aniversário

Impermanência da Vida

Hoje ao celebrar mais um ano de vida eu estou a pensar no vai e vem da vida… Eu ouso dizer que estou melhor que antes.

Meu corpo já não responde aos mesmos estímulos de antes; minha voz já não é a mesma; meu rosto em frente ao espelho se depara com as marcas que a comemoração dessa data deixou ao longo dos anos. Ainda assim ouso dizer que estou melhor.

O filósofo Heráclito disse que “nada existe de permanente a não ser a mudança, assim como ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”. A vida é exatamente isto: um rio que jamais é o mesmo…

Ao amanhecer já não sou a mesma. Me deparo todos os dias com um novo ser, diferente do que ontem fui e diferente do que amanhã serei. Assim como o rio que ora refresca, ora acalma. Ora fascina, ora desanima…

É necessário manter o curso diariamente, é necessário fazer um leito por onde um rio novo surgirá e, mesmo que haja obstáculos, é imprescindível termos a coragem de atravessá-los e deixar que aqueles que nos rodeiam se deliciem nas águas do rio que hoje sou.

Na maioria das vezes sofremos por querermos viver o que se foi. Nos entregamos a momentos que não são mais possíveis e, como não é possível sermos os mesmos, a tristeza e a dor tomam conta de nossa vida e não conseguimos perceber que a vida segue assim como o rio, não podendo ser a mesma de antes.

É profundamente refrescante nos entregarmos a essa realidade e, quando somos capazes de perceber a verdade contida na frase de Heráclito, descobrimos que o fardo fica mais leve e a vida mais bela.
Vou mais longe quando leio Guimarães Rosa dizendo:

“Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria…
Depois retoma coisas e pessoas
para ver se já somos capazes da alegria sozinhos…
Essa… a alegria que Ele quer.”

O grande mal é que, quando possuímos essas pessoas e essas coisas que nos fazem felizes, queremos construir uma redoma e tê-las permanentemente conosco. Nos esquecemos de que o leito do rio – o curso da vida – existe para que novas águas passem e, mesmo não sendo o mesmo, rio permanece belo como o de antes. Refrescando e lavando a alma com as novas águas que substituem as anteriores…

Neste dia em que celebro a vida, reconheço o passar do tempo e desejo imensamente que o rio que a cada dia amanhece seja refrescante e belo para aqueles que necessitam mergulhar. Mais que isso, reconheço a dádiva das pessoas e das coisas que Deus me deu e, assim, eu aprendi a alegria. Mesmo que Deus já tenha retomado muitas delas, todas serviram para que eu construísse um rio de águas profundas, límpidas e refrescantes…

Cito novamente Guimarães Rosa que nos abre os olhos, o coração e a cabeça sobre esse correr da vida, sobre essa impermanência, quando diz:

O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
Aperta e daí afrouxa,
Sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.

É a mais perfeita realidade. Com o passar do tempo, tudo se justifica, tudo se modifica e tudo tem sua razão de ser. E ela – a vida – é a grande dádiva que possuímos e que por vezes não percebemos as escolhas necessárias e as verdades escondidas ao longo do leito percorrido.

“O mais importante e bonito no mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.” É esse o maior de todos os aprendizados; amadurecermos o suficiente para percebermos que mudamos com o correr do rio que é a nossa vida e ainda maior que nos reconhecermos na mudança é aceitar a mudança daqueles a quem amamos e queremos sempre por perto.

Guimarães nos pede para enxergar beleza na mudança, tão difícil de ser aceita para nós, seres humanos… A mudança assusta e é sempre mais fácil permanecer igual, por isso, mesmo o que a vida nos pede é para que tenhamos coragem.

E a maior coragem é colocar em prática o que Heráclito diz: “Paremos de indagar o que o futuro nos reserva e recebamos como um presente o que quer que traga o dia de hoje”.

Hoje, com o rosto marcado, com os passos mais cansados, a voz mais humilde, vivo o hoje como a dádiva maior e procuro fazer de minhas escolhas o caminho para que as águas que sou corram amanhã no leito que for colocado a minha frente.

E que ela – a vida – com toda a sua impermanência seja a mola mestra, sempre. Assim, percebo que no correr diário das águas, me entrego ao encanto de passar todos os dias por novas paisagens e, quando o fim do leito em que corro chegar à minha frente, estarei preparada para me transformar em águas do mar. Aí não terei mais leito e sim a imensidão para navegar e me sentirei transformada e eternizada…

Finalizo com Heráclito: “O homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem. Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros…”

Filha de Paraíso do Tocantins, membro fundadora da Academia de Letras de Paraíso do Tocantins - ALP. Autora dos livros: Meus Rabiscos (2004) e Com os Olhos da Alma (2013).