O Psicólogo, lidando com o desconhecido, o desafio, a diferença no e pelo encontro com a alteridade dos outros, é constantemente convidado a estranhar-se, questionar suas teorias, e, por fim, modificar seus modos de ser. Assim, a cada encontro com outro realiza uma possibilidade existencial de ser-psicólogo (EVANGELISTA, 2016).
A Gestalt-terapia é uma abordagem psicoterápica consolidada por Perls, Goodman e Hefferline, considerada, destarte, parte da terceira força da Psicologia e recebe influência de diversos teóricos com visões de mundo diversa, têm, portanto, como fundamento filosófico: humanismo, existencialismo e a fenomenologia, utilizando em suas práticas, portanto, do método fenomenológico, este por sua vez objetiva voltar às coisas mesmas, aquilo que se mostra, a essência. Além disso, tem como fundamento teórico: Teoria de Campo, Teoria Holística, Teoria Organísmica, Psicologia da Gestalt, sofre influência, dessa forma, dos pressupostos da dialogicidade de Martin Buber. Contudo, o objetivo não é o aprofundamento nestas implicações, mas explicitar acerca de um dos conceitos que perpassam esta abordagem, o impasse, ou melhor, o impasse existencial (RIBEIRO, 2007).
Impasse no dicionário tradicional traz uma concepção não muito distinta da visão gestáltica, sendo definido, desse modo, como uma situação no qual não há uma resolução aparente, o chamado “o beco sem saída”, tudo que impede algo, empecilho, resolução impossível.
Nesse ínterim, segundo Rodrigues (2011) impasse é um conceito importante no cenário da Gestalt-terapia, considerado, portanto, o centro da neurose e, dessa maneira, o ponto adoecido (a neurose pode ser definida como o acúmulo de experiências e situações que não se findaram, ou melhor, necessidades não-satisfeitas, ficaram abertas para o sujeito, portanto, inacabadas e que podem propiciar uma constante compulsão à repetição) em que o cliente mostra-se dividido entre duas polaridades, duas forças conflitantes, duas escolhas que para o sujeito não podem ser vistas como satisfatórias no momento, por isso homem permanece estagnado. Por isso, podem, portanto, propiciar o surgimento em alguns casos de outras maneiras de psicopatologias.
Conforme Stevens (1966) quando o cliente encontra-se nesta situação, surgem, em consequência, inúmeras alterações emocionais e sentimentais, em que Stevens define parafraseando Kierkegaard como sendo, portanto, “a náusea de viver”, há, dessa forma, um sofrimento profundo, a saber, medo, angústia, desespero e, acima disso, incertezas e dúvidas.
Destarte, junto a isso originam-se as chamadas “expectativas catastróficas”, que em muitas situações são não-racionais, fruto da imaginação do cliente (e que não devem ser menosprezadas) em que ele acredita firmemente que todas as situações novas que vivenciar terá consequências negativas para sua vida, influenciando para que mantenha o seu “status quo”. Mais conhecida como a zona de conforto, o sujeito permanece estático pelo medo de correr riscos, impedindo o homem de ser, lidar com o desconhecido, ultrapassar barreiras e vencer obstáculos e, por isso, continua no mesmo lugar, pois não consegue lidar com a vida sozinho, o que propicia o surgimento de ansiedades e a frequente fobia a dor (PERLS, 1977). Segundo Stevens (1966, p. 36) “No contexto seguro da situação terapêutica o neurótico descobre que o mundo não cai em se ele ficar com fome, com raiva, doente”.
Retornando ao objetivo do vigente trabalho. Na verdade, o próprio Fritz Perls (1977) afirma que o conceito de impasse é imprescindível, já que ele considera o ponto central no qual o crescimento humano ocorre. Contraditoriamente, é também quando o indivíduo perde o apoio originado do meio externo e ainda não desenvolveu o seu próprio apoio interno, o self support. Seguindo esta ótica, é, então, o período no qual o cliente começa a manipular o meio, inclusive o terapeuta, representando falsos papéis, buscando sempre alguém que diga o que é necessário que ele faça. Na psicoterapia, por conseguinte, o terapeuta precisa ser habilidosamente acolhedor e ao mesmo tempo frustrar o cliente todas as vezes em que este não conseguir reconhecer suas capacidades, jogando a responsabilidade de valorização a um outro, inclusive o amor.
Muito importante também é desempenhar o papel de desamparado: ” Não posso fazer nada por mim. Pobre de mim. Você tem que me ajudar. Você sabe tanta coisa, tem tantos recursos, tenho certeza que pode me ajudar”. Toda vez que você desempenha o papel de desamparado, você cria uma dependência. Em outras palavras, nos tornamos a nós mesmos escravos. Principalmente se esta dependência for uma dependência da nossa autoestima. Se você necessita que todos lhe deem elogios encorajadores, tapinhas nas costas, então está fazendo de todo mundo o seu juiz (PERLS, F. 1977, p. 56).
Nesse ínterim, citando caso análogo, uma criança, por exemplo, depende dos seus cuidadores para satisfazer suas necessidades quando ainda é recém-nascida. No entanto, com o tempo e de maneira progressiva esta aprende a caminhar sozinho, entra em contato com os objetos e consegue segurar-se com as próprias pernas, este é o ponto em que a criança está amadurecendo, mesmo que necessite do meio para o fechamento de gestalts, e, então auto regular-se, já que o indivíduo não é ser isolado e está em constante interação com o meio, concebido como um ser holístico. Lembra das religiões e filosofias orientais taoístas? Pois é, para o gestalt terapeuta, assim como estas, às partes mais significativas são aquelas vistas e percebidas a partir do próprio contexto do cliente, em relação ao meio social e cultural, não como eventos isolados (PERLS, GOODMAN E HEFFERLINE, 1997).
Dessa forma, o objetivo da terapia é buscar propiciar ao consulente experiências no campo vivencial para que ele se perceba enquanto um sujeito autônomo e capaz de realizar infinitas coisas em um campo repleto de possibilidades para criar, se reinventar, crescer e se constituir. Além disso, visando com que esse cliente utilize seus próprios recursos internos para lidar com as mais variadas situações que perpassam sua vida, sem tornar-se dependente de um outro (PERLS, 1977).
Perls (1997, p. 49) afirma que: “[…] amadurecer é transcender ao apoio ambiental para o auto-apoio”. Mas para que este amadurecimento aconteça é necessário, por conseguinte, que o cliente passe por frustrações, e, por isso, na prática clínica esta incumbência é atribuída ao psicoterapeuta, mas esta precisa saber como, em que momento fazê-lo, percebendo o outro em sua total alteridade. Sendo assim, o terapeuta deve influenciar, então, para que o cliente entre em contato consigo mesmo e reconheça, por si, o seu projeto de vir-a-ser. Além disso, propicia a tomada de consciência do cliente, no aqui e agora.
Os terapeutas, em geral, têm experiências em que ficam envolvidos demais com as técnicas manipulatórias de seus pacientes; não compreendem a natureza tremendamente sutil das técnicas manipulatórias do paciente. Nestes casos, a terapia pode ser malsucedida. Pois para conseguir a mudança de apoio externo para auto-apoio o terapeuta deve frustrar as tentativas do paciente de conseguir apoio ambiental” (PERLS, 1988, p. 117 apud VAVASSORI, 2018 p.197).
A psicoterapia deve, portanto, propiciar transformação, percebendo e concebendo o cliente como possuidor de instrumentos e recursos para se auto ajudar. Assim sendo, escolher o que é melhor para si mesmo. O terapeuta não pode decidir nada pelo cliente, mas pode ir ao encontro deste de maneira empática, com uma postura dialógica e segura, auxiliando-o a reconhecer-se no mundo como o sujeito livre, responsável e humano (RIBEIRO, 2009).
Referências:
EVANGELISTA, P, E, R, A. Psicologia fenomenológica existencial, a prática psicológica à luz de Heidegger. Curitiba, 2016.
PERLS, F. Gestalt-Terapia explicada. 1977.
PERLS, F, S., HEFFERLINE, R., GOODMAN, P. Gestalt-terapia. 1997.
RODRIGUES, H.L Introdução à Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Editora Vozes, 2011.
RIBEIRO, W, F, R, P. Gestalt-Terapia no Brasil: recontando a nossa história. 2007 Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-686720070#1sqq00200010
RIBEIRO, J.P. Gestalt terapia de curta duração. 2009.
STEVENS. J,O. Isto é Gestalt. 1966.
JÚNIOR, F,A, B, M. Da teoria à terapia: o jeito de ser da Gestalt. Disponível em:
https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/revistainterdisciplinar/v3n1/reflex/refl3-v3n1.pdf
VAVASSORI, M, B. Postura Dialógica e Frustração Habilidosa: tramas da Terapia Gestáltica. Florianópolis, 2018. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v14n27/v14n27a04.pdf