Muito se ouve falar sobre Inclusão e nas últimas décadas de fato percebe-se avanços, porém na prática as mudanças acontecem de maneira lenta, principalmente se tratando de deficiência física, mais especificamente de pessoas surdas.
Uma das maiores dificuldades dos surdos na sociedade está relacionada à área da saúde, grande parte de hospitais, laboratórios, postos de saúde e clinicas, ainda não oferecem o padrão necessário para atender pessoas com deficiência auditivas, o maior empecilho para um atendimento de qualidade é a dificuldade de comunicação em libras.
As dificuldades dos surdos na sociedade precisam ser conhecidas, a partir disso é possível desenvolver ações efetivas que ofereçam melhores condições de vida às pessoas com deficiência auditiva. Para tornar atendimento mais eficaz, faz-se necessário que pessoas nas equipes de atendimento tenham formação na língua brasileira de sinais.
Pensando nesse assunto o (En)cena entrevista Simone Barbosa Magalhães para entender o que a motivou estudar e trabalhar com esse público.
(En)cena – Quem é Simone Barbosa Magalhães?
Simone Magalhães: Mulher, mãe, filha, esposa, irmã. Atualmente estou no 7º período da minha segunda graduação (Psicologia), já sou formada em Educação Física e atuei, desde a primeira graduação, com pessoas/crianças portadoras de alguma deficiência. Estar num contexto onde pude sentir na pele a reação da sociedade diante de uma pessoa com deficiência fez com que tivesse extrema necessidade de trabalhar na área. Tenho um irmão com deficiência intelectual e que faz parte do espectro do autismo, fazer algo por esse público é fazer algo por ele.
Além de já ter tido certa experiência com pessoas com deficiência intelectual, ainda na adolescência, conheci o público surdo e fiquei encantada com a forma expressiva que eles utilizavam o corpo para se comunicar. Aos 17 anos já fazia parte da comunidade surda e, aos 18 anos, dava aulas particulares de química para surdos. Nessa época, a profissional de intérprete de Libras ainda não era reconhecida e exercia com pouca experiência, a pedido dos meus amigos, para que, de alguma forma, eles se sentissem pertencentes ao cenário social.
Após alguns anos afastada profissionalmente, retomei meus estudos acadêmicos iniciando com o curso de Psicologia e, esse ano, resolvi retomar meus estudos em Libras e atuar no atendimento clínico de pessoas surdos, mantendo a minha essência de ajudar aos que a sociedade pouco ou nada escuta.
(En)Cena – O que é inclusão?
Simone Magalhães: Inclusão é fazer com que um grupo minoritário que não se encaixa em um padrão social, seja trabalhado, instruído, capacitado a conseguir viver (sobreviver) de forma o mais “normal” possível em um grupo majoritário.
(En)Cena – Do que se trata o Conceito de inclusão para você?
Simone Magalhães: A inclusão fala muito mais em tomada de decisões de uma sociedade majoritária que acredita saber o que é melhor para pessoas com alguma deficiência desconsiderando, muitas vezes, a autonomia desse pequeno grupo. É como se colocasse todas as pessoas dentro de uma “caixa”, acreditando que o acesso às informações e benefícios chegam a todos, mas, dentro dessa “caixa” há divisórias e formas diferentes de enxergar e ouvir o mundo.
É fato que há necessidade de sobreviver socialmente, mas respeitar os limites desse processo é fundamental, entender que as pessoas portadoras de alguma deficiência (ou os que cuidam) são os únicos indivíduos capazes de dizer qual a melhor forma de incluí-los.
(En)Cena – Na sua visão quais são as dificuldades que a pessoa surda encontra diante ao processo de atendimento Psicológico?
Simone Magalhães: De imediato, é possível pensar na comunicação enquanto maior dificuldade, porém, apenas saber Libras e os sinais que essa comunicação envolvem não é o suficiente. Existe a dificuldade de entender quem é esse sujeito surdo, a forma como ele pensa e age, compreender o cenário cultural em que ele vive e, assim, alcança-lo enquanto ser humano social. Para tanto, não há outra forma de fazer isso, tem que viver e experienciar o dia a dia do surdo em seus grupos.
(En)Cena – Existem testes que normatizam a Avaliação Psicológica/Neuropsicológica para pessoas surdas?
Simone Magalhães: Não existem testes favoráveis para pessoas surdos, a Psicologia voltada à avaliação ainda é bastante limitada quanto a esse aspecto. Atualmente, existe um grupo de profissionais da área do sul do país buscando realizar a adaptação da bateria WISC (versão reduzida) em Libras para uma futura aplicação desses testes para surdos.
(En)Cena – Você teria algum relato sobre os principais adoecimentos e sofrimentos psicológicos das pessoas surdas?
Simone Magalhães: Segundo Chaveiro (2014) existe uma probabilidade de três a cinco vezes maior de a pessoa surda sofrer alterações psicológicas em relação às pessoas ouvintes. Dentre essas alterações se destacam a depressão e a ansiedade, nessa ordem de prevalência. Por isso, é preciso que os profissionais da psicologia vão além do padrão de paciente e busquem aperfeiçoamento na diversidade, entendendo que é preciso ir além do conhecimento em Libras, mas compreendendo o sujeito surdo como uma pessoa culturalmente diferente.
Referência:
CHAVEIRO, Neuma et al. Qualidade de vida dos surdos que se comunicam pela língua de sinais: revisão integrativa. Interface – Comunicação, Saúde, Educação [online]. 2014, v. 18, n. 48, pp. 101-114. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0510 Acesso em: 25 Set. 2022.