A informação enquanto instrumento a favor da diversidade religiosa

Ana Paula Abreu Dos Anjos – anapaulaabreu@rede.ulbra.br

A intolerância religiosa é a ação de discriminar, insultar e rejeitar uma religião, podendo até mesmo levar a ocorrência de agressões diversas as pessoas, devido suas práticas religiosas e crenças. Atualmente a intolerância religiosa ainda é uma realidade no Brasil, essa problemática está fortemente associada ao racismo, pois a intolerância religiosa é praticada e frequentemente direcionada os adeptos das religiões de matriz africana, segundo a UNESCO, a intolerância religiosa muitas vezes é proveniente de estereótipos negativos e visões pré-estabelecidas acerca de certas religiões, muito desse contexto é uma resposta a falta de informação sobre determinadas religiões. Em concordância com Silva (2004) a diversidade religiosa é necessária, evidenciando ainda que: 

Conhecer o lugar onde estamos e onde os outros estão em relação à  fé e às crenças leva-nos a desenvolver um sentido de proporção no amplo campo das religiões, religiosidades, experiências religiosas onde todos devem ser ouvidos e respeitados. A diversidade se faz  riqueza e deve conduzir à compreensão, respeito, admiração e atitudes pacificadoras. (SILVA, 2004, p. 6).

Pensando nisso, o portal EnCena entrevistou a Mãe de Santo Tania Maria Ribeiro Cavalcante, formada em Psicologia pela PUC de Goiás, atualmente é dirigente da Fraternidade Flor de Liz, função que exerce a 18 anos, além de coordenar a Ass. Movimento pela Vida (@movimento.pela.vida) há 23 anos, um evento que traz, dentre outros assuntos, o respeito à diversidade religiosa. Tania foi iniciada há 24 anos no candomblé de Angola pela Mãe Magna de Oxum.

Fonte: Pixabay

(En)Cena: Conte um pouco da sua história e como se iniciou a sua jornada, até se tornar Mãe de Santo.  

Eu fui feita no candomblé, fui iniciada no candomblé de Angola entre noventa e oito para noventa e nove, na casa de mãe Magda de Oxum, e antes eu não tinha nenhuma ligação com o mundo afro-brasileiro. Naquela época eu trabalhava na Secretaria de Educação do Estado e participava de todo esse processo, tinha essa ligação com a área de direitos humanos, nesse espaço acabei participando desse movimento, com o entendimento e a valorização das religiões de matrizes africanas, a partir disso acabei entrando para dentro do candomblé.  Isso faz vinte e quatro, quase vinte e cinco anos. E essa história é muito longa.  

É uma longa história. Bem eu venho de movimentos sociais, participei de lutas com relação ao movimento de direitos humanos. Participei de organismos nacionais em prol do respeito à igualdade racial, participei do comitê nacional de respeito à diversidade religiosa, ajudei a fundar o comitê estadual de respeito à diversidade religiosa do Tocantins. Então, sempre estive presente nessa luta, e em dois mil e cinco, o grupo, que se chamava Grupo Flor de Lis, hoje se chama Fraternidade Flor de Lis, também já passou pelo nome Casa de Caridade Flor de Lis, onde eu sou a dirigente. 

(En)Cena: Qual é o papel da Mãe de Santo? 

Lá em casa, na Fraternidade Flor de Lis, ela tem um diferencial, porque a gente não trabalha só com a matricidade africana. Mas a mãe de santo ou como diz a minha mãe de santo, mãe Magda, fala que a zeladora de santo ela é a responsável por nortear o caminho do médium que quando inicia se chama Abiã, e quando faz a iniciação passa a ser chamado Iaô, isso dentro do candomblé de Angola, que eu conheço. E ele faz a sua incursão nesse caminho como quem recebe os orixás e louva, porque dentro do candomblé e das religiões de matriz africana, no candomblé o nosso louvor é uma dança, o nosso templo é a natureza e a gente dança e louva, é uma festa, e aí você entra em contato com a força dessas deidades chamado orixás, e a gente recebe o axé. Os médiuns são preparados para ajudar nessa interlocução da energia desses seres celestiais para a terra. E a mãe de santo ou zeladora de santo, ela é quem ajuda no preparo desse processo. 

E no caso da nossa casa, a gente trabalha com atendimento espiritual também. Então não só dos orixás, a gente trabalha com nossos irmãos da espiritualidade. Porque os orixás não são pessoas, não são humanos, são divindades, são deidades, tem as falanges que são os guias, os pretos velhos, os caboclo, e esses irmãos da espiritualidade trabalham através dos médiuns, ajudando as pessoas a se aprumar, a serem e buscar o caminho do equilíbrio, da felicidade, da harmonia e da paz e da saúde.

(En)Cena: O que é necessário para ser uma Mãe de Santo? 

Para ser mãe de santo, primeiro você tem que ser recolhida, você tem que passar pelas iniciações e os recolhimentos de cada tradição. No caso do candomblé de Angola, eu fui recolhida, fiquei sete dias, nisso se fica sete, sete, sete, e tem gente que já recolhe com vinte e um dias. Para você ser mãe de santo, você tem que ter um tempo de feitura, e reafirmação de cabeça. 

(En)Cena: Nessa jornada quais foram os obstáculos e desafios? Incluindo assuntos de caráter pessoal. 

Eu não tive nenhum tipo de questão pessoal. Porém a proposta da minha casa, a nossa casa, a casa Flor de Liz, ela não é só em matriz africana, e o fato de ser dirigida por uma mulher, isso teve questões no sentido de não respeitar a força, isso aconteceu, mas em termos de intolerância, sim, você ouve muita gente falando sobre a questão da intolerância, na minha família, que é uma família pessoal muito ligada a universidade, são intelectuais, houve uma certa resistência por ser uma coisa que todos falavam que era primitiva.

(En)Cena: Em relação a intolerância religiosa, a senhora considera que se as pessoas tivessem mais conhecimento sobre as raízes culturais do Brasil, haveria mudanças positivas que promovessem o respeito à diversidade religiosa?

Em relação a intolerância religiosa, eu acho que já avançou muito, eu já fui do do comitê nacional como já falei anteriormente, o comitê nacional de SP Universidades Religiosas, ainda existe muito preconceito, que vive da ignorância, vindo do não entendimento, porque na verdade o que se fala, e o que tem, é o histórico de uma de uma sociedade que basicamente tem influência judaico-cristã, e a igreja católica e evangélica por exemplo, ela tem a matricialidade africana com desrespeito, por exemplo, a figura do Exu. A figura do Exu foi emparelhada com a figura do diabo, e não tem nada a ver uma coisa com a outra. O Exu é o guardião, o Exu tem a ver com a fertilidade, o Exu tem haver com a questão do ser humano, então não tem nada a ver. Eles fizeram isso com base no preconceito, e aí endiabraram as religiões afro-brasileiras, não só o Exu. Então eu vejo que existe o preconceito, e esse preconceito vem da ignorância, de não conhecer. 

(En)Cena: Em relação ao combate à intolerância religiosa, na sua opinião, que mudanças precisam ser feitas?

O caminho é o esclarecimento, porque o que está por trás historicamente? Quem é que frequenta a religião de matriz africana? É religião de preto, pobre. No entanto os terreiros deram uma branqueada, hoje em dia a classe média frequenta os terreiros, também em cidades grandes. Então hoje tem se falado mais, ainda existe muito preconceito e violência, muita violência. O outro ponto tem relação a proteção, leis que garantem a segurança dos terreiros, dos sacerdotes, dos pais de santo e das mães de santo.

Referências: 

SILVA, E. M. Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de Estudos da Religião, Campinas, n. 2, p. 1-14, 2004. Disponível em: https://www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf. Acesso em: 12 de Mai. 2023.