Breve histórico do lúdico como prática psicopedagógica e a sua importância na construção subjetiva da criança

Antes de abordarmos a história do lúdico, é importante frisarmos a origem da palavra, lúdico vem da palavra latina “ludus” que tem significado “jogo” (LEAL, 2011). Ao entendermos o significado da palavra, podemos verificar que ele nos leva a pensar em jogos, brincadeiras e o ato de brincar de maneira espontânea, porém não podemos esquecer de abordar que o lúdico foi distinguido como “traço essencial de psicofisiologia do comportamento humano” (LEAL, 2011).

E dessa forma a definição vai muito além de jogo, brincadeira ou algo semelhante, pois o lúdico traz em si valores e significados específicos para todas as fases do processo de desenvolvimento humano, ele traz valores que abrangem todo o ciclo vital (LEAL, 2011).

Antunes (2005) descreve que o processo lúdico e suas necessidades vão muito além do que o brincar espontâneo aborda e cobre, ainda vemos que Neves (2009) diz que a criança e o jovem podem apresentar resistência em ir à escola e em relação ao processo de ensino quando tais não demonstram a presença do lúdico, pois dessa forma não se mostra prazeroso, então não tende a prender a atenção e o interesse dos alunos sendo jovens ou crianças.

Carneiro (1995) denota sobre algo muito importante ao trazer que “todas as pessoas têm uma cultura lúdica, que é um conjunto de significações sobre o lúdico”. Podemos perceber que a cultura lúdica é construída de forma individual e subjetiva por cada um, não existindo uma receita ou fórmula única para todos, mas cada um a constrói a sua maneira e de um jeito único de cada indivíduo.

A cultura lúdica não é estática e imutável, mas ao decorrer da história ela se modificou e sofreu inúmeras alterações ao longo das transformações enfrentadas na sociedade, sendo assim, ela não se manteve de forma única sempre nem se manteve inalterável ao longo das épocas vividas, além de que o lúdico é manifesto de diversas maneiras e desde a época primitiva através da dança, luta, pesca e caça (ANTUNES, 2005).

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Desde a Grécia antiga existem relatos vindos de Platão que diziam que durante os primeiros anos de vida, a criança deveria ocupar seu tempo com jogos, porém é com o advento do cristianismo que os jogos caem em desuso por serem considerados profanos e pecaminosos, livres de significantes relevantes e pertinentes dentro do contexto cristão. Dessa forma podemos notar a gritante diferença entre a forma como o entendimento de jogos e brincadeiras no contexto da Grécia antiga onde era bastante valorizado e estimado, e ao transitar para algo sem valor a partir da concepção trazida pelo cristianismo.

Entretanto foi novamente a partir do humanismo que os jogos educativos voltaram a ocupar espaço e valor, pois novamente foram percebidos e considerados importantes dentro do processo lúdico pelo qual a criança está inserida durante a sua formação (ANTUNES, 2005).

Podemos encontrar outros teóricos no século XVI que também naquela época já falavam sobre a relevância do lúdico no processo educativo das crianças, e inclusive pesquisadores da área da educação também trabalhavam em cima dessa problemática, e nos Estados Unidos, Dewey considerava que o jogo poderia ser atrelado à vida, tornando-se seu habitat natural, onde ela aprender a viver, e Piaget também ressalta o quão valiosos os jogos e brincadeiras são para o processo de desenvolvimento intelectual da criança, pois eles vão muito além de uma forma de entretenimento infantil ou uma forma de distração para crianças (ANTUNES, 2005).

Por isso devemos nos atentar para a enorme importância do lúdico dentro do âmbito da saúde mental da criança e do ser humano em si, considerando a relevância dos pais se atentarem para tal e os educadores também, pois é onde a criança pode expressar-se livremente da maneira como ela entende o mundo, sente o mundo e as pessoas, e os objetos também (LEAL, 2011).

O lúdico possui grande valor para o processo de desenvolvimento da criança e não pode ser esquecido ou desmerecido, pois a partir dele, a criança terá mais uma ferramenta e mecanismo para se expressar e para manifestar suas questões pessoais sobre ela mesma, sobre o mundo e da forma subjetiva como ela percebe às coisas naquele momento da vida.

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De acordo com Silva (2015), o Brasil não possui estudos sobre a evolução dos brinquedos, porém podemos pensar no brinquedo dentro da sociedade francesa para entendermos um pouco de como era no Brasil, visto que fomos colonizados por povos europeus. Sendo assim, na França verificamos que a evolução dos brinquedos está intrinsicamente ligada aos grandes períodos da civilização ocidental, considerando o que era vivido na Grécia e em Roma a respeito da importância que o brinquedo possui para aqueles povos na época (SILVA, 2015).

Reforçando o que foi mencionado anteriormente, Platão (1948) foca e enfatiza bastante a importância de aprender brincando ao invés de aprender por um viés violento e opressor, pois desde aquela época, ele trabalhava o ensino de matemática de uma maneira lúdica, que nos dias atuais é bastante utilizada.

Onde Platão estudava e ensinava matemática com base naquilo que estava presente no contexto da criança, fazendo relação com questões e problemas concretos provenientes da vida, onde a criança estudava e aprendia matemática num grau elementar onde estava presente o jogo como uma forma de atrair a criança.

E o filósofo Aristóteles menciona que a educação infantil deve ser realizada através da utilização de jogos que imitem e reproduzam a vida adulta, as ocupações e as atribuições que o adulto carrega e exerce, de modo que a partir disso, a criança pudesse ser preparada para crescer e preparada para torna-se adulta e enfrentar a vida adulta, pois já iria possuir uma noção básica sobre tal (KISHIMOTO, 1994).

Podemos verificar que em Roma, os jogos já possuíam outra finalidade, eles eram praticados com a intenção e o objetivo de formar soldados e cidadãos obedientes e devotos, pois naquela época as crianças possuíam uma educação que abordava as questões físicas as questões englobadas com as de cunho estético e espiritual (KISHIMOTO, 1994).

Sobre isso, Kishimoto (1994) denota que:

“Posteriormente, parece que a prática de aliar o jogo aos primeiros estudos, justifica que as escolas responsáveis pelas instruções elementares tenham recebido nessa época, o nome de ludus, semelhante aos locais destinados a espetáculos e a prática de exercícios de fortalecimento do corpo e do espírito. A partir do século XVI, os humanistas começaram a perceber o valor educativo dos jogos, e os colégios Jesuítas foram os primeiros a recolocá-los em prática. A partir do momento em que o jogo deixa de ser objeto de reprovação oficial, incorpora-se no cotidiano dos jovens, não como diversão, mas como tendência natural do ser humano. Rabelais e Montaigne compartilham desse ideal, denunciando a crueldade e os castigos corporais dos tempos medievais. (KISHIMOTO, 1994).”

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O autor pontua que os colégios de jesuítas foram uns dos primeiros a perceber a importância do lúdico na educação infantil, após a idade média e incorporaram à sua rotina, em contraponto com os séculos passados, na idade média, onde qualquer desvio de comportamento era imediatamente punido com castigos físicos.

O que chama bastante a atenção nos ocorridos do século XVI, foi a fundação do instituto dos Jesuítas Inácio de Loyola, que foi um militar e parte da nobreza da época, e lá são percebidos os primeiros sinais da importância dos jogos de exercícios dentro do processo de formação do ser humano, e trata de forma antecipada o seu uso dentro do sistema educacional e a organização do mesmo.

Porém, foi através da intervenção do exercício feito de maneira lúdica que as crianças substituíram o ensino escolástico, que consistia na conciliação ensinamentos cristão com o pensamento racional, e o ostracismo, que era o exilio após o cometimento de algum erro, e tais tipos de ensino foram substituídos pelo emprego de tábuas murais (SILVA, 2015).

No período do Renascimento, o exercício físico era bastante considerado e com grande valor, sendo eles: “exercícios de barra, corridas, jogos de bola parecidos com o futebol e o golfe são comuns” (SILVA, 2015). Foi nesse período que o jogo de cartas educativos foi criado por um frade franciscano chamado Thomas Murner, que possuía o objetivo de conduzir o ensino da filosofia.

E também ao decorrer do século seguinte os jogos com finalidade educativa ganharam ainda mais espaço, pois eram considerados importantes para o processo de compreensão e entendimento. E o aparecimento do movimento científico amplia os jogos que a partir disso tornam-se inovações científicas no século XVII (SILVA, 2015).

Foi no século XVII que ocorreram as publicações da enciclopédia, que fomentaram o surgimento de novos jogos, e os jogos se tornaram ainda mais populares, principalmente os jogos de cunho educativo (KISHIMOTO, 1994).

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Silva (2015) cita alguns acontecimentos também bastante importantes na história do lúdico:

“Segundo Emílio, em Rosseau demonstrou que a criança tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprias, demonstrou que não se aprende nada senão por meio de uma conquista ativa. Áries (1986, p. 177), a infância, entendida como período especial, traz em decorrência a adoção de práticas educativas que prevalecem até hoje. A criança passa a ser vista de acordo com sua idade, brinca com cavalinho de pau, piões e passarinhos, tem permissão para se comportar de modo distinto do adulto. Com o termino da Revolução Francesa, no início do século XIX acontece o surgimento das inovações pedagógicas com Rousseau, Pestalozzi e Froebel, que aponta duas facetas nos brinquedos: o objetivo e a ação de brincar. A ação do sujeito, a relação estabelecida pela inteligência, que julga relevante para o desenvolvimento infantil. Segundo Pestalozzi (1827-1946), a escola é uma verdadeira sociedade, na qual o senso de responsabilidade e as normas de cooperação são suficientes para educar as crianças, e o jogo é um fator decisivo que enriquece o senso de responsabilidade e fortifica as normas de cooperação. Froebel (1782-1852), discípulo de Pestalozzi, estabelece que a pedagogia deve considerar a criança como atividade criadora, e despertar mediante estímulos, suas faculdades próprias para a criação produtiva.” (SILVA, 2015).

Silva, neste comentário, aponta que a criança aprende melhor a partir de uma “conquista”. Ou seja, ela se apodera do conhecimento, por vontade própria, e não passivamente. Também o autor traça um lineamento histórico, desde o término da Revolução Francesa, onde começaram a surgir as primeiras inovações pedagógicas, e também o conhecimento de que a partir do brincar a criança enriquece seu senso de responsabilidade e também aprende a cooperar de forma mais efetiva.

Porém foi no século XX que a psicologia infantil surgiu através da elaboração de pesquisas e teorias que tratam que tratam a respeito da relevância do ato de brincar dentro do processo de construção de representações infantis. Foi nesse período do século XX que surgiram pesquisas de cunho psicogenético provenientes de Piaget, Bruner e Vygotsky que iniciaram as primeiras atividades de caráter curricular dos novos tempos (KISHIMOTO, 1994)

Nessa fase aconteceram vários estudos que atrelavam a influência do contexto dentro do comportamento humano, mostrando como o ambiente do qual o indivíduo faz parte o influência dentro da sua formação e dentro do seu desenvolvimento (LEAL, 2015). E Kishimoto (1994) aborda sobre a maneira como a cultura apresenta uma forma de continuidade histórica e uma “especificidade que pode se refletir nas condutas lúdicas, faz emergir a valorização dos brinquedos e brincadeiras tradicionais como nova fonte de conhecimento e de desenvolvimento infantil”.

Kishimoto (1994) traz considerações importantes sobre os brinquedos e o ato de brincar no processo de desenvolvimento infantil:

“Partindo do pressuposto de que, manipulando e brincando com materiais como bola, cubo e cilindro, montando e desmontando cubos, a criança estabelece relação matemática e adquire noções primarias e física e metafísica. Aliando a utilização de materiais educativos que domina, aos dons, ao canto e às ocupações manuais (recorte, colagem, tecelagem, dobradura, etc.), o autor das atuais caixas de construção elabora uma proposta curricular para a pré-escola que contém em seu bojo a relevância do brinquedo.” (KISHIMOTO, 1994, p 12).

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O autor, neste comentário, pontua que a criança adquire melhor conhecimentos matemáticos brincando. A partir de brinquedos que tem formato de bola, cubo e cilindro, a criança apercebe melhor as formas circulares, geométricas, entre outras e aprende a ter mais noção de espaço, podendo se apropriar melhor de conteúdos de física e metafísica.

Conforme Silva (2015), na França, a primeira escola maternal trabalhava tricô, Geografia, História, Botânica, Educação Moral e Cívica, exercícios para o corpo, desenho, recorte e recursos como o passeio, para educar crianças de quatro e sete anos de idade”, e era através dos jogos que os alunos eram motivados e atraídos a estudar história, e por meio das brincadeiras aprendiam sobre respeito, submissão e admiração ao regime vigente da época, e “os jogos de ganso, de cartas e de loto, veiculam à semelhança do século anterior a propaganda política”.

Por meio de jogos magnéticos as crianças aprendiam história, geografia e matemática, pois a ciência já havia avançado na época e permitia tal feito, além de que através das fábulas de La Fontaine e os contos de Perrault, os jogos de cubo e os puzzles surgiram, além de jogos como bazar alfabético que forneciam suporte para o aprendizado do vocabulário e o jogo chamado poliglota permitia que as crianças aprendessem até cinco línguas ao mesmo tempo (KISHIMOTO, 1994).

Aqueles jogos que surgiram no século XIX foram utilizados até a primeira guerra mundial, porém durante o período da guerra foram perdendo espaço para os jogos militares que surgiram na época, e logo após a guerra, os jogos militares foram dando lugar aos jogos esportivos, e trens elétricos começaram a surgir juntamente com autoramas e bicicletas, o que apontava para um momento onde o esporte era mais bem estimado do que o militarismo (SILVA, 2015).

De acordo com Kishimoto (1994), os brinquedos eram ainda mais produzidos devido as propagandas de natal e outros tipos de propagandas que faziam menção a instruir crianças de forma divertida fazendo uso de brinquedos e jogos educativos, e os brinquedos ocupam maiores espaços e dessa forma, passam a ser adaptados e personalizados de acordo com as preferências e os gostos das crianças.

Foi nessa época também que Ovídio Decrolv ao continuar os estudos e produções de Froebel, criou um conjunto de materiais destinados a educação de crianças com algum tipo de deficiência mental, fazendo uso de materiais tidos como neutros e cartonados, para que essas crianças com essa demanda pudessem desenvolver aspectos relacionados a percepção, motricidade e ao raciocínio.

Em 1954 foi elaborado por Maria Montessori, uma metodologia de ensino voltada para crianças com deficiência mental, onde era utilizado os materiais criado por Itard e Seguin, com a finalidade de instalar a educação sensorial, porém no Brasil esse método chegou tempos depois através da Linha Lubienska – Montessori, que foi utilizado em escolas católicas onde estudavam apenas a elite da época. E a educação de crianças portadoras de algum tipo de deficiência foi algo que recebeu uma grande atenção e que teve grandes avanços após a utilização de brinquedos, e teve origem no século XVIII quando materiais específicos para surdos e mudos criados pelo Pe. De I’epeé em 1760.

Após isso foi Valentin Hauy no ano de 1784 que criou livros de auto relevo para crianças cegas. Itard e Seguin produziram inúmeros materiais analíticos voltados para a educação sensorial e intelectual de Victor, que foi o selvagem de Ayeron Decroly, e após isso se inspiraram na globalização para a organização de jogos intelectuais e motores que eram destinados às crianças com algum tipo de deficiência mental (MONTESSORI, 1954).

Referências:

ALMEIDA, P. N. Dinâmica lúdica: Técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Edições Loyola,1992.

ANTUNES, Celso. O jogo e o brinquedo na escola. In: SANTOS, Santa Marli Pires dos. (Org.). Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. Cap. 4, p. 37-42.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

SANTANNA, Alexandre; NASCIMENTO, Paulo Roberto. A história do lúdico na educação.

The history of playful in education. Revemat: Revista Eletrônica de Educação Matemática, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 19-36, maio 2012. ISSN 1981-1322. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/revemat/article/view/19400>. Acesso em: 20 de novembro 2020. doi:https://doi.org/10.5007/1981-1322.2011v6n2p19.

SANTOS, Cristiane Cimelle da Silva; COSTA, Lucinalva Ferreira da; MARTINS, Edson. A prática educativa lúdica: uma ferramenta facilitadora na aprendizagem na educação infantil. Revista Eletrônica do Curso de Pedagogia das Faculdades Opet, [s.i], v. 3, n. 1, p.74-88, dez. 2015. Disponível em: <http://www.opet.com.br/faculdade/revista-pedagogia/pdf/n10/ARTIGO6.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2019.

SANTOS, S. M. P. Brinquedo e infância: um guia para pais e educadores. Rio de Janeiro: vozes, 2010.

SILVA, M. P. A importância do Lúdico na educação infantil. Trabalho de conclusão de curso licenciatura em pedagogia da Universidade Estadual da Paraíba UEPB. Julho 2015.