Além do Ocidente: Práticas do Bem Viver nos Estudos Decoloniais

O conceito de “Bem Viver” em que iremos discutir neste texto é arraigado por uma perspectiva que proporciona a chance de edificar uma sociedade diferente, fundamentada na convivência cidadã marcada pela diversidade e harmonia com a natureza, por meio do entendimento dos variados povos presentes no território e globalmente e tem se demonstrado como uma relevante vertente, de origem latino-americana, que se contrapõe às filosofias hegemônicas que dominam a racionalidade ocidental contemporânea (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

Citado por Bontempi, Camargo Neto & Alvarado (2022), Acosta (2016, p.69) evidencia que, “O Bem Viver” apresenta-se como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de vida, “é, por um lado, um caminho que deve ser imaginado para ser construído, mas que, por outro, já é uma realidade”. De tal modo o “Bem Viver se denota um pilar fundamental para novas perspectivas acerca de novas práticas decoloniais nos territórios da América Latina”. Tendo em vista que urge necessidades quanto às questões ambientais e as suas práticas danosas ao bem estar da sociedade, a decolonialidade é um pilar fundamental para a sobrevivência da humanidade e da natureza.

No que com Escobar (2018), nos apresenta é evidente que hoje enfrentamos um mundo sendo transformado por mudanças climáticas antropicamente aceleradas, evidenciado pelas duas últimas partes publicadas do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2021; 2022). Nessa tese, os seres humanos estão diante da imperativa necessidade de questionar o prejudicial modelo de desenvolvimento que atualmente guia a política econômica dos Estados capitalistas. Torna-se crucial envolver-se com alternativas que não incentivem a devastação ambiental. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

                                                                             Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil

Em sua perspectiva, Gudynas (2014) o Bem Viver tem uma função de servir como alicerce para posturas críticas e alternativas em relação aos avanços modernos. Logo mais, Acosta (2016, p. 76) destaca que, na visão de José María Tortosa “o Bem Viver é uma oportunidade para construir outra sociedade, sustentada em uma convivência cidadã em diversidade e harmonia com a Natureza, a partir do conhecimento dos diversos povos culturais existentes no país e no mundo”. Nesse caso, ao atribuir valor ao conhecimento desses povos, não se trata de uma proposta de “retorno à idade da pedra” ou a uma época primitiva, tampouco de negar a tecnologia – interpretação equivocada que alguns críticos podem fazer. Pelo contrário, a ideia é incorporar valores e estruturas sociais significativas que destacam a interconexão entre a sociedade humana e a natureza. Isso visa assegurar que a relação entre ambos permaneça equilibrada, possibilitando, assim, a prosperidade da humanidade. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

O Bem Viver, portanto, é uma “alternativa ao desenvolvimento, é uma proposta civilizatória que reconfigura um horizonte de superação do capitalismo” (Acosta, 2016, p. 76). É crucial ressaltar que o conceito de “Bem Viver” emerge como parte de um processo que impulsionou e fortaleceu a luta pela reivindicação dos povos e nações, alinhado com iniciativas de resistência e construção por parte de diversos segmentos de populações marginalizadas e periféricas. (Acosta, 2013). O conceito de “Bem Viver” é intrinsecamente subversivo, sugerindo abordagens decolonizadoras em todas as esferas da existência humana. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

Sendo assim, o “Bem Viver” se apresenta como um alicerce essencial na edificação de práticas decoloniais para a América Latina, conforme discutido anteriormente. Em síntese, esse movimento visa introduzir perspectivas diversas que desafiam a lógica de desenvolvimento linear global imposta pelas potências dominantes e colonizadoras. Ao adotarmos e aplicarmos a cosmovisão do “Bem Viver”, nos engajamos nos diálogos decoloniais e buscamos coletivamente alternativas socioambientais de experiências contra-hegemônicas. Isso amplia as possibilidades de sobrevivência diante de desafios como as mudanças climáticas.(Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

As iniciativas do “Bem-Viver” não devem ser limitadas apenas a ações voltadas para o campo ou áreas menos urbanizadas, uma vez que a cidade também requer atenção e uma reformulação de seu funcionamento sob os mesmos princípios. Finalmente, ainda enfrentamos muitos desafios. Conforme destacado por Acosta (2016), não existe uma única visão do Bem Viver. Este conceito não representa uma proposta monocultural; é, na verdade, plural – uma expressão de “bons conviveres”. Originário das comunidades indígenas, o Bem Viver não nega as vantagens tecnológicas do mundo moderno nem as contribuições de outras culturas e saberes que questionam diferentes pressupostos da Modernidade. Contudo, apesar dessa diversidade, o Bem Viver implica em profundas rupturas culturais, sua formulação é sempre provisória, sujeita a diversas provações e explorações, repleta de erros e acertos. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Alberto. El Buen Vivir, Más Allá Del Desarrollo. In: RAMOS, Gian Carlo Delgado (Organizador). Buena Vida, Buen Vivir: imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, 2014. 447 p.

ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016. 264p.

Bontempi, R. M., Camargo Neto, L. de, & Alvarado, H. É. dos R. (2022). Bem Viver: Movimento estrutural para o estudo decolonial na América Latina. [Conferência]. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pandêmico.

ESCOBAR, Arturo. Designs for the Pluriverse: radical interdependence, autonomy, and the making of worlds. Durham: Duke University Press, 2018. 158 p.

GUDYNAS, Eduardo. El postdesarrollo como crítica y el Buen Vivir como alternativa. In: RAMOS, Gian Carlo Delgado (Organizador). Buena Vida, Buen Vivir: imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, 2014. 447 p.

IPCC. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2022. [S.l.]: https://www.ipcc.ch/report/sixth- assessment-report-cycle/, 2022.

IPCC. Climate Change 2021: The Physical Science Basis. [S.l.]: https://www.ipcc.ch/report/sixth- assessment-report-working-group-i/, 2021.