A relação entre afeto e aprendizagem escolar: estímulos e relações

“A aprendizagem não é apenas um processo cognitivo, é também afetivo”

 Vygotsky

Na área educacional a atenção que outrora era voltada para o que ensinar (disciplinas e conteúdos) hoje é direcionada para como ensinar (modus operandi). Muito importante quanto às metodologias ativas de ensino que hoje são muito incentivadas, é a forma de ensinar que deve contemplar um arcabouço de novas atividades. Essa didática inclui atenção na práxis pedagógica observando o lugar do afeto na construção do conhecimento.

Para iniciarmos esta discursão é interessante resgatar alguns princípios básicos de características do ser. Para Wallon (1979), a personalidade é constituída por duas funções básicas: Afetividade e inteligência. A afetividade está relacionada às aos processos sensíveis internos e é percebido de acordo com a interação social do sujeito, tendo seu reflexo direto na construção da pessoa; A inteligência por sua vez vincula-se às sensibilidades externas e está voltada para o mundo físico, para a construção do objeto. Nessa perspectiva adentramos em nosso estudo sobre as relações existentes na construção do ensino-aprendizagem escolar.

Este estudo direciona-se aos processos ligados aos resultados de aprendizagem em estudantes crianças e adolescentes. Sabe-se que nesta última faixa etária é percebida um número alto de reprovações ou déficits na aprendizagem acrescidos de relatos de estudantes sobre relacionamentos sem afetividade entre docente e discentes.

Nesta perspectiva observa-se que nas relações entre sujeito e objeto do conhecimento, quando há afeto, tem como produto o incentivo à empatia, a motivação no estudante, aguçando a curiosidade, alterando assim a sua capacidade de interação no processo de construção do conhecimento. Há aqui uma relação intensa entre emoção e razão, uma vez que enquanto professores, somos desafiados a lidar com o sucesso ou o insucesso da não aprendizagem. Ou seja, dependendo da quantidade de afeto dispensada na construção deste conhecimento os resultados de sucesso aparecerão.

Fonte: encurtador.com.br/amL03

É compreensível refletir sobre a complexidade que envolve a discursão sobre afeto e aprendizagem escolar, dada a riqueza do ser humano, que é um ser multidimensional e que tem seu desenvolvimento mediado por estas dimensões. Segundo a Resolução publicada na Emenda da Constituição de 7 de abril de 1999 da Organização Mundial da Saúde, incluiu o âmbito espiritual no conceito multidisciplinar de saúde, que agrega, ainda, aspectos físicos, psíquicos e social. A resolução vai de encontro com a complexa e intensa conexão entre mente com o corpo, cujo resultado é a integração do ser humano biopsicosocioespiritual. Nesta dimensão integrativa que iremos discorrer.

Grandes foram as contribuições nos estudos relacionados a psicogênese do desenvolvimento infantil com os autores Piaget, Vygotsky e Wallon, que trouxeram grandes significados neste enfoque da aprendizagem. Piaget discorreu sobre a consciência que o sujeito aprende interagindo com o objeto do conhecimento, na medida em que questiona sobre este. Vygotsky ampliou este conceito quando afirmou que os sujeitos interagem com os objetos do conhecimento mediados pelo outro, o sujeito também é o que o outro diz sobre ele, ao internalizar a imagem criada pelo outro. Já Wallon, se destacou quando relacionou o desenvolvimento afetivo do ser com o meio, a inteligência, a emoção e o movimento.

Segundo Mahoney e Almeida (2000, p. 17), a teoria Walloniana apresenta “conjuntos funcionais que atuam como uma unidade organizadora do processo de desenvolvimento.” Tais aspectos se relacionam entre si desencadeando a formação da pessoa única, singular.

Não é de hoje que a reflexão sobre o desenvolvimento da afetividade na sala de aula vem permeando os meios acadêmicos, pois relatos de fracassos escolares geralmente são ligados à falta de afeto, acolhimento ou de empatia no relacionamento professor x aluno. Situação que desencadeia um olhar de pesquisa mais apurada no sentido de estabelecer relações diretas:

[…] as relações de mediação feitas pelo professor, durante as atividades pedagógicas, devem ser sempre permeadas por sentimentos de acolhida, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro; tais sentimentos não só marcam a relação do aluno com o objeto de conhecimento, como também afetam a sua autoimagem, favorecendo a autonomia e fortalecendo a confiança em suas capacidades e decisões. (LEITE E TASSONI, P.20)

Fonte: encurtador.com.br/ezAGU

Para o autor, a relação ente afeto e aprendizagem marca o sucesso do ensino onde por um lado teremos um professor desenvolvendo sua didática com mais leveza e tranquilidade e por outro verificamos um estudante motivado e engrenado no foco da aprendizagem.

Para Wallon, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. Suas expressões marcam sentimentos, estados ou ações presentes nas crianças.  É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocional.

Nesta linha de pensamento o autor dedicou grandemente ao estudo da afetividade, adotando, além disso, uma abordagem fundamentalmente social do desenvolvimento humano. Buscou, em sua psicogênese, aproximar o biológico e o social. Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida psíquica, funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da criança com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao nascer, não tem

“meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu entourage” (Wallon, 1971, p. 262).

Fonte: encurtador.com.br/vDM78

Nesta linha de pensamento estão De La Traille, Oliveira, Dantas (2019) discorreram sobre as teorias psicogenéticas, suas relações com estímulos, afeto e aprendizagem, ressaltando a importância da afetividade na educação. O resultado desse estudo foi publicado em 2019 no livro chamado Teorias psicogenéticas em discursão, base teórica inicial para esse estudo. As análises dos três autores apontam para a relação saudável e verídica entre professor e aluno quando envolve a afetividade no ensino. Pode-se afirmar então que a comunicação afetiva é fundamental para uma educação efetiva.

Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade. Segundo o autor (1968), as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com componentes orgânicos. Dantas (2019) Traz este aspecto quando relata sobre a coordenação sensório-motor que começa pela atuação sobre o meio social antes de poder modificar o físico. O contato com este na espécie humana nunca é direto, é sempre intermediado pelo meio social, nas dimensões interpessoal e cultural. Ainda de acordo com a autora, a palavra carrega a ideia assim com o gesto carrega a intenção.

Como se pode verificar, Wallon (1968) defende que durante o processo de desenvolvimento do indivíduo, a afetividade tem um papel fundamental e decisivo na vida da criança. Na primeira infância tem a função de comunicação e interação com o mundo e à medida que esta criança cresce e entra na fase escolar, tal afetividade pode ser evidenciada pela sua aprendizagem positiva ou negativa. Concordo com o autor, uma vez que durante o processo pedagógico observa-se vários valores que devem serem respeitados para que haja sucesso no ensino-aprendizagem, um deles é a pedagogia assertiva e com afeto.

Não é difícil de lembrarmos das histórias contadas dos períodos anteriores onde a educação era pensada e elaborada de forma rígida, onde os padrões não eram nem de longe um ensino moldado de acordo com a subjetividade humana, mas de acordo com a dispensação do saber apenas. Ou seja, a ideia era “passar” o conhecimento e não construir este conhecimento. É nesta visão de construção do conhecimento que se destaca o ensino com afeto, onde o estudante é visto num aspecto de sua integralidade. Dessa relação sadia, a criança passa de um estado de total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está presente, permeando a relação entre a criança e o outro, constituindo elemento essencial na construção da identidade.

Fonte: encurtador.com.br/wyzVX

Da mesma forma, é ainda através da afetividade que o indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o seu avanço. São os desejos, as intenções e os motivos que vão mobilizar a criança na seleção de atividades e objetos. Para Wallon (1978), o conhecimento do mundo objetivo é feito de modo sensível e reflexivo, envolvendo o sentir, o pensar, o sonhar e o imaginar.

A afetividade no desenvolvimento humano, especialmente na Educação, envolve o olhar a criança estudante como m ser capaz de ter autonomia na construção do conhecimento e nas resoluções de conflitos em suas interações com o meio social. Nessa perspectiva o afeto entre professor e aluno colabora no desenvolvimento do estudante a amplia as possibilidades de aprendizagem significativa deste aluno. Nesta relação o professor é entendido como um agente necessário que age como um mediador facilitando o processo de convivência e aprendizagem entre o sujeito estudante e a escola.

Vygotsky (apud Oliveira, 1992) defende que o pensamento “tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta dimensão estaria a razão, sendo assim uma compreensão do pensamento em sua totalidade só seria possível quando se entende a sua base afetivo volitiva do ser humano. Para o autor o conhecimento do mundo objetivo só acontece quando desejos, interesses, e motivações estão alinhados com a percepção, memória, pensamento, imaginação e vontade, em um encontro dinâmico entre parceiros (Machado, 1996).

A percepção de Vygotsky sobre os estímulos da aprendizagem está alicerçados nos parâmetros de atividades afetivas que observam o homem em sua totalidade social, psicológica e antropológica. Sua compreensão da Psicologia sócio-histórica nos permite enxergar com total clareza os estímulos gerados na educação afetiva. Tal fato se deve a sucessos de aprendizagens significativas onde os aprendentes relatam seus casos de amores com a escola, com os docentes que se colocavam como verdadeiros facilitadores de conhecimentos, conseguindo a proeza de empurrar alunos pra voos altos e cada vez mais altos, alunos esses que se tornaram amantes do conhecimento.

Goleman (1997), ao desenvolver o conceito de inteligência emocional salienta que aprendemos sempre melhor quando se trata de assuntos que nos interessam e nos quais temos prazer.

Concordo com o autor citado quando traz o estímulo à aprendizagem a motivação gerada pelo afeto. É inegável a bela relação da aprendizagem e afeto, quando se observa o prazer explícito para aceitar o conhecimento, a instrução e a construção deste em sala de aula. Deduz-se que o contrário possa ser verdadeiro quando aplicado à situação semelhante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se então que na relação de ensino aprendizagem há fatores que influenciam diretamente positivamente os resultados.

É evidente que os apontamentos científicos colaboram para um ensino literalmente mais humanizado. Tal fato acontecerá quando a formação de professores contemplar saberes voltados aos temas da inclusão, da complexidade e da transdisciplinaridade. Sabe-se que a interação afetiva auxilia mais na compreensão e na modificação das pessoas do que um raciocínio brilhante, repassado mecanicamente. A afetividade, no processo educacional, ganha aplausos na sociedade onde busca-se ter resultados significativos a produções repetitivas e mecanizadas. Assim como o aluno precisa aprender sendo feliz, descobrir o prazer de aprender, os educadores têm o dever de ser feliz em sua práxis e contagiar os educandos com a maneira ímpar de facilitar e construir o conhecimento.

Vygotsky e Wallon descrevem o caráter social da afetividade, sendo a relação afetividade-inteligência fundamental para todo o processo de desenvolvimento do ser humano. É fato que cabe ao professor em sua arte de ensinar fazer a integração entre a razão e a emoção, transmitindo com exemplo a sua didática com afeto. Ao estudante por sua vez cabe receber a atitude e responder em sua devida proporção com uma aprendizagem assertiva. Nesta “dança educacional” o estudante se espelha no trabalho impecável do docente e o docente contempla com felicidade o resultado do seu trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. R. S. (1997) A emoção e o professor: um estudo à luz da teoria de Henri Wallon. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 13, n º 2, p. 239-249, mai/ago.

DANTAS, H. (1992) Afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda.

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Lisboa: Temas e Debates, 1999

LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TASSONI, Elvira Cristina Martins. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. Disponível  em A afetividade em sala de aula: (unicamp.br) Acesso em 25 de setembro de 2021.

LE TRAILLE, OLIVEIRA, DANTAS, (2019) Piaget, Vigotski, Wallon: Teoria Psicogenéticas em discursão. São Paulo: Ed. Summus.

MACHADO, M. L. A. (1996) Educação infantil e sócio interacionismo, em Oliveira, Z. M. R. (org.). Educação Infantil, muitos olhares. São Paulo: Cortez.

MAHONEY, Abigail A.; ALMEIDA, Laurinda R. de, Henri Wallon – Psicologia e Educação. Edições Loyola, são Paulo, Brasil, 2000.

MAHONEY, A. A. (1993) Emoção e ação pedagógica na infância: contribuições da psicologia humanista. Temas em Psicologia. Sociedade Brasileira de Psicologia, São Paulo, n º 3, p. 67-72.

OLIVEIRA, M. K. (1992) O problema da afetividade em Vygotsky, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda

WALLON, Henry (1973/1975). A psicologia genética. Trad. Ana Ra. In. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa (coletânea)

World Health Organization. Amendments to the Constitution. April, 7th; 1999.

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