18 de maio – comemorar o quê?

Falo aqui sobre Luta Antimanicomial a partir da vivência afetiva do ser humano. O afeto, enquanto expressão das emoções, expressa, comunicando, a maneira pela qual o homem integra-se numa vivência de ser que por sua vez não vejo motivo para caracterizar como, necessariamente, racional e ou consciente.

Para isso precisamos compreender, ampliando, o conceito de inconsciente. Ele está associado a um reservatório-criadouro de energias que, associando-se por meio da vivência corporal, ligam-se, por significação, a objetos, tanto corpóreos quanto simbólicos.

As energias seriam decorrentes da estimulação constante a que nossas células são expostas uma vez que são elas, em nível microscópico, que fazem todo o trabalho da vida, gastando e produzindo energia. E os nossos jeitos de ser é que vão balanceando a troca, pelos nossos costumes, hábitos, crenças, sociabilidade e um tanto de outros processos que merecem ser, em outro momento, listados, descritos e poetizados, ao invés de medicalizados ou psicologizados.

Todo saber tem sua própria ciência, seus próprios métodos, e, se o homem humaniza-se no trabalho, enquanto motor econômico e educacional, e, portanto cultural, ele, ao se doar a um trabalho que não forma, mas deforma (haja vista o grande crescimento das doenças ligadas ao trabalho e a medicalização do trabalho) está alienando-se de parte de sua humanização. Todavia não se há clareza de qual trabalho seja mais humanizante, ou seja, não se pode afirmar qual saber ligado às suas respectivas práticas faz uma sociedade ideal, se o psicológico ou o religioso, se o do curandeiro ou do pediatra; só sabemos que são muitos os saberes e as práticas que fazem as ideias e os ideais de todas as sociedades. Portanto, o paradigma do campo da saúde mental está ou coincide com o viver subjetivo.

Talvez seja mais coerente, portanto, dizer em criar as condições para os agrupamentos humanos discutirem o que é, por exemplo, saúde para elas. E tais condições são as satisfações básicas, o pensamento livre e o afeto desenvolvido… integralidade hoje é um termo vazio de sentido…é um tudo que não é nada. Se não se fala e nem se produz afeto no que fazemos não adianta inventar conceitos para nos humanizar. O tempo disciplinar gera alienação mesmo e o que mais fazemos é disciplinar nosso tempo, dentro mesmo dos CAPS. O que o SUS, por meio dos CAPS, está oferecendo hoje é, muitas vezes, somente um comércio de recursos entre entes da federação. Mas tal efeito é colateral; não é por descaso ou avareza humana necessariamente. A questão é que há a produção dos CAPS, elementos estratégicos para se trabalhar com a afetividade, mas as demais políticas de sociabilidade, e portanto da afetividade, estão deixando a desejar.

As pessoas imbuem-se mais em sofrimentos psíquicos, independente do SUS e de sua Política Nacional de Saúde Mental; sabem pouco lidar com o afeto, deprimem, entram em pânico, TABitizam, borderlinerizam-se, TDAHgatizam, DSMizam-se. É cult… igual iphone e ipad. A diferença que esses são interativos e produzem intuições enquanto aqueles são cascas que não nos deixam ver que a vida é muito mais simples do que imaginamos, somos apenas covardes e sem ritmo, ocupados demais para dançar. Não fazemos esportes, não fazemos comida, não trepamos, não cultivamos, não compreendemos, não sabemos decidir  e nem controlar nossas emoções doentes, não somos assertivos, não temos memória, nem atenção e nem afeto. Somos profissionais, que temos que lutar contra a pobreza e contra as garras das drogas, do capeta, dos maus gestores, dos pedófilos, dos assediadores da moral, dos incompetentes… todos os inimigos errados. Tudo conversa fiada. Temos que lutar mesmo é contra o fascismo.

Temos que lutar contra o fascismo. Contra mercados econômicos de formação que fazem ciências sem paradigmas, contra o roubo diário chamado Imposto, contra uma educação que não consegue otimizar nem 1/100 de nossa memória, de nossa atenção e de nosso afeto; contra uma sociabilidade individualista, que coloca uma criança dentro de uma escola por dez horas diárias e contra essa família cada vez mais desafetizada, onde pais relacionam-se com seus filhos, apenas por doenças e remédios. Temos que lutar contra a política que espalha drogas tarjas pretas no mercado, do Oiapoque ao Chuí, com todos os seus efeitos colaterais e proíbe o uso da maconha, planta que produz muitos benefícios ao ser humano. Temos que lutar contra a soberania militar, que pode tudo a qualquer hora… quem me diz que a ditadura acabou não sabe do que fala. Temos que ir duas mil pessoas de branco, de preto (não importa) ao Congresso e retirar, amistosamente, Renan Calheiros do Senado. Temos que lutar contra a concentração de riqueza – essa distribuição de bolsas não atinge nem perto os grandes malotes de riquezas roubados e-ou concentrados na mão de uma minoria sem criatividade, sem garra, sem preocupações de sustento, e com tantas outras descabidas.

Temos que lutar a favor da vida. A vida não é difícil como parece.  Basta-nos ter espaço, comida e interação social que gere trabalho e passe cultura, educando. Um sistema simples, que não precisa de shoppings, de câmaras e muito menos de partidos políticos. Aliás, precisamos lutar contra os partidos políticos… são as coisas mais inúteis, perniciosas e corruptas mesmo que obrigatórias em nossos sistema, não só eleitoral, mas de vida. São os partidos que gestam a verba pública. Os conselhos apenas brincam de gestão. A verba no SUS continua sendo mal gerida; o sofrimento mental está mudando de lugar e, sobre isso, ainda não concluo nada. As drogas continuam sendo o bode expiatório das mazelas e os engravatados realmente acham que esperamos eles decidirem se podemos ou não podemos fumar maconha. Quer saber, tudo isso é uma grande babaquice. Um país, um estado e um município em que não posso afirmar que fumo maconha sem causar problema e frisson são fascistas. Amo o Brasil, mas acho ridículo o tema “ORDEM E PROGRESSO”.  Vamos mudar esse nome para – LIBERDADE E EDUCAÇÃO.

É contra isso que luta a Luta Antimanicomial. Não sei se temos tanto a comemorar. Eu comemoro as conquistas solitárias de muitos CAPS; não comemoro pela nossa educação pública; não comemoro a Copa e nem as Olimpíadas; comemoro a festa em Porto Nacional; comemoro os Tccs protagonistas; comemoro os movimentos acadêmicos; não comemoro a medicalização e nem a falta de paradigma da Psicologia; comemoro os projetos nos editais de cultura e de saúde, comemoro os grupos no SEPSI, as atividades em Dianópolis, os grupos do Alteridade e os estudos de Psicanálise; não comemoro os impostos e nem os dízimos das Igrejas; comemoro a turma que discute a sustentabilidade, os exercícios de estruturação curricular, a poesia e os encontros; não comemoro o DSM e nem os diagnósticos classificatórios; comemoro as exposições fotográficas, os livros bons que são publicados, os filmes que nos afetam; não comemoro a repressão e nem a inflação; comemoro as boas aulas e não comemoro pelos erros em sala de aula; comemoro viagens, não comemoro prisões. Comemoro troca e não usurpação; comemoro o silêncio, o grito, mas não a falácia e a falação. Comemoro muitas outras coisas, e tantas outras não. Comemoro as amizades, a inveja não.

Em especial, comemoro os dois anos do (En)Cena, pela criatividade, dedicação, produção, arte, humildade e perseverança. Comemoro nossa afetação e nossas parcerias. Comemoro. Comemoramos.

Equipe (En)Cena, em um dos seus momentos de Luta, comemora o encerramento do Seminário Norte de Humanização em Manaus – AM, 2013.