Arquétipos em “O Conto da Princesa Kaguya”

Concorre ao Oscar 2015 de Melhor Filme de Animação.

O filme é baseado no conto do Cortador de Bambu, um conto japonês bastante popular. A história conta que um dia, enquanto cortava bambus na floresta, um velho, sem filhos se deparou com um misterioso e brilhante talo de bambu. Depois de cortá-lo, ele encontrou dentro dele uma criança do tamanho de seu polegar, que parecia uma boneca. Ele alegrou-se por ter encontrado uma menina tão bonita e a levou para casa. Ele e sua esposa criaram-na como sua própria filha e a chamam de Princesa.

 

 

A menina tinha um crescimento acelerado e logo se tornou uma bela jovem que gostava de correr pela floresta com seus amigos, pobre, suja, mas que possuía muitos desejos e sonhos. Seu pai, por outro lado, continuava a trata-la como uma verdadeira princesa. Ele à levou para a cidade para dar-lhe uma boa educação, mas teve muita dificuldade na missão de transformar a menina em uma “perfeita dama”.

 

Na verdade ele projeta em Princesa seu próprio desejo em ascender de classe social esquecendo os desejos e anseios da filha. Isso mostra um problema muito recorrente que gera muita angustia em pais e filhos, quando os pais com seus desejos e anseios não satisfeitos projetam na criança aquilo que não conseguiram realizar. E esse é um fardo muito grande para qualquer criança!

 

 

Como Princesa se transforma em uma jovem de beleza incomum, ela passa a ser cobiçada por cinco nobres, e também pelo próprio Imperador. E seu nome passa a ser Kaguya, ou seja, Bambu. Entretanto a menina não quer se casar e anseia voltar para sua vida simples interiorana. Por isso ela envia seus pretendentes em tarefas praticamente impossíveis de serem concretizadas, tentando assim, evitar o casamento com um estranho que não ama.

 

Mas Kaguya terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas. Kaguya é apenas um prêmio para esses homens, e por essa razão ela sente um desespero imenso. Nesse desespero o povo da Lua (local de onde ela veio), ouve seu lamento e anuncia que virão buscá-la. E não há como reverter a situação.

 

 

Pode-se dizer que esse é um conto de fadas visto da perspectiva da princesa. O fato de ela ser uma filha da Lua, que desce a Terra (parece que o próprio povo decidiu enviá-la a Terra), mostra que se trata de uma heroína típica de contos de fadas e de mitos. Seu nascimento é mágico e seu destino incomum. Mas ao contrário das heroínas clássicas, as quais não são retratadas em sua dimensão humana, Princesa sofre, sente e anseia.

 

Kaguya é um arquétipo. No filme podemos perceber que os arquétipos necessitam da consciência do ego e da vida humana para se manifestarem e se humanizarem. Sem a dimensão humana eles são apenas potencialidades. Aparentemente Princesa falha em sua missão, uma vez que não conseguiu ser feliz aqui na Terra, mesmo assim sua história traz lições de extremo valor.

 

Quantas vezes deixamos de realizar nossos desejos em prol das convenções passadas a nós pela família e pela sociedade? E o quanto sofremos com as consequências de nossas escolhas? No filme, Kaguya sofre com a consequência de não haver seguido seu coração e ter ficado com seu amigo de infância Sutemaru. Quando ela se conscientiza disso já é tarde demais!

 

 

Quantas vezes nos arrependemos quando é tarde demais?  Quando não se pode mais voltar atrás?

 

Além disso, quando o povo da Lua vem buscá-la ela dá mais uma lição que pode parecer óbvia e clichê, mas que nos esquecemos constantemente em nossa vida diária: que a beleza da vida humana está no conflito. A felicidade e o sofrimento humano, inerentes à condição humana, são partes da nossa beleza. Kaguya não quer retornar ao mundo dos arquétipos, pois somente na condição humana é que existe a possibilidade de crescimento.

 

 

Além disso, enquanto ansiamos por posses, dinheiro e poder, ela descobre que sua alma era feliz com a simplicidade. Seu verdadeiro amor estava o tempo todo a sua frente e na vida simples é que ela conseguia ser ela mesma. A grande lição do filme, é que não importa o quanto se tenha, ou título que se carrega, se você não estiver seguindo o caminho da sua alma, tudo isso não vai adiantar nada. Pelo contrário, ao resistir em ouvir o desejo de nossa alma, ganhamos apenas dor, sofrimento e neuroses.

 

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FICHA TÉCNICA DO FILME

O CONTO DA PRINCESA KAGUYA

Direção: Isao Takahata
Música composta por: Joe Hisaishi
Autor: Isao Takahata
Duração: 137 minutos
Data de lançamento: 23 de novembro de 2013 (Japão)

Psicanalista Clínica com pós-graduação em Psicologia Analítica pela FACIS-RIBEHE, São Paulo. Especialista em Mitologia e Contos de Fada. Colaboradora do (En)Cena.