O fenômeno do telejornalismo jornalismo midiatizado dos últimos tempos tem sido Rachel Sheherezade. Entendo por telejornalismo midiatizado como uma estratégia bem elaborada que traz alguns elementos característicos: o (a) jornalista como um ator-atriz com rosto jovem e bonito, traços e cacoetes bipolares, retórica sedutora e capacidade para ancorar e provocar polêmicas das mais variadas situações; a notícia é editada de forma apressada permitindo ao final caras, bocas e entonação de voz aprovadora ou condenadora; cenário e iluminação que fogem ao azul-jambo pardo dos que já se condicionaram à estética da rede de TV considerada mais poderosa no país e, por fim, a extensionalidade da personagem construída pelos processos midiáticos para convergir em multiplataformas comunicacionais disponíveis na atualidade (da TV até blogs, bloguetes e grandes redes sociais).
Sheherezade cumpre muito bem este cardápio estabelecido. Por detrás dele, recordo Eliseo Verón, um estudioso argentino radicado na França, ao trazer em décadas passadas a reflexão sobre as gramáticas de produção e de reconhecimento de sentidos. Sheherezade expressa uma gramática de produção de sentidos para o contrato de leitura audiovisual que os telespectadores que possuem inúmeras gramáticas de reconhecimento daquilo veiculado por ela e rede de representação. Recordemos, também, desculpem-me pelo tom “aulesco”, das reflexões que Martín-Barbero, outro estudioso da Comunicação, levantou a partir das teorias da recepção. A cada segmento sócio-cultural e seus espaços sócio-políticos situados mil e, das múltiplas possibilidades de ancoragem nas mensagens para as interpretações diferenciadas.
Rachel Sheherezade é uma versão também inteligente de Sherazade (Xerazade), sim, aquela esposa do rei traído que a cada nova esposa cortava-lhe a cabeça no dia seguinte à noite que passavam juntos. Sherazade contava uma história que o distraía, deixava ganchos e acumulava-o de curiosidades. A jornalista Sheherezade utiliza-se dessa artimanha, ela conseguiu trazer a ideia de rei para o povo. Aqui moram questões para estudos acadêmicos e atenções aos riscos políticos, porque desperta paixões e pode conclamar mais às irracionalidades latentes da população.
A esposa pela mídia não busca o convencimento dos seus opositores e nem aliados, ela deseja despertar a indiferença do rei. Um rei adormecido que pode despertar ensandecido com práticas totalitárias e revanchistas, a espelhar e devolver o que os poderes executivo, legislativo e judiciário têm-lhe deixado de fazer. O conservadorismo romântico fascista ai reside.
Cutucadas e posts de Facebook contra ou a favor apenas desafogam os egos dos “faiceiros” fashionistas. As mil e uma caras de Sheherezade chegam às casas pelas TVs e pelo boca a boca. O fenômeno passa, quem se recorda de Casoy como “Isto é uma vergonha”. Mas dessa vez, um povo-rei pode se levantar e colocar mais déspotas iluminadamente esclarecidos no poder.
(Fonte: Domínio público/ Internet)
Sheherezade chega aos lares convencionais, aos postos de gasolina, às farmácias, até às prisões femininas… Por um acaso, quantos de vocês sabem o número de TVs de 14 polegadas existentes em celas das prisões? Quais os significados de direitos fundamentais constitucionais que esta hipodérmica agulha midiática está contribuindo para engendrar? A jovem senhora circula entre os campos da comunicação e da política (é servidora licenciada do Tribunal de Justiça da Paraíba), de uma forma ou de outra, também sabe manejar algumas táticas para estabelecimento de habitus a la Bourdieu…
Está na hora, de regionalmente, também, chamar o pessoal inteligente e comprometido das Academias, gente que pensa da mídia local, Ministério e Defensoria Públicos, Magistratura e representações políticas como a dos movimentos sociais “menos festeiros” para ESTUDAR esses fenômenos e dar respostas mais concretas, Sheherezade é apenas um dispositivo, que se continuar bem acionado construirá escola ultraconservadora.
Enquanto ela tem mil facetas nós temos apenas uma, bem daquele estilo: “Notícia, vem cá… senta no meu sofá que vou falar sobre você.” Em tempos de multiplataformas de ancoragem ser anzol não funciona.
Em contraponto ao dito por Foucault – Eu penso em As mil e uma noites: falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo deste desenlace que deveria fechar a boca do narrador – agora, fala-se, narra-se no prime time para adiantar o momento em que a boca do receptor deve se abrir… o problema é em quais circunstâncias isso ocorrerá.