembrar de uma assertiva da escritora Clarice Lispector, para quem “cortar os próprios defeitos pode ser perigoso”, já que “nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

 

 

Nota:

1Delusão é um estado ilusório, de engano. Na abordagem médica, trata-se de um delírio. Do latimdelusione. Fonte: Dicionário Michaels – disponível em:<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=delus%E3o >. Acesso em: 24/02/2014.

REFERÊNCIAS:

Nebraska (2013) – Disponível em: <http://filmow.com/nebraska-t63264/ficha-tecnica/>. Acesso em: 24/02/2014.

 

FICHA TÉCNICA:


Ano produção: 2013
Diretor: Alexander Payne
Elenco: Bruce Dern Bruce Dern, Will Forte Will Forte, Bob Odenkirk, June Squibb, Mary Louise
Duração: 15 minutos
Gênero: Aventura – Drama
País: Estados Unidos da América

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.