Anima e o processo de individuação no filme “Festa no Céu”

A animação “Festa nos Céus”, lançada em 2014, com produção de Guillermo del Toro, direção de Jorge Gutierrez e Douglas Langdale, tem como pano de fundo uma das festas mais populares do México: o Dia dos Mortos. O filme traz a jornada de três amigos de infância, sendo Manolo, Joaquim e Maria; a dinâmica gira em torno de uma aposta entre La Muerte (deusa da Terra dos Lembrados) e Xibalba (deus da Terra dos Esquecidos) sobre qual dos dois rapazes conquistará o coração da moça.

Os três crescem separados quando Maria vai para um colégio interno na Europa e os dois rapazes continuam na cidade de San Angel, México. Quando Maria retorna, Joaquim é o herói local e Manolo segue a tradição da família, que é ser toureiro, porém sonha em ser músico. Assim, se inicia a disputa entre os dois sobre quem vai conseguir ganhar o coração da moça e os deuses acompanham todo o desenrolar da história para ver quem vai vencer a aposta.

Durante essa disputa, Xibalba trapaceia, com medo de perder a aposta, e Manolo acaba morto ao tentar ressuscitar Maria, que ele pensava estar falecida, após ter sido picada por uma cobra, acontecimento esse que lembra a tragédia de Romeu e Julieta, de Shakespeare.

Após descobrir que foi enganado e que Maria está viva, Manolo inicia uma jornada passando pelo mundo dos Lembrados e dos Esquecidos, para retornar ao mundo dos vivos e acaba se encontrando também em um processo de individuação, que segundo Jung (1977) trata-se do processo pelo qual o consciente e o inconsciente do indivíduo aprendem a conhecer, respeitar e viver de forma integrada, formando uma totalidade, o self, ou seja, tornar-se si mesmo.

Von Franz (1977) afirma que o processo de individuação envolve a submissão ao poder do inconsciente, ou seja, ouvir o que o self, a totalidade interior, quer que façamos, mesmo que isso cause sofrimento. Na história isso acontece quando Maria retorna e Manolo faz sua primeira apresentação de tourada em homenagem a seu regresso. Ele faz uma bela apresentação, até que seu pai lhe entrega uma espada para matar o touro em nome da honra da família Sanchez, porém ele não quer tirar a vida do animal e segue seu instinto, desafiando e decepcionando seu pai.

Chegando ao Mundo dos Lembrados, um lugar alegre e colorido, Manolo encontra todos os seus ancestrais, os quais foram grandes toureiros e também sua mãe; eles o ajudam a encontrar a deusa La Muerte no Mundo dos Esquecidos para auxiliá-lo a retornar ao Mundo dos Vivos.

Vale destacar que ao encontrar-se com sua mãe, Manolo descobre que o sonho de se tornar toureiro, atendia às expectativas do pai, e não dela, como ele a princípio julgava. Esse reencontro mostra o encontro do herói com sua Anima, com seu inconsciente. A Anima é a personificação feminina na psique do homem. Aspectos como humores e sentimentos instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e o relacionamento com o inconsciente são característicos desta personificação (VON FRANZ, 1977).

A Anima possui função negativa e positiva, esta última faz o homem se apaixonar, escolher a esposa e se conectar com seus valores interiores, estabelecendo uma relação de mediadora entre o self  e o ego. No filme isso é visto pelas tentativas de Manolo conquistar Maria com o que sabe e gosta de fazer: tocar e cantar.

Além disso, seu reencontro com a mãe permitiu a continuação de seu processo de individuação, pois serviu como um impulso para ele lutar por seu amor. Porém, para conseguir passar por esse processo precisou ir profundo, saindo do Mundo dos Lembrados, para o Mundo dos Esquecidos, tendo que passar pela Caverna das Almas, onde encontrou o Homem de Cera, dono do Livro da Vida que o ajudou a encontrar La Muerte. Assim, pode-se afirmar que foi uma jornada a partir do confronto com o inconsciente, caracterizado pelo retorno da mãe, que ficou ao seu lado durante toda essa trajetória.

Segundo Amorim (2004), a partir do confronto com o inconsciente, novos horizontes se abrem para a realização pessoal e para uma nova tomada de consciência do si-mesmo. Nesse processo, o ego pode sentir-se temeroso de se encontrar com o desconhecido e seus medos mais íntimos e assim, passa a recusar e se esquivar dessa jornada de interiorização e busca de significado.

É o que acontece quando Manolo encontra a deusa e esta descobre a trapaça de Xibalba, que o chama para resolver a situação. O herói propõe, para conseguir voltar ao Mundo dos Vivos, uma aposta em que está em jogo seu retorno e os governos dos dois mundos subterrâneos. Xibalba, após questioná-lo sobre seu maior medo, leva todos para uma grande arena em que Manolo terá de encarar todos os touros enfrentados por seus antepassados, que acabam se fundindo em um só grande touro. É nesse momento que ele percebe que apenas sendo ele mesmo poderá conseguir vencer o grande animal, ou seja, sendo músico cantando com o coração. Consegue isso interpretando uma canção de perdão ao touro.

Somente assim, através de uma decisão difícil, de levar a sério os seus sentimentos e sonhos, pode-se fazer com que se realize o processo de individuação e assim também o homem descobre o que significa a Anima em sua realidade interior: uma mulher no interior do homem conduzindo as mensagens vitais do self, a guia da alma. Sendo assim, apenas o confronto do consciente com o inconsciente permite a integração da personalidade individual, a mudança, a autoconfiança, porque lá no fundo, sempre sabemos o que fazer e onde ir, mas às vezes não damos ouvidos a voz interior.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G, et al. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

VON FRANZ, M. L. O processo de individuação. In: JUNG, C. G, et al. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

AMORIM, G. G .Um homem e sua psicologia: reflexões sobre o processo de individuação em C. G. Jung Brasília, 2004. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/2952/2/9960698.pdf>. Acesso em: 25 nov 2015.

 

FICHA TÉCNICA

FESTA NO CÉU

Gênero: Animação
Direção: Jorge R. Gutierrez
Roteiro: Douglas Langdale, Jorge R. Gutierrez
Elenco: Ana de la Reguera, Anita Briem, Channing Tatum, Christina Applegate, Danny Trejo, Diego Luna, Gabriel Iglesias, Grey DeLisle, Ice Cube, Ron Perlman, Zoe Saldana
Produção: Aaron Berger, Aron Warner, Brad Booker, Carina Schulze, Guillermo del Toro
Montador: Ahren Shaw, Steven Liu
Trilha Sonora: Gustavo Santaolalla
Duração: 95 min.
Ano: 2014
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Distribuidora: Fox Film
Classificação: Livre