“O povo brasileiro tem uma longa experiência no combate permanente que trava com as classes dominantes, visando obter o triunfo da democracia (não a democracia burguesa formal, mas aquela que
mais de perto diz respeito à realidade econômico-social) e,
simultaneamente, objetivamente chegando ao aniquilamento
do imperialismo e do latifúndio”
(Carlos Marighella)
Mas afinal o que a Copa do Brasil 2014 tem a ver com ditadura empresarial/militar e com a democracia brasileira? Acreditamos que essa deve ser a primeira pergunta que aparece quando lemos ou ouvimos alguém relacionar temas, tempos e espaços tão diferentes e distantes a primeira vista.
Desde Outubro de 2007 quando foi oficializado que a copa do mundo de 2014 seria realizada no Brasil, povo brasileiro teve a promessa por parte do então presidente da república Luis Inácio Lula da silva da não utilização de verbas públicas para sediar a copa do mundo, mas não é isso que está acontecendo, vide Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (S/D).
Quando foi mesmo que o povo brasileiro foi consultado sobre o investimento de verbas públicas para construção de estádios e rodovias ao invés de hospitais, creches, escolas, universidades, transporte públicos de baixo custo e de boa qualidade, reforma urbana, reforma agrária, sistema público de saúde de qualidade boa?
Segundo consta no Portal Popular da Copa e das Olimpíadas, só o governo municipal do Rio de Janeiro gastou 1,6 bilhões com a rodovia “Transcarioca”.
[…] Maracanã é emblemático. De 1999 a 2006, cerca de R$ 400 milhões foram gastos pelo governo do Rio de Janeiro em reformas que prometiam deixar o estádio pronto para o chamado “padrão FIFA” e para a Copa de 2014. Em meados de 2010, no entanto, o Maracanã foi novamente fechado para “reformas” para o mundial. Na realidade, o estádio foi praticamente implodido, permanecendo apenas sua estrutura, tombada pelo patrimônio histórico nacional. A reconstrução sairá a um custo total estimado em R$ 1 bilhão, mas que será provavelmente superado. (DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, S/D, p. 12).
Gawryszewski e Penna (S/D) fazem uma análise do que tem representado os megaeventos esportivos e concluem que seu caráter mercadológico, aceleram a circulação e expansão do capital, constroem grandes estruturas que se convertem em desocupação e muita miséria no cotidiano das populações atingidas pela obras “[…] a ampliação fetichizada do consumo capitalista totalmente descolada das necessidades humanas […] (p.01).
“Não existe” nada de boas intenções no deslocamento dos megaeventos esportivos dos países capitalistas desenvolvidos como Estados Unidos da América do Norte (Copa de 1994), França (Copa de 1998), Correia do Sul e Japão (Copa de 2002), Alemanha (Copa de 2006). Precisamos ficar muito atentos para as mudanças na “escolha” de países sedes para estes megaeventos a partir de 2008 – ano que marca uma nova crise cíclica estrutural do capitalismo, pois a intenção é taxativa, lucro sobre lucro.
Houve um direcionamento para os países ditos “em desenvolvimento”, essa expansão geográfica faz parte da estratégia do capitalismo de “se livrar” do excedente de capital produzido o quanto antes para que este não se desvalorize, fazendo assim, com que as taxas de lucros diminuam consideravelmente, Gawryszewski e Penna (S/D).
Sendo assim, a lógica capitalista – incontrolável e incorrigível – não permite a humanização dos megaeventos esportivos e do esporte de rendimento, pois os mesmos como vimos, não são produzidos para atender as necessidades da classe trabalhadora. Sem a superação do próprio modo de produção, reprodução e organização capitalista não “endireitaremos” nem o esporte muito menos os megaeventos esportivos. (RAMOS e LUDUVICE, 2013, p. 05).
Mas falar de megaevento esportivo no Brasil e não falar do papel que a Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA– a Confederação Brasileira de Futebol[1] – CBF, o Comitê Olímpico Internacional – COI e o Comitê Olímpico Brasileiro vêm cumprindo é negar que sabemos que os mesmo são agentes tenazes do capital internacional[2].
Essas entidades segundo Vainer (2013) recebem do governo Federal, Estaduais e Municipais isenções de impostos, monopólios de espaços públicos, monopólio de equipamentos esportivos construídos com verbas públicas, os mesmo se dizem neoliberais, mas adoram um estado intervencionista para suas necessidades.
Todavia para nós o que existe de pior nestas concessões dos governos brasileiro é a Lei Geral da Copa, pois a mesma é uma “ultra-mega-violação” aos diretos do povo brasileiro, como por exemplo, violação explícita ao estatuto do torcedor que ferem o direito do consumidor, remoções forçadas, usurpação do direito de ir e vir, implementação de uma política implícita de “limpeza étnico-social”, Vainer (2013).
Essas são algumas das milhares infrações que o governos municipais, estaduais e federal tem cometido a mando das entidades citadas anteriormente e seus megaeventos esportivos, o rasgar da constituição pelos militares em 64 tem sido algo comumente feito pelos governos posteriores e o governo PT/Lula/Dilma infelizmente não foge a regra.
Por tudo que expomos até aqui é que entendemos que o sistema político brasileiro é a “caixa preta” do poder no Brasil, pois é a partir das instituições como o poder executivo, legislativo e judiciário que o poder se materializa contra o povo. Como esses três poderes parecem “pairar” sobre as nossas cabeças como entidades sobrenaturais sem possibilidade de controle por parte do povo, todas as nossas necessidades históricas continuo sem ser saciadas.
A questão mais importante, a fundamental, é a questão do poder. Os revolucionários no Brasil não podem propor a uma outra coisa senão a tomada do poder, juntamente com as massas. Não porque lutar para entregar o poder à burguesia, para que seja construído um governo sob a hegemonia da burguesia. Foi o que se pretendeu com o governo nacionalista e democrático. E o que se pretende agora, propondo-se a conquista de um ‘mais ou menos avançado’, eufemismo que traduz a esperança num governo sob hegemonia burguesa, fadado a não resolver os problemas do povo. (MARIGHELLA, 2013, 227).
Tanto quanto em todos os outros momentos da história da sociedade civil e do Estado brasileiro a burguesia nacional – latifundiários, empresários, banqueiros – além de não ter interesse em mudanças estruturais não tem um projeto que supere a atual situação do povo brasileiro “[…] as classes dominantes nada tem a oferecer — ou dominação ou caos. O que fazer diante da miséria? O que fazer com o desemprego crescente? O que fazer com o papel das forças armadas? O que fazer com a propriedade, a iniciativa privada e o Estado?” (FERNANDES, 1989, p. 05).
Precisamos apontar para algum lugar, pois entendemos que o lugar que ocupamos atualmente não é nem mesmo de longe o lugar mais avançado para o povo brasileiro.
Retornar ao trabalho de base que faça avançar a consciência política do povo brasileiro nos subsidiando na construção do reacenso das lutas de massa. Mas não podemos nos furtar a disputa do poder, por isso entendemos que precisamos ter uma pauta política e neste momento essa pauta baliza-se pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político proposto pelos Movimentos Sociais brasileiros desde Setembro de 2013[3].
A cada dia fica mais evidente para o povo brasileiro que as mudanças almejadas não virão pela via eleitoral, pois a mesma é sustentada por um sistema político arcaico, e que como vimos, foi construído para ser o que está sendo.
A campanha eleitoral teve esse alvo: difundir a ideologia dos estratos dominantes das classes burguesas. Assim, ampliam e aprofundam sua coisificação, iniciada nas fábricas, prolongada nas escolas e nas igrejas, completada nos sindicatos e nos partidos comprometidos com o melhorismo, o obreirismo pacífico, a alienação refinada e aguçada graças ao consumismo de massa e à indústria da comunicação cultural.” (FERNANDES, 1988, p. 86).
Se verdadeiramente queremos alcançar a democracia direta participativa que nos proporcione tomar em nossas mãos o poder de decidir sobre a utilização de nossas riquezas estratégicas e assim fazer acontecer as reformas estruturais que historicamente foram negadas como a reforma agrária, a reforma urbana, reforma tributaria, a democratização dos meios de comunicação, a qualificação da educação e da saúde pública, um transporte público gratuito e de qualidade, precisamos lutar por uma Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana para mudar o sistema político Brasileiro.
Como nos diz Saviani (2012), uma sociedade verdadeiramente democrática requer necessariamente o acesso ao que a humanidade produziu e acumulou de mais avançado durante toda a história civilização, o domínio da cultura constitui-se como instrumento indispensável para a participação política do povo brasileiro, sendo assim, nossa compreensão é que esse acesso só será possível se o poder estiver nas mãos do povo brasileiro.
Todo fundamento da lei deve estar remetido à produção e reprodução da vida humana concreta em comunidade (DUSSEL, 2000), e é esse o fundamento de toda comunidade política para considerar justa ou injusta uma lei, legítima ou ilegítima uma instituição política. Esse foi o fundamento dos protestos da juventude brasileira, e a reforma política, feita por um poder instituinte legítimo (daí a necessidade de uma Assembléia Constituinte exclusiva e soberana), deverá criar mecanismos políticos para viabilizar uma democracia participativa, que permita ao povo fiscalizar o poder instituído, e ter meios de participação democrática para externalizar demandas que deverão ser atendidas por seus representantes, a partir do exercício do poder obediencial. (DIEHL, 2014, p. 85).
Portanto entendemos e defendemos que nem de longe vivemos um período como o do regime empresarial-militar ditatorial[4], que existe sim um aproveitamento por parte do governo neodesenvolvimentista do PT da Copa do Mundo – dos megaeventos esportivos – como forma de dinamizar a economia, mas que nem de longe supera as misérias da vida do povo brasileiro.
Mas isso nos faz lembrar Harnecker (2004) Saviani (2012) quando falam sobre os cuidados de não confundir o primário/central com o secundário. Pensemos juntos, se o “programa máximo” do “não vai ter copa” fosse materializado e a Copa do Mundo 2014 fosse cancelada, os jogos não acontecessem os turistas não conseguissem chegar ao Brasil, o que mudaria na vida do povo brasileiro? Passaríamos a ter uma correlação de forças favorável? Teríamos mais participação popular no congresso? A consciência política do povo brasileiro daria um salto qualitativo? Qual seria o projeto político a ser seguido?
Entendemos também que se repete como dantes a “anulação” dos direitos Constitucionais, mas que as “jornadas de junho” impulsionadas pelas contradições do Governo PT nos permitiram adentrarmos num novo período nas lutas massa no Brasil que não podemos chamar ainda de acenso, mas que nos tirou do descenso.
Sendo assim está colocada a oportunidade de explorarmos as contradições do atual período rumo a construção de um projeto Popular para o Brasil, pois como nos diz Florestan Fernandes “A emancipação dos oprimidos e das classes trabalhadoras precisa começar dentro da sociedade civil e do Estado existentes […] […] O que se coloca em questão não é o ponto de chegada; é o ponto de partida”. (1989, p. 04).
Referências:
DIEHL, Diego Augusto. A constituição inacabada e a reforma política: aportes desde a política de libertação. In Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. 2014. Disponível em<http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/> Acesso em 20/05/2014.
DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA: megaeventos e violação dos direitos humanos no Brasil. S/D.
FERNANDES, Florestan. A Constituição como projeto político. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1(1): 47-56, 1.sem 1989.
____. A percepção popular da Assembléia Nacional Constituinte. 1988 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200010> Acesso em 01/10/2013.
GAWRYSZEWSKI, Bruno; PENNA, Adriana Machado. O esporte na sua expressão contemporânea: vias de expansão do capitalismo monopolista. (S/D, a). Disponível em
<http://www.ifch.unicamp.br/cemarx/coloquio/Docs/gt4/Mesa2/guerra-ou-paz-o-esporte-como-producao-destrutiva.pdf> acessado em: 15/01/2011.
HARNECKER, Marta. Estratégia e Tática. 1° ed. Expressão Popular, São Paulo, 2004.
MARIGHELLA, Carlos. Carta à comissão executiva do partido comunista brasileiro. In. PINHEIRO, Milton; Ferreira, Muniz (org). Escritos de Marighella no PCB. São Paulo: ICP; Rio de Janeiro: FDR, 2013.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. – Campinas, SP. Autores Associados, 2012.
SILVA, Jeffirson Ramos da; LUDUVICE, Paulo Vinicius Santos Sulli. Educação física:reafirmando posições no campo da cultura corporal em época de megaeventos esportivos. Anais Eletrônico do V Encontro de Educação Marxismo e Emancipação Humana – EEMEH, 2013.
VAINER, Carlos. Quando a cidade vai às ruas. In MIRICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1° ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.
[1]Para não dizer que não falamos em capacho dos militares temos no atual presidente de Confederação Brasileira de Futebol – CBF a representação personificada em José Maria Marin, o mesmo foi governador biônico de São Paulo, cúmplice no assassinato de Vladimir Herzog. Se diz fã declarado do torturador e assassino Fleury delegado Dops, Vide mais na crônica “Os bastiões do atraso” de Luiz Ricardo Leitão no Jornal Brasil de Fato, Ano 11 número 566 de 02 a 08 Janeiro de 2014.
[2]Vide http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/ehttp://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=itemlist&task=tag&tag=gastos%20p%C3%BAblicos
[4]Para aquele/aquela que duvidam destas diferenças vide “A esquerda e o golpe de 64” de Dênis de Morais Expressão Popular.