Respire Fundo: Sombras da maternidade

Por Maria Laura Maximo Martins

O filme conta a história da personagem Julie (Amanda Seyfried) que é autora, desenhadora e escritora de livros infantis. De maneira sensível, a obra retrata a realidade por trás da maternidade e dos transtornos mentais, indo contra a lógica de que o papel de mãe é perfeito, quebrando de fato a romantização que impera na sociedade.

No decorrer do filme, temos acesso ao seu passado complexo. Em relação ao seu meio familiar na infância, a personagem sofreu violência física e emocional por parte do pai na infância. Sendo assim, os traumas a seguiram até o momento presente onde engravidou e se tornou mãe. As vivências passadas a moldaram e de certa forma repercutiram em dúvidas, questionamentos, receios e sofrimento. Apesar da ausência e afastamento do pai, suas lembranças a perseguem. Por essa razão, compreender a personagem se torna fácil. A atuação espetacular favorece a empatia pela sua história e pelos seus sentimentos; somos balançados pelo seu receio central se será uma boa mãe e se deveria se ausentar ou não da vida dos filhos, o que a faz repensar a própria sobrevivência.

Fonte: Freepik

A sociedade comumente romantiza a sociedade, quase que impedindo que a maternidade tenha o seu lado obscuro e desafiador. Por isso se constitui como um assunto tabu e bastante estigmatizado, que requer diálogos e reflexões para maior aceitação das infinitas facetas que a fase da maternidade pode possuir. 

O filme, então, é um grande ensinamento e de maneira singular, demonstra como a tristeza pode influenciar e impactar a vida de uma mãe, que mesmo com uma rede de apoio, com uma profissão estabelecida, não encontra sentido e não visualiza um futuro promissor ou o momento presente de gerar um filho e criá-lo, uma ação potente e bonita quando permeada de sentimentos funcionais e bonitos. A rede de apoio que a cerca também expõe a importância de se ter pessoas ao redor que saibam escutar e enxergar além… Ou seja, a obra traz exemplos nítidos de experiências que muitos atravessam na vida real.

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No DSM-5-TR, versão mais recente e atualizada do manual de classificação, a “depressão pós-parto” não é apresentada e reconhecida como uma patologia específica. Entretanto, é incluído o especificador de episódio depressivo após o perinatal em até quatro semanas. A personagem se enquadraria em muitos dos possíveis sintomas, enfrenta prejuízos em sua vida em decorrência da sua vivência interna, muitas vezes silenciosas, porém que implica fortemente em reações e consequências na vida de uma pessoa. As consequências são vistas para além do emocional e mental, seu meio social e familiar também são afetados, o que corrobora com um Transtorno Depressivo Maior por indicador com início após o parto, no puérpero. 

A personagem realiza tratamento psiquiátrico e medicamentoso, expondo a importância do apoio especializado para o enfrentamento de transtornos mentais como a depressão. Medicação esta que é, de maneira analógica, como aquilo que devolve a cor ao seu mundo. Paralelamente, a personagem busca encontrar um sentido e se reencontrar, sobreviver… Na escrita e no desenho, consegue se expressar e se encontrar em certos momentos. 

O clímax da história de dá com a morte da personagem, que a mesma consegue descrever em uma de suas histórias infantis: ela relata um monstro que devorava as estrelas no céu e compara as estrelas com o seu amor pelos filhos, como algo que nem sempre seria visível, mas que sempre existiria de alguma forma os acompanhando. O sofrimento dela, apesar de silencioso, carregava uma potência estratosférica, repercutindo no seu desejo de alcançar uma perfeição e ser a melhor mãe que poderia sim, entretanto, a depressão e o peso da maternidade, tomaram forma e cresceram, fugindo de seu controle.

Essa obra cinematográfica representa uma fase da vida de muitas mulheres que se encontram em uma encruzilhada ditada pela pressão social e suscetíveis a terem transtornos psicológicos que podem afetar a sua saúde física e mental, intensificando os sentimentos de incapacidade e culpa perante a ação de ser mãe em um contexto novo e sensível como gerar um filho e criá-lo. Ou seja, é uma obra que caracteriza a vivência de muitas mulheres e por isso, de extrema importância para fomentar reflexões e diálogos acerca do assunto.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5a ed, texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.

GONÇALVES A. L. C; SILVA J. A; PRETO V. A. Análise Reflexiva: Depressão pós – parto e suas consequências emocionais para o binômio mãe e filho no Brasil. UniSALESIANO Araçatuba. Disponível em: https://unisalesiano.com.br/aracatuba/wp-content/uploads/2021/06/Artigo-Analise-ReflexivaDepressao-pos-parto-e-suas-consequencias-emocionais-para-o-binomio-mae-e-filho-no-Brasil-Pronto.pdf . Acesso em: 13 jun. 2023.

RESPIRE FUNDO. Direção: Amy Koppelman. Produção de Trudie Styler e Celine Rattray. Estados Unidos: Stage 6 Films, 2021. HBO streaming.

 SCHWENGBER, D. D. DE S.; PICCININI, C. A.. O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Estudos de Psicologia (Natal), v. 8, n. 3, p. 403–411, set. 2003.