Compêndio da Psicanálise: considerações sobre a obra não finalizada de Freud

O Compêndio da Psicanálise foi iniciado por Freud em 1938 e não finalizado devido a sua morte. A partir desses escritos, realizaremos considerações sobre os três primeiros capítulos do livro.

No primeiro capítulo, o Aparelho Psíquico, somos apresentados à uma introdução que faz menção à metapsicologia e à justificação do inconsciente, conteúdos presentes no livro Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) que servem de embasamento para os estudos da personalidade sob uma perspectiva psicanalítica. O aparelho psíquico diz respeito ao id, ego e superego. A mais antiga dessas instâncias é o ego, aquele que serve como intermediário entre o id e superego, herdado e estabelecido desde nossa infância.

Em algum momento no desenvolvimento, essa instância se transforma e então se estabelece uma nova, o id, que é o mediador entre o ego e o mundo externo. Vale ressaltar que essa transformação se deu diante da recepção de estímulos e a proteção contra eles e aí reside umas das primeiras funções do id, que é a de autoconservação. Ele experimenta desprazer quando alguma tensão não é solucionada e prazer quando encontra evasão à essa tensão. Quando existe este desprazer, ele pode sinalizá-lo como medo motivado pelo perigo sentido na situação. Como características da autoconservação podemos citar a fuga, adaptação, armazenamento de experiências e a modificação do mundo exterior ao seu favor, o que vem a ser atividade.

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Para a introdução do superego no aparelho psíquico, Freud se utiliza da teoria econômica de distribuição da energia psíquica. Durante o desenvolvimento na dependência dos pais, se cria no indivíduo uma nova instância em que “essa influência parental tem continuidade” (FREUD, 2015, p. 50). Por sua vez, ela diverge do id e lida com suas demandas, do ego e da realidade, conciliando essas forças. No superego estarão presentes os discursos da família, da cultura, da sociedade, educadores e seus substitutos. Assim como afirma Freud, existem influências do passado presentes no ego e no superego, que apesar de sua diferença elementar, compartilham, no ego: de algo herdado e no superego de um passado que lhe é introduzido pela família e os demais.

Em Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) muito é falado sobre as pulsões do eu e do objeto, bem como a dinâmica dessas e seus deslocamentos. No segundo capítulo, a Teoria dos Impulsos, sintetiza essas duas pulsões como aquelas presentes em eros, que é a pulsão de vida, de criação, autoconservação e o seu contrário é a pulsão de morte, também conhecida como tânatos, que busca o estado inorgânico das coisas. À energia presente em eros, se dá o nome de libido, que cumpre o papel de neutralizar as tendências destrutivas existentes no id-ego e que podem ter destinos variados, como vimos no livro citado anteriormente, que poderá 1) fazer com que o afeto continue no todo ou em parte, 2) se transformar e tornar-se angustia ou 3) ser suprimido. Ainda sobre a libido, devemos ressaltar a sua mobilidade e fixação. Na primeira, existe uma função desejada do dinamismo da libido, em que passa de um objeto para o outro e na segunda um estado que pode perdurar por toda a vida e que leva à um empobrecimento psíquico.

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No terceiro capítulo, o Desenvolvimento da Função Sexual, aponta-se que há quatro fases, a oral, anal, fálica e genital. Primeiramente, é falado sobre o escândalo que a psicanálise causou em sua época quando formulou que a sexualidade está presente desde a infância e influencia os indivíduos de forma pontual, mas procura esclarecer que a genitalidade é diferente de sexualidade e que na vida sexual o ganho de prazer existente num primeiro momento nada tem a ver com reprodução.

O primeiro órgão que faz solicitações libidinosas é a boca, que busca satisfação biológica e que aspira pelo ganho de prazer. Por esta razão, se faz sexual. Neste capítulo, Freud adentra na questão edípica de que na mulher falta o pênis e que o processo de finalização do édipo não se dá como no menino, pois ela se percebe sem o falo e vive uma frustração, se distanciando por algum tempo da vida sexual. Esta teoria teve contribuições posteriores e novas perspectivas através dos estudos psicodinâmicos.

As três primeiras fases não acontecem quando uma finaliza, mas se justapõem e uma se acrescenta à outra. A organização completa se dá na fase genital, em que alguns processos são finalizados com sucesso e outros são recalcados, salientando que nem sempre essa organização se dá de forma impecável. A construção desse pensamento finaliza-se na importância de estudar esses fenômenos pelo ponto de vista dinâmico e econômico e que a etiologia das perturbações deve ser estudadas no primeiro período de vida do indivíduo.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Compêndio da Psicanálise. Porto Alegre: L&PM, 2015.

FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Tradução de: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.