Comportamento: a nossa marca no mundo

Diariamente, ao abrirmos os jornais e páginas online, nos deparamos com uma gama enorme de notícias sobre corrupção, homicídios, roubos. Nas redes sociais, a indignação e repúdio à desonestidade, ao egoísmo, ao individualismo se espalham através de milhares de compartilhamentos. Parecem todos tão engajados e dispostos a não aceitar, de maneira alguma, qualquer comportamento fora da lei e da ética, que poderíamos até pensar que o retrato do país finalmente mudará. Mas, infelizmente, não é isso o que de fato tem acontecido. As manifestações de desonestidade, desrespeito e desinteresse pelo próximo vêm ficando cada vez maior. E não precisamos da internet ou da TV para termos acesso a esses comportamentos: os presenciamos no trabalho, em shoppings, consultórios, supermercados, em todo lugar.

 

 

Mas por que isso acontece? Como pode haver uma repulsa tão grande aos escândalos noticiados e, na prática, tanta demonstração de desinteresse e desrespeito pelo outro? Seria “modismo”? Será que essa discrepância entre discurso e realidade é fruto de uma “tendência atual”, onde o “bonito” é apontar e se indignar com a injustiça, mas a atitude coerente com o que se fala é desnecessária? Acredito que, em grande parte, sim. Mas vejo também que existe uma dificuldade em perceber a ligação entre os grandes escândalos e o próprio comportamento. 

 

É fácil entender que por trás do “roubar” existe o desrespeito pelo que é do outro; é óbvio o egoísmo e desonestidade presentes em qualquer grande caso de corrupção. Mas perceber essas características nos nossos próprios comportamentos não parece ser tão simples. Quantas vezes insistimos em manter o volume do som do carro nas alturas, sem pensar no incômodo que isso pode estar gerando para os outros? E quando nos esbaldamos ao comprar em sites onde tudo é mais barato, mesmo tendo inúmeras evidências de que a mão de obra utilizada é escrava? E quando fazemos manobras indevidas no trânsito para conseguir chegar a tempo em nosso destino? Podemos até pensar que “linkar” essas manifestações comportamentais cotidianas com exemplos extremos de desrespeito e desonestidade é exagero, mas, na verdade, não é.

 

 

Os comportamentos usados como exemplos no parágrafo acima têm como elemento principal o egoísmo, o egocentrismo, a insensibilidade, a arrogância, o desrespeito e desinteresse pelo outro. Elementos esses que também estão presentes nos inúmeros casos de corrupção e desonestidade que vemos e nos indignamos cotidianamente. Então, se pensarmos em um continuum, podemos dizer que atitudes comuns, como “furar fila”, são manifestações comportamentais mais brandas quando comparadas ao roubo, à trapaça, à traição, porém, pertencentes à mesma categoria.Esta categoria é o que chamamos de personalidade, que seria então composta por uma visão de si como merecedora de direitos especiais e acima das regras de reciprocidade que dirigem a conduta social normal. Isso porque o indivíduo se vê no direito de fazer o que for preciso para atender suas vontades e/ou se livrar daquilo que lhe incomoda.Sendo assim, alguém que possua essa visão de si provavelmente não irá pensar se as pessoas que estão na fila que ele “furou” se encontram tão ou mais cansadas do que ele.

 

 

Até aqui, podemos concluir que os comportamentos emitidos pelo indivíduo estão intimamente relacionados à visão que ele tem de si e do mundo. Pessoas que se veem como superiores aos outros e merecedoras de direitos e privilégios especiais tenderão a ter atitudes egoístas. Mas por que algumas pessoas se veem como superiores aos outros? As respostas para essa pergunta estão na história de aprendizagens que o indivíduo teve ao longo de sua vida, especialmente na sua infância.

 

A importância dos pais na formação da personalidade do indivíduo

É na infância que aprendemos sobre a vida, sobre o mundo, sobre nós. A criança nasce sem saber qualquer coisa a respeito de seu ambiente e é a partir das interações entre ela e os outros (especialmente com os pais) que ela passará a entender como as coisas funcionam. Se todas as vezes que o bebê chora seus pais aparecem para ajudá-lo, ele irá aprender que sempre que estiver com dor, fome, ou qualquer outra necessidade, seus pais estarão disponíveis. Uma vez que esse tipo de interação se mantém ao longo da infância, a criança aprende que ela pode contar com seus pais em qualquer momento, o que lhe trará segurança para lidar com as demandas da vida.

 

 

As interações positivas entre pais e filhos, como essa citada acima, são muito importantes para a formação da personalidade da criança. Logo, dizer para o filho o quanto ele é amado é, sem dúvidas, essencial para o desenvolvimento da sua autoestima; reconhecer os êxitos da criança a cada tarefa realizada é fundamental para o desenvolvimento da autoconfiança. Porém, paralelamente a essas interações positivas, é extremamente necessário que os pais ensinem para as crianças que em toda situação existe um limite e que este deve ser respeitado.

Personalidades egoístas e arrogantes são formadas a partir de uma educação excessivamente flexível, onde a família não ensina para a criança a necessidade de se ter autocontrole, cooperar com os demais, ter ações de reciprocidade, respeitar os direitos alheios e submeter-se às regras que são aplicadas a todas as pessoas. Essas crianças não aprendem que a raiva, o tédio, a impaciência são sentimentos que, por mais desagradáveis que sejam, fazem parte da vida e devem ser tolerados. Ao contrário, elas aprendem que podem fazer o que for preciso para se livrar do mal estar gerado por alguma situação ou sentimento. Esses indivíduos não aprendem que, antes de emitir qualquer comportamento, deve-se pensar nas consequências que serão geradas tanto para si mesmo quanto para os outros.

Essas aprendizagens podem ser concretizadas através da falta de consequência para os comportamentos inadequados da criança. Nesse sentido, o filho se comporta de maneira indevida (Ex: empurra o coleguinha porque o mesmo não quis brincar com ele), mas os pais não fazem nada para corrigir a sua atitude. Dessa forma, a criança aprende que não há problema em agir dessa maneira, já que nenhuma consequência negativa (para si ou para o outro) é obtida.

 

 

Outra forma de aprendizagem altamente poderosa é através do exemplo. A famosa instrução “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não é, de forma alguma, uma maneira eficaz de se ensinar. Toda criança tenderá a seguir os modelos de comportamento que ela tem em seu ambiente. Portanto, se os pais têm comportamentos, como xingar e gritar com as pessoas com as quais convivem, mentir, trapacear etc., de nada adiantará dizer para a criança que ela deve respeitar o coleguinha, que ela deve ter paciência. Esse talvez seja o maior empecilho na educação que os pais dão para seus filhos.

Todos nós, crianças, adolescentes e adultos, desejamos uma série de coisas o tempo todo. Nenhum de nós, independente da idade ou classe socioeconômica, gosta de esperar, de realizar tarefas enfadonhas e difíceis, de se submeter a regras, de sentir raiva ou impaciência. Apenas nos dispomos a fazer tudo isso por causa das consequências recebidas: não abandonamos o trabalho porque ficaríamos sem dinheiro; não falamos tudo o que queremos para os outros porque poderíamos ofendê-los. Ninguém nasce sabendo e respeitando os direitos do outro ou gostando de sacrificar suas vontades e impulsos, mas isso é algo aprendido e cabe aos pais ensinar seus filhos a se comportar de maneira respeitosa e empática.

 

 

O que os pais devem fazer para desenvolver o respeito e a empatia em seus filhos?

Conforme citado anteriormente, as interações positivas (elogios, reconhecimento, admiração) entre pais e filhos são vitais para a saúde mental da criança, mas também cabe aos pais ensinar aos seus filhos que eles devem ter responsabilidade pelos seus comportamentos e respeito pelo outro. Considerando que a tarefa de educar filhos é muito complexa e requer conhecimento, segue algumas orientações sobre como desenvolver o senso de responsabilidade e reciprocidade nas crianças:

Responsabilizar a criança por seus comportamentos: É na infância que o indivíduo irá aprender que um comportamento emitido por ele tem diversos efeitos. Os pais devem mostrar para o filho quais são as consequências de seu comportamento. Isso significa que quando a criança se comportar de forma adequada (Ex: dá um abraço carinhoso no colega) é essencial que os pais ressaltem verbalmente, de forma carinhosa e clara, o quanto ficaram felizes com ela e o quanto este comportamento deixou o seu coleguinha feliz. Comportamentos colaborativos (como abraçar, ajudar, convidar) aproximam as pessoas da criança e é muito importante que os pais evidenciem a relação do comportamento colaborativo com a consequência positiva (que nesse caso será a amizade do colega). Por outro lado, se a criança emitir um comportamento inadequado (Ex: bate no colega), cabe aos pais mostrar para o filho o quanto estão insatisfeitos com esse comportamento e que esse tipo de atitude deixa as pessoas muito chateadas, o que faz com que elas se afastem. Dessa forma, os pais estarão mostrando ao filho que comportamentos agressivos afastam as pessoas dele. Além disso, diante de um comportamento como esse, é essencial que a criança receba uma consequência desagradável para si, como ficar sem um brinquedo, não ir a algum passeio, ter que pedir desculpas para a outra criança (essa consequência não deve ser um castigo físico). Assim, ela aprenderá que quando emitir o comportamento inadequado será prejudicada, o que tenderá a diminuir a frequência desse comportamento.

 – Ensinar à criança a tolerar sentimentos desagradáveis: Um dos principais fatores que levam uma pessoa a agir de forma impulsiva, sem medir as consequências para si e para os outros, é a dificuldade de tolerar emoções desagradáveis. Esses indivíduos acreditam que emoções como a raiva, a ansiedade, o tédio, o cansaço são tão ruins que lhes dão o direito de fazer qualquer coisa que os façam sentir-se melhor. Por isso, é imprescindível que os pais ensinem para seus filhos que nem todos os sentimentos são agradáveis e que isso é normal, que acontece com todo mundo. A criança precisa entender que sentir raiva é ruim, mas não lhe dá o direito de agredir os outros. Ela precisa aprender que muitas pessoas ao seu redor também sentem raiva e impaciência, mas que nem por isso a agride. Todos nós temos o direito de experimentar qualquer sentimento, mas não temos o direito de agredir e prejudicar o outro por causa disso.

 

 

– Sensibilizar a criança para os sentimentos e direitos do outro: Conforme dito anteriormente, uma das características de uma personalidade egoísta é o déficit de empatia, que é a falta de habilidade de pensar no que o outro poderá sentir em consequência dos seus comportamentos. Para desenvolver a empatia da criança é fundamental que os pais estimulem seus filhos a pensar nas outras pessoas: “O que seu coleguinha achou disso?”, “Nossa, isso é muito bom! Deixará seu amigo muito feliz!”, “Você brigou com ele e agora ele está triste. Vamos lá pedir desculpas agora!”, “Isso não está certo! Você iria gostar que ele fizesse isso com você?”. Esses são exemplos de interações que mostram para a criança que a forma com que o outro reage às nossas atitudes é importante e deve ser levado em consideração.

 – Os pais devem ser o modelo de bom comportamento para o filho: Nada disso adiantará se os pais não demonstrarem preocupação e respeito pelos sentimentos dos outros, se não se responsabilizarem por suas atitudes. Portanto, os pais devem refletir se têm sido o exemplo daquilo que gostariam que o filho fosse. Caso haja dificuldade nesse sentido, é essencial que os pais busquem ajuda profissional. A psicologia tem muito a contribuir!

É notável a insatisfação de muitos com a sociedade que temos hoje. É evidente a tendência individualista que se estende na vida atual. E o que nós podemos fazer diante disso? Embora alguns acreditem que não há o que fazer, cada um de nós podemos contribuir de alguma forma. Enquanto indivíduos, podemos avaliar nossos comportamentos e procurar entender qual tem sido a nossa postura diante da vida e das outras pessoas. Temos olhado e lutado somente por nós e por nossos objetivos? Ou temos procurado compreender as situações como um todo, olhando para o outro e considerando suas formas de pensar e sentir? Enquanto sociedade, temos aceitado ser tratados com desrespeito por pessoas que se sentem melhores do que nós? Ou temos reivindicado nossos direitos e ensinado, na medida do possível, que os limites existem e que todos nós devemos ser respeitados? Enquanto pais, temos cuidado da nossa saúde mental e ensinado nossas crianças a olhar para o outro, a respeitá-lo e a tratá-lo com a dignidade que todos merecem? A indignação com a situação atual não muda nada. O que muda o mundo são os nossos comportamentos. Todos nós somos responsáveis pela saúde da nossa sociedade.

 


Nota:
Esse texto fará parte da próxima edição da revista:
Fale Mais Sobre Isso” (www.falemaissobreisso.com.br/).