O descaso da mídia e a cultura do estupro

As agressões sexuais acontecem em qualquer lugar, em qualquer classe social, e com pessoas de qualquer idade. Assim, os agressores podem ser qualquer um e ainda podem estar mais próximos das vítimas do que se imagina. Podem ser os pais, os vizinhos, amigos e os próprios parceiros.

Frases como “Se não quer que mexa, que não saia de roupa curta”, ou “Não dá pra evitar, sou homem” são comuns e constantes em ambientes de convivência social. Essa terceirização da culpa leva a sociedade a penalizar as próprias vítimas das agressões sofridas, como se os agressores não fossem responsáveis pelos próprios atos e sim induzidos pelas vítimas. Quando se diz sobre a violência com penetração à força há uma repetição do discurso. Essa transferência de culpa corrobora com uma cultura que nega o direito ao direito ao próprio corpo.

A inércia social diante do estupro e agressões com a mulher se dá pela naturalização do machismo em uma sociedade patriarcal. A naturalização do estupro se percebe quando as pessoas ficam horrorizadas a priori e em pouco tempo se esquecem do que aconteceu. Isso se deve também a forma como a notícia é passada. Um exemplo é que nas grandes mídias não há debates sobre estupro, apenas pronunciamentos de notícias. Essa superficialidade com a qual o estupro é tratado é a mesma de como é lembrado. Em manchetes de jornais o comum é ler “Homem suspeito de estuprar mulher” ou “mulher estuprada em tal lugar”, mas não se debate os assuntos que permeiam o estupro, tornando a informação dotada de uma ignorância não crítica sobre o que realmente é a violência contra a mulher. Esse tipo de notícia demostra a violência apenas como fatos e consequências: uma penetração não consensual- uma mulher abusada para estatísticas. Ou ainda que o homem e o estuprador não coexistem com slogans como “Homens de verdade não estupram”, é esse um fato que não foge aos meandros do machismo, que ultrapassam a agressão física e adentram o nosso cotidiano.

Entitlementé um termo utilizado para descrever o sentimento de homens sobre mulher, no sentido de se sentirem donos das mesmas. É uma relação desequilibrada de poder e é fruto de uma outra expressão: “cultura do estupro”. Essa cultura é a forma como normalizamos a violência sexual. Seu reflexo está nas estatísticas, apenas 2% dos acusados de estupro são levados a condenação. Essa não penalização dos acusados começa na denúncia, quando o alvo de investigação é a vítima e não o estuprador. Isso acontece por meio da tentativa indiscriminada de deslegitimação da denúncia através da sexualidade feminina, e de questionamentos do tipo: “Onde ela estava?”; “Que roupa usava?” e “Qual a postura da mulher? Nos casos de estupro realizados pelo companheiro, a ousadia do dizer não é o que se usa pra deslegitimar a acusação. Pois se entende natural a “obrigação” da servidão sexual da mulher em um relacionamento. A mídia trata estupro como casos isolados, uma tragédia. No entanto, deve-se ter um horror perante esse terrorismo machista e cotidiano.

Utilizando as mídias informais tem-se levantado campanhas como a “Make your move” que chama à responsabilidade também as pessoas que cercam a vítima em potencial. Quantas mulheres passam por agressões físicas, verbais e psicológicas sem poder identificar que estavam sofrendo uma violência não aceita e nem natural. Muitas vezes se sentindo culpadas, pois se identificam com alguma situação que socialmente é interpretada como propícia ao estupro, logo, como se as mulheres estivessem buscando por isso.

Combater a cultura do estupro requer, antes de tudo, percebê-la. E não é fácil, porque também nos mostra como falhamos no passado. A lei sobre estupro sofreu alteração em 2009, antes só era considerado estupro a penetração. Agora, segundo o artigo 213, se alguém for constrangido mediante violência ou ameaça grave, a ter conjunção carnal já é considerado estupro. O artigo 215 também considera estupro casos que tenham conjunção carnal ou prática de atos libidinosos com uma pessoa que não manifeste vontade.

Há algum tempo em um programa de TV um diretor de teatro fez uma “brincadeira” com Nicole Bahls em que passava a mão por baixo do vestido dela. A reação da dançarina revelou desconforto e exibiu nas redes sociais comentários sexista e opressores, pois ela usava vestido curto na ocasião. De acordo com a lei atual temos na ação do diretor um caso de estupro. Mas pelas mídias foi considerado apenas uma brincadeira, não dando atenção ao caso.

Ora a mídia trata como brincadeira, ora trata com desprezo. Em 2012, 8 integrantes da banda New Hit foram acusados de estuprar duas fãs, adolescentes, que haviam entrado no ônibus para pedir autógrafo e tirar fotos. O caso só foi noticiado por mídias informais, no entanto, ignorado pela grande mídia. No Brasil a cultura do estupro foi noticiada como piada por comediantes que dizem que homem quando estupra mulher feia não merece cadeia e sim um abraço (Programa CQC – Emissora Band – Rafinha Bastos).

Camisinhas estão em campanhas como “fórmula do amor” que equivale a embebedar a mulher para conseguir sexo sem resistência. Em outro comercial da Nova Schin um grupo de amigos bebem na praia quando um deles, ao observar as mulheres, pergunta pros outros: “Já pensou se a gente fosse invisível?”. Daí surge a encenação com latinhas de cervejas flutuando e que os homens invisíveis ficam passando a mão no corpo das mulheres no mar.  Por fim os homens invisíveis entram num vestiário feminino e as mulheres saem correndo aterrorizadas. Há ainda a naturalização do estupro em várias novelas que relatam cenas em que mulheres são o tempo todo assediadas ou estupradas por seus companheiros.

A responsabilidade dos meios midiáticos não se isenta de promover a naturalização do estupro, mas pelo contrário, reforçam isso constantemente usando um marketing machista que regra comportamentos e que determina as penalidades.  No entanto, é necessário reconhecer a cultura do estupro divulgada e se opor a ela, questionando as grandes mídias e exigindo reparações e promoção de discussões que anseiem pela liberdade e o fim da opressão e violência.

Saiba mais:

http://www.cemhomens.com/tag/cultura-do-estupro/

http://culturadoestupro.blogspot.com.br/

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/eu-nao-mereco-ser-estuprada-um-artigo-da-criadora-do-movimento/


Nota:

O texto teve a orientação do Prof. Dr. Ricardo Furtado Rodrigues

Aluna do Curso de Licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), Campus Vila Velha (ES) e integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos em Inovação Tecnológica e Ciências (INTEC)