En(Cena) entrevista a psicóloga Geovanna Gomes
Geovanna Gomes, 24 anos, egressa do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, atualmente atuante na área da Avaliação Psicológica e Neuropsicológica e pós-graduanda em Neuropsicologia.
Nessa entrevista, Geovanna esclareceu dúvidas sobre o processo de avaliação dos pacientes pré-cirúrgicos, a partir de sua vasta experiência nesta área, uma paixão que começou enquanto ainda estava na graduação.
(En)Cena – A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) divulgou dados sobre cirurgia no Brasil. Em 2019 foram realizados 68.530 procedimentos, – 7% a mais do que em 2018 quando foram feitas 63.969 cirurgias. Tendo em vista a complexidade que é a decisão de realizar a cirurgia bariátrica a aplicação de testes psicológicos serve para complementar todo o levantamento de informações realizado na entrevista clínica e é de extrema importância, pois confere uma dimensão objetiva em relação ao estado psicológico do candidato. Sendo assim, como você define o processo de avaliação psicológica?
Geovanna – A avaliação psicológica é um processo feito apenas por psicólogos e abrange alguns instrumentos, métodos e técnicas na sua realização. Primeiramente tem a anamnese, sempre inicia uma avaliação psicológica fazendo a anamnese no candidato, geralmente o número de sessões de anamnese varia de acordo com a complexidade de cada caso, então a gente faz um levantamento sobre a vida do paciente sobre os motivos dele, o caminhar do paciente até o momento da decisão de realizar o processo cirúrgico. É geralmente uma entrevista semiestruturada que dá ao paciente uma maior liberdade para poder falar sobre seus sentimentos, motivos, etc. Depois de passar por esse processo de anamnese que já é um trabalho de vínculo com o paciente, ele precisa confiar na gente, ter uma boa ligação entre profissional e paciente, para que se sinta confortável durante todo o restante da avaliação, e minimizar ao máximo os sintomas ansiogênicos. Passamos então para o processo de aplicação de instrumentos, onde tem algumas escolhas não padronizadas (atividades que não tem um estudo científico estatístico e são utilizadas mesmo assim porque nos traz uma análise qualitativa) então quando é feita uma avaliação pensa-se tanto na parte quantitativa quanto na parte qualitativa onde entra a anamnese, observação clínica e essas outras atividades e instrumentos. Isso nos dá uma visão e uma amplitude, melhora a nossa análise dentro da avaliação. Eu costumo dizer que a avaliação tem esse tripé que é o que o paciente me traz, o que a família do paciente traz pois é muito importante ter também esse contato com a família do paciente, o que eu observo do paciente e o que os testes vão me dizer, e a observação em relação ao paciente inclui: postura, o que está sendo observado na aplicação dos testes. como o paciente está respondendo aos testes como ele se comporta na anamnese, como que é esse relacionamento familiar (pai, mãe, irmãos, esposo) porque é importante essa rede de apoio para o paciente pós cirurgia. Após todo esse processo descrito, é pedido um prazo para o paciente para que o documento seja produzido e tenha os resultados estruturados, quando o laudo psicológico é finalizado acontece uma explicação dos resultados para o paciente, onde será verificado se ele está apto ou não, geralmente eu não costumo escrever diretamente essa questão de aptidão pois acredito que tenha um peso muito grande, e o trabalho sempre é realizado em conjunto com médicos e outras profissionais, o que exige um parecer deles também. Por fim, sempre buscamos orientar o paciente que apresentou algum sintoma que discorde do necessário para a realização da cirurgia, sempre orientamos a busca do acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico. Assim, posso dizer que o mais importante dessa avaliação nem sempre é o processo em si, mas sim o momento da devolutiva onde é realizada toda a orientação, ajudando o paciente que ainda não mostrar coragem suficiente ou alguma dúvida, então sempre focamos muito no processo de orientação e na devolutiva do laudo.
(En)Cena – Pensando na gama de sentimentos e emoções que o paciente provavelmente estará sentindo em todo o processo de preparação, quais são os aspectos principais e mais importantes a serem avaliados nos testes e nas observações comportamentais?
Geovanna – Hoje em dia nós temos vários testes que nos possibilitam ter um norte sobre aspectos da personalidade, emocionais, comportamentais e cognitivos também de modo geral, e isso é muito bom pensando que essas ações fazem parte da nossa cognição. Eu acho muito importante sempre iniciar com um teste de inteligência e raciocínio para saber se o paciente está lúcido e consciente de uma forma cognitiva sobre a decisão que está tomando. Outra questão a ser avaliada é a questão da percepção, ou seja, se o paciente não tem nenhuma alteração relacionada a percepção visual, observar se ele tem alguma alteração de distorção da realidade, se está consciente do que está passando e se percebe o que está vivendo. Já no quesito de personalidade é possível avaliar tendência depressiva, transtornos ansiosos, mudança de humor, baixa autoestima, baixa motivação, desesperança. Esses aspectos são muito importantes, porque às vezes o paciente está empolgado naquele momento, mas é uma pessoa facilmente afetada por frustrações, isso já se torna um indicativo, então é necessário que o paciente esteja preparado para o pós-cirúrgico. Os sintomas de obsessão e compulsão também devem ser avaliados para entender se há uma compulsão alimentar ou até às vezes pensamentos obsessivos ou algum tipo de delírio.
(En)Cena – Por ser um processo delicado e irreversível precisa ser muito bem avaliado e detalhado, em média, quantas sessões são necessárias para concluir a avaliação?
Geovanna – Hoje o processo avaliativo precisa levar em consideração tudo o que já foi pontuado anteriormente, geralmente são necessárias de duas a três sessões de anamnese para poder entrevistar o paciente, a família e/ou rede de apoio e as pessoas mais próximas. Depois os testes que variam em média de cinco a seis sessões, e também a sessão de entrega do laudo que leva de duas a três sessões. Tudo depende muito do quanto o paciente vai querer falar, às vezes ele pode chorar, ficar emocionado, então o acolhimento também deve ser realizado. Sendo assim, no total temos uma média de oito a doze sessões, e o número varia de paciente para paciente.
(En)Cena – Sabe-se que é necessária uma equipe interdisciplinar para a preparação do paciente, nesse sentido, qual a importância de um profissional da psicologia envolvido nesse acompanhamento até o momento da cirurgia?
Geovanna – Todo profissional é importante nesse processo, mas eu acredito que o profissional da psicologia tem um peso em cima disso porque o paciente é sempre muito carregado de traumas e problemas emocionais, ansiedade ou depressão e também julgamentos, isso tudo acaba influenciando muito no pós-cirúrgico. Assim o profissional da psicologia vem justamente para isso, trabalhar autoconfiança, segurança, auto imagem, auto cuidado, tudo isso são ferramentas importantes e a gente busca trabalhar justamente isso fazendo com que o paciente tenha estratégias e mecanismos para enfrentar as próprias batalhas, tendo força e resiliência para isso. Não é possível mostrar o exato caminho para o paciente, mas podemos dar as ferramentas para que o paciente escolha, porque no final das contas independente por quais profissionais ele passe a responsabilidade e a decisão final sempre vai ser do paciente e a gente está justamente para orientá-lo nesse processo. O acompanhamento precisa ser feito tanto antes e precisa continuar sendo feito após a cirurgia porque o acompanhamento no processo pré-cirúrgico e a aptidão apontada pelos testes não anula o fato de que algo possa acontecer no processo pós-cirúrgico, muitas vezes ele pode se frustrar ou ter uma quebra de expectativa, então mesmo que todos os profissionais acompanhem esse paciente antes da cirurgia é importante que ele continue fazendo o acompanhamento no pós-cirúrgico, nós iremos ajudá-lo a enfrentar seus traumas e julgamentos sofridos ou a sensação de insuficiência e até mesmo a baixa autoestima, não podemos deixar de trabalhar com o paciente essa criatividade relacionada ao que fazer e como reagir caso algo acontecesse, ou caso aconteça algo que não seja como esperado sempre trazendo a realidade da situação pois será um processo complicado no pós cirúrgico e ele precisa ter em mentes essas diversas situações e até mesmo lidar com o fato de que o emagrecimento não acontece de forma tão rápida mas sempre ressaltando que existem formas de passar por isso de forma saudável e com acompanhamento adequado.
(En)Cena – Você já experienciou, após o acompanhamento pré cirúrgico, algum caso do paciente se arrepender de ter realizado a cirurgia? Se sim, quais foram as motivações para essa decisão?
Geovanna – Eu nunca presenciei um paciente que tenha se arrependido de ter realizado a cirurgia, o que eu já presenciei foi o caso de uma paciente que fez o acompanhamento psicológico antes da cirurgia, teve um processo pós-cirúrgico muito bom e de boa recuperação e estava indo muito bem, porém aconteceu a situação onde ela conseguiu realizar a cirurgia e ter abandonado todos os tratamentos, faltando a psicoterapia e deixando de fazer o acompanhamento com nutricionista e psiquiatra, deixou de usar as medicações por conta própria e isso trouxe um descontrole emocional para ela, voltou a comer de forma compulsiva e então começou a voltar com o quadro de aumento de peso até que ela conseguiu voltar do tratamento então assim houve essa oscilação mas porque a paciente ela negligenciou o tratamento pós-cirúrgico.
(En)Cena – Ao longo desses anos no processo de avaliação psicológica, já ocorreu de algum paciente fazer todo o processo avaliativo e optar por não realizar a cirurgia pois percebeu que não era aquilo que realmente queria?
Geovanna – Nunca aconteceu nas minhas experiências de o paciente ser apto e depois mudar a opinião para a cirurgia bariátrica passando processo de avaliação psicológica.
(En)Cena – Quais são os critérios avaliativos que deixariam o paciente inapto para a realização da cirurgia?
Geovanna – Todos os critérios avaliativos são importantes, porém quando se trata de inaptidão é importante avaliar quesitos como inteligência abaixo da média, é necessário que haja uma investigação pois ocorre o questionamento sobre o fato de que o paciente pode estar tomando essa decisão com responsabilidade e se sabe tomar as próprias decisões. A questão emocional também é muito importante, flexibilidade cognitiva onde o paciente tem dificuldade a se adaptar a novas situações tendo assim um comportamento muito rígido, e todas as sintomatologias relacionadas a ansiedade, imediatismo, depressão e também compulsão, tudo deve ser bem avaliado e investigado.
(En)Cena – Você acredita que os padrões de beleza e a pressão estética que existe em nossa sociedade são os principais fatores que levam a maioria dos pacientes a buscar pelo procedimento? Caso contrário, quais outros fatores têm uma forte influência nessa decisão?
Geovanna – De uma forma geral é possível dizer que sim, e na maioria das vezes os julgamentos acabam acontecendo por pessoas muito próximas, e sempre é necessário investigar se o paciente tem consciência de que a escolha pelo processo cirúrgico tem relação a pressão estética e padrões de beleza ou não. Existem pacientes que reconhecem e expõe o fato de que a busca pelo processo cirúrgico realmente é em função de padrões estéticos, mas o fator de saúde é muito importante e várias vezes o paciente já está muito debilitado e com diversas limitações, o que acaba influenciado, mas também se voltando para a questão estética.
REFERÊNCIA
SBCBM. SBCBM divulga números e pede participação popular para cobertura da cirurgia metabólica pelos planos de saúde. São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/sbcbm-divulga-numeros-e-pede-participacao-popular-para-cobertura-da-cirurgia-metabolica-pelos-planos-de-saude/. Acesso em: 07 out 2021.