Co-relação da epilepsia, depressão e a tentativa de suicídio, à luz da Fenomelogia Existencial

O Ministério da saúde, junto à Secretaria de Atenção à Saúde, define a epilepsia como “a uma doença cerebral crônica causada por diversas etiologias e caracterizada pela recorrência de crises epilépticas não provocadas”, sendo uma alteração do Sistema Nervoso Central (SNC), e sua expressão clínica se inclui sintomas cognitivos psiquiátricos em concomitância com crises epilépticas. (MS, 2013 p.1). Essa condição traz implicações diretas à qualidade de vida do sujeito afetado, pois tem consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. Diversas pesquisas apontam que a predominância de transtornos depressivos em pacientes com epilepsia é expressivo (MARTINS; GONÇALVES, 2017).

No que diz respeito aos aspectos psicossociais envolvidos como causa de depressão, a estigmatização e discriminação que perpetuam no contexto atual, o controle ineficaz das crises e as significativas mudanças nos hábitos, vêm se tornando fatores constantemente relacionados com a depressão. Deste modo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é que mais de 350 milhões de pessoas vivem com depressão, e na pior das hipóteses, a depressão pode levar ao suicídio (OMS, 2016).

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O objetivo deste trabalho é identificar e reconhecer algumas contribuições da fenomenologia-existencial para trabalhar o contexto da depressão, a partir de publicações científicas sobre a relação com a epilepsia x depressão. Justifica-se o presente estudo diante da necessidade de se conhecer e acolher melhor tal patologia e transtorno depressivo, para que possamos tratá-la de modo mais eficaz. Depressão e epilepsia podem compartilhar mecanismos patogenético que facilitariam a ocorrência de um na presença do outro, sendo mais provável encontrar a depressão em pacientes com epilepsia quando comparado com sujeitos sem estarem.

Para a finalidade metodológica deste artigo foi utilizado à pesquisa bibliográfica. Utilizou-se da abordagem qualitativa com objetivo metodológico exploratório. A pesquisa se desenvolveu no levantamento bibliográfico, fundamentado em artigos científicos, dissertações e teses de mestrado em conformidade ao tema. Foram analisados artigos em periódicos e teses encontrados nas plataformas Scielo, BVS-PSI e PEPSIC. Tal escolha para o percurso metodológico se dá pela urgência de se abrir debates sobre este tema à luz da fenomenologia-existencial.

Um transtorno que requer atenção

O referido trabalho consiste em um estudo bibliográfico sobre a co-relação da epilepsia como fonte desencadeadora para a depressão, sendo estimulo para a ideação ou tentativa de suicídio, sob o enfoque da fenomenologia existencial. Diante disso, a prevalência mundial de epilepsia ativa foi estimada em torno de 0,5%-1,0% da população, dos quais, aproximadamente 30% continuam sofrendo crises, apesar do tratamento adequado com medicamentos anticonvulsivantes, ou seja, são pacientes refratários (MS, 2013). Sendo considerado o transtorno neuropsicológico de maior hegemonia, que pode trazer como consequência a morte súbita, lesões, transtornos mentais e disfunções psicológicas (MARCHETTI; DAMASCENO, 2000). Para ser diagnosticado com epilepsia, o indivíduo precisa apresentar um conjunto de convulsões que não podem ser provocadas por algum estímulo que seja facilmente tratável, ou seja, que não sejam por alterações da glicemia, por abstinência ou abuso de álcool e drogas, e não apresenta nenhuma alteração hidroeletrolítica tratável. É de suma importância compreender a diferença entre convulsão e epilepsia. A convulsão é um sintoma, e ocorre pela despolarização de uma área do cérebro.

O cérebro funciona a partir de estímulos elétricos, por isso quando pensamos, raciocinamos, movimentamos algum membro do corpo, etc, ocorre à despolarização, uma atividade elétrica em determinada região do cérebro, denominado hiperexcitabilidade, e um excesso de atividade elétrica da área ocorre à convulsão (MARTINS; GONÇALVES, 2017). Isso se dá pelo fato da diminuição da função serotoninérgica, noradrenérgica e GABAérgica que são identificados como neurotransmissores fundamentais no mecanismo patogenético da depressão, e formam a base do tratamento (OLIVEIRA; PARREIRAS; DORETTO, 2007).

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Os autores Kandratavicius, Hallak e Leite (2007), afirmam que há um encadeamento de acontecimentos comuns entre depressão e epilepsia, entre eles estão à redução da laboração serotoninérgica e noradrenérgica, além de anormalidades nas estruturas e funcionalidade no sistema límbico.  Exames de neuroimagem funcional mostram que uma diminuição da atividade no lobo frontal é condição essencial para o desenvolvimento da depressão. Essa disfunção levaria a um hipometabolismo nas regiões do cérebro, aumentando a vulnerabilidade à depressão. Contudo, se considerarmos os sintomas devastadores que a depressão apresenta na qualidade de vida, de pacientes nesta patogenética, embora ainda seja difícil fazer uma correlação entre depressão e ansiedade, nestes casos clínicos, torna-se evidente e de suma importância o tratamento adequado de depressão a estes pacientes (OLIVEIRA; PARREIRAS; DORETTO, 2007).

Em pacientes com epilepsia ficam evidentes os principais sintomas como, modificações na capacidade de sentir prazer ou vivenciá-los, perda e/ou diminuição de interesse e concentração, cansaço físico ou mental acentuado. Todos estes sintomas são presentes em pacientes depressivos, como também vistos em epiléticos, juntando-se ainda a baixa autoestima, autoconfiança e sentimentos de indignidade e culpabilidade. Os autores Santiago e Holanda (2013) apontam que existem alguns principais fatores que se elucidam como fatores de risco para a depressão, acontecimentos que se elevam o estresse, uso abusivo ou perdas de drogas ou medicamentos, histórico familiar de depressão, episódios de depressão anteriores e doença física. OMS (2011) relata que se torna uma questão mais difícil tanto em países desenvolvidos mesmo que estes tenham uma atenção maior à saúde mental, como os em desenvolvimento, o fato de muitas pessoas não conseguirem se beneficiar dos serviços psiquiátricos ofertados. Pelo fato da relação preconceituosa existente aos sujeitos que são portadores de transtornos comportamentais e mentais.

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Pesquisas apontam que esses estigmas são fatores que podem potencializar o sofrimento do sujeito acometido pela depressão, dificultando assim, o diagnóstico e adesão ao tratamento de maneira correta e eficaz. A complexidade em se elaborar e fechar um diagnóstico a partir das diversas manifestações da depressão acaba em confundir as expressões de depressão que não são clínicas, ou se assemelham com estados de tristeza. Aqui se julga necessário e pertinente não confundir o diagnóstico depressivo com sentimentos melancólicos e/ou de tristeza, haja vista que estes, acompanham o indivíduo por diversos momentos da vida, pois, são acontecimentos estressantes do dia a dia.

A depressão é um transtorno psicopatológico ao qual seu diagnóstico precisa ser coeso para que assim, se possa ofertar um tratamento adequado em conformidade com sua necessidade e gravidade. Como seus encaminhamentos para um completo tratamento. Os autores ainda teorizam que a nomenclatura correta a ser usada é “transtorno depressivo”, pois assim é possível diferenciar o sentimento normal de tristeza temporário da depressão clínica (PARKER; BROTCHIE, 2009). Desta forma, pacientes epiléticos, encontram-se em profunda tristeza, sem ânimo para seguir por vergonha da sua condição, enxergando somente como solução o suicídio, já que o suicídio é uma forma de agressão que o próprio sujeito faz a si, procurando por fim a dor e vergonha que sente, dando fim aos seus problemas, ou seja, fim à própria vida.

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Não podemos esquecer que existem vários outros meios de autoagressão, aos quais não podemos classificar como ato suicida, porém, nos revelam particularidades no tocante as tentativas de suicídio, ao passo que nos demonstra completo desinteresse pela vida. Pois quando não se tem um sentido pela própria vida, ou seja, falta deste sentido, isso se torna um aliado importante para a tomada de decisão ao ato violento de se matar (ROCH; BORIS; MOREIRA, 2012). Logo, Santiago e Holanda (2013) teorizam que pesquisas mostram a eficácia na utilização de psicoterapia no tratamento de pacientes/clientes com depressão, seja ela em grau leve, moderado ou mais grave. Neste contexto, a psicologia fenomenológico-existencial compreende e diferencia os fenômenos psicopatológicos, se comparados aos outros modelos focados ao biológico e fisiológico. Torna-se necessário para o psicoterapeuta existencial, saber reconhecer que cada ciclo da vida acarreta suas dificuldades, para que assim a psicoterapia possa atender com total competência não apenas as queixas explícitas do seu cliente, mas sim acolhê-lo em sua completude existencial. Ou seja, o foco da psicoterapia existencial seja que o cliente experimente sua existência como real, tornando-se apto para suas potencialidades e assim saber agir sobre elas (GOMES; CASTRO, 2010).

Assim, fundamenta-se a tomada de consciência, o insight na psicoterapia. Conclui-se que ajustamentos depressivos por dado paciente, são ajustamentos criativos, onde se configura um padrão depressivo de contato, ou seja, barreiras de contato conflituosas, onde não se percebe as disfunções, mas que se torna importante para um ajustamento em várias situações da vida.

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Define-se que o ajustamento depressivo, nada mais é que uma maneira encontrada para economizar a regulação, para se evitar tomadas drásticas pelo indivíduo acometido pela depressão (YANO, 2016). Logo indivíduo se torna capaz para lidar com as frustrações da vida que surgem, presentificar e tomar compreensão de maneira a usufruir destas para fazer um ajustamento criativo e a partir dessas frustrações adquirindo conhecimento, e crescer com tais demandas (ROCH; BORIS; MOREIRA, 2012). Rogers (1961/1997, p. 196), “é apenas quando vivencia um aspecto de si mesmo negado até então, num clima de aceitação, que a pessoa pode tentar assumi-lo como parte de si mesmo”. Tal experiência é dolorosa, mas somente desta maneira se possibilita aceitação genuína de maneiras a lidar com a nova percepção antes não cogitada, ou até mesmo enxergada.

Ainda para Rogers (1961/1997), é a partir da experiência humana na autenticidade de se tornar quem se é que ao mergulhar por inteiro neste processo de autoconhecimento, provocando mudanças, somente aí se encontra de forma fácil quem verdadeiramente se é. Só a mudança diante deste processo, diante de novas escolhas, de forma criativa e autentica, permite-se uma avaliação organísmica de tal experiência. Ao se tornar pessoa, consideramos nossas experiências em possibilidades existenciais, passamos a ser responsáveis por nossas atitudes e escolhas, e isso tem significado potencializador.

Partindo das considerações expostas sobre a epilepsia, a depressão e a tentativa de suicídio, é notório o efeito negativo na qualidade de vida dos indivíduos acometidos de tal sintomatologia. Para tanto, percebe-se a importância de um tratamento adequado a estes pacientes, buscando um vínculo de empatia e autenticidade para com estes. Nesta relação terapêutica se torna essencial entender à subjetividade de cada indivíduo quanto ao processo de saúde/doença na fenomenologia, pois nesta abordagem evidencia-se o próprio fenômeno e o indivíduo quanto sua consciência, como seus sentimentos, fantasias e memórias. Desta forma, torna-se necessário a aceitação do indivíduo como ele se mostra no aqui – agora, acolhendo o seu modo de se expressar.

REFERÊNCIAS:

OLIVEIRA, Bruno Lucio Marques Barbosa de; PARREIRAS, Mariane Santos; DORETTO, Maria Carolina. Epilepsia e depressão: falta diálogo entre a neurologia e a psiquiatria? Journal Of Epilepsy And Clinical Neurophysiology, Porto Alegre, v. 13, n. 3, p.109-113, set. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-26492007000300004>. Acesso em: 05 set. 2018.

SANTIAGO, Anielli; HOLANDA, Adriano Furtado. Fenomenologia da Depressão: uma Análise da Produção Acadêmica Brasileira. Revista da Abordagem Gestáltica – Phenomenological Studies, Paraná, v. 1, n., p.38-50, jul. 2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rag/v19n1/v19n1a06.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018.

 ROCH, Marcio Arthoni Souto da; BORIS, Georges Daniel Janja Bloc; MOREIRA, Virginia. A Experiência Suicida numa Perspectiva Humanista-Fenomenológica. Revista da Abordagem Gestáltica, Fortaleza, v. 1, p.69-78, jun. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rag/v18n1/v18n1a10.pdf>. Acesso em: 06 set. 2018.

Organização Mundial de Saúde. (2011). Relatório sobre a saúde no mundo. Genebra: Organização Mundial de Saúde. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rag/v19n1/v19n1a06.pdf. Acesso em: 06 set. 2018.

PARKER, Gordon; BROTCHIE, Heather. Depressão maior suscita questionamento maior. Revista Brasileira de Psiquiatria, Austrália, v. 31, p.53-56, jan. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v31s1/a02v31s1.pdf>. Acesso em: 06 set. 2018.

YANO, Luciane Patrícia. A CLÍNICA EM GESTALT-TERAPIA: A GESTALT DOS ATENDIMENTOS NOS TRANSTORNOS DEPRESSIVOS. p.67-85, abr. 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v7n1/a05.pdf>. Acesso em: 07 set. 2018.

ROGERS, C. R. (1997). Tornar-se pessoa (5ª ed.). São Paulo: Martins Fontes (Original publicado em 1961)

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2002), especialista em Gerontologia (2004) e mestre em Ciências da Saúde pela UNB. Atualmente, com atuação em Psicologia Clínica (infantil e adulto) e organizacional na cidade de Palmas e como docente do curso de Psicologia do CEULP ULBRA e também como supervisora de atendimentos clínicos no serviço de Psicologia Clínica da mesma universidade