Existem diversos relatos de atrizes e atores que nunca mais foram os mesmos após desempenhar determinados personagens, mostrando que a ficção afeta de várias formas a realidade de quem está ligado ao personagem
Seja no teatro ou no cinema, o desempenho do papel de um personagem é algo que não se encaixa com qualquer pessoa que o queira interpretar, nos levando assim a questionar o que torna uma atriz/ator boa/bom em determinado papel. Com os filmes de herói em alta, as críticas sobre papéis já desempenhados e que poderiam ter tido melhor performance, são um assunto presente no cotidiano de quem acompanha esse universo.
Em muitos casos os papeis desempenhados por essas atrizes e atores – em paralelo aos seus próprios estilos de vida pessoal – são motivos para as pessoas considerarem eles aptos ou não para vivenciarem certos papeis no cinema. Então, a experiência prévia, real ou fictícia pode ser algo que colabore para que um papel seja bem desempenhado.
Freud (1977 a) em sua obra “Personagens psicopáticos no palco” fornece análises de danças, poesia lírica, poesia épica, drama psicológico, comédia, tragédia em suas variações, e colocando que essas produções advém de conflitos dos seres humanos. Dessa forma, pode-se afirmar que os papéis desempenhados contém parte da vida pessoal de quem interpreta, ou seja, a atriz/ator revive uma experiencia anterior quando atua em algo novo.
Existem diversos relatos de atrizes e atores que nunca mais foram os mesmos após desempenhar determinados personagens, mostrando que a ficção afeta de várias formas a realidade de quem está ligado ao personagem ou a obra completa. Winnicott (1975) defende que a fantasia ajuda no desenvolvimento e na construção da própria identidade, e nesse sentido quem atua levará consigo parte do que interpretou ou viveu na obra.
Desta maneira se analisar um personagem, encontrará traços da personalidade de quem o interpretou. Pondé (2015) afirma que a produção artística carrega a marca do subjetivo e é fonte de informação sobre o âmago do autor, e logo apresenta de quem interpreta a mesma. Por mais que se siga um roteiro, quem executa o papel tem certa autonomia para encaixar o que se pede com a personalidade que o papel exige, e é aqui que entra a subjetividade.
Por outro lado podemos nos perguntar o porque gostamos de tal pessoa em determinado papel ou como ficamos impactados com determinada cena. Ao mesmo tempo em que assistimos um filme, memórias que nem imaginávamos ter, cruzam com essas novas informações que Kaufmann (1996) afirma estar no psiquismo dos espectadores.
Parte do sucesso de filmes pode vir de uma ligação que ocorre entre o personagem e o espectador e que Freud (1974) chama de projeção, que é uma atribuição de conteúdo da pessoa para o objeto externo. Isso proporciona uma expansão do imaginário facilitando um encontro entre o drama representado no papel com a vida real. Freud (1977) diz que a arte é uma realidade onde os símbolos são capazes de provocar sentimentos reais. Dessa forma, quando assistimos a um filme, é como se estivéssemos conhecendo uma parte nova de nós mesmos que nos é apresentada.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Personagens psicopáticos no palco. Vol. VII, Rio de Janeiro: Editora Imago, (Escrito em [1905 ou 1906]) (Trabalho original publicado em 1945), 1977 a.
FREUD, Sigmund. Interesse científico da psicanálise. Vol. XIII Rio de Janeiro: Editora Imago. (Trabalho original publicado em 1913), 1977 b.
FREUD, Sigmund. Totem e tabu. In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913), 1974.
KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de psicanálise – o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
PONDÉ, Danit Falbel. Cinema no divã. São Paulo: LeYa, 2015.
WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Trad. José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago 1975.