A Associação Brasileira de Psicopedagogia defende a importância das brincadeiras para um melhor desenvolvimento social e psicológico da criança. Porém mentir, roubar e matar são ações cada vez mais presentes na infância. Deve-se a isso o excesso de exposição a situações que podem comprometer a formação da índole do ser humano. É o que diz o psicopedagogo Augusto César Baratta – psicólogo, especialista em Terapia de Grupos: Drogas / Bullying, Sexualidade e transtornos.
Dr. Augusto César Baratta (Foto: Walter Riedlinger)
(En)Cena – Como é composta a índole infantil?
Dr. Augusto César – A índole infantil é a formação do ego mais as experiências dela. É claro que uma criança que nasce num assentamento, sendo subjulgada, ela não vai ter a mesma formação do caráter, o lado social. A índole dela já é reflexo do medo, da rejeição familiar, da primeira infância, a falta do afeto do grupo familiar. Isso vai levando-a a viver com a má indole, socialmente. Para si, ela não é má. É um instinto de defesa.
(En)Cena –Com que idade isso começa a se manifestar?
Dr. Augusto César – Aos 3 anos de idade, podemos ver o instinto da criança. Ela já começa a querer dominar o espaço dela. Você dá o brinquedo e ela brinca até quebrar. Ela não sabe responder, apenas rejeita coisas que não são agradáveis. A socialização vai ajudá-la a controlar esse instinto. Essa agressividade pode ser temporaria ou não. Se a família começar a ter o amor, ensinando a se socializar, ela consegue controlar o instinto.
(En)Cena – Esta fase pode, de alguma forma, definir o comportamento da criança no futuro?
Dr. Augusto César – Estará sempre presente, acompanhá-la durante a vida toda. Mas a socialização pode controlar isso. Com autocontrole, ela consegue viver normalmente, porém pode ser agressiva de repente. E isso tem tudo a ver com aquela rejeição e desafeto da infância.
(En)Cena – Qual a responsabilidade dos pais neste processo?
Dr. Augusto César – Os pais, muitas vezes, zelam demais. O excesso de afeto cria a facilidade da criança ter o que quer. Se zelar demais, no dia em que tiver alguma barreira, ela não vai aceitar, porque não está preparada para o “não”. Há pessoas que me perguntam: Os pais são maravilhosos, a vida é maravilhosa, então porque aquela criança não se tornou uma boa pessoa? Porque nunca teve dificuldade na vida, não teve noção de mundo, nem viu os limites do querer.
(En)Cena – Sabendo que o jovem pode ter momentos de descontrole, como podemos definir ações como bullying, muito presente nas escolas e outros círculos sociais?
Dr. Augusto César – O bullying é a índole de agressividade. Os amigos que estão assistindo o rapaz praticar o bullying até acha o máximo, mas depois vai ver que aquilo é horrível. O bullying se divide entre agressor, vítima e ouvinte. O agressor é aquele que comete o ato, a vítima é o que acometido pela agressor e o ouvinte são os cúmplices do ato, aqueles que apoiam o agressor. Os ouvintes apoiam até para não se tornarem vítimas. O bullying foi potencializado pelas redes sociais, o qual chamamos de cyberbullying, porque na internet o jovem perdeu a noção de espaço, não sente o mesmo pudor.
(En)Cena – Como explicar, clinicamente, a má formação da índole?
Dr. Augusto César – A má índole se desenvolve como uma fobia de não conseguir o que quero, não ser reconhecido como espero. O traficante quer o que? Demonstrar o poder dele para e na comunidade, até para se sentir protegido. Ter o reconhecimento que não teve na infância.
(En)Cena – A má índole pode ser camuflada de alguma forma pelo indivíduo?
Dr. Augusto César – A criança pode passar a vida inteira sem demonstrar o transtorno de conduta. O que é transtorno de conduta? É a falta de noção de limite entre os seres. Na ficção vemos muito isso. Inclusive, os filmes de ficção podem, sim, influenciar nas decisões do ser humano afetado pelo transtorno.
(En)Cena – Pode citar um exemplo?
Dr. Augusto César – O caso de Realengo, no Rio de Janeiro, é bem forte. Parece-me que ele se se baseou em um filme sobre terrorismo (“Nova Iorque sitiada”). O assassino se dizia mulçulmano, que era de uma seita, ou seja, se passou por um personagem, porque ficou provado que não era. Aí já temos um certo desvio de conduta.
Wellington Menezes de Oliveira, o assassino de Realengo (Divulgação: Polícia Civil – RJ)
Saiba mais:
Relembre o caso de Realengo. http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/e-preciso-investigar-sim-se-assassino-do-rio-tinha-vinculo-com-terrorismo-islamico/
“Precisamos falar sobre Kevin”: Gênese da psicopatia.http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4564&id_coluna=13
As crianças más do cinema. http://cinepop.virgula.uol.com.br/10-melhores-criancas-malvadas-do-cinema-3403