Manejo da Ansiedade na Clínica Junguiana

Piettro Lamonier – Psicólogo Clínico – E-mail: piettrorl@gmail.com

Pensei em diversas formas para tratar esse assunto de modo a se tornar uma ferramenta acessível para quem a lê. É importante dizer que Jung não se baseava nos transtornos mentais para desenvolver alguma estratégia de tratamento, apesar de ter partido deles para o desenvolvimento de suas teorias. Podemos verificar isso em seus estudos da dementia praecox, encontrada atualmente dentro dos transtornos e distúrbios advindos das síndromes psicóticas. Mas e o que dizer da ansiedade? Nem sempre o paciente aparece com a demanda de uma psicose acoplada a ela. Talvez uma base neurótica. Então, como lidar com a ansiedade em uma visão junguiana?

A ansiedade não é a causa de sofrimento do sujeito, na verdade ela é o efeito, e esta pode aparecer como resposta do organismo psíquico para lidar com algum fato ainda não processado, podemos dizer que ela é um sintoma. Situações como abuso sexual ou psicológico, acidentes, relações mal resolvidas, amores não correspondidos, perdas de entes queridos, tudo isso pode desencadear uma ansiedade. Cada caso é um caso. Não se pode adivinhar nem prever que a ansiedade seja o efeito de uma causa específica para todos os casos. Pensando desta forma, existe algo por trás da ansiedade que é especificamente do indivíduo que a manifesta e que por uma seletividade do ego, estrutura central e organizadora da consciência, acaba se encontrando no inconsciente deste. Com isso um dos processos mais interessantes que Jung desenhou em seus escritos é o modelo dinâmico como o inconsciente se manifesta.

Seja através de uma pintura, seja por um poema, ou mesmo num sonho, o inconsciente se projeta para a consciência constantemente buscando uma homeostasia psíquica, uma forma natural de equilibrar os conteúdos conscientes e inconscientes. No inconsciente, mais especificamente o inconsciente pessoal, existem estruturas que chamamos de complexos, conglomerados de informações afetivas que estão constantemente em movimento absorvendo energia psíquica e se transformando. Quando uma massa enorme de energia psíquica entra em contato com um complexo, este se desestabiliza criando uma força afetiva intensa, diz-se que está constelado. Traduzindo, alguma situação fora de nós lança um estímulo para dentro gerando uma desestabilização emocional, tendo como resultado a ativação de lembranças e quaisquer outras reações sintomáticas, inclusive a ansiedade. Presume-se que o inconsciente, na tentativa de buscar a homeostasia da psique, lança suas projeções para fora se manifestando em pessoas, relações, quadros, poemas, músicas, experiências religiosas, entre outros. Através dessas manifestações o terapeuta pode encontrar o caminho para ajudar o indivíduo a retornar à estabilidade. Mas como ajudar a psique a retornar ao equilíbrio? Assim como Jung notou que os mitos de diversas civilizações eram na verdade ferramentas de aprendizagem, vou me furtar na tentativa de explicar esse processo através de uma história fictícia, porém lúdica. 

  1. é uma paciente que sofre tendo crises de ansiedade. Toda vez que precisa apresentar um trabalho na faculdade, três dias antes sofre de cólicas intestinais e insônia, além de crises de choro constantes. No consultório ela está sentada roendo as unhas e balançando as pernas. Em sua frente em uma cadeira é colocada uma almofada. Peço-lhe que se utilize de sua imaginação para transportar a ansiedade para a almofada. Desta forma ela traz para o concreto algo que internamente estava muito abstrato e indiferenciado, confuso. Imaginar a ansiedade sendo aquela almofada pode ajudar a diferenciar a sua sensação e torná-la mais palpável. Sendo assim, V. agora pode conversar com a sensação que a desequilibra. 

É importante que o terapeuta não faça induções em sua condução para que possa alcançar informações plausíveis da paciente. O terapeuta pode perguntar se para o paciente seria interessante personificar a ansiedade. Transformá-la numa figura humana pode facilitar o processo de diálogo que será necessário no processo de diferenciação. 

Sugiro a ela então que observe bem a almofada que agora é a sua ansiedade. Pergunto a V. 

  • O que você gostaria de dizer para a ansiedade? 
  • O que você quer de mim? Por que faz isso comigo? – V. pergunta diretamente à ansiedade. 
  • O que ela te responde? Consegue ouvi-la?
  • Ela quer me destruir. 
  • Quer perguntar mais alguma coisa?
  • Quero. Por que você quer me destruir? – V. fica um tempo em silêncio e depois continua – Ela disse que eu não mereço estar viva. 
  • Como assim V.?
  • Ela me disse que não tenho valor nenhum e que todo mundo me odeia.
  • Quem é todo mundo?
  • Meus colegas de faculdade, meus professores.
  • Por que te odeiam?
  • Não sei.
  • Quer perguntar a ansiedade?
  • Por que eles me odeiam? – mais um breve silêncio – Porque nunca fiz nada certo.
  • Nada certo? Como é isso? 
  • Desde pequena eu ouço meus pais me criticando em tudo que eu faço, como me sento, como tenho que falar, não atrapalhar eles no trabalho, como ando, como me visto. 
  • Você acha que a ansiedade tem haver com o que você viveu com os seus pais? 
  • Não sei. 
  • Quer perguntar a ela?
  • Você tem haver com os meus pais? – ela aguarda a resposta – Sim, ela disse que sim. Inclusive agora vejo minha mãe nela.

Paremos por aqui para pontuar neste exemplo o que estava por trás da ansiedade. As repressões vindas dos pais acabam por se tornar energias afetivas ligadas aos complexos maternos e paternos de V.. Quando ela passa por uma situação em que terá que se expor para alguma situação em que receberá um possível julgamento, este estímulo irá constelar os complexos que irão se desestabilizar causando um desequilíbrio emocional com sintomas físicos resultando na ansiedade, o medo premente de reviver as mesmas condições do passado. Mas o processo terapêutico não finaliza por aqui.

A ansiedade é um aspecto natural do nosso organismo, sendo utilizada sempre que o corpo esteja em perigo. Neste caso, a ansiedade de V. aparece na situação em que ela acredita que irá correr algum risco e o organismo psíquico a lembra disso.  Ela começa a revisitar as memórias em um processo regressivo, lembrando-se das reprimendas e críticas de sua mãe. Essas mesmas reprimendas foram isoladas da consciência a fim de que o ego se mantivesse ileso e protegido, lançando-as para o inconsciente.  Agora precisa reformular e ressignificar esses fragmentos de memórias para que a energia volte a fluir para fora, para que continue a progredir em sua vida se adaptando aos obstáculos. 

O direcionamento é ajudar o paciente a trazer de volta à consciência o que se perdeu e dar uma função para a sua ansiedade. Neste caso, V. perdeu a capacidade de acreditar em si e com isso a sua ansiedade, que deveria lhe ajudar a lutar por si, passa a lhe consumir e machucar. 

Na clínica junguiana o uso da imaginação é um processo importante do qual o psicólogo pode se usar para trazer até a superfície as informações que estejam latentes no inconsciente. E aqui é importante enfatizar que os conteúdos do inconsciente não se escondem, mas sim se revelam em símbolos, sintomas e sonhos. A dificuldade pode aparecer quando o psicólogo não consegue ajudar na leitura da linguagem do inconsciente que não se traduz por uma lógica racional, já que tudo que dele emana tem diversas dimensões.  

Quando V. dá forma à sua ansiedade e passa a conversar com ela, está conversando com algo vivo dentro de si mesma. Esse movimento ajuda a dialogar com partes suas que têm vida própria e estão entremeadas de energia afetiva. Ao estabelecer esse diálogo através de sua imaginação, V. terá a possibilidade de redimensionar sua dor diferenciando e dando a si uma condição concreta de superação da situação. O Inconsciente parece querer ser descoberto, mas na verdade é uma questão de homeostase de um organismo que não é somente físico, mas psíquico e dinâmico, criativo e lógico ao mesmo tempo. 

Referências:

JUNG, C. G.. A Energia Psíquica. 8.ed. cor. Petrópolis: Vozes, 2002.

A natureza da psique. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

Ainon. Estudos Sobre o Simbolismo do Si-mesmo. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

Símbolos da Transformação. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1995.