Vicky Cristina Barcelona: amor na era da descartabilidade

 

Num de seus mais festejados filmes, Woody Allen mostra a dinâmica de Vicky e Cristina, grandes amigas que estão de férias em Barcelona. Vicky é uma mulher sensata, madura, rígida e decidida. Ela está noiva. Cristina é uma mulher em busca de novas experiências, paixões que sejam capazes de desestruturá-la. Um dia, em um passeio em uma galeria de artes, as amigas conhecem Juan, um pintor atraente e sedutor que teve um relacionamento problemático com Maria Elena. Ainda naquela noite, durante o jantar, Juan se aproxima da mesa de Vicky e Cristina, e as convida para viajar com ele. Cristina, aventureira, aceita imediatamente, e convence Vicky a acompanhá-los. Cristina é a primeira a demonstrar interesse por Juan.

Juan mostra a cidade às amigas, Cristina se diverte muito e aproveita os passeios, enquanto Vicky se demonstra cética e insatisfeita. Juan, como um sedutor, sempre as convidando para dormir juntos; Cristina aceita e Vicky se diz aborrecida, pois está noiva e não se interessa por sexo vazio, escondendo o medo dos seus próprios sentimentos e negando o desejo e atração pela situação.

Vick, em um jantar á luz de velas com Juan, se rende á sedução do pintor e faz sexo secretamente com ele. Ela não conta à Cristina sobre o acontecido. Cristina é convidada a morar com Juan e se mostra feliz e realizada, enquanto Vicky reprime seus desejos e casa com seu noivo. Cristina conhece Maria, ex-mulher de Juan, que, após tentar suicídio, vai morar com o casal. Inicia-se uma relação a três, regada a entusiasmo, particularidades, delícias e conflitos, tornando-os amantes em harmonia. Até que Cristina resolve abandonar a relação e vai para a França. Maria, apavorada, sofre e volta ao relacionamento conturbado de brigas com Juan e, após um tempo, decide deixá-lo. Vicky se reencontra com Juan e passam a tarde juntos; Maria Elena aparece de surpresa, e fora de si, tenta matar os dois. Vicky se fere na mão durante a explosão de ciúmes, e após se recuperar, conta à Cristina que continua mantendo a relação com Juan, e Cristina compartilha sua decisão de retornar para seu país.

O filme Vicky Cristina Barcelona aborda, através de situações cômicas e reflexivas, os conflitos presentes nas relações humanas. Os personagens imprimem novas possibilidades de amor e desejo, e rompem os rótulos e paradigmas existentes na sociedade, que insiste em reprimir as várias formas de libertação. Neste movimento, a liberdade sede lugar à insegurança e à instabilidade. Há um preço para as escolhas que fizeram.

No livro Amor líquido Zygmunt Bauman traz em pauta a fragilidade das relações, que cada vez mais se mostram mercantilizadas e descartáveis. Para Bauman, quando a qualidade das relações diminui vertiginosamente, a tendência é que se tente compensar a falta desta qualidade com uma quantidade absurda de parceiros. Esta concepção é visível no filme, visto que, a insatisfação com as relações existentes, provoca nos personagens a necessidade de ampliar e transcender os vínculos amorosos já estabelecidos.

São as ‘relações virtuais’. Ao contrário dos relacionamentos antiquados (para não falar daqueles com ‘compromisso’ muito menos dos compromissos de longo prazo), elas aparecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se deseja que as ‘possibilidades românticas’ (e não apenas românticas) surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, aniquilando -se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de ser ‘a mais satisfatória e a mais completa’. Diferentemente dos ‘relacionamentos reais’ é fácil entrar e sair dos ‘relacionamentos virtuais’. Em comparação com a ‘coisa autêntica’, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear (BAUMAN, 2004).

Aquilo que torna o relacionamento frágil é a falta de responsabilidade e fidelidade mútua, que, como na personagem de Vicky, ultrapassa os limites de seu noivado, tendo relações sexuais com Juan, que por sua vez, já mantinha laços com Cristina, evidenciando a facilidade da desconexão e desestruturação das relações humanas.

Segundo Bauman, a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de extrema descartabilidade. Não há razão para caminhar à afinidade, sendo que não há o menor objetivo em firmar um laço. Em Vicky Cristina Barcelona, visualiza-se a falta de interesse em formar laços definitivos, tudo não passa de experiências passageiras.

Essa é, contudo, outra ilusão… O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim adquiridas são as de ‘terminar rapidamente e começar do início’ (BAUMAN, 2004).

A experiência tratada no filme pode provocar no expectador, também, o desejo de buscar novos caminhos, novos horizontes, por meio da necessidade de descobrir-se, de aproximar-se de si mesmo, ampliando seus aspectos internos de modo a facilitar o equilíbrio para lidar com a complexidade dos sentimentos inexplorados, com a aventura de existir, de ser e viver.

Vicky Cristina Barcelona traz a reflexão de que nem sempre os relacionamentos estão destinados a dar certo, vezes por infidelidade, desconfiança, outrora por confiança em demasia e repressão de desejos e sentimentos, o que vem a ser, em última instância, os amores rasos, descartáveis e líquidos citados por Bauman.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, ZYGMUNT. Tradutor: Medeiros, Carlos Alberto. Amor Líquido. São Paulo: Zahar, 2004.

Amor Líquido em Zygmunt Bauman.

Sinopse de Vicky Cristina Barcelona.

Interpretação do filme Vick Cristina.

FICHA TÉCNICA

VICKY CRISTINA BARCELONA

Direção: Woody Allen
Narração: Christopher Evan Welch
Roteiro: Woody Allen
Prêmios: Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante
Ano: 2008