Durante toda a história da humanidade, o homem, mesmo não tendo consciência disso, procurou manter um relacionamento com o inconsciente coletivo e seus arquétipos.
Entre os povos antigos isso se dava por meio da interpretação dos sonhos e das estórias contadas ao redor de fogueiras. Os contos de fada, assim como os mitos, as lendas e as fabulas, falam a linguagem da alma. São similares aos nossos sonhos e as nossas fantasias.
Observe qualquer menina quando tem o contato com os contos pela primeira vez. Elas se encantam com as princesas, com as fadas, com as rainhas. Elas vivem aquilo em suas brincadeiras, em sua fantasia.
Marie Louise Von Franz, uma das maiores expoentes no estudo dos contos de fada, diz que os contos são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo, pois eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa (VON FRANZ, 2005).
Quando nos tornamos adultos perdemos esse contato, dando primazia à consciência, e parte desse mundo arquetípico vai para o inconsciente. Mas retomar a leitura e a compreensão dos contos, pode se tornar um refrigério para a alma. Neles podemos resgatar impulsos, sonhos e instintos perdidos.
Em sua obra A interpretação dos contos de fada, ela distingue os contos dos mitos.
“Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado, atingimos as estruturas básicas da psique humana através de uma exposição do material cultural. Mas nos contos de fada existe um material cultural consciente muito menos específico e, conseqüentemente, eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique.”
Portanto, os contos estão em uma camada mais profunda da psique coletiva.
Ainda na mesma obra Von Franz (2005) diz:
“Para mim os contos de fada são como o mar, e as sagas e os mitos são como ondas desse mar; um conto surge como um mito, e depois afunda novamente para ser um conto de fada. Aqui novamente chegamos à mesma conclusão: os contos de fada espelham a estrutura mais simples, mas também a mais básica — o esqueleto — da psique.”
Mas as diferenças são ainda mais visíveis, pois nos contos o herói ou a heroína não agem em nome, ou sob a ação de algum Deus. Aliás, seu mundo não é governado por essas forças, mostrando que os contos estão destituídos do aspecto cultural.
Além disso, nos mitos o herói geralmente é punido por haver desrespeitado alguma lei divina, já nos contos não há essa espécie de moralidade. O herói é impelido à ação por outros motivos, que podem ser até inusitados.
Entretanto Eliade (1972) aponta nem sempre é verdade que o conto indica uma “dessacralização” do mundo mítico, mas está mais para uma camuflagem dos motivos e dos personagens míticos; mostrando que houve uma “degradação do sagrado”.
Os deuses podem ser discernidos nas imagens dos protetores, adversários e companheiros dos heróis. Mesmo camuflados continuam cumprindo sua função.
Os contos apesar de terem se tornado entretenimento para crianças atualmente apresentam um conteúdo que se refere a uma realidade séria: a iniciação, ou seja, a passagem, através de uma morte e ressurreição simbólicas, da ignorância e da imaturidade infantil para a idade espiritual do adulto.
Neles encontramos temas como: provas iniciatórias, descida ao inferno e ascensão ao céu, morte e ressurreição, casamento com a princesa ou príncipe. No trabalho psicoterápico, as imagens dos contos servem para ilustrar situações de vida, nas quais as pessoas passam. Muitos se identificam com determinada situação ou personagem levando a uma compreensão do que deve ser feito no momento.
Os contos possuem a mesma função dos sonhos. Eles podem confirmar, criticar, compensar e até mesmo curar uma atitude consciente, desde que o individuo se abra àquele ensinamento. Nessas narrativas podemos observar que o inconsciente quer compartilhar conosco uma experiência original, ou seja, uma experiência arquetípica.
Segundo, Von Franz (2005), eles descrevem apenas um fator psíquico desconhecido chamado Self. Mas como ele é extremamente complexo são necessárias milhares de versões para que esse fato se manifeste na consciência e mesmo assim, quando se manifesta ainda não se esgota.
Como o conteúdo dos contos trata de um material tão afastado da nossa consciência, tão primevo, tão comum a humanidade que sua linguagem é muito diferente da qual a consciência está habituada. O que deixa sua interpretação mais difícil.
Por isso, o conto de fada, e seus personagens, sempre mostram um pouco de com cada um de nós, mesmo que não queiramos reconhecer as bruxas, ogros, madrastas e vilões dentro de nós, eles estão ali, nos mostrando nossas sombras, medos e conflitos internos.
Essas estórias, portanto, trazem o mundo dos arquétipos para o nosso dia a dia, trazendo sentido a vida! Mostram-nos como viver o nosso destino, que passamos por momentos felizes, de conflitos, de perdas, mas que se nos abrirmos ao aprendizado desses momentos iremos encontrar o tesouro interno. Aquele que irá enriquecer as nossas vidas e nos encher de significado.
Cada conto de fadas com sua linguagem simbólica possibilita que a psique se manifeste. Fornecendo às energias instintivas uma direção simbólica e um conteúdo cheio de sentido. Sua leitura reaviva conteúdos inconscientes, possibilitando sua integração na consciência, e assim apontando o caminho para a resolução de conflitos.
Infelizmente hoje nossa sociedade está mais focada nas notícias do dia e nos problemas do momento, e nos esquecemos da literatura do espírito. Aquela que fala direto à alma. Perdemos com isso, algo de nossa infância que é a capacidade de nos encantar, de nos surpreender.
Se hoje os contos representam um divertimento ou uma evasão, é apenas para a consciência banalizada do homem moderno; pois na psique profunda, os enredos iniciatórios conservam sua seriedade e continuam a transmitir sua mensagem e a produzir mutações.
Portanto, os contos, assim como os mitos, oferecem um modelo para a vida, um modelo vivificador e encorajador que permanece no inconsciente contendo todas as possibilidades positivas da vida. Por essa razão, conhecer os contos nos ajuda compreender as nossas razões de viver e isso muda toda a nossa disposição de vida, podendo muitas vezes mudar nossa própria condição psicológica (VON FRANZ, 2005).
Quando a pessoa se identifica com um conto passa a perceber que seu problema não é único e já foi resolvido de diversas formas ao longo da historia da humanidade. Isso diminui a pretensão do ego, torna o individuo mais humilde e aberto as repostas do inconsciente e mesmo que o conto tenha muitos séculos de existência ele terá um efeito estimulante e novo na psique levando o individuo a uma compreensão e entendimento de seu conflito.