Bauman: a globalização e o mal-estar na pós-modernidade

o mundo que se move

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O período da pós-modernidade é essencial para entendermos os livros “Globalização: as consequências humanas” e “O mal-estar da pós-modernidade” e assim relacionarmos as linhas de pensamento de Bauman. Na pós-modernidade o mundo existe de maneira instável, onde tudo é imprevisível. Antes desse período se vivia na modernidade, podendo-se desfrutar uma vida mais estável em alguns aspectos como o estilo de vida. A mudança de um período para outro ocorre graças a todo um aparato tecnológico e social. A globalização, comunicação eletrônica, narrativas curtas, fluidez e extraterritorialidade são alguns desses motivos. Troca-se um estilo de vida onde as pessoas primavam por uma permanência em um local, diferente do que ocorre hoje, onde há dezenas de mudanças.

Portanto, o ser humano passa por profundas mudanças decorrentes dessa transição de período. Essas mudanças são as que causam o que Bauman denominou de mal-estar pós-moderno. Algumas características desse mal-estar são: incerteza, insegurança, ansiedade, medo, além de diversos outros problemas que assolam tal período. Há ainda uma busca exacerbada pela individualidade, deixando de lado a preocupação com quem está ao redor. Essa busca além de impossível de se realizar com eficácia torna o homem mais egoísta, trazendo para o período ainda mais instabilidade. Essa instabilidade ocorre pelo fato de o indivíduo necessitar de uma plateia, mas está não pode o odiar, deve antes torcer pelo mesmo.

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Nesse período as relações são menos duradouras, diferente do que ocorria na modernidade. Se junta a essas relações curtas a dificuldade de se estabelecer amizades duradouras, colocando o homem só em meio a tudo. Em muitas situações há ainda a dificuldade de se formar uma família estável. Se por um lado o homem alcançou níveis de instrução grandiosos, em contrapartida ele se tornou solitário e incapaz de ser totalmente feliz no período em que vivemos.

Possivelmente esse período pode deixar de existir, caindo inclusive na sua característica de fluidez. Essa queda repetiria o que ocorreu com a modernidade, no entanto, a perspectiva de melhora sempre será mínima, pois a configuração da era globalizada em que vivemos pode ser inconsistente nas relações, porém, é certa enquanto sistema político e econômico. Assim, as doenças causadas por essa época continuarão a existir. Todos os problemas relacionados ao período causam desordens psicológicas que não são curadas em definitivo, apenas podem ser tratadas. Portanto, podemos dizer que decidimos conviver com os problemas, que não podemos vencer estes. Assim temos dezenas de autores preocupados em retratar esse período e seus defeitos. Um deles é o polonês Zygmunt Bauman, do qual trabalharemos dois capítulos de dois de seus livros.

Livro: Globalização – As consequências humanas

Cap. 4: Movendo-se no mundo x O mundo que se move

No capítulo é feita uma analogia entre o poder econômico do “turista”, que representa o que há de melhor no capitalismo, mostrando-o como um consumidor em potencial. Na outra ponta do iceberg está o “vagabundo viajante”, que não é um turista propriamente dito, este se diferencia do primeiro, pois não é bem visto e não representa o poder econômico da sociedade capitalista. A passagem resume o que o capitalismo e o sistema produzem: De um lado o consumidor potencial que representa as grandes desigualdades e do outro o “viajante vagabundo”, que representa a pobreza.

O capítulo discorre sobre questões como o consumo, onde o consumidor e mostrado como alguém incapaz de contentamento, quanto mais este tem mais ele pensa que não tem o bastante. Tal atitude delineia o quanto a sociedade consumidora é problemática. O rico é posto como um modelo a ser seguido pela sociedade. Nas últimas décadas essa visão se alterou, sendo que na atualidade o mais importante a riqueza em si, não os exemplos de quem a produz. Essa visão se deve ao fato de como o rico escolhe seu modo de vida, pois para a visão geral, não há defeitos nos modos de vida de alguém abastado.

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Já o consumidor (turista), vê o vagabundo (viajante) como um ser que nada acrescenta a sociedade, não ajudando no crescimento da economia e merecedor de um “exilamento”, pois são vistos apenas como despesa ao estado. O turista muitas vezes pode ser infeliz mesmo vivendo a sua vida conhecendo diversos lugares. Essa infelicidade pode ocorrer caso o turista viaje como forma de mostrar seu poder aquisitivo, ou caso ele tenha outras atividades que não pode pôr em prática graças as suas viagens. Outro ponto levantado no texto permeia o que seria uma hibridização do indivíduo “viajante”. Essa pessoa teria agregado as suas ideias diversas outras dos mais diferentes lugares, no entanto, o mesmo cai em um erro de se achar superior ao habitante local. O “ser” local também cairia em um erro caso perdesse suas características culturais.

Livro: O mal estar da pós-modernidade

Cap. 1: O Sonho da pureza

O capítulo O Sonho da Pureza discorre sobre os impactos que as grandes ideias causam quando estas são aplicadas. Levanta-se a questão da pureza x impureza. A ideia de pureza está intimamente ligada com as desigualdades, não havendo estas disparidades é impossível se buscar a pureza. A ideia de pureza se relaciona com a harmonia com que algo esteja inserido no meio. A impureza ou o que é sujo também pode ser vista como algo que pode ser modificado, dependendo do lugar de sua colocação. Ex: algo pode ser impuro e mudando de lugar se torna puro. A consequência da pureza é a ordem, já o da impureza é a desordem social. Essa ordem pode variar conforme a época e lugar, tendo ligações com o modelo econômico e político.

Fala-se sobre uma empatia de ações, onde um indivíduo no lugar de outro teria as mesmas ações e reações para determinada situação que fosse imposta a ele em uma sociedade pura. No entanto, um indivíduo externo a qualquer lugar que seja, quando se depara com questões de costumes do grupo no qual acaba de se inserir e as acha inadequadas ele acaba levantando ideias contra a mesma, pois esta pessoa nova no grupo não precisará ter o mesmo pudor do restante do grupo.

Com o passar dos anos houve uma preocupação com o ser externo ao grupo local e suas ideias para implementação de uma nova ordem, com o tempo houve a queda da ordem vigente dando início a pós-modernidade. Porém, um grande defeito dessas purificações correntes é justamente o fato de que hoje vivemos em uma ordem e no amanhã essa ordem já se tornou impura e deve ser modificada. No mundo atual a incerteza e desconfiança governam a sociedade.

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Ideias totalitárias também se correlacionam com a ideia de pureza onde muitos movimentos totalitaristas buscavam a ideia de pureza e de um mundo perfeito através da força. O que se firmou independente das mudanças do tempo é a preocupação em manter as pessoas com sede de consumo. Pode-se alterar de tudo, mas o consumo deve ser mantido como algo essencial para viver mesmo não o sendo. Atualmente o critério de pureza se correlaciona com a capacidade de consumir, onde quem não pode consumir na quantidade que o padrão exige é considerado impuro, tornando-se um consumidor falho.

Correlação

Os capítulos 4 do livro “Globalização – As consequências humanas” e 1 do livro “O mal estar da pós-modernidade” se relacionam quando discorrem sobre as desigualdades sociais. No primeiro de um lado há o turista e o viajante, onde um é o consumidor em potencial e o outro não respectivamente. Já no capítulo 1 há o discurso da pureza colocando o consumidor em potencial como o ideal de pureza, contrapondo com o consumidor inabilitado, com baixo poder aquisitivo e que equivale ao viajante.

Nos títulos dos livros já percebemos que haverá semelhanças entre os textos. O título “globalização – As consequências humanas” e o outro “O mal estar da pós-modernidade” chegam a ser complementares, o mal-estar que existe nessa pós-modernidade acorre justamente pelo mundo globalizado, trazendo inúmeras consequências para o homem. Nos dois capítulos existem várias passagens que se correlacionam. Quando Bauman diz que na busca pela pureza existe a necessidade de se eliminar os excluídos socialmente que não possuem poder de compra logo nos lembramos do “turista” citado no capítulo 4, o que há em comum com os dois é justamente o empecilho que a sua existência causa ao sistema vigente.

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Ainda sobre o consumismo, nos dois capítulos são amplamente discutidos, no primeiro é dito que o consumidor não possui capacidade de contentamento quanto ao consumo. Já no segundo é mostrado que há uma preocupação em se purificar os costumes, desde que o hábito do consumo exacerbado seja preservado. Ambos os capítulos falam sobre a infelicidade que ocorre ao consumidor na ordem vigente na sociedade, pois com este há sempre a preocupação de consumir. Já o turista pode ser infeliz pelas coisas que não pode fazer devido as suas viagens. Ambos discorrem sobre um mal-estar presente em quem vive inserido na pós-modernidade.

No capítulo do livro “Globalização – As consequências humanas” é citada a hibridização do indivíduo que viaja, pois o mesmo agrega ideias dos mais diferentes lugares. Esse ponto se relaciona no mal-estar da pós-modernidade onde o indivíduo externo na busca pela “pureza” e por conhecer diferentes lugares discorda da ordem vigente, podendo assim modificar a mesma, causando um leve mal-estar em que não se pode afirmar que o que era aceito ontem vai ser aceito hoje. Podemos pensar em uma ideia de pureza como a buscar por ter apenas turistas, não havendo assim os viajantes. O viajante representa o consumidor falho, ao qual na busca da purificação e melhoria da ordem é necessário retirar do meio em que o consumidor em potencial (turista) vive.

Bauman mostra uma grande preocupação com a dinâmica da pós-modernidade, fazendo uma crítica que permeia inclusive as mazelas do capitalismo. Quando adentramos nos textos do autor queremos não estar inclusos na classe dos menos favorecidos que devem desaparecer. E se somos da classe com poder aquisitivo não iremos querer associar a futilidade descrita da mesma com as nossas atitudes. O grande problema na sociedade atual é a grande quantidade de pessoas que pertencem as classes menos favorecidas. Nesse contexto as ideias totalitárias, muito presentes no nosso mundo, há uma busca por eliminar ou diminuir essas classes de alguma forma, seja reciclando os mesmos ou até mesmo erradicando essas classes.

Essa ideia corrobora a tese do artigo Marx pós-modernidade e a crítica contemporânea à pós-modernidade, que traz um indivíduo que considera a sociedade como um obstáculo a acumulação de riqueza. Como já dito anteriormente, as mudanças na ordem causadas pelos seres externos ou por ideias exteriores, há quase que um incentivo para que essas ideias sejam aceitas. Em contrapartida a essa nova tendência podemos destacar sociedades mais fechadas que não são abertas as novas tendências, essas sociedades poderiam ser definidas como protetoras para que não haja o mal-estar tão presente na pós-modernidade? Provavelmente não, pois o simples fato de um governo ou grupo proibir essas mudanças é algo que permeia uma espécie de totalitarismo.

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Muitas ideias são levantadas sobre uma uniformidade dos pensamentos, coloca-se em questão se uma pessoa em lugar de outra tomaria as mesmas decisões que a primeira. No entanto, sabemos que pessoas externas e com ideias adversas não teria pudor algum em tomar uma decisão diferente. Isso traz a tona o grande mal-estar que a pós-modernidade passa com frequência, onde as incertezas são maiores que as certezas graças a essas decisões adversas.

Como citado no artigo Marx pós-modernidade e a crítica contemporânea à pós-modernidade, já existe essa crítica há muito tempo. Como é dito no texto, a pós-modernidade representa apenas os interesses do poder econômico que domina a sociedade, além de ser um fenômeno ligado a “mundialização”, sendo assim uma tendência. Ainda sobre o artigo podemos dizer a pós-modernidade é o modelo capitalista em sua globalização total. O artigo cita que uma reflexão sobre a crítica marxista pode ser uma ferramenta para superação da pós-modernidade.

Podemos concluir com os escritos de Bauman é que há um mal-estar motivado pelos fatores citados anteriormente. Esse mal-estar tende a continuar pela dinâmica que vivemos, sendo esse modo de viver imperfeito. Bauman mostra com exemplos práticos que em qualquer situação o indivíduo que é menos favorecido é aquele das classes menos favorecidas. Pode-se tirar grande vantagem dos escritos do autor, o que contribui para tomar decisões e entender porque determinada situação ocorre. Os capítulos são claros e explicativos, podendo servir de exemplo para tal entendimento do contexto em que vivemos.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Zahar, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Zahar, 1999.

MAIA, Antônio Glaudenir Brasil; DE OLIVEIRA, Renato Almeida. Marx e a crítica contemporânea à pós-modernidade. Argumentos, v. 3, n. 5, 2011.

DA MODERNIDADE, A. Passagem Interna para a Pós-modernidade. Psicologia Ciência e Profissão, v. 24, n. 1, p. 82-93, 2004.